Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:016/19.3BALSB
Data do Acordão:02/26/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA BENEDITA URBANO
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS
REVOGAÇÃO DE ACTO ILEGAL
RESTRIÇÃO DE DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS
Sumário:I - O pedido de condenação à revogação de determinados actos administrativos com fundamento na sua ilegalidade visa um efeito juridicamente inadmissível.
II - O pedido de condenação do Governo/CM e do MS na abstenção da prática de actos de execução dos actos administrativos que decretaram a presente requisição civil não se mostra idóneo a fazer desaparecer a compressão ao exercício do direito à greve que já resultava da prévia imposição de serviços mínimos.
Nº Convencional:JSTA000P24258
Nº do Documento:SA120190226016/19
Data de Entrada:02/12/2019
Recorrente:SINDICATO DEMOCRÁTICO DOS ENFERMEIROS DE PORTUGAL
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA SAÚDE E CONSELHO DE MINISTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1. Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal (SINDEPOR) veio intentar, ao abrigo do artigo 109.º e ss. do CPTA, a presente intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, sendo nela demandados [na sequência de convite da Relatora e após junção da p.i. corrigida] o Conselho de Ministros (CM) e o Ministério da Saúde (MS).

Com a presente intimação, o requerente pretende, em suma, que seja imposta ao Governo e ao MS, “na pessoa da sua titular”:

a) “a conduta positiva de revogação respectivamente, do acto administrativo da Resolução de Conselho de Ministros n.º 27-A/2019 e da Portaria n.º 48-A/2019 de 7 de Fevereiro”,

ou,

b) “a conduta negativa de se absterem de quaisquer actos de execução daqueles” (cfr. art. 4.º da p.i.).

Mais ainda, requer-se a condenação da Ministra da Saúde e, solidariamente, de todos os membros do Conselho de Ministros, a começar pelo Primeiro Ministro”:

c) “na sanção compulsória por incumprimento por cada dia em que, após a intimação, tal se verifique, em montante a fixar pelo Senhor Juiz Conselheiro mas que, dada a relevância dos bens jurídicos violados, o elevado número de pessoas atingidas e a gravidade e elevado grau de intencionalidade da conduta, se entender dever ser fixada em montante não inferior a 10.000,00€ diários”.

Quanto ao seu objecto, “A presente intimação incide sobre dois actos administrativos”, genericamente identificados como a Resolução de Conselho de Ministros n.º 27-A/2019, de 07.02.19, e a Portaria n.º 48-A/2019, igualmente de 07.02.19. Pela primeira, o CM reconheceu “a necessidade de se proceder à requisição civil dos enfermeiros em situação de greve, decretada pelo Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal (SINDEPOR) e pela Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros (ASPE), até ao dia 28 de fevereiro de 2019” e autorizou “a Ministra da Saúde a efetivar, sob a forma de portaria, a requisição civil dos trabalhadores referidos no número anterior, faseadamente ou de uma só vez, consoante as necessidades o exijam”. Com a segunda, a Ministra da Saúde, prolongando o decidido na dita resolução, decretou a requisição civil com efeitos imediatos e estabeleceu os seus termos (cfr. artigo 4.º da p.i.).

O direito, cujo exercício em tempo útil se pretende proteger, é o direito à greve consagrado no artigo 57.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), consubstanciando o mesmo um direito, liberdade e garantia (DLG) dos trabalhadores. A sua compressão deve-se a uma requisição civil alegadamente ilegal, em virtude de não se verificar o pressuposto que a justificaria – o incumprimento, por parte dos enfermeiros grevistas, dos serviços mínimos decretados no acórdão do Tribunal Arbitral.

