Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 016/19.3BALSB |
Data do Acordão: | 02/26/2019 |
Tribunal: | 1 SECÇÃO |
Relator: | MARIA BENEDITA URBANO |
Descritores: | INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS REVOGAÇÃO DE ACTO ILEGAL RESTRIÇÃO DE DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS |
Sumário: | I - O pedido de condenação à revogação de determinados actos administrativos com fundamento na sua ilegalidade visa um efeito juridicamente inadmissível. II - O pedido de condenação do Governo/CM e do MS na abstenção da prática de actos de execução dos actos administrativos que decretaram a presente requisição civil não se mostra idóneo a fazer desaparecer a compressão ao exercício do direito à greve que já resultava da prévia imposição de serviços mínimos. |
Nº Convencional: | JSTA000P24258 |
Nº do Documento: | SA120190226016/19 |
Data de Entrada: | 02/12/2019 |
Recorrente: | SINDICATO DEMOCRÁTICO DOS ENFERMEIROS DE PORTUGAL |
Recorrido 1: | MINISTÉRIO DA SAÚDE E CONSELHO DE MINISTROS |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – Relatório
1. Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal (SINDEPOR) veio intentar, ao abrigo do artigo 109.º e ss. do CPTA, a presente intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, sendo nela demandados [na sequência de convite da Relatora e após junção da p.i. corrigida] o Conselho de Ministros (CM) e o Ministério da Saúde (MS). Com a presente intimação, o requerente pretende, em suma, que seja imposta ao Governo e ao MS, “na pessoa da sua titular”: a) “a conduta positiva de revogação respectivamente, do acto administrativo da Resolução de Conselho de Ministros n.º 27-A/2019 e da Portaria n.º 48-A/2019 de 7 de Fevereiro”, ou, b) “a conduta negativa de se absterem de quaisquer actos de execução daqueles” (cfr. art. 4.º da p.i.). Mais ainda, requer-se a condenação da Ministra da Saúde e, solidariamente, de todos os membros do Conselho de Ministros, a começar pelo Primeiro Ministro”: c) “na sanção compulsória por incumprimento por cada dia em que, após a intimação, tal se verifique, em montante a fixar pelo Senhor Juiz Conselheiro mas que, dada a relevância dos bens jurídicos violados, o elevado número de pessoas atingidas e a gravidade e elevado grau de intencionalidade da conduta, se entender dever ser fixada em montante não inferior a 10.000,00€ diários”. Quanto ao seu objecto, “A presente intimação incide sobre dois actos administrativos”, genericamente identificados como a Resolução de Conselho de Ministros n.º 27-A/2019, de 07.02.19, e a Portaria n.º 48-A/2019, igualmente de 07.02.19. Pela primeira, o CM reconheceu “a necessidade de se proceder à requisição civil dos enfermeiros em situação de greve, decretada pelo Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal (SINDEPOR) e pela Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros (ASPE), até ao dia 28 de fevereiro de 2019” e autorizou “a Ministra da Saúde a efetivar, sob a forma de portaria, a requisição civil dos trabalhadores referidos no número anterior, faseadamente ou de uma só vez, consoante as necessidades o exijam”. Com a segunda, a Ministra da Saúde, prolongando o decidido na dita resolução, decretou a requisição civil com efeitos imediatos e estabeleceu os seus termos (cfr. artigo 4.º da p.i.). O direito, cujo exercício em tempo útil se pretende proteger, é o direito à greve consagrado no artigo 57.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), consubstanciando o mesmo um direito, liberdade e garantia (DLG) dos trabalhadores. A sua compressão deve-se a uma requisição civil alegadamente ilegal, em virtude de não se verificar o pressuposto que a justificaria – o incumprimento, por parte dos enfermeiros grevistas, dos serviços mínimos decretados no acórdão do Tribunal Arbitral. Para sustentar a ilegalidade da requisição civil, motivo que subjaz aos pedidos (principal e subsidiário), o requerente argumenta sobretudo assim. 