Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01003/05
Data do Acordão:07/12/2006
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:LÚCIO BARBOSA
Descritores:IRC.
TRANSMISSIBILIDADE DE PREJUÍZO FISCAL.
DEFERIMENTO TÁCITO.
BENEFÍCIOS FISCAIS.
CONCEITO INDETERMINADO
Sumário:I - A transmissibilidade dos prejuízos fiscais, prevista no artº 69º do CIRC, é um benefício fiscal, que carece de reconhecimento, e, como tal, está sujeita ao disposto no artº 11º-A, nº 1 do EBF.
II - A formação do acto tácito está dependente do preenchimento dos requisitos do deferimento tácito da pretensão; se estes não estiverem reunidos, não pode haver formação de acto tácito.
III - A norma do artº 11º-A do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) é de aplicação imediata.
IV - Assim, é ela aplicável aos pedidos formulados antes da sua entrada em vigor, mas cujo prazo para formação do acto tácito ainda não tenha transcorrido.
V - "Razões económicas válidas"e "inserção numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva" são conceitos indeterminados cujo preenchimento cabe à Administração e que, ao contrário do poder discricionário verdadeiro e próprio, como poder de eleger uma de entre várias soluções igualmente válidas, só admitem uma solução justa no caso concreto.
VI - No preenchimento dos conceitos indeterminados pode existir, ou não, a chamada margem de livre apreciação ou discricionariedade técnica. Tanto a questão de saber se houve "razões económicas válidas" ou se a fusão "se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva" é matéria de discricionariedade técnica, com uma longa margem de livre apreciação da Administração.
VII - Nestes casos, o juízo da Administração não pode ser fiscalizado pelos tribunais, salvo erro grosseiro ou manifesta desadequação ao fim legal.
Nº Convencional:JSTA00063350
Nº do Documento:SA22006071201003
Data de Entrada:10/03/2005
Recorrente:SE DOS ASSUNTOS FISCAIS
Recorrido 1:A..., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:AC TCA DE 2005/02/01.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR FISC - IRC.
Legislação Nacional:CIRC88 ART69.
EBFISC01 ART11-A.
CPC96 ART297 N2.
LGT98 ART12 N3.
Referência a Doutrina:CASALTA NABAIS DIREITO FISCAL 2ED PAG139-140.
FREITAS DO AMARAL CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO VOLII PAG107.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1.A..., SA, com sede na ..., LISBOA, propôs, junto do Tribunal Central Administrativo-Sul, acção administrativa especial contra o despacho do Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que lhe indeferiu o pedido de dedução de prejuízos fiscais.
Alega que se formou um acto tácito de deferimento do pedido de autorização para a dedução de prejuízos fiscais.
Assim, o acto expresso é nulo (ou anulável) por pretender revogar ilegalmente esse acto de deferimento tácito.
Tal despacho é anulável por vícios de erro manifesto na interpretação dos conceitos legais relativamente indeterminados estabelecidos no artº 69º, 2, do CIRC, desvio de poder e violação do princípio de imparcialidade.
O TCA, por acórdão de 1/2/2005 julgou procedente a acção administrativa especial, anulou o acto expresso recorrido e declarou válido e legal o acto tácito de deferimento.
Inconformado, o SECRETÁRIO DE ESTADO DOS ASSUNTOS FISCAIS interpôs recurso para este Supremo Tribunal.
Formulou as seguintes conclusões nas respectivas alegações de recurso:
a) Da interpretação conjugada do nº 3 do artigo 12° da LGT e artigo 11º-A do
EBF resulta que não se formou acto tácito de deferimento do pedido de dedução de prejuízos fiscais;
b)Na situação em apreço não se verificam os requisitos previstos no nº 2 do artigo 69° do CIRC para a concessão da autorização para dedução de prejuízos fiscais.
1.A A. não demonstrou ser a operação realizada por razões económicas válidas com efeitos positivos na estrutura produtiva, resultando do processo exactamente o contrário.
2.Existem indícios vários de a operação ter sido realizada com preponderantes fins fiscais.
c)A douta sentença recorrida, além de padecer de erro na apreciação da matéria de facto, é ilegal por violação dos preceitos acima referenciados e, em consequência, não merece ser confirmada.