Para sustentar a ilegalidade da requisição civil, motivo que subjaz aos pedidos (principal e subsidiário), o requerente argumenta sobretudo assim.
Além da questão da pretensa falta de fundamentação dos actos e da alegada violação da lei (arts. 1.º, n.os 1 e 2, do DL n.º 637/74, de 20.11, e do art. 8.º, n.º 4, da Lei n.º 65/77, de 26.08) e dos princípios da proporcionalidade, da adequação e da legalidade (art. 266.º da CRP), retenham-se, de forma sintética, estas outras causas de ilegalidade, na sua generalidade respeitantes à comprovação da “inveracidade do incumprimento dos serviços mínimos”: os moldes do decretamento dos serviços mínimos, demasiado extensos ou exagerados; a existência de “diversas situações em que existia tempo operatório e não foram realizadas cirurgias e outras em que, conhecendo-se de antemão que não havia espaço disponível e, consequentemente tempo operatório disponível, foram chamadas pessoas para realizar intervenções cirúrgicas, e assim se imputar aos enfermeiros dolosa e intencionalmente, o incumprimento de serviços mínimos” (artigo 60.º da p.i.); ilegal notificação dos enfermeiros pelo Conselho de Administração do Hospital de São João (artigos 62.º e 63.º da p.i.); no CHEDV houve uma operação que não se realizou porque “o cirurgião que ia operar este paciente, à tarde não tem horário de bloco (artigo 70.º da p.i.); no mesmo CHEDV “a greve dos enfermeiros veio permitir que se operasse mais do que num período em que não existia greve, pelo que os ditos serviços mínimos foram inequivocamente transformados em mais do que serviços máximos” (artigo 71.º da p.i.); ainda, “o bloco de ORL este Centro Hospitalar veio, em período de greve dos enfermeiros e na medida do decretamento dos serviços mínimos, operar doentes com prioridade normal; decisões tomadas pelos serviços, designadamente pelos Conselhos de Administração, a que os enfermeiros são alheios “e que tanto poderiam ocorrer em situação de greve, como numa situação em que não estivessem em greve” (artigo 89.º da p.i.); desrespeito por parte de Centro Hospitalar e Universitário do Porto, EPE, da fixação dos serviços mínimos estabelecidos no acórdão do Tribunal Arbitral que fixou os serviços mínimos (artigos 90.º a 93.º da p.i.); relativamente a “todos os Centros hospitalares”, “houve uma indicação do Ministério da Saúde para marcação de doentes prioritários, em todas as salas, não obstante se saber previamente que só tinham duas salas para operar” (artigo 94.º da p.i.); “em Viseu” ocorreram situações de coacção para a abertura de “mais salas” para realização de “cirurgias extras” (artigo 95.º da p.i.); no Centro Hospitalar de São João foram considerados prioritários doentes em relação aos quais já tinham sido há muito ultrapassados os tempos de espera definidos legalmente para doentes com prioridade normal (artigo 101.º da p.i.); no mesmo centro hospitalar: no dia 04.02, verificou-se a falta de comparência de médicos e doentes (artigo 103.º da p.i.); a convocação de enfermeiros de cirurgia infantil para cirurgias de ortopedia de adultos (artigo 107.º da p.i.); suficiência de enfermeiros não grevistas para assegurar o serviço nas salas com serviços mínimos (artigo 108.º da p.i.); atrasos nas cirurgias não imputáveis aos enfermeiros grevistas (artigos 110.º e 111.º da p.i.); em Janeiro, realização de abdominoplastias, liftings de coxas, liftings de braços quando havia lista de espera de doentes oncológicos e prioritários (artigo 120.º da p.i.); no centro materno-infantil, adiamento de uma cirurgia por falta de consentimento parental (artigo 122.º da p.i.); adiamento de cirurgias por falta de material e/ou falta de vaga no hospital (artigo 124.º da p.i.); no Hospital de Viseu “desde há cerca de 10 anos que à 6ª feira, a partir das 14H00, não são realizados actos cirúrgicos (artigo 127.º-A da p.i.); “para os dias de serviços mínimos, os planos operatórios foram estrategicamente aumentados para números que nem num dia de normal funcionamento dos serviços seria possível assegurar (artigo 127.º-E da p.i.); “no período de pré-greve foram desmarcadas várias cirurgias por falta de camas mas foi dito aos doentes que «o adiamento da sua cirurgia foi devida à greve dos enfermeiros” (artigo 127.º-H da p.i.).

A final, peticionam o seguinte:

“Nestes termos e nos mais de Direito, deverá a presente intimação, proceder por provada e, em consequência, tendo presente a múltipla e insanável invalidade da requisição Civil decorrente da resolução do Conselho de Ministros nº 27-A/2019, de 07 de Fevereiro e da subsequente Portaria nº48-A/2019, de 7 de fevereiro da Ministra da Saúde, ser emitida uma decisão de mérito que imponha ao Governo e ao Ministério da saúde, na pessoa da sua titular, a conduta positiva de revogação respectivamente do acto administrativo da Resolução do Conselho de Ministros nº 27-A/2019 e da Portaria nº48-A/2019 de 7 de Fevereiro ou, pelo menos, e quando assim não se entenda, a conduta negativa de se absterem de quaisquer actos de execução daqueles, por forma a assegurar o exercício do direito à greve oportunamente decretado pelo Requerente, condenando-se ainda a Ministra da Saúde e, solidariamente, todos os membros do Conselho de Ministros, a começar pelo Primeiro Ministro, na sanção compulsória por incumprimento por cada dia em que, após a intimação, tal se verifique, em montante a fixar pelo Senhor Juiz Conselheiro mas que, dada a relevância dos bens jurídicos violados, o elevado número de pessoas atingidas e a gravidade e elevado grau de intencionalidade da conduta, se entender dever ser fixada em montante não inferior a 10.000,00€ diários”.

2. Devidamente citados, os requeridos CM e MS vieram apresentar conjuntamente a sua resposta, defendendo-se por excepção, por impugnação e colocando ainda uma questão prévia.

2.1. Quanto à questão prévia, tem a mesma que ver com a suposta “ambiguidade do peticionado”. Em relação a ela alegam, em resumo, o seguinte:

“23.º

Solicita o requerente, como já se identificou, que venha nestes autos a ser proferida uma decisão de mérito que: (i) ou, a título principal, “imponha a conduta positiva da revogação do ato administrativo da Resolução do Conselho de Ministros n.º 27-A/2019 e da Portaria n.º 48-A/2019”; (ii) ou, subsidiariamente, “imponha [ao Governo e à Ministra da Saúde] a conduta negativa de se absterem de quaisquer atos de execução daqueles”.

24.º

Aparentemente linear, tal conjugação de pedidos é, no entanto, estruturalmente ambígua e passível de ser interpretada de dois modos distintos, ambos com suporte no modo como foram expressamente enunciados a final e na forma como se articulam com o encadeamento lógico de todo o articulado.

25.º

Na verdade, tomando em consideração apenas o petitório, parece o mesmo dever ser lido no sentido de pretender o requerente nestes autos a condenação dos requeridos na emissão de atos administrativos de revogação dos que autorizaram e decretaram a requisição civil ― pretensão condenatória sucedânea de uma ação administrativa de condenação à prática de ato devido, anote-se, abstratamente cabível no âmbito da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, como o revela, designadamente, o disposto o n.º 3 do artigo 109.º do CPTA.

