Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02458/12.6BELRS
Data do Acordão:10/23/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
ARGUIÇÃO DE NULIDADE
CONVOLAÇÃO
Sumário:I - Constitui jurisprudência pacífica deste STA que, atento o carácter extraordinário da revista excepcional prevista no artigo 150.º do CPTA, não pode este recurso ser utilizado para arguir nulidades do acórdão recorrido, devendo tais nulidades ser arguidas perante o tribunal recorrido mediante reclamação, nos termos do artigo 615.º, n.º 4 do Código de Processo Civil.
II - A convolação do recurso excepcional de revista noutra espécie processual – reclamação para o TCA ou recurso por oposição de acórdãos, como requerido – apenas deve ser determinada se não se configurar como um acto inútil, o que sucede nos casos em que é manifesto que o TCA não incorreu em nulidade e em que não emitiu pronúncia sobre a questão alegadamente decidida em sentido oposto nos Acórdãos indicados como fundamento.
Nº Convencional:JSTA000P25041
Nº do Documento:SA22019102302458/12
Data de Entrada:05/08/2019
Recorrente:A... LDA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório –

1 – A………….., Lda, com os sinais dos autos, vem interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista excepcional do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 6 de Dezembro de 2018, que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que, na impugnação judicial por si deduzida no seguimento do indeferimento de reclamação graciosa contra liquidações de IVA referentes aos anos de 2006, 2007, 2008 e 2009, absolveu a Fazenda Pública da instância quanto ao invocado fundamento de falta de pressupostos do recurso a métodos indirectos e errónea quantificação da matéria tributável e improcedente a impugnação quanto ao invocado fundamento de caducidade do direito de liquidação.
Conclui a sua alegação de recurso nos seguintes termos:
1 – As decisões proferidas pelo Tribunal Tributário a quo e pelo Tribunal Central Administrativo do Sul não atenderam ao pedido da Recorrente na Reclamação junta aos autos de impugnação a 16/01/2013.
2 – A Recorrente na impugnação judicial alegou, como causa de pedir, factos que constituem a inexistência dos factos tributários (vide artigos 5.º a 17.º, 20.º, 22.º e 23.º da PI), bem como, nas suas Alegações (artigos 2.º, 5.º, 10.º e 11.º) e nas respectivas Conclusões (pontos II e IV) do recurso para o TCA Sul.
3 – A Impugnante/Recorrente cessou a atividade, o que fez em sede de IVA e IRC em 2009.
4 – O douto Acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia nos termos do artigo 125.º do CPPT, o que desde já se invoca para os devidos e legais efeitos.
5 – Na fundamentação de facto do Acórdão ficou assente que o processo de inquérito n.º 5903/09.4TDLSB, que motivou a realização das acções inspectivas encontra-se a aguardar o desfecho dos presentes autos, porém já foi proferido Despacho de não pronúncia por inexistência de descrição de elementos de facto cuja verificação indiciária sustenta a conclusão da prática de ilícito.
6 – A inexistência dos factos tributários é um vício cujo conhecimento pelo Tribunal não está sujeito à dedução prévia de um pedido de revisão da matéria tributável.
7 – A dedução do pedido de revisão não é sempre obrigatória quando a matéria colectável for fixada por métodos indirectos, apenas constitui pressuposto ou condição de impugnabilidade das liquidações mas tão-só em caso de erro na quantificação que diga exclusivamente referência a uma questão de facto ou em caso de erro nos pressupostos de aplicação da avaliação indirecta da matéria tributável, tal como resulta da norma.
8 – Encontram-se excluídos desse procedimento as correcções meramente aritméticas da matéria tributável e as questões de direito e casos como os de inexistência dos factos tributários, vícios de procedimento, preterição de formalidades legais, falta de fundamentação, não exige o legislador que exista pedido de revisão, atenta a incompetência da Comissão para se pronunciar sobre essas matérias.
9 – Donde o prévio pedido de revisão da matéria tributável, apenas é um pressuposto ou condição de procedibilidade quando a impugnação tem por fundamento o erro na quantificação da matéria tributável ou o erro nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos e não quando, como no caso dos autos, a recorrente tenha invocado como fundamento a inexistência de factos tributários e, bem assim, do critério utilizado pela Administração Tributária na concretização dessa avaliação indirecta.
10 – O presente recurso é admissível, nos termos do art., 150º, nº 1 do CPTA porque existem dois requisitos alternativos que fundamentam a interposição deste tipo de recurso:
(i) Questão que pela sua relevância jurídica ou social se revista de importância fundamental e
(ii) Necessidade clara da admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito.
11 – O Tribunal recorrido não se pronunciou sobre a reclamação prévia de revisão do ato de fixação da matéria tributável formulado cumulativamente que, em sede de impugnação judicial invocou como fundamento a inexistência de factos tributários e questiona a justificação dos critérios utilizados pela Administração Tributária na concretização dessa avaliação indirecta e critérios de rentabilidade fiscal adoptados para efetuar as correcções, coloca a Recorrente e qualquer contribuinte, que se encontre nestas circunstâncias, numa evidente injustiça.
12 – Resulta do Douto Acórdão recorrido o condicionamento do direito de acesso aos tribunais, ao introduzir um pressuposto de recorribilidade.
13 – Não foi assegurado ao contribuinte in casu a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
14 – Existe a necessidade premente do presente recurso para uma melhor aplicação do Direito.
15 – Caso assim não seja entendido, deverá ser determinada a convolação em recurso por oposição de acórdãos.
16 – O Acórdão recorrido, violou, entre outros, os normativos jurídicos elencados nos artigos 86º, nº 5 da LGT; 117.º e 125.º do CPPT; 20.º e 268.º n.º 4 da CRP.
TERMOS EM QUE, AO PRESENTE RECURSO DEVE SER DADO PROVIMENTO, COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS, COM O QUE VOSSAS EXCELÊNCIAS VENERANDOS CONSELHEIROS FARÃO JUSTIÇA.


2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal teve vista dos autos mas não emitiu parecer.


Colhidos os vistos legais, cumpre decidir da admissibilidade do recurso.
- Fundamentação -

4 – Dá-se por reproduzido o probatório fixado no acórdão recorrido (fls. 4 a 6 da numeração autónoma constante do acórdão).


5 – Apreciando.
5.1 Da admissibilidade do recurso
O recorrente interpôs o presente recurso de revista excepcional ao abrigo do disposto no artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), havendo agora que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 5 do artigo 150.º do CPTA.
Dispõe o artigo 150.º do CPTA, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:
1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue mais adequado.
4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da secção de contencioso administrativo.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».
Constitui igualmente jurisprudência pacífica deste STA que, atento o carácter extraordinário da revista excepcional prevista no artigo 150.º do CPTA, não pode este recurso ser utilizado para arguir nulidades do acórdão recorrido, devendo tais nulidades ser arguidas perante o tribunal recorrido mediante reclamação, nos termos do artigo 615.º, n.º 4 do Código de Processo Civil – cfr., entre muitos outros, os Acórdãos de 26 de Maio de 2010, rec. n.º 097/10, de 12 de Janeiro de 2012, rec. n.º 0899/11, de 8 de Janeiro de 2014, rec. n.º 01522/13, de 29 de Abril de 2015, rec. n.º 01363/14, de 7 de Março de 2018, rec. n.º 55/18.
O acórdão do TCA do qual a recorrente solicita revista negou provimento ao recurso interposto pela ora recorrente da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que, na impugnação judicial por si deduzida no seguimento do indeferimento de reclamação graciosa contra liquidações de IVA referentes aos anos de 2006, 2007, 2008 e 2009, absolveu a Fazenda Pública da instância quanto ao invocado fundamento de falta de pressupostos do recurso a métodos indirectos e errónea quantificação da matéria tributável e improcedente a impugnação quanto ao invocado fundamento de caducidade do direito de liquidação.
A recorrente requer revista do acórdão do TCA invocando, apenas e só, que nem o TCA, nem o Tribunal Tributário de Lisboa, atenderam ao pedido da Recorrente na Reclamação junta aos autos de impugnação a 16/01/2013, daí que o acórdão seja nulo por omissão de pronúncia por alegadamente não se ter pronunciado as questões suscitadas pela recorrente na reclamação, e que se consubstanciam designadamente na inexistência do facto tributário, em relação à qual a impugnação não dependia de prévio pedido de revisão da matéria tributável.
Como se disse já, constitui jurisprudência pacífica deste STA que, atento o carácter extraordinário da revista excepcional prevista no artigo 150.º do CPTA, não pode este recurso ser utilizado para arguir nulidades do acórdão recorrido, devendo tais nulidades ser arguidas perante o tribunal recorrido mediante reclamação, nos termos do artigo 615.º, n.º 4 do Código de Processo Civil – cfr., entre muitos outros, os Acórdãos de 26 de Maio de 2010, rec. n.º 097/10, de 12 de Janeiro de 2012, rec. n.º 0899/11, de 8 de Janeiro de 2014, rec. n.º 01522/13, de 29 de Abril de 2015, rec. n.º 01363/14, de 7 de Março de 2018, rec. n.º 55/18.
Daí que, não podendo a revista ser admitida com fundamento na nulidade do acórdão recorrido, poder-se-ia ponderar a respectiva convolação em reclamação para o TCA.
Afigura-se-nos, porém, que tal convolação se configura como um acto inútil, e como tal legalmente proibido, pois que atento o teor das conclusões das alegações de recurso para o TCA, que o próprio acórdão reproduz a fls. 2 e 3, se constata com toda a clareza que nenhuma nulidade da sentença foi suscitada no recurso ou sequer erro de julgamento desta por não ter atendido aos fundamentos de impugnação constantes da reclamação graciosa deduzida. É, pois, manifesto que o acórdão do TCA não incorreu em omissão de pronúncia, daí que não faça sentido determinar a convolação do presente recurso de revista em reclamação para o TCA.
Como nenhum sentido faz convolar o presente recurso de revista em recurso por oposição de acórdãos, como requer a recorrente na conclusão 15 das suas alegações.
É que o recurso por oposição de acórdãos (artigo 284.º do CPPT) pressupõe, desde logo e além de tudo o mais, a identificação da questão decidida alegadamente em sentido oposto no acórdão recorrido e no acórdão fundamento, e do que a recorrente se queixa é de o TCA não ter decidido questões que no seu entender o deviam ter sido, mas, como dissemos já, sem que tenha pedido ao TCA que as decidisse.
Não há, pois, que determinar tal convolação, que se afigura como acto inútil e como tal legalmente proibido.
A convolação do recurso excepcional de revista noutra espécie processual – reclamação para o TCA ou recurso por oposição de acórdãos, como requerido – apenas deve ser determinada se não se configurar como um acto inútil, o que sucede nos casos em que é manifesto que o TCA não incorreu em nulidade e em que não emitiu pronúncia sobre a questão alegadamente decidida em sentido oposto nos dois Acórdãos deste STA indicados como fundamento no corpo da alegação da recorrente.

Pelo exposto se conclui que o recurso não pode ser admitido como recurso de revista excepcional, não podendo igualmente determinar-se a respectiva convolação, nem em reclamação para o TCA, nem em recurso por oposição de acórdãos.

- Decisão -
Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso nem determinar a respectiva convolação.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 23 de Outubro de 2019. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Aragão Seia – Francisco Rothes.