Contra-alegou a Autora, que apresentou o seguinte quadro conclusivo nas respectivas contra-alegações:
A.Da articulação do artigo 11°-A do EBF com o nº2 do artigo 69º do Código do IRC não decorre uma obrigação de apresentação de uma certidão de inexistência de dívidas à Segurança Social, já que a existência ou inexistência destas dívidas não configura um elemento necessário ou conveniente para o perfeito conhecimento da operação visada, tanto dos seus aspectos jurídicos como económicos.
B.De facto, a Administração Tributária apenas pode exigir que o contribuinte apresente os elementos tendentes a demonstrar a validade das razões económicas subjacentes à operação realizada.
C.Assim o faz pensar a expressão "para esse efeito", que funcionaliza a obrigação de apresentação de documentos pelo contribuinte à comprovação da validade das razões económicas subjacentes à operação.
D.E nesse sentido o comprova a ausência da referida certidão de inexistência de dívidas na lista da Circular n. 6/2002, emitida pela própria Administração Fiscal.
E.Como o artigo 11°-A do EBF não acrescentou qualquer elemento para a aferição da validade das razões económicas subjacentes às operações enumeradas nos artigos 67º e seguintes do Código do IRC, pode concluir-se que os elementos da lista publicada com a Circular n. 6/2002 se mantêm, e que deles não deve constar uma certidão de inexistência de dívidas à Segurança Social.
F.Assim sendo, e por tudo o que ficou dito, pode concluir-se que a norma constante do artigo 11°-A do EBF é uma norma substantiva, que impede que o direito aos benefícios fiscais dependentes de reconhecimento se forme na esfera jurídica dos contribuintes que tenham deixado de efectuar o pagamento de qualquer imposto sobre o rendimento, a despesa ou o património e das contribuições relativas ao sistema de segurança social.
G.E que da sua articulação com o nº 2 do artigo 69º não decorre qualquer dever de apresentação documental por parte dos contribuintes.
H.Consequentemente, o alegado incumprimento desta alegada obrigação documental nunca poderia ter por efeito a suspensão ou interrupção do prazo de formação do acto tácito de deferimento, pelo que o mesmo se formou em 27 de Março de 2003.
I. Ainda que assim não se entenda, e se defenda que a articulação do artigo
11°-A do EBF com o nº 2 do artigo 69º do Código do IRC estabelecia a obrigação de apresentação de uma certidão de inexistência de dívidas à Segurança Social, sempre se deveria concluir que essa exigência apenas vigorava para o futuro.
J. E que era insusceptível de afectar os efeitos já produzidos pelos factos que se destinava a regular, nos termos do nº 1 do artigo 120º do Código Civil e do nº 1 do artigo 12º da LGT.
K.Caso fosse defendida a posição contrária - a da inutilização do tempo decorrido entre a apresentação do pedido pela A... e a aprovação do artigo 11º-A do EBF - estar-se-ia a sustentar a aplicação retroactiva da nova exigência documental, o que contraria frontalmente a proibição da aplicação retroactiva das normas fiscais, cuja dignidade é constitucional, nos termos do nº 3 do artigo 103º da Constituição da República Portuguesa.
L.Assim sendo, ainda que se conceda que o prazo de formação do acto tácito esteve suspenso entre o pedido da supra referida certidão pela Administração Tributária (14 de Abril de 2003) e a data da sua entrega pela A... (28 de Maio de 2003), sempre se concluiria pela formação do acto tácito de deferimento em 27 de Agosto de 2003, ou seja, em data claramente anterior à prática do acto de indeferimento expresso pelo Exmo. Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
M.Caso se defenda a natureza procedimental da norma constante do artigo 11º-A do EBF, não se vê como sustentar simultaneamente um qualquer efeito modificativo ou extintivo dos direitos invocados pela A..., pois é da própria natureza das normas procedimentais a ausência de efeitos substantivos.
N.Consequentemente, decorreu o prazo de formação do acto tácito de deferimento, interessando então saber se o acto de indeferimento expresso praticado pelo Exmo. Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais poderia revogá-lo.
O.Atendendo ao princípio da intangibilidade dos actos administrativos válidos que sejam constitutivos de direitos e interesses legítimos, previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 140º do CPA, pode concluir-se que o acto expresso de indeferimento supra identificado só podia subsistir na ordem jurídica caso o acto tácito de deferimento fosse inválido.
P.O que desde já se antecipa que não aconteceu, pelas razões que enumeram em seguida e que depõem a favor da validade do acto tácito de deferimento.