26.º

Visto por seu turno o conjunto da petição inicial, e muito em particular o articulado pelo requerente nos artigos 35.º e ss. (“os atos administrativos são nulos”) e 142.º e ss. (“os atos administrativos violam…”), parece que o que se pretende obter, através da presente intimação, é afinal a impugnação, sob a forma de declaração de nulidade, dos atos contidos naquela Resolução do Conselho de Ministros e naquela Portaria ― o que faria convolar a presente intimação, portanto, numa via sucedânea de uma ação de impugnação de atos administrativos.

27.º

Pois bem: qualquer que venha a ser a interpretação acolhida por este Supremo Tribunal, facto é que cada uma destas hipóteses de leitura do peticionado pelo requerente parece originar a verificação de uma diferente exceção dilatória: (i) ou a de nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial, no primeiro caso; (ii) ou a de impropriedade do meio processual escolhido, no segundo”.

2.2. No que se refere à matéria exceptiva, alegam os requeridos, em resumo, o seguinte:

2.2.1. Nulidade do processo por ineptidão da petição inicial:

“31.º

Por outro lado, e por consequência, que “não são suscetíveis de revogação (…) os atos nulos” (alínea a) do n.º 1 do artigo 166.º do CPA).

32.º

Não há por isso condições lógicas e jurídicas para que, em consequência de uma eventual sentença de provimento da presente intimação, venham os ora requeridos a ser condenados na emissão de atos de revogação de atos administrativos (os contidos na Resolução do Conselho de Ministros e na Portaria da Ministra da Saúde) que, no entender do próprio requerente, devem ser afinal tidos por nulos.

Sendo por outro lado óbvio que “a Administração (…) não pode revogar o que não seja um ato administrativo ou que seja um ato administrativo nulo” (M. AROSO DE ALMEIDA, ibidem, p. 350).

(…)

35.º

Enfim: arvorado numa causa de pedir sustentada na invocação da invalidade por nulidade daqueles atos administrativos, acaba o requerente por concluir, no pedido, por deduzir uma pretensão (a condenação à emissão de atos de revogação) que é, muito pura e simplesmente, impossível de obter à luz da nossa ordem jurídica.

36.º

E que nesses termos gera uma contradição insanável entre a causa de pedir e os pedidos inscritos na petição inicial, conduzindo assim à sua ineptidão (alínea b) do n.º 2 do artigo 186.º do CPC) e por consequência à nulidade de todo o processo (n.º 1 do artigo 186.º do CPC), exceção dilatória (cfr. a alínea b) do n.º 4 do artigo 189.º do CPTA) que se invoca para os devidos efeitos”.

2.2.2. E sobre a impropriedade do meio processual:

“37.º

Exime-se eventualmente da contradição acabada de identificar a petição inicial se, em alternativa e em correspondência com a imputação de nulidade assacada aos atos constantes da Resolução do Conselho de Ministros n.º 27-A/2019 e da Portaria n.º 48-A/2019, forem os seus pedidos lidos, afinal, como consubstanciando pretensões impugnatórias de tais atos.

38.º

Sendo isso mesmo que parece efetivamente pretender o requerente, ao anexar expressamente que “a presente intimação incide sobre dois atos administrativos, que ora se impugnam para todos os devidos e legais efeitos” (artigo 4.º da petição inicial).

De resto, tendo através dessa Resolução do Conselho de Ministros e dessa Portaria sido praticados (vários) atos administrativos de conteúdo positivo, é precisamente a sua impugnação, seja sob a forma de anulação ou sob a forma de declaração de nulidade, o meio próprio de tutela que a lei processual portuguesa oferece tendo em vista a sua remoção da ordem jurídica (cfr. o n.º 1 do artigo 50.º do CPTA).

Mas, se for afinal este o objeto da presente intimação, um outro vício a inquina, qual seja o de as pretensões impugnatórias que a suportam não caberem, objetiva e estruturalmente, no âmbito do processo urgente de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias.

(…)

E acolhe-o também a nossa jurisprudência administrativa, ao assinalar devidamente que “pretendendo o requerente a anulação do ato administrativo, o meio processual próprio é a ação administrativa de impugnação de ato administrativo (…) não [é] possível através da intimação para proteção de direitos liberdades e garantias conceder a tutela jurisdicional”, na medida em que “não [é] a intimação [o] meio processual próprio para a anulação de atos administrativos” (Acórdão do TCA Sul de 23.11.2017, Proc. n.º 1499/17.1BELSB, disponível em www.dgsi.pt/jtca).

O que equivale por dizer, agora nas palavras deste Supremo Tribunal, que “a declaração de nulidade ou anulação de atos não se enquadra nas finalidades do processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias” (Acórdão do STA de 7.10.2009, Proc. n.º 0884/09, disponível em www.dgsi.pt/jsta).

Se assim é, então, uma outra exceção dilatória (inominada) inquina a presente intimação: a impropriedade deste meio processual para satisfação das pretensões impugnatórias do requerente”.

2.3. No que se refere à defesa por impugnação, alegam, em resumo, o seguinte:

“4.2. Da improcedência das ilegalidades invocadas pelo requerente

4.2.1. A alegada «falta de fundamentação»

203.º

Despontam nesta alegação, porém, variadíssimos equívocos.

204.º

Assenta ela, desde logo e novamente, na leitura parcial que o requerente insiste fazer do teor da Resolução do Conselho de Ministros n.º 27-A/2019.