2.1. Quanto à questão prévia, tem a mesma que ver com a suposta “ambiguidade do peticionado”. Em relação a ela alegam, em resumo, o seguinte: “23.º Solicita o requerente, como já se identificou, que venha nestes autos a ser proferida uma decisão de mérito que: (i) ou, a título principal, “imponha a conduta positiva da revogação do ato administrativo da Resolução do Conselho de Ministros n.º 27-A/2019 e da Portaria n.º 48-A/2019”; (ii) ou, subsidiariamente, “imponha [ao Governo e à Ministra da Saúde] a conduta negativa de se absterem de quaisquer atos de execução daqueles”. 24.º Aparentemente linear, tal conjugação de pedidos é, no entanto, estruturalmente ambígua e passível de ser interpretada de dois modos distintos, ambos com suporte no modo como foram expressamente enunciados a final e na forma como se articulam com o encadeamento lógico de todo o articulado. 25.º Na verdade, tomando em consideração apenas o petitório, parece o mesmo dever ser lido no sentido de pretender o requerente nestes autos a condenação dos requeridos na emissão de atos administrativos de revogação dos que autorizaram e decretaram a requisição civil ― pretensão condenatória sucedânea de uma ação administrativa de condenação à prática de ato devido, anote-se, abstratamente cabível no âmbito da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, como o revela, designadamente, o disposto o n.º 3 do artigo 109.º do CPTA. 26.º Visto por seu turno o conjunto da petição inicial, e muito em particular o articulado pelo requerente nos artigos 35.º e ss. (“os atos administrativos são nulos”) e 142.º e ss. (“os atos administrativos violam…”), parece que o que se pretende obter, através da presente intimação, é afinal a impugnação, sob a forma de declaração de nulidade, dos atos contidos naquela Resolução do Conselho de Ministros e naquela Portaria ― o que faria convolar a presente intimação, portanto, numa via sucedânea de uma ação de impugnação de atos administrativos. 27.º Pois bem: qualquer que venha a ser a interpretação acolhida por este Supremo Tribunal, facto é que cada uma destas hipóteses de leitura do peticionado pelo requerente parece originar a verificação de uma diferente exceção dilatória: (i) ou a de nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial, no primeiro caso; (ii) ou a de impropriedade do meio processual escolhido, no segundo”. 2.2. No que se refere à matéria exceptiva, alegam os requeridos, em resumo, o seguinte: 2.2.1. Nulidade do processo por ineptidão da petição inicial: “31.º Por outro lado, e por consequência, que “não são suscetíveis de revogação (…) os atos nulos” (alínea a) do n.º 1 do artigo 166.º do CPA). 32.º Não há por isso condições lógicas e jurídicas para que, em consequência de uma eventual sentença de provimento da presente intimação, venham os ora requeridos a ser condenados na emissão de atos de revogação de atos administrativos (os contidos na Resolução do Conselho de Ministros e na Portaria da Ministra da Saúde) que, no entender do próprio requerente, devem ser afinal tidos por nulos. Sendo por outro lado óbvio que “a Administração (…) não pode revogar o que não seja um ato administrativo ou que seja um ato administrativo nulo” (M. AROSO DE ALMEIDA, ibidem, p. 350). (…) 35.º Enfim: arvorado numa causa de pedir sustentada na invocação da invalidade por nulidade daqueles atos administrativos, acaba o requerente por concluir, no pedido, por deduzir uma pretensão (a condenação à emissão de atos de revogação) que é, muito pura e simplesmente, impossível de obter à luz da nossa ordem jurídica. 36.º E que nesses termos gera uma contradição insanável entre a causa de pedir e os pedidos inscritos na petição inicial, conduzindo assim à sua ineptidão (alínea b) do n.º 2 do artigo 186.º do CPC) e por consequência à nulidade de todo o processo (n.º 1 do artigo 186.º do CPC), exceção dilatória (cfr. a alínea b) do n.º 4 do artigo 189.