Q.De facto, a validade do acto expresso de indeferimento apenas poderia afirmar-se caso inexistissem razões económicas válidas subjacentes à operação de entrada de activos em apreço nos autos.
R.Ora o conceito de razões económicas válidas é um conceito indeterminado, e a sua integração no nº 2 do artigo 69º do Código do IRC não atribui à Administração Tributária qualquer margem de discricionariedade.
S.De facto, atestada a existência de razões económicas válidas, a Administração Tributária não poderia optar por, ainda assim, negar a dedução dos prejuízos fiscais transmitidos com a operação, estando antes vinculada à autorização do pedido.
T.Acresce que a A... alegou e provou documentalmente inúmeras vantagens económicas decorrentes da operação da entrada de activos, tanto ao nível da poupança de custos como no que se refere ao incremento dos proveitos esperados.
U.Por seu lado, o Exmº Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais apenas invocou, nas alegações de recurso, que as entidades envolvidas na operação já funcionavam integradas numa lógica de grupo, pelo que a entrada de activos nunca poderia "produzir alterações ou efeitos significativos do ponto de vista económico".
V.Esta afirmação, que se escusou de provar, embate no entanto contra a evidência da realidade económica: a mera existência de três estruturas jurídicas, onde pode funcionar apenas uma, envolve custos de eficiência que podem ser poupados com a integração.
W.Além do mais, cumpre sublinhar que as três entidades envolvidas desenvolviam a sua actividade numa área - como a seguradora - onde os custos de compatibilização com as exigências regulatórias são elevados, e se multiplicam pelas estruturas jurídicas existentes.
X.E que, como foi provado e admitido pela Administração Tributária, a transmissão dos activos e passivos dos estabelecimentos estáveis para a A... aumentou consideravelmente a sua projecção no mercado, o que, desde logo, tem efeitos económicos benéficos, nomeadamente no que se refere à negociação do crédito.
Y.Em suma, perante a existência de razões económicas válidas (extensamente alegadas e provadas nos autos), a autorização do pedido formulado pela A... era vinculada.
Z.Assim sendo, não podem restar dúvidas que o acto tácito de deferimento do pedido formulado foi validamente constituído na esfera jurídica da A...
AA.E que o acto expresso de indeferimento praticado pelo Exmo. Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais consubstancia uma revogação proibida pela alínea b) do nº 2 do artigo 140º do CPA.
BB.Resta então concluir que este acto expresso de indeferimento padece do vício de violação de lei, pelo que a sua anulação deve ser (aplaudida e) mantida.
CC.Por último, foram também invocados pela Administração Tributária indícios segundo os quais seria possível concluir que a realização da operação em apreço nos autos teria sido motivada, principalmente, por fins fiscais.
DD.Mas também esta última ordem de argumentos apresentada pela ora Recorrente carece de fundamento.
EE.É a própria Recorrente quem admite que foram transmitidas, na operação em apreço, situações activas líquidas e unidades empresariais com proveitos, apenas se invocando a desproporção do peso relativo destes indicadores, quando comparados com os prejuízos transmitidos para a A... .
FF.Cumpre no entanto clarificar que esta desproporção não permite retirar qualquer ilação da motivação subjacente à operação, mas antes concluir que as duas entidades empresariais absorvidas pela A... apresentavam déficits de eficiência.
GG.E que foram esses mesmos deficits a ditar a integração das actividades anteriormente desenvolvidas por três estruturas autónomas numa só entidade, a fim de recolher ganhos de eficiência e racionalização.
HH.Outra seria a conclusão se as duas entidades absorvidas apenas transmitissem posições passivas e prejuízos fiscais e não permitissem expectativa de proveitos futuros.
II.O que não era manifestamente o caso, já que as duas entidades, como a Administração Tributária bem reconhece, representavam 21% do total dos proveitos das três estruturas.
JJ.Por último, cabe referir que a doutrina e a jurisprudência depõem no sentido de admitir a coexistência de razões económicas válidas e de uma possibilidade de poupança fiscal.
KK.Pelo que da mera possibilidade de uma futura poupança fiscal não pode decorrer a negação da validade das razões económicas subjacentes a uma operação como a dos autos.
LL.Tampouco subsiste, então, a terceira ordem de argumentos invocados pela ora
Recorrente, pelo que deve concluir-se pela validade do acto tácito de deferimento do pedido de utilização de prejuízos fiscais, formulado pela A... .