205.º

Sucede que dela resulta inequivocamente que a requisição civil aí autorizada e depois decretada por via da Portaria n.º 48-A/2019 não teve apenas por causa o verificado incumprimento desses serviços mínimos, mas antes e também a necessidade de assegurar o restabelecimento e normal funcionamento dos blocos operatórios do serviço público de saúde, afetados pelo suceder de várias e prolongadas paralisações de enfermeiros.

206.º

Não tem por seu turno qualquer sustentação a exigência, reclamada pelo requerente, de ter de constar dessa Resolução a discriminação circunstanciada das situações de incumprimento dos serviços mínimos nos quatro Centros Hospitalares objeto de requisição.

207.º

Pois que, enquanto ato-pressuposto que se limita a autorizar a requisição, é suficiente que dele constem apenas razões determinantes dessa opção, de modo a permitir a um normal destinatário compreender o seu porquê.

208.º

Não se compreenderia aliás, e seria caso inédito na legística portuguesa, que viessem hipoteticamente refletidos numa Resolução do Conselho de Ministros dados clínicos e técnicos relativos a dezenas ou mesmo centenas de cirurgias!

209.º

Tanto mais que dados desse tipo, reveladores de informações de saúde dos seus titulares, se encontram no ordenamento jurídico português cobertas por especiais garantias e reservas de divulgação, seja nos termos do disposto na Lei sobre Informação Genética Pessoal e Informação de Saúde (Lei n.º 12/2005, de 26 de janeiro), seja nos termos da Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto).

210.º

Compreende-se deste modo que o Governo se tenha bastado em remeter para as “informações detalhadas” dos Conselhos de Administração dos Centros Hospitalares a esse respeito ― as quais sempre foram e são em primeira linha do conhecimento do pessoal clínico (médicos e enfermeiros) que neles presta funções.

211.º

Nenhum parâmetro de suficiência que se conheça no ordenamento jurídico-administrativo português exige, portanto, que fosse a Resolução do Conselho de Ministros a sede para a discriminação dos “concretos serviços mínimos violados”, e correspondentes “circunstâncias, tempo, modo e lugar”.

(…)

214.º

Importa então não desconsiderar a circunstância ― factual ― de o ora requerente ter podido e conseguido, sem lastro de qualquer dificuldade, reagir contenciosamente contra uma Resolução do Conselho de Ministros cujo alcance compreendeu perfeitamente, mas que simultaneamente apoda de “impercetível” (!).

215.º

Seja como for, sempre interessa também ter em conta que, mais uma vez ao invés do que pretende fazer crer o requerente, qualquer deficiência de fundamentação que eventualmente inquinasse a Resolução do Conselho de Ministros n.º 27-A/2019 nunca determinaria a sua nulidade, mas tão-só a sua anulabilidade.

216.º

Com efeito, e novamente em linha com a jurisprudência deste Supremo Tribunal, importa reter que “o vício de forma, por insuficiente fundamentação, mesmo em relação a atos praticados no exercício de poder discricionário, apenas determina a mera anulação do ato” (Acórdão do STA de 30.01.1992, Proc. n.º 028087, disponível em www.dgsi.pt/jsta).

217.º

Nesta medida, e mesmo que se admitisse, em puro benefício da discussão, que a Resolução do Conselho de Ministros n.º 27-A/2019 padeceria de qualquer deficiência fundamentadora em virtude da não discriminação circunstanciada de quaisquer situações de incumprimento dos serviços mínimos, sempre daí nunca poderia resultar, no presente caso, a efetiva anulação dos atos nela contidos, nem assim dos subsequentemente aprovados ao seu abrigo pela Portaria n.º 48-A/2019.

218.º

É que, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 5 do artigo 163.º do CPA, “não se produz o efeito anulatório quando se comprove, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício, o ato teria sido praticado com o mesmo conteúdo”.

219.º

Sendo precisamente “no domínio dos pressupostos do ato e dos motivos determinantes do seu conteúdo discricionário que a previsão em apreço tend[e] a encontrar o seu campo preferencial de aplicação”, de modo tal que a ela se subsumem as situações em que “tendo um ato discricionário sido praticado, com um determinado conteúdo, com fundamento em vários pressupostos e/ou motivos, algum ou alguns dos quais viciados, seja possível concluir, sem margem para dúvidas, que o autor do ato o teria praticado, nos mesmos termos, se só tivesse considerado os pressupostos e/ou motivos válidos” (M. AROSO DE ALMEIDA, Teoria Geral, cit., p. 309).

220.º

Ora, no caso em apreço, como por diversas vezes já se destacou, a autorização da requisição civil que consta da Resolução do Conselho de Ministros n.º 27-A/2019 arvorou-se em dois distintos fundamentos: (i) na necessidade de assegurar, em função do estado de perturbação geral nos blocos operatórios, a regular continuidade da prestação pública de serviços de saúde; e, “adicionalmente”, (ii) na necessidade de reagir às ocorridas situações de incumprimento da obrigação de prestação de serviços mínimos.

221.º

Neste sentido, mesmo se inquinado na sua fundamentação este segundo motivo, sempre restaria, como suporte de tal ato, aqueloutro.

222.º

Ao que acresce, derradeiramente, a circunstância ― também factual ― de as situações de incumprimento de serviços mínimos terem sido, como o foram naqueles quatro Centros Hospitalares, reais (cfr. supra, 3.3.).