º do CPTA) que se invoca para os devidos efeitos”. 2.2.2. E sobre a impropriedade do meio processual: “37.º Exime-se eventualmente da contradição acabada de identificar a petição inicial se, em alternativa e em correspondência com a imputação de nulidade assacada aos atos constantes da Resolução do Conselho de Ministros n.º 27-A/2019 e da Portaria n.º 48-A/2019, forem os seus pedidos lidos, afinal, como consubstanciando pretensões impugnatórias de tais atos. 38.º Sendo isso mesmo que parece efetivamente pretender o requerente, ao anexar expressamente que “a presente intimação incide sobre dois atos administrativos, que ora se impugnam para todos os devidos e legais efeitos” (artigo 4.º da petição inicial). De resto, tendo através dessa Resolução do Conselho de Ministros e dessa Portaria sido praticados (vários) atos administrativos de conteúdo positivo, é precisamente a sua impugnação, seja sob a forma de anulação ou sob a forma de declaração de nulidade, o meio próprio de tutela que a lei processual portuguesa oferece tendo em vista a sua remoção da ordem jurídica (cfr. o n.º 1 do artigo 50.º do CPTA). Mas, se for afinal este o objeto da presente intimação, um outro vício a inquina, qual seja o de as pretensões impugnatórias que a suportam não caberem, objetiva e estruturalmente, no âmbito do processo urgente de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias. (…) E acolhe-o também a nossa jurisprudência administrativa, ao assinalar devidamente que “pretendendo o requerente a anulação do ato administrativo, o meio processual próprio é a ação administrativa de impugnação de ato administrativo (…) não [é] possível através da intimação para proteção de direitos liberdades e garantias conceder a tutela jurisdicional”, na medida em que “não [é] a intimação [o] meio processual próprio para a anulação de atos administrativos” (Acórdão do TCA Sul de 23.11.2017, Proc. n.º 1499/17.1BELSB, disponível em www.dgsi.pt/jtca). O que equivale por dizer, agora nas palavras deste Supremo Tribunal, que “a declaração de nulidade ou anulação de atos não se enquadra nas finalidades do processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias” (Acórdão do STA de 7.10.2009, Proc. n.º 0884/09, disponível em www.dgsi.pt/jsta). Se assim é, então, uma outra exceção dilatória (inominada) inquina a presente intimação: a impropriedade deste meio processual para satisfação das pretensões impugnatórias do requerente”. 2.3. No que se refere à defesa por impugnação, alegam, em resumo, o seguinte: “4.2. Da improcedência das ilegalidades invocadas pelo requerente 4.2.1. A alegada «falta de fundamentação» 203.º Despontam nesta alegação, porém, variadíssimos equívocos. 204.º Assenta ela, desde logo e novamente, na leitura parcial que o requerente insiste fazer do teor da Resolução do Conselho de Ministros n.º 27-A/2019. 205.º Sucede que dela resulta inequivocamente que a requisição civil aí autorizada e depois decretada por via da Portaria n.º 48-A/2019 não teve apenas por causa o verificado incumprimento desses serviços mínimos, mas antes e também a necessidade de assegurar o restabelecimento e normal funcionamento dos blocos operatórios do serviço público de saúde, afetados pelo suceder de várias e prolongadas paralisações de enfermeiros. 206.º Não tem por seu turno qualquer sustentação a exigência, reclamada pelo requerente, de ter de constar dessa Resolução a discriminação circunstanciada das situações de incumprimento dos serviços mínimos nos quatro Centros Hospitalares objeto de requisição. 207.º Pois que, enquanto ato-pressuposto que se limita a autorizar a requisição, é suficiente que dele constem apenas razões determinantes dessa opção, de modo a permitir a um normal destinatário compreender o seu porquê. 208.º Não se compreenderia aliás, e seria caso inédito na legística portuguesa, que viessem hipoteticamente refletidos numa Resolução do Conselho de Ministros dados clínicos e técnicos relativos a dezenas ou mesmo centenas de cirurgias! 