MM.E deve manter-se (e aplaudir-se) a decisão de anular o acto expresso de indeferimento do referido pedido, constante do Douto Acórdão recorrido.
Neste STA, o EPGA defende que o recurso merece provimento.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
2.É a seguinte a matéria de facto fixada na instância, e que não vem contraditada.
a) Por requerimento entrado em 27SET2002 na Direcção Geral dos Impostos e dirigido ao Exmº Ministro das Finanças a ora autora veio peticionar lhe fosse concedida autorização para deduzir os prejuízos fiscais acumulados até 31.12.2001, no valor de € 24.707.638,87, no caso da Sucursal da ... e de € 12.420.663,70, no caso da Sucursal da ... , a reportar pelas sobreditas sucursais aos seus lucros tributáveis, até ao fim do sexto exercício posterior contando do exercício a que os mesmos se reportam.
b)No âmbito deste procedimento, a AT solicitou em 16.12.2002, à ora autora, o envio da cópia da escritura pública do aumento do seu capital social, que esta lhe enviou em 16.1.2003.
c) Um técnica economista emitiu parecer sobre tal pedido, tendo proposto a autorização da transmissibilidade dos prejuízos fiscais, nos termos do disposto no artº 69º do C I RC, por de acordo com os elementos fornecidos, os resultados previsionais para os próximos exercícios serem crescentes, o que poderá indiciar que a operação se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio e longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva ... irá permitir um aproveitamento de sinergias funcionais e economias de escala e uma redução de custos, parece que se poderá considerar que a operação foi realizada por motivos económicos válidos com efeitos positivos na estrutura produtiva, parecer que o Subdirector-Geral do IR, apôs o seu despacho de Concordo, em l5SET2003.
d) Em informação efectuada no Gabinete do Director-Geral da Direcção-Geral dos Impostos de 9SET2003, foi proposto o indeferimento da concessão da autorização para a dedução dos prejuízos acumulados pelas sucursais em causa, por em suma, tal operação envolver uma clara vantagem fiscal mas um efeito muito reduzido ou algo duvidoso do ponto de vista económico.
e)Por aquela mesma técnica economista foi emitido uma informação final em 19NOV2003, depois de exercido o direito de audição da contribuinte, - tendo agora aqui proposto, igualmente, o indeferimento da dedução dos prejuízos, assente nos seguintes fundamentos:
B2) QUESTÃO RELATIVA À INEXISTÊNCIA DOS PRESSUPOSTOS LEGAIS.
16. No tocante ao argumento invocado em que a recorrente vem alegar que a transmissão do capital social da Europeia é irrelevante, não afectando os objectivos económicos que presidiram à operação de reestruturação, é importante que nos debrucemos, novamente, sobre o conjunto das operações efectuadas, quais sejam: a 27 de Dezembro de 2002 é realizada uma operação de entrada de activos, sendo transferidas duas sucursais de duas sociedades de direito espanhol para a Europeia, recebendo estas sociedades, como contrapartidas, partes do capital social da Europeia; a Europeia procede a um aumento do capital social por entrada em espécie das unidades económicas, constituídas pelas sucursais; a 21 de Maio de 2003 é alienado o capital social da Europeia a uma sociedade com sede em Espanha pertencente ao ... Group.
17. A aplicação do regime especial de neutralidade fiscal a este tipo de operação e, por conseguinte, a possibilidade de transmissibilidade dos prejuízos fica dependente não só da inclusão da operação de concentração e reorganização efectuada no âmbito do regime (e quanto a este aspecto parece que não restam dúvidas que a operação de entrada de activos se pode qualificar como uma operação transfronteiriça prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 68º do Código do IRC) como a verificação dos requisitos mencionados no nº 2 do artigo 69º do CIRC.
18. Ainda que se possa reconhecer que, na perspectiva da Europeia, possam ter existido efeitos positivos na estrutura produtiva, no sentido em que veio reforçar, de forma significativa, a sua afirmação no mercado nacional, há um evidente decréscimo de custos e, reconhecendo-se que houve um reforço dos capitais da Europeia, na perspectiva da sociedade de direito espanhol (Hispanowin), sociedade que detém as sucursais e 99,99% do capital social da Europeia, a operação de entrada de activos seguida da alienação das partes de capital da Europeia indicia que, de facto, a operação não teve como principal objectivo a reestruturação ou racionalização das actividades das sociedades envolvidas, mas sim motivações de ordem fiscal.