223.º

O que faz com que, mesmo se e quando virtualmente anulável, o ato autorizador da requisição civil não pudesse senão voltar a ser praticado com o mesmíssimo conteúdo com que o foi no passado dia 7 de fevereiro”.

4.2.2. A alegada «inveracidade do incumprimento dos serviços mínimos»

224.º

Soçobra toda a alegação constante dos artigos 47.º a 135.º da petição inicial, presuntivamente destinada a querer fazer valer um vício de violação de lei, por suposto erro sobre os pressupostos de facto, por um único mas ineliminável motivo:

225.º

Ser verdade, como já se comprovou (cfr. supra, 3.3.), que houve naqueles quatro Centro Hospitalares, durante o período que mediou o início da paralisação e data da requisição civil, adiamentos de atos cirúrgicos que deviam ter sido realizados por corresponderem às categorias de serviços mínimos definidas pelo tribunal arbitral.

226.º

Revelando-se por seu turno verdadeiramente inextricável e ademais irrelevante toda a torrente de supostos “casos concretos” aí trazidos à liça pelo requerente.


4.2.3. A alegada «impossibilidade de requerer todos os enfermeiros de escala»

227.º

Releva por sua vez da mais frágil das falácias todo o alegado nos artigos 136.º a 141.º da petição inicial, segmento no qual intenta o requerente fazer valer a ideia de que a requisição ora sub judice teria tido um âmbito subjetivo irrestrito, abrangendo, independentemente da sua condição (aderente ou não à greve) ou necessidade (para garantir o cumprimento dos serviços mínimos), todos os enfermeiros.

228.º

Não é porém assim, como na alegação factual desta resposta já se pôde asseverar (cfr. supra, 3.4.2.) e o conteúdo da Portaria n.º 48-A/2019 o confirma plenamente.

229.º

Ao fazer incidir a requisição, circunstanciadamente, apenas sobre os enfermeiros aderentes à greve que se revelassem necessários para o cumprimento dos serviços mínimos resultantes da decisão arbitral de 11 de janeiro, cai pela base a alegação de que a requisição tenha tido um âmbito irrestrito de aplicação.

4.2.4. A alegada «violação da lei e dos princípios legais»

230.º

Já quanto ao derradeiramente invocado nos artigos 142.º e ss. da petição inicial, nada daí se extraí que comprometa a legalidade das decisões que estiveram na base da requisição civil do passado dia 7 de fevereiro.

231.º

É que, muito ao invés de violadores das disposições inscritas no Decreto-Lei n.º 637/74, de 20 de novembro, os atos que autorizaram e decretaram a requisição civil corresponderam, isso, sim a aplicações legítimas do regime aí instituído, por verificação dos respetivos pressupostos objetivos e funcionais (cfr. supra, 4.1.2., a)).

232.º

Quanto por sua vez a uma suposta violação do “art.º 8.º, n.º 4 da Lei 65/77, 26 Agosto”, talvez valha a pena recordar o requerente que esse ato normativo, antes contendo a Lei da Greve, se encontra revogado há já mais de 15 anos…!

233.º

Sendo que, se se propunha o requerente a invocar a vigente disposição de âmbito laboral pertinente a este respeito ― o n.º 3 do artigo 541.º do Código do Trabalho –, resulta então claro ser essa invocação igualmente destituída de quaisquer consequências, por ter efetivamente assentado a requisição civil sub judice (também) numa situação de incumprimento de serviços mínimos que, como já se revelou, era e foi, no plano dos factos, real (cfr. supra, 3.3.).

234.º

Quanto finalmente à conjugada invocação dos artigos 56.º e 57.º da Constituição, dos princípios da proporcionalidade e da adequação, assim como, por outro lado, de um suposto “abuso de direito e venire contra factum proprium” imputável ao Governo, soçobra ela pelo que de imediato se passa a expor.

4.3. Da inexistência de qualquer direito fundamental (legítimo) tutelável

4.3.1. Em geral: o necessário balanceamento do direito à greve

(…)

237.º

Não se podem contudo ignorar os elementos sistemáticos a que se encontra vinculada a ponderação que a este Supremo Tribunal caberá efetuar a respeito do bem fundado dessa intervenção administrativa unilateral.

238.º

O primeiro, quiçá mais óbvio, respeita à reconhecidíssima não-absolutidade do direito fundamental à greve, emergente da imposição, explicitamente decorrente do n.º 3 do artigo 57.º da Constituição da República Portuguesa, de o fazer concordar com outros direitos, bens ou valores constitucionais de equivalente ou superior preponderância in casu, e se preciso for, como o admite a lei ordinária, através da ativação da requisição civil.

(…)

240.º

Na realidade, tratando-se de uma intervenção restritiva, a mesma pode assumir caráter implícito, como a jurisprudência portuguesa pacificamente aceita, se o exercício do direito à greve colidir com o conteúdo essencial de outros direitos fundamentais e interesses constitucionalmente protegidos.

(…)

244.º

Ora, ao terem autorizado e decretado a requisição civil no contexto de uma situação comprovadamente excecional, também o Conselho de Ministros e depois a Ministra da Saúde se limitaram ao necessário e adequado para salvaguardar os limites externos a esse direito, assegurando a sua concordância prática com outros direitos in casu mais valiosos ― os direitos fundamentais à vida, à integridade física e à saúde.

(…)

246.º

Convertendo assim a requisição civil decretada, antes do mais, num instrumento de concretização dos deveres estatais de proteção dos direitos fundamentais à saúde, integridade física e, in limine, vida de todos os utentes, presentes e futuros, do Serviço Nacional de Saúde.