209.º Tanto mais que dados desse tipo, reveladores de informações de saúde dos seus titulares, se encontram no ordenamento jurídico português cobertas por especiais garantias e reservas de divulgação, seja nos termos do disposto na Lei sobre Informação Genética Pessoal e Informação de Saúde (Lei n.º 12/2005, de 26 de janeiro), seja nos termos da Lei de Acesso aos Documentos Administrativos (Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto). 210.º Compreende-se deste modo que o Governo se tenha bastado em remeter para as “informações detalhadas” dos Conselhos de Administração dos Centros Hospitalares a esse respeito ― as quais sempre foram e são em primeira linha do conhecimento do pessoal clínico (médicos e enfermeiros) que neles presta funções. 211.º Nenhum parâmetro de suficiência que se conheça no ordenamento jurídico-administrativo português exige, portanto, que fosse a Resolução do Conselho de Ministros a sede para a discriminação dos “concretos serviços mínimos violados”, e correspondentes “circunstâncias, tempo, modo e lugar”. (…) 214.º Importa então não desconsiderar a circunstância ― factual ― de o ora requerente ter podido e conseguido, sem lastro de qualquer dificuldade, reagir contenciosamente contra uma Resolução do Conselho de Ministros cujo alcance compreendeu perfeitamente, mas que simultaneamente apoda de “impercetível” (!). 215.º Seja como for, sempre interessa também ter em conta que, mais uma vez ao invés do que pretende fazer crer o requerente, qualquer deficiência de fundamentação que eventualmente inquinasse a Resolução do Conselho de Ministros n.º 27-A/2019 nunca determinaria a sua nulidade, mas tão-só a sua anulabilidade. 216.º Com efeito, e novamente em linha com a jurisprudência deste Supremo Tribunal, importa reter que “o vício de forma, por insuficiente fundamentação, mesmo em relação a atos praticados no exercício de poder discricionário, apenas determina a mera anulação do ato” (Acórdão do STA de 30.01.1992, Proc. n.º 028087, disponível em www.dgsi.pt/jsta). 217.º Nesta medida, e mesmo que se admitisse, em puro benefício da discussão, que a Resolução do Conselho de Ministros n.º 27-A/2019 padeceria de qualquer deficiência fundamentadora em virtude da não discriminação circunstanciada de quaisquer situações de incumprimento dos serviços mínimos, sempre daí nunca poderia resultar, no presente caso, a efetiva anulação dos atos nela contidos, nem assim dos subsequentemente aprovados ao seu abrigo pela Portaria n.º 48-A/2019. 218.º É que, nos termos do disposto na alínea c) do n.º 5 do artigo 163.º do CPA, “não se produz o efeito anulatório quando se comprove, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício, o ato teria sido praticado com o mesmo conteúdo”. 219.º Sendo precisamente “no domínio dos pressupostos do ato e dos motivos determinantes do seu conteúdo discricionário que a previsão em apreço tend[e] a encontrar o seu campo preferencial de aplicação”, de modo tal que a ela se subsumem as situações em que “tendo um ato discricionário sido praticado, com um determinado conteúdo, com fundamento em vários pressupostos e/ou motivos, algum ou alguns dos quais viciados, seja possível concluir, sem margem para dúvidas, que o autor do ato o teria praticado, nos mesmos termos, se só tivesse considerado os pressupostos e/ou motivos válidos” (M. AROSO DE ALMEIDA, Teoria Geral, cit., p. 309). 220.º Ora, no caso em apreço, como por diversas vezes já se destacou, a autorização da requisição civil que consta da Resolução do Conselho de Ministros n.º 27-A/2019 arvorou-se em dois distintos fundamentos: (i) na necessidade de assegurar, em função do estado de perturbação geral nos blocos operatórios, a regular continuidade da prestação pública de serviços de saúde; e, “adicionalmente”, (ii) na necessidade de reagir às ocorridas situações de incumprimento da obrigação de prestação de serviços mínimos. 221.