De facto, a aplicação do regime de neutralidade e a possibilidade de transmissão dos prejuízos pressupõe a existência de uma continuidade por parte das empresas envolvidas.
É, aliás, em atinência a essa continuidade que, no momento da realização, a operação é fiscalmente neutra, sendo a tributação postergada para o momento em que, no futuro venham a ser alienados os bens, tudo se passando, nessa data, como se a operação não tivesse existido.
Este regime especial justifica-se, pois, pela existência de um interesse económico na realização da operação, pressupondo que as partes envolvidas têm uma estratégia empresarial de continuidade.
Se, como acontece no caso presente, a operação de entrada de activos é seguida imediatamente da alienação das partes de capital recebidas em troca, torna-se evidente que a estratégia, na perspectiva da sociedade que realiza a operação, não é uma estratégia de redimensionamento, de continuidade, mas sim de alienação. Torna-se evidente que o objectivo era, "ab initio", a alienação das sucursais e, sendo assim, não faz sentido aplicar-se à operação o regime especial de neutralidade e a inerente possibilidade de transmissibilidade de prejuízos.
Na verdade, a aplicação deste regime traria vantagens manifestas à sociedade que realiza a entrada de activos, na medida em que lhe permitiria a possibilidade de reportar os prejuízos fiscais para a sociedade incorporante; o que não sucederia numa operação de venda pura e simples das sucursais e, por outro lado, transformar eventuais resultados derivados da alienação do património das sucursais em mais-valias mobiliárias, com o inerente aproveitamento da isenção prevista no artº26º do EBF.
A sociedade não residente que realiza a operação de entrada de activos pode, perfeitamente, transferir para a Europeia as sucursais que detém em Portugal, mas se a estratégia é a da simples alienação onerosa dessas sucursais, não faz sentido aplicar-se a essa alienação um regime especial de neutralidade que tem em vista apenas não onerar, do ponto de vista fiscal, no momento da transmissão, as operações de fusão, cisão ou entrada de activos, em atinência ao princípio da continuidade da actividade.
19. Estes justificativos, que enformam o regime de neutralidade e a possibilidade de reporte de prejuízos, estão bem patentes no Código do IRS, concretamente no nº 3 do artigo 38°, relativo à entrada de património para realização do capital social. Neste preceito é estabelecido que os ganhos resultantes da transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, das partes de capital recebidas em contrapartida da transmissão do património para a realização do capital de sociedade são qualificados, antes de decorridos cinco anos a contar da data desta, como rendimentos empresariais ou profissionais, não podendo, antes de decorridos cinco anos a contar da data da transmissão, efectuar-se operações sobre as partes sociais que beneficiem de regimes de neutralidade, sob pena de, no momento da concretização destas, se considerarem realizados os ganhos com a penalização aí prevista.
20. Por último, apesar de ter sido proferido despacho de deferimento, a 18.09.00, por Sua Exa. O Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, para efeitos da isenção do imposto municipal de sisa e do selo, ao abrigo do DL 404/90, de 21 de Dezembro, no qual se reconheceu tacitamente, para efeitos da operação de entrada de activos, a verificação do interesse positivo para o adequado redimensionamento das unidades produtivas, no contexto, atrás explanado (em que se verifica que a operação de entrada de activos foi seguida por uma alienação da Europeia) não se poderá concluir que, na perspectiva da sociedade espanhola, detentora quer da Europeia quer das sucursais, esta operação foi realizada por razões económicas válidas.
21. Nestes termos, somos da opinião que não se poderá dar razão à recorrente, devendo ser indeferido o pedido de dedução de prejuízos.
22. Finalmente, uma vez que não se aplica, à operação em causa, o regime de neutralidade fiscal, de acordo com o disposto no nº l0 do artigo 67° do Código do IRC, propõe-se o envio do presente processo para os Serviços de Inspecção procederem, se for caso disso, às necessárias correcções, nos termos do disposto nessa norma.