(…)

250.º

Parece por demais evidente que, quer o regular funcionamento dos blocos operatórios, quer os direitos qualificados dos pacientes prejudicados prevalecem, indiscutivamente, sobre o exercício da greve decretada e exercida nestes moldes.

4.3.2. Em concreto: a ilicitude da presente greve

251.º

Impõe-se no entanto avançar mais um passo, e questionar se, por detrás da soldadura formal do «direito à greve» invocado pelo requerente em benefício dos seus representados, não se traduzem as sucessivas greves cirúrgicas num modo afinal de contas ilícito de proceder ao seu exercício.

252.º

E que coloca o requerente e cada um dos seus representados a total descoberto da proteção jus-constitucional inscrita no artigo 57.º da Constituição da República Portuguesa.

(…)

254.º

Na realidade, estruturalmente equivalente à entretanto já finda primeira greve cirúrgica, é também a atual um protótipo acabado das (ilegais, porque nunca assim pré-anunciadas nas suas convocatórias) greves rotativas ou articuladas, cuja caracterização fiel resulta do recente Parecer n.º 6/2019 do Consultivo da Procuradoria-Geral da República, de 15 de fevereiro de 2019.

255.º

Entretanto já homologado pela Ministra da Saúde e pelo Primeiro-Ministro, e que vai também junto a esta resposta.

(…)

266.º

Só que, como hoje é já claro, esse quadro ponderatório surge claramente desequilibrado a favor dos segundos, porquanto o concreto direito fundamental à greve que serve de arrimo à presente intimação se revela, por abusiva e ilicitamente exercido, funcionalmente descaracterizado como tal.

Terminam, a final, do seguinte modo:

“Termos em que, sem prejuízo do que caiba decidir quanto às exceções dilatórias supra invocadas, deve a presente intimação ser julgada integralmente improcedente, absolvendo-se os requeridos de todos os pedidos”.

3. Sem necessidade de vistos, dado o carácter urgente do processo (cfr. art. 36.º, n.º 1, al. e), do CPTA, vêm os autos à conferência para decidir.

II – Fundamentação

1. De facto:

Com relevo para a decisão a proferir, apura-se a seguinte matéria de facto:

1) O Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal (SINDEPOR) e a Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros (ASPE) promoveram e decretaram uma greve de enfermeiros a realizar entre as 8 horas de 14.01 às 24 horas de 28.02 de 2019.

2) Em 07.02.19 foi publicada no DR, 1.ª série, n.º 27, a Resolução de Conselho de Ministros n.º 27-A/2019, de 07.02, (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido)

3) Em 07.02.19 foi publicada no DR, 1.ª série, n.º 27, a Portaria n.º 48-A/2019, de 07.02. (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

4) A requisição civil de enfermeiros decretada abrange os enfermeiros que exerçam funções no Centro Hospitalar e Universitário de S. João, E.P.E, Centro Hospitalar e Universitário do Porto, E.P.E; no Centro Hospitalar de Entre Douro e Vouga, E.P.E. e no Centro Hospitalar de Tondela-Viseu, E.P.E. (arts. 1.º e 2.º da Portaria n.º 48-A/2019, de 07.2).

5) Por acórdão n.º 01/2019 - SM do Tribunal Arbitral foram determinados os serviços mínimos para a greve mencionada em 1) – cfr. docs. 4 e 1 e 2 apresentados, respectivamente, pelo requerente e pelos requeridos (cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

6) Em 11.02.19 deu entrada neste STA a presente intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias intentada pelo Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal (SINDEPOR).

2. De direito:


2.1. Como decorre da petição de tutela urgente constante de fls. 1 e ss., o requerente solicita que os requeridos (CM e MS) sejam intimados para revogar os actos administrativos que determinaram a requisição civil (a resolução do CM e a portaria da MS) ou, caso assim não se entenda, para que os mesmos se abstenham da prática de quaisquer actos de execução daqueles outros actos. A estes pedidos, principal e subsidiário, acresce o pedido, meramente complementar, de condenação do Governo/CM e MS a pagar uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de incumprimento da intimação.

Consigna-se que não foi determinada a citação dos hospitais e centros hospitalares indicados como contra-interessados, pois nem a sua legitimidade passiva foi sustentada, nem eles são parte legítima; pois, em termos jurídicos, não se pode dizer que os hospitais e centros hospitalares tenham um interesse próprio na manutenção dos actos em causa na presente intimação.

2.2. Da questão prévia da ambiguidade do peticionado e das excepções da ineptidão da p.i. e da impropriedade do meio processual

Os requeridos, na sua resposta, vêm chamar a atenção para a suposta ambiguidade do pedido, na medida em que é peticionada a intimação do Governo e do MS (na pessoa da Ministra da Saúde) para efeitos de revogação dos actos administrativos praticados, respectivamente, pelo CM e pela MS mas, para fundamentar este pedido, invoca-se a ilegalidade dos actos administrativos (v.g., a falta de ou insuficiente fundamentação desses actos) e, concretamente, a sua nulidade. Partindo dessa ambiguidade, os requeridos começam por deduzir a excepção da ineptidão da p.i. por contrariedade entre o pedido e a causa de pedir. Vejamos.