º Neste sentido, mesmo se inquinado na sua fundamentação este segundo motivo, sempre restaria, como suporte de tal ato, aqueloutro. 222.º Ao que acresce, derradeiramente, a circunstância ― também factual ― de as situações de incumprimento de serviços mínimos terem sido, como o foram naqueles quatro Centros Hospitalares, reais (cfr. supra, 3.3.). 223.º O que faz com que, mesmo se e quando virtualmente anulável, o ato autorizador da requisição civil não pudesse senão voltar a ser praticado com o mesmíssimo conteúdo com que o foi no passado dia 7 de fevereiro”. 4.2.2. A alegada «inveracidade do incumprimento dos serviços mínimos» 224.º Soçobra toda a alegação constante dos artigos 47.º a 135.º da petição inicial, presuntivamente destinada a querer fazer valer um vício de violação de lei, por suposto erro sobre os pressupostos de facto, por um único mas ineliminável motivo: 225.º Ser verdade, como já se comprovou (cfr. supra, 3.3.), que houve naqueles quatro Centro Hospitalares, durante o período que mediou o início da paralisação e data da requisição civil, adiamentos de atos cirúrgicos que deviam ter sido realizados por corresponderem às categorias de serviços mínimos definidas pelo tribunal arbitral. 226.º Revelando-se por seu turno verdadeiramente inextricável e ademais irrelevante toda a torrente de supostos “casos concretos” aí trazidos à liça pelo requerente.
Releva por sua vez da mais frágil das falácias todo o alegado nos artigos 136.º a 141.º da petição inicial, segmento no qual intenta o requerente fazer valer a ideia de que a requisição ora sub judice teria tido um âmbito subjetivo irrestrito, abrangendo, independentemente da sua condição (aderente ou não à greve) ou necessidade (para garantir o cumprimento dos serviços mínimos), todos os enfermeiros. 228.º Não é porém assim, como na alegação factual desta resposta já se pôde asseverar (cfr. supra, 3.4.2.) e o conteúdo da Portaria n.º 48-A/2019 o confirma plenamente. 229.º Ao fazer incidir a requisição, circunstanciadamente, apenas sobre os enfermeiros aderentes à greve que se revelassem necessários para o cumprimento dos serviços mínimos resultantes da decisão arbitral de 11 de janeiro, cai pela base a alegação de que a requisição tenha tido um âmbito irrestrito de aplicação. 4.2.4. A alegada «violação da lei e dos princípios legais» 230.º 234.º Quanto finalmente à conjugada invocação dos artigos 56.º e 57.º da Constituição, dos princípios da proporcionalidade e da adequação, assim como, por outro lado, de um suposto “abuso de direito e venire contra factum proprium” imputável ao Governo, soçobra ela pelo que de imediato se passa a expor. 4.3. Da inexistência de qualquer direito fundamental (legítimo) tutelável 4.3.1. Em geral: o necessário balanceamento do direito à greve (…) 237.º Não se podem contudo ignorar os elementos sistemáticos a que se encontra vinculada a ponderação que a este Supremo Tribunal caberá efetuar a respeito do bem fundado dessa intervenção administrativa unilateral. 238.º O primeiro, quiçá mais óbvio, respeita à reconhecidíssima não-absolutidade do direito fundamental à greve, emergente da imposição, explicitamente decorrente do n.º 3 do artigo 57.º da Constituição da República Portuguesa, de o fazer concordar com outros direitos, bens ou valores constitucionais de equivalente ou superior preponderância in casu, e se preciso for, como o admite a lei ordinária, através da ativação da requisição civil. (…) 240.º Na realidade, tratando-se de uma intervenção restritiva, a mesma pode assumir caráter implícito, como a jurisprudência portuguesa pacificamente aceita, se o exercício do direito à greve colidir com o conteúdo essencial de outros direitos fundamentais e interesses constitucionalmente protegidos. (…) 244.º Ora, ao terem autorizado e decretado a requisição civil no contexto de uma situação comprovadamente excecional, também o Conselho de Ministros e depois a Ministra da Saúde se limitaram ao necessário e adequado para salvaguardar os limites externos a esse direito, assegurando a sua concordância prática com outros direitos in casu mais valiosos ― os direitos fundamentais à vida, à integridade física e à saúde. (…) 246.º Convertendo assim a requisição civil decretada, antes do mais, num instrumento de concretização dos deveres estatais de proteção dos direitos fundamentais à saúde, integridade física e, in limine, vida de todos os utentes, presentes e futuros, do Serviço Nacional de Saúde. (…) 250.º Parece por demais evidente que, quer o regular funcionamento dos blocos operatórios, quer os direitos qualificados dos pacientes prejudicados prevalecem, indiscutivamente, sobre o exercício da greve decretada e exercida nestes moldes. 4.3.2. Em concreto: a ilicitude da presente greve 251.º Impõe-se no entanto avançar mais um passo, e questionar se, por detrás da soldadura formal do «direito à greve» invocado pelo requerente em benefício dos seus representados, não se traduzem as sucessivas greves cirúrgicas num modo afinal de contas ilícito de proceder ao seu exercício. 252.º E que coloca o requerente e cada um dos seus representados a total descoberto da proteção jus-constitucional inscrita no artigo 57.º da Constituição da República Portuguesa. (…) 254.º Na realidade, estruturalmente equivalente à entretanto já finda primeira greve cirúrgica, é também a atual um protótipo acabado das (ilegais, porque nunca assim pré-anunciadas nas suas convocatórias) greves rotativas ou articuladas, cuja caracterização fiel resulta do recente Parecer n.º 6/2019 do Consultivo da Procuradoria-Geral da República, de 15 de fevereiro de 2019. 255.º Entretanto já homologado pela Ministra da Saúde e pelo Primeiro-Ministro, e que vai também junto a esta resposta. (…) 266.º Só que, como hoje é já claro, esse quadro ponderatório surge claramente desequilibrado a favor dos segundos, porquanto o concreto direito fundamental à greve que serve de arrimo à presente intimação se revela, por abusiva e ilicitamente exercido, funcionalmente descaracterizado como tal. Terminam, a final, do seguinte modo: “Termos em que, sem prejuízo do que caiba decidir quanto às exceções dilatórias supra invocadas, deve a presente intimação ser julgada integralmente improcedente, absolvendo-se os requeridos de todos os pedidos”.
3. Sem necessidade de vistos, dado o carácter urgente do processo (cfr. art. 36.º, n.º 1, al. e), do CPTA, vêm os autos à conferência para decidir.
II – Fundamentação
1. De facto:
Com relevo para a decisão a proferir, apura-se a seguinte matéria de facto: 1) O Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal (SINDEPOR) e a Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros (ASPE) promoveram e decretaram uma greve de enfermeiros a realizar entre as 8 horas de 14.01 às 24 horas de 28.02 de 2019. 2) Em 07.02.19 foi publicada no DR, 1.ª série, n.º 27, a Resolução de Conselho de Ministros n.º 27-A/2019, de 07.02, (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido) 3) Em 07.02.19 foi publicada no DR, 1.ª série, n.º 27, a Portaria n.º 48-A/2019, de 07.02. (cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). 4) A requisição civil de enfermeiros decretada abrange os enfermeiros que exerçam funções no Centro Hospitalar e Universitário de S. João, E.P.E, Centro Hospitalar e Universitário do Porto, E.P.E; no Centro Hospitalar de Entre Douro e Vouga, E.P.E. e no Centro Hospitalar de Tondela-Viseu, E.P.E. (arts. 1.º e 2.º da Portaria n.º 48-A/2019, de 07.2). 5) Por acórdão n.º 01/2019 - SM do Tribunal Arbitral foram determinados os serviços mínimos para a greve mencionada em 1) – cfr. docs. 4 e 1 e 2 apresentados, respectivamente, pelo requerente e pelos requeridos (cujo teor se dá por integralmente reproduzido). 6) Em 11.02.19 deu entrada neste STA a presente intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias intentada pelo Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal (SINDEPOR).
2. De direito: Consigna-se que não foi determinada a citação dos hospitais e centros hospitalares indicados como contra-interessados, pois nem a sua legitimidade passiva foi sustentada, nem eles são parte legítima; pois, em termos jurídicos, não se pode dizer que os hospitais e centros hospitalares tenham um interesse próprio na manutenção dos actos em causa na presente intimação. 2.2. Da questão prévia da ambiguidade do peticionado e das excepções da ineptidão da p.i. e da impropriedade do meio processual Os requeridos, na sua resposta, vêm chamar a atenção para a suposta ambiguidade do pedido, na medida em que é peticionada a intimação do Governo e do MS (na pessoa da Ministra da Saúde) para efeitos de revogação dos actos administrativos praticados, respectivamente, pelo CM e pela MS mas, para fundamentar este pedido, invoca-se a ilegalidade dos actos administrativos (v.g., a falta de ou insuficiente fundamentação desses actos) e, concretamente, a sua nulidade. Partindo dessa ambiguidade, os requeridos começam por deduzir a excepção da ineptidão da p.i. por contrariedade entre o pedido e a causa de pedir. Vejamos. Efectivamente, é peticionada, a título principal, a intimação do Governo e do MS (na pessoa da sua titular, a Ministra da Saúde) para que estes revoguem os actos administrativos praticados pelo CM e a MS e a fundamentação deste pedido principal assenta na pretensa ilegalidade de tais actos administrativos e, mais especificamente, na sua nulidade (cfr. arts. 35.º e ss. da p.i.). Todavia, nenhum dos pedidos, principal e subsidiário, é em si mesmo ambíguo, pois cada um deles só comporta uma única significação. E a relação entre ambos também não traz ambiguidade, visto que eles se articulam em subsidiariedade (art. 554º, n.º 1, do CPC). E também não ocorre uma contradição entre o pedido de revogação e a causa de pedir (art. 186º, n.º 2, al. b), do CPC). Com efeito, e em termos lógicos, nenhuma incoerência há em pedir-se uma conduta supressiva de actos por eles serem ilegais. Questão diferente, que entra já no mérito da presente intimação, é saber se um tal pedido deve proceder ou não. Mas, antes das questões de fundo, importa analisar a outra excepção deduzida pelos requeridos, relacionada com a forma processual utilizada. Não obstante, podemos encarar a dita «revogação» como um modo imperfeito de designar o seu género, isto é, o propósito de que os requeridos sejam condenados a suprimir os actos – por uma forma qualquer, designadamente a da anulação.
O objecto da presente intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias circunscreve-se aos pedidos concretamente formulados na p.i. pelo requerente, deles não constando a questão da licitude da greve promovida pelo SINDEPOR e pela ASPE, apenas se podendo admitir que está subjacente aos pedidos que o requerente formula a questão da eventual ilegalidade da requisição civil – questão cujo conhecimento, pelos motivos até agora expostos, ficou prejudicada nos termos do n.º 2 do artigo 608.º do CPC (aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA). Desta forma, e sob pena de incorrer em vício de excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), 2.ª parte, do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA), iremos abster-nos de nos pronunciar sobre esta precisa questão que é trazida à colação pelos requeridos na sua resposta conjunta. 2.5. Do pedido relativo à sanção pecunária compulsória Improcedendo os pedidos principal e subsidário nos termos supra expostos, fica prejudicado o conhecimento deste pedido nos termos do n.º 2 do artigo 608.º do CPC (aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA).
III – Decisão
Lisboa, 26 de Fevereiro de 2019. – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano (relatora) – Jorge Artur Madeira dos Santos – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa. |