A consideração superior.
f)Sobre esta informação foi proferido pelo Exmº Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais o despacho nº 2931/2003-XV, de 26NOV2003, de "Concordo, pelo que indefiro".
g)O despacho supra foi notificado à ora autora por ofício datado de 3DEZ2003.
h)Por escritura pública de 27.12.2002, celebrada no 5°Cartório Notarial de Lisboa, a Companhia Europeia de Seguros, S.A., através do seu presidente do conselho de administração, declarou a aceitação para esta, da transferência pelos respectivos valores líquidos contabilísticos, da totalidade dos bens activos e passivos afectos à actividade das sucursais em Portugal das accionistas ... , Sociedade Anónima de Seguros e ... e ... , ... , ambas as sociedades constituídas e existentes segundo a lei espanhola, com a cessão parcial de carteiras dos Ramos "Vida " e "Não Vida", com efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2002, prosseguindo a dita Companhia Europeia de Seguros, toda a actividade que aquelas Sucursais vinham desenvolvendo, e a consequente extinção destas; Consequentemente, em aumentar o capital da mesma sociedade para € 24.348.750,69, devendo o aumento de € 104,74 ser realizado integralmente por entradas em espécie, pelas referidas accionistas, mediante a emissão de duas novas acções nominativas, com o valor nominal de € 52,37, cada uma, sendo subscritas, uma por cada uma das ditas accionistas.
i) Este aumento do capital social da sociedade Companhia Europeia de Seguros, foi inscrito na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, pela Ap.22/021230.
j) por requerimento de 21 de Maio de 2003, a empresa ... , S.A., invocando o disposto no artº 102.° nº5 do Código de Valores Mobiliários, veio requerer o registo de transmissão das acções nº 1 a nº. 464.937, da Companhia Europeia de Seguros, de que é titular, a favor de ... , S.L., Soc. Com., com sede em ... , Madrid, Espanha.
l) Por despacho de 16.5.2003, proferido pelo Director Municipal da Câmara Municipal de Lisboa, foi emitido o Alvará de Licença de Utilização nº 754, do prédio sito na Avenida Fontes Pereira de Melo, nº 6, na freguesia de Coração de Jesus, em Lisboa.
3. São duas as questões a apreciar: saber se há acto tácito de deferimento; e depois, saber quais os efeitos produzidos pelo acto expresso do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
Vejamos cada questão de per si.
3.1.O acto tácito de deferimento.
A A. formulou em 27 de Setembro de 2002 um pedido de autorização para a dedução de prejuízos fiscais dos estabelecimentos estáveis adquiridos através de uma operação de entrada de activos.
Tal pedido de dedução de prejuízos fiscais teve como fundamento legal o art.69º do CIRC que, na redacção então em vigor, subordinada à epígrafe, "transmissibilidade dos prejuízos fiscais", dispunha:
1 - Os prejuízos fiscais das sociedades fundidas podem ser deduzidos dos lucros tributáveis da nova sociedade ou da sociedade incorporante até ao fim do período referido no nº l do artigo 47°, contado do exercício a que os mesmos se reportam, desde que seja concedida autorização pelo Ministro das Finanças, mediante requerimento dos interessados entregue na Direcção-Geral dos Impostos até ao fim do mês seguinte ao do registo da fusão na conservatória do registo comercial.
2 -A concessão da autorização está subordinada à demonstração de que a fusão é realizada por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou racionalização das actividades das sociedades intervenientes, e se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva, devendo ser fornecidos, para esse efeito, todos os elementos necessários ou convenientes para o perfeito conhecimento da operação visada, tanto dos seus aspectos jurídicos como económicos.
3 - O disposto nos números anteriores pode igualmente aplicar-se com as necessárias adaptações, às seguintes operações:
a)
b)Na entrada de activos, em que é transferido para uma sociedade residente em território português um estabelecimento estável nele situado de uma sociedade residente num estado membro da união Europeia, que preencha as condições estabelecidas no artigo 3.° da Directiva nº 90/434/CEE, de 23 de Julho, verificando-se em consequência dessa operação, a extinção do estabelecimento estável;
c)
...
7 - O requerimento referido no nº l, quando acompanhado dos elementos previstos no nº 2, considera-se tacitamente deferido se a decisão não for proferida no prazo de três meses a contar da sua apresentação, sem prejuízo das disposições legais antiabuso eventualmente aplicáveis.
8 - Para efeitos do cômputo do prazo referido no número anterior, considera-se que o mesmo se suspende sempre que o procedimento estiver parado por motivo imputável ao requerente.
A norma daquele nº7 veio ainda a ser objecto de nova alteração legislativa pela Lei nº 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Orçamento do Estado para o ano de 2003), tendo sido alargado para seis meses o prazo para se produzir o deferimento tácito.