Efectivamente, é peticionada, a título principal, a intimação do Governo e do MS (na pessoa da sua titular, a Ministra da Saúde) para que estes revoguem os actos administrativos praticados pelo CM e a MS e a fundamentação deste pedido principal assenta na pretensa ilegalidade de tais actos administrativos e, mais especificamente, na sua nulidade (cfr. arts. 35.º e ss. da p.i.). Todavia, nenhum dos pedidos, principal e subsidiário, é em si mesmo ambíguo, pois cada um deles só comporta uma única significação. E a relação entre ambos também não traz ambiguidade, visto que eles se articulam em subsidiariedade (art. 554º, n.º 1, do CPC). E também não ocorre uma contradição entre o pedido de revogação e a causa de pedir (art. 186º, n.º 2, al. b), do CPC). Com efeito, e em termos lógicos, nenhuma incoerência há em pedir-se uma conduta supressiva de actos por eles serem ilegais. Questão diferente, que entra já no mérito da presente intimação, é saber se um tal pedido deve proceder ou não.

Mas, antes das questões de fundo, importa analisar a outra excepção deduzida pelos requeridos, relacionada com a forma processual utilizada.
Os próprios requeridos, partindo da tal suposta ambiguidade no peticionado, admitem que não está posto de parte que o requerente quisesse, na realidade, a invalidade dos actos administrativos e não a sua revogação. Isto é, poderia colocar-se a questão de saber se, sob a capa de um pedido condenatório (condenação numa conduta positiva), não estaríamos, na realidade, perante um pedido impugnatório (a declaração de nulidade dos actos administrativos de decretação da requisição civil). Implicaria isto que a expressão ‘revogação’ tivesse sido utilizada num sentido atécnico, como supressão ou eliminação dos referidos actos administrativos. Mas, a ser assim, e segundo os requeridos, teria de concluir-se pela verificação da excepção da impropriedade do meio processual utilizado. Sucede que o requerente, em requerimento apresentado em 22.02.19 (pp. 568 a 565), vem afirmar de forma expressa, e sem margem para dúvidas, que não há qualquer ambiguidade no que por si foi peticionado (“ Salientando que, como é absolutamente óbvio, inexiste qualquer ambiguidade do peticionado, Como também que a Petição Inicial contém todos os elementos de facto e de Direito que o regime legal deste processo urgente exige, 10º Sendo assim o meio processual adequado e, mais do que isso, indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, do direito fundamental à greve”). Pelo que não tem sentido apreciar se se verifica ou não a excepção da impropriedade do meio processual utilizado, porque ela pressupunha, tal como evidenciado pelos requeridos na sua resposta, que o pedido condenatório fosse, afinal, um pedido impugnatório – o que, como se disse, foi rejeitado pelo requerente.
Em síntese, e pelos motivos expostos, não se verificam as excepções da ineptidão da petição inicial e da da impropriedade do meio processual.

2.3. Dos pedidos de revogação e de não execução dos actos administrativos que determinaram a requisição civil

Deixando de parte a matéria exceptiva, cabe agora entrar na apreciação dos pedidos, subsidiário e principal, apresentados pelo requerente.

Apreciação que começará por incidir sobre o pedido principal, o da condenação a revogar os actos administrativos em causa por motivos da sua ilegalidade. E, quanto a ele, cabe reter que, como é por demais sabido, o actual Código de Procedimento Administrativo (CPA – DL n.º 4/2015, de 07.01) distingue entre revogação e anulação dos actos administrativos, a primeira por razões de mérito, conveniência ou oportunidade e a segunda com fundamento em ilegalidade (cfr. art. 165.º, n.os 1 e 2, do CPA). Isto significa que, à luz do CPA vigente, não é possível a revogação de actos administrativos com fundamento na sua ilegalidade.
Assim, e olhado o pedido (de condenação a revogar) nos seus precisos e exactos termos, tudo imediatamente indica que ele visa um efeito juridicamente inadmissível.

Não obstante, podemos encarar a dita «revogação» como um modo imperfeito de designar o seu género, isto é, o propósito de que os requeridos sejam condenados a suprimir os actos – por uma forma qualquer, designadamente a da anulação.
Mas, olhado o pedido – de condenação a revogar – nesta perspectiva, a posição do requerente não melhora. Quando são confrontados com actos ilegais, os tribunais administrativos declaram-nos nulos ou anulam-nos – sendo juridicamente inconcebível que condenem a Administração a fazê-lo.
Portanto, o pedido de que se condene a Administração a revogar (ou suprimir) os actos aqui em causa constitui um modo artificioso de ajustar a pretensão à forma processual utilizada. Mas esse artifício revela-se fatal para o requerente, já que o pedido assim formulado discrepa das determinações típicas que os tribunais podem dirigir à Administração.