E a do artº 47°, esta na redacção vigente introduzida pelo citado Dec.-Lei nº198/2001:
"1 - Os prejuízos fiscais apurados em determinado exercício, nos termos das disposições anteriores, são deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos seis exercícios posteriores".
Face ao que vai referido, constata-se que o prazo para deferimento tácito era de 3 meses à data da apresentação do requerimento.
Porém, ainda no decurso deste prazo, a lei foi alterada, passando ele para 6 meses.
Assim, face ao disposto no artº 297º, 2, do CPC, é de concluir que o prazo para a formação do acto tácito é de seis meses.
Aqui não há falta de sintonia entre as partes.
Ponto em que recorrente e recorrida divergem é no momento do início da contagem do prazo para a formação do acto tácito de deferimento.
Como é óbvio, a formação do acto tácito está dependente do preenchimento dos requisitos de deferimento da pretensão, já que se estes não estiverem reunidos, não pode haver formação de acto tácito.
E o prazo só começa a contar a partir do momento em que estão preenchidos tais requisitos.
O que parece não levantar dúvidas.
Vejamos onde começa a questão.
Após receber o pedido, o SEAF notificou o recorrido para apresentar cópia da escritura pública do aumento do capital social, pedido que se compreendia dentro dos "elementos necessários ou convenientes para o perfeito conhecimento da operação visada" – nº2 do art. 69º do CIRC.
Tal pedido foi satisfeito em 16/1/2003.
É pois evidente que só a partir desta data é que poderia começar a correr o prazo para a formação do acto tácito de deferimento.
Sucede, porém, que, já depois de apresentado o pedido, concretamente em 31 de Outubro de 2002, foi publicado o DL nº 229/02, de 31/10, que acrescentou ao Estatuto dos Benefícios Fiscais o artº 11º-A, sob a epígrafe "Impedimento de reconhecimento do direito a benefícios fiscais" e que passou a dispor o seguinte:
"1 -Os benefícios fiscais dependentes de reconhecimento não poderão ser concedidos quando o sujeito passivo tenha deixado de efectuar o pagamento de qualquer imposto sobre o rendimento, a despesa ou o património e das contribuições relativas ao sistema da segurança social ...".
É inquestionável que a requerida dedução dos prejuízos fiscais é um benefício fiscal, pelo que este preceito tem aplicação à hipótese prevista no artº 69º do CIRC, que vimos analisando.
Ponto é saber se esta norma, que, como vimos, entrou em vigor depois da apresentação do pedido, é de aplicação ao caso concreto.
O acórdão recorrido entende que não. Ou seja: entende que esta norma só é aplicável para os pedidos formulados depois da sua entrada em vigor.
E isto é assim, no entender daquele aresto pois, a entender-se o contrário, seriam violados os artºs. 12º, 3, da LGT e 12º, 2, do CC.
Não acompanhamos este entendimento.
Temos com efeito para nós que esta norma é de aplicação imediata, desde que não tenha decorrido o prazo para formação do acto tácito.
Ou seja: para nós o problema perspectiva-se no momento da decisão, que não no momento do requerimento.
É ao momento da decisão que se há-de atender para efeito da formação do acto tácito de deferimento.
A não ser assim, o deferimento violava a lei, pois poderia ser concedido sem que estivesse preenchido um dos pressupostos necessários para o deferimento: a concessão de um benefício fiscal em que o requerente do benefício eventualmente tivesse impostos em dívida.
E daí que se possa dizer que a aplicação imediata da lei não prejudica "as garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos" do contribuinte, isto para usar a terminologia do nº 3 do artº2º da LGT.
Já vimos até que, aquando da publicação desta lei, nem sequer se tinha iniciado o prazo para o deferimento tácito.
Daí que se deva considerar que esta norma é de aplicação imediata.
Neste entendimento, e uma vez que o SEAF pediu a certidão de inexistência de dívidas à Segurança Social em 14 de Abril de 2003, sendo tal certidão entregue em 28 de Maio de 2003 (vide ponto 34 das contra-alegações de recurso) só a partir desta última data começou a decorrer o prazo de 6 meses para formação do acto tácito de deferimento.
Assim, aquando da prolação do acto expresso de indeferimento (26 de Novembro de 2003) ainda não se tinha formado o acto tácito.
Diferente, como vimos, é a perspectiva assumida no acórdão recorrido. Segundo este, o prazo para formação do acto tácito ocorreu em 15 de Julho de 2003, ou seja, seis meses após a entrega da cópia da escritura pública do aumento do capital social da recorrida.
Em suma: para nós, e porque não se formou o acto tácito de deferimento, o acto expresso de indeferimento é um acto administrativo primário, que não um acto revogatório.
3.2.O acto expresso do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais. Seus efeitos.
Como vimos atrás, nos termos do nº 2 do art. 69º do CIRC, "a concessão da autorização está subordinada à demonstração de que a fusão é realizada por razões económicas válidas, tais como a reestruturação ou racionalização das actividades das sociedades intervenientes, e se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva, devendo ser fornecidos, para esse efeito, todos os elementos necessários ou convenientes para o perfeito conhecimento da operação visada, tanto dos seus aspectos jurídicos como económicos".
Ou seja, o Ministro das Finanças só autorizará a transmissibilidade dos prejuízos fiscais da sociedade fundida, se entender que a fusão é realizada por razões económicas válidas e inserção numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva.
São assim dois os requisitos cumulativos exigidos pelo art. 69º, 2, do CIRC.
E a pergunta seguinte é esta: estamos aqui perante um poder discricionário da Administração, ou, antes, perante conceitos indeterminados, cujo preenchimento cabe à Administração?
Casalta Nabais Direito Fiscal – 2ª Edição, págs. 139 e 140. considera que no caso do artº 69º do CIRC se está perante a concessão de uma margem de livre decisão à administração fiscal através da outorga de verdadeiras faculdades discricionárias, com as respectivas consequências a nível de impugnação contenciosa.
Mas afigura-se-nos antes que estamos perante conceitos indeterminados, cujo preenchimento, como dissemos cabe à Administração.
O que significa que de entre as várias soluções válidas só se admite uma solução justa no caso concreto.
O SEAF entendeu que os requisitos não estavam preenchidos, pelo que indeferiu o pedido da ora recorrida.
O acórdão recorrido não navegou nas mesmas águas.
Por um lado, considerou ter havido deferimento tácito.
Por outro lado considerou que estavam preenchidos os requisitos previstos no artº 69º do CIRC, razão pela qual anulou o despacho recorrido.
Que dizer?
Sabendo nós que estamos perante conceitos indeterminados, como acima referimos, importa agora avançar no sentido de saber se, no caso, estamos perante um acto sindicável.
Escreve Freitas do Amaral que "o que importa é saber se a interpretação de conceitos indeterminados é uma actividade vinculada ou discricionária e, por conseguinte, sindicável, ou não, pelos tribunais" Curso de Direito Administrativo, Vol.II, pág. 107. .
Ora, saber se houve "razões económicas válidas" ou se a fusão "se insere numa estratégia de redimensionamento e desenvolvimento empresarial de médio ou longo prazo, com efeitos positivos na estrutura produtiva" é matéria de discricionariedade técnica, com uma longa margem de livre apreciação da Administração, que poderá originar soluções diferentes, consoante o interesse que a Administração privilegie: uma fusão pode fundar-se numa razão económica válida para um interesse público de vitalidade da economia nacional, mas tal pode já não ocorrer em face dum interesse público de vitalidade de uma economia sectorial.
Citando Freitas do Amaral: "Porque não se lhe pede um trabalho de subsunção, uma tarefa declarativa de coincidência com um esquema dado, mas se exige uma tensão criadora do direito no caso concreto, deve naturalmente entender-se que esta actividade que, por desejo do legislador, sofre um influxo autónomo da vontade do agente administrativo, deve escapar ao controlo do juiz, embora este tenha o dever de verificar se a solução encontrada obedeceu às exigências externas postas pela ordem jurídica".
Assim sendo, e porque o acto de indeferimento do SEAF se fundamentou na inexistência dos requisitos exigidos pela lei para a concessão da autorização para deduzir os prejuízos fiscais acumulados pelas sociedades fundidas, este seu juízo não pode ser fiscalizado pelos tribunais. A menos que ocorresse erro grosseiro ou manifesta desadequação ao fim legal. O que não se antolha, nem vem alegado.
No sentido ora exposto, pode ver-se o acórdão deste STA de 5 de Julho de 2006 (rec. nº 142/06).
4.Face ao exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido e julgar improcedente a acção administrativa especial.
Custas pela recorrida, na instância e neste Supremo Tribunal, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 12 de Julho de 2006. – Lúcio Barbosa (relator) – Pimenta do Vale – Baeta de Queiroz.