Quanto ao pedido subsidiário, o da intimação para a adopção de uma conduta negativa, in casu, para impor ao Governo/CM e à MS se abstenham de quaisquer actos de execução dos actos administrativos impugnados, torna-se igualmente necessário averiguar se o mesmo deve ou não proceder. Vejamos.
Com este meio processual urgente pretende-se assegurar o exercício em tempo útil de um DLG ou de direito a ele análogo. In casu, trata-se do direito à greve consagrado no artigo 57.º da CRP (um dos DLG dos trabalhadores). O requerente sustenta que, em virtude da ilegalidade da requisição civil – porque não se verificou o incumprimento dos serviços mínimos que justificaria a sua decretação –, foi desrespeitado o direito à greve dos enfermeiros. O que cabe seguidamente questionar é se o pedido subsidiário formulado pelo requerente, a ser atendido, serviria para garantir o tal exercício do direito à greve em tempo útil. Isto significa perguntar, de forma mais concreta, se a imposição judicial dirigida ao CM e à MS no sentido de se absterem de praticar actos de execução dos actos administrativos que decretaram a requisição civil implica a remoção de um obstáculo ao exercício do direito à greve. E a resposta terá de ser negativa. Com efeito, a compressão ao direito à greve é operada pelo Acórdão n.º 1/2019 do Tribunal Arbitral que fixou os serviços mínimos. A portaria ministerial menciona logo no seu artigo 1.º (Objecto), justamente, que “A presente portaria requisita os enfermeiros que exerçam funções no Centro Hospitalar e Universitário de S. João, E. P. E., no Centro Hospitalar e Universitário do Porto, E. P. E., no Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga, E. P. E., e no Centro Hospitalar de Tondela-Viseu, E. P. E., que se mostrem necessários para assegurar o cumprimento dos serviços mínimos definidos no Acórdão n.º 1/2019, de 11 de janeiro, proferido pelo Tribunal Arbitral constituído nos termos do n.º 3 do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 259/2009, de 25 de setembro, no seguimento da greve declarada pelo Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal (SINDEPOR) e pela Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros (ASPE)” [negrito nosso]. A requisição civil vem impor que se cumpram os serviços mínimos previamente fixados e que alegadamente não estariam a ser respeitados – o que o requerente contesta. Se a requisição civil fosse considerada ilegal, nem por isso os enfermeiros ficariam desobrigados de cumprir os serviços mínimos – serviços mínimos ‘legitimados’ pela própria CRP (“A lei define as condições de prestação, durante a greve, de serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações, bem como de serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação de necessidades sociais impreteríveis” – cfr. art. 57.º, n.º 3) e pela lei (cfr. arts. 537.º e 538.º da Lei n.º 7/2009, de 12.02, com a última redacção dada pela Lei n.º 14/2018, de 19.03) – o mesmo é dizer, nem por isso deixariam de ter o seu direito à greve comprimido. Apreciação e tratamento distinto poderiam existir se nos presentes autos estivessem em causa, por exemplo, questões disciplinares relacionadas com alegada violação da requisição civil. Com efeito, poder-se-ia invocar que a ilicitude ou não da requisição civil teria repercussões específicas em matéria disciplinar relativamente aos grevistas acusados de desrespeitar a requisição civil e, portanto, nesssa medida, e de forma indirecta, sempre seria afectado o exercício do direito à greve. Mas a verdade é não está em discussão nestes autos qualquer caso concreto relativo a um ou vários trabalhadores grevistas que não tenham cumprido a requisição civil. E, verdade seja dita, sem isso, nem sequer se poderia dar por verificada a indispensabilidade da “célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa” para efeitos de se “assegurar o exercício em tempo útil de um direito, liberdade e garantia” (cfr. art. 109.º, n.º 1, do CPTA). Pelo que, com uma justificação distinta, sempre se teria de concluir pela improcedência da intimação apresentada.
Portanto, os actos sob análise procedem a uma requisição civil para o cumprimento de serviços mínimos que o Tribunal Arbitral já impusera e cuja exigibilidade o requerente reconhece. Assim, não é na requisição civil, que afinal repetiu o já adquirido, que está a lesão dos interesses defendidos pelo requerente.
Tal lesão poderá dar-se – e, segundo o requerente, ter-se-á dado – no modo como os Conselhos de Administração dos diversos hospitais concretizem o chamamento dos grevistas, possivelmente convertendo os serviços mínimos em serviços máximos. Todavia, esse modo, eventualmente ilegal, de proceder «in concreto» à requisição civil não está nos actos agora «sub specie», mas em condutas administrativas localizadas a jusante deles.
Ora, cumpre mencionar que, estando pressuposta nos pedidos formulados pelo requerente a (ilegal) requisição civil decretada pela resolução e pela portaria governamentais em apreço, não se pode nesta sede apreciar situações relacionadas com hospitais e centros hospitalares que não foram visados pela requisição civil, designadamente aquelas relacionadas com o CHUC ou com o Hospital Amadora-Sintra.


2.4. Da alegada ilicitude da greve

O objecto da presente intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias circunscreve-se aos pedidos concretamente formulados na p.i. pelo requerente, deles não constando a questão da licitude da greve promovida pelo SINDEPOR e pela ASPE, apenas se podendo admitir que está subjacente aos pedidos que o requerente formula a questão da eventual ilegalidade da requisição civil – questão cujo conhecimento, pelos motivos até agora expostos, ficou prejudicada nos termos do n.º 2 do artigo 608.º do CPC (aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA). Desta forma, e sob pena de incorrer em vício de excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), 2.ª parte, do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA), iremos abster-nos de nos pronunciar sobre esta precisa questão que é trazida à colação pelos requeridos na sua resposta conjunta.

2.5. Do pedido relativo à sanção pecunária compulsória

Improcedendo os pedidos principal e subsidário nos termos supra expostos, fica prejudicado o conhecimento deste pedido nos termos do n.º 2 do artigo 608.º do CPC (aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA).

III – Decisão


Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em julgar improcedente a presente intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.

Custas pelo requerente, sem prejuízo de litigar com isenção de custas judiciais ao abrigo do disposto no artigo 4.º, n.º 1, al. f), do RCP.

Lisboa, 26 de Fevereiro de 2019. – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano (relatora) – Jorge Artur Madeira dos Santos – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa.