Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0218/13.6BEAVR
Data do Acordão:10/12/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:EXTINÇÃO DE PESSOA COLECTIVA
LIQUIDAÇÃO OFICIOSA
Sumário:I – Uma sociedade extinta continua a ser o sujeito da relação jurídica tributária relativamente aos factos tributários ocorridos no período temporal anterior à respectiva extinção, mesmo que a lei designe outros responsáveis pelo pagamento dos tributos que se venham a liquidar relativamente àquele período.
II - Nada na lei impede a AT de efectuar um acto tributário de liquidação de imposto já depois de extinto o sujeito passivo da obrigação jurídica tributária, ainda que o seu pagamento haja de ser exigido a outrem, que a lei designe como responsável pelo pagamento.
Nº Convencional:JSTA000P30017
Nº do Documento:SA2202210120218/13
Data de Entrada:11/11/2019
Recorrente:A............ E OUTROS
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I – Relatório

1 – A…………, com os sinais dos autos, impugnou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro (TAF de Aveiro), em substituição da extinta sociedade B…………, Lda., a liquidação de IRC n.º 2012 8310005210, de 17.10.2012, referente ao ano de 2011.

2 – Por sentença de 23 de Julho de 2019, o TAF de Aveiro julgou improcedente a referida impugnação judicial.

3 – Inconformado com aquela decisão, o Impugnante recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
«[…]
a) Contrariamente ao que foi decidido na Sentença recorrida, é manifesto que a liquidação impugnada padece de ilegalidade decorrente de pressupor como sujeito passivo de imposto uma entidade que, na data em que foi efectuada tal liquidação, já havia sido extinta – e, assim, para além de ter deixado de ter personalidade jurídica, também já havia deixado de ter personalidade tributária.

b) No caso das pessoas colectivas, e em particular no que respeita às sociedades comerciais, a extinção da respectiva personalidade jurídica ocorre com o registo do encerramento da liquidação, extinguindo-se nesse momento, igualmente, a sua personalidade tributária, conforme resulta, a contrario, do disposto no art. 2.º do CIRC.

c) A partir da realização desse registo, deixa de existir pessoa colectiva, e, consequentemente, deixa igualmente de existir, em termos jurídico-tributários, a pessoa que era sujeito passivo de imposto, uma vez que, nesse caso, a extinta sociedade, ex vi dessa extinção, não mais pode ser sujeito de relações jurídicas tributárias.

d) As relações jurídicas (entre as quais, as tributárias) de que a extinta sociedade era titular subsistem, considerando-se a mesma substituída pela generalidade dos sócios (assim acontece, designadamente, no que respeita às acções em que a sociedade seja parte) e passando estes a ser responsáveis, forma ilimitada e solidária, pelas dívidas de natureza fiscal ainda não exigíveis à data da dissolução da sociedade.

e) A partir de 30/12/2011 – data em que foi efectuado o registo da dissolução e do encerramento da liquidação – a sociedade “B…………, LDA.” deixou de existir, pelo que, de forma distinta do que foi considerado na Sentença recorrida, não mais poderia ela ser sujeito passivo de imposto ou sujeito de qualquer relação jurídica, tributária ou de qualquer outra natureza.

f) Em consequência, o acto de liquidação impugnado, que, em 17/10/2012 (cfr. factos dados como provados na Sentença recorrida) teve como destinatário ou sujeito passivo a sociedade “B…………, LDA.”, a qual havia sido extinta em 30/12/2011, é nulo, por falta de elementos essenciais no que respeita à pessoa do destinatário, tudo nos termos art. 133.º-1 do CPA.

g) De todo o modo, o acto sempre seria nulo por impossibilidade do objecto, ao abrigo do disposto na alínea c) do n.º 2 do referido artigo 133.º do CPA, na redacção então em vigor.

h) No caso dos autos – em que a liquidação é feita à supra indicada sociedade –, se, por ter entretanto sido extinta a pessoa do seu destinatário (a sociedade “B…………, LDA.”, na titularidade de cujas relações jurídicas haviam sucedido os respectivos ex-sócios), o acto nunca poderia produzir os efeitos a que tendia, o seu objecto era, obviamente, impossível relativamente ao seu conteúdo, no que à imputação desses efeitos à pessoa do seu destinatário respeitava.

i) Sendo o acto nulo, não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade (cfr. art. 134.º-1 do CPA, e art. 162.º-1 do NCPA), podendo a nulidade ser invocada a todo o tempo por qualquer interessado e podendo, também a todo o tempo, ser conhecida por qualquer autoridade e declarada pelos tribunais administrativos ou pelos órgãos administrativos competentes para a anulação (cfr. art. 134.º-2 do CPA, e art. 162.º-2 do NCPA).

Sem conceder,

j) Ainda que o indicado vício do acto impugnado não fosse de considerar como causador de nulidade (no que não se concede e por mera cautela se refere), sempre ele seria anulável, por ilegalidade consubstanciada em falta de verificação dos respectivos pressupostos legais.

k) Uma vez que, por um lado, as normas de incidência positiva de imposto (na vertente da incidência pessoal/subjectiva) constituem um pressuposto da tributação, e, por outro lado, a liquidação em causa considerou como sujeito passivo de imposto uma sociedade comercial que, na data em que tal liquidação foi efectuada (17/10/2012 – cfr. factos dados como provados na Sentença recorrida), já não existia, verifica-se que essa mesma liquidação padece de manifesta ilegalidade, por violação do disposto, v.g., nos arts. 15.º e 18.º-3 da LGT, no art. 2.º do CIRC, e nos arts. 147.º-2 e 163.º do CSC.

l) A validade dessa liquidação dependia, antes de mais, de se encontrarem preenchidos os pressupostos de facto descritos nas normas de incidência pessoal ou subjectiva.

m) É manifesto que, no caso sub judice, esses pressupostos de facto não se encontravam preenchidos, tendo em consideração que o sujeito passivo de imposto identificado pela Autoridade Tributária e Aduaneira (a sociedade “B…………, LDA.”), elemento subjectivo essencial do pressuposto de facto definido na norma, já não existia à data em que a liquidação impugnada foi efectuada.

n) Em sentido contrário ao exposto, não se alegue com uma pretensa representação da “B…………, LDA.” por parte do seu ex-sócio A…………, conforme decorre da Sentença recorrida, uma vez que, como é evidente, o instituto da representação pressupõe, antes de mais, a existência jurídica do representado como centro de imputação de efeitos jurídicos, o que, conforme foi acima referido, não sucede no caso em apreço.

o) Por outro lado, o representante pode renunciar à representação, o que obviamente não acontece (a possibilidade de renúncia ao respectivo estatuto) no caso dos ex-sócios da sociedade extinta, que não são representantes, mas, como se referiu supra, substitutos ou sucessores, a título definitivo e por imposição legal, na titularidade das relações jurídicas das quais a sociedade era sujeito no momento da sua extinção.

p) Padecendo a liquidação impugnada de vício de violação de lei, decorrente de, relativamente à mesma, não se encontrarem verificados os pressupostos de facto (desde logo no que respeita ao elemento subjectivo) descritos nas normas de incidência pessoal legalmente previstas, as quais devem considerar-se complementadas pelas normas que regulam a sucessão nas relações jurídicas da sociedade extinta, deverá a Sentença recorrida ser revogada e, em consequência, sempre aquela mesma liquidação ser anulada, com a subsequente restituição aos Recorrentes da quantia de € 7.310,09, acrescida dos juros indemnizatórios vencidos sobre essa importância, contados à taxa legal de 4% ao ano ou de outra que venha a ser fixada até à data do processamento da nota de crédito em que esses juros indemnizatórios devem ser incluídos, assim se reconstituindo a situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, nos termos do disposto no art. 100.º da LGT.

q) Pelas razões expostas, a Sentença recorrida violou as normas dos arts. 147.º-2, 160.º-2, 162.º e 163.º do CSC, 2.º do CIRC (a contrario) e 15.º e 18.º-3 da LGT, as quais deveriam ter sido interpretadas e aplicadas com o sentido exposto nas presentes alegações e conclusões.
Nestes termos e nos melhores de direito, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá a Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a Impugnação deduzida pelos ora Recorrentes, anulando-se, em consequência, a liquidação impugnada, com a consequente restituição aos Recorrentes do valor que por eles foi pago na sequência dessa liquidação, num total de € 7.310,09, devendo ainda ser ordenado o pagamento aos mesmos Recorrentes dos juros indemnizatórios vencidos sobre essa quantia de € 7.310,09, contados à taxa legal de 4% ao ano ou de outra que venha a ser fixada, desde a data em que os Recorrentes efectuaram o pagamento dessa importância (30/11/2012) até integral pagamento, assim se reconstituindo a situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, tudo com verificação das respectivas consequências legais, como é de direito e de
JUSTIÇA!
[…]».


4 – Não foram produzidas contra-alegações.

5 – O Excelentíssimo Representante do MP junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de se negar provimento ao recurso.

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação


1. De facto
A decisão recorrida deu como provada a seguinte factualidade concreta:
[…]
1. No dia 29-12-2011 foi deliberada em assembleia geral a dissolução e encerramento da liquidação, por inexistência de activo e passivo, da sociedade B…………, Lda., tendo o sócio A………… sido nomeado, entre outras situações, representante da sociedade para efeitos tributários (cfr. cópia da Acta, a fls. 15 a 18 dos autos em suporte físico);

2. A dissolução e encerramento da liquidação a que se refere o ponto anterior, bem como a nomeação como depositário de A………… e o cancelamento da matrícula foram registados na respectiva Conservatória do Registo Comercial pela Ap.15/20111230 e insc. 5 e 6 (fls.19 a 25 dos autos em suporte físico);

3. Em 17-10-2012 foi emitida a liquidação de IRC, relativa ao exercício de 2011, com o n.º 2012 8310005210, no valor de € 7.310,09 e prazo limite de pagamento de 12-12-2012, a qual foi paga em 30-11-2012 (fls. 1 e 2 do PA apenso e fls. 14 dos autos em suporte físico);

4. A liquidação a que se refere o ponto anterior foi emitida à sociedade “B………… Lda Representada por: A…………” e enviada para a Travessa da ………, …….., 3810-…… Aveiro (fls. 14 dos autos em suporte físico);

5. Em 28-02-2013 a presente impugnação foi apresentada presencialmente neste TAF (fls. 1 e 2 dos autos em suporte físico).


*


Factos não provados:

Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.

[…]».



2. Questões a decidir
2.1. A questão que vem suscitada nos autos é a de saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao não considerar nulo (ou subsidiariamente anulável) o acto de liquidação adicional de imposto sobre o rendimento de uma pessoa colectiva pelo facto de aquele acto ter sido praticado quando a pessoa colectiva já se encontrava extinta por dissolução.


3. De direito
3.1. De acordo com a factualidade assente, em 29.12.2011 foi deliberada em assembleia geral a dissolução da sociedade comercial B…………, Lda., tendo o sócio A………… sido nomeado representante da sociedade para efeitos tributários, o que foi registado na respectiva Conservatória do Registo Comercial.
Em 17.10.2012 foi emitida a liquidação de IRC, relativa ao exercício de 2011 da referida sociedade, com o n.º 2012 8310005210, no valor de € 7.310,09, a qual foi enviada ao representante da mesma.

3.2. Na impugnação judicial que apresentou, o Representante tributário da sociedade, Impugnante e aqui Recorrente, alegou, no essencial: i) que o referido acto de liquidação era nulo “por impossibilidade de objecto” [artigo 133.º, n.º 2, al. c) do CPA], na medida em que o destinatário do acto já se encontrava extinto (desprovido de personalidade jurídica) à data em que aquele foi produzido, o que significa que era juridicamente impossível imputar rendimento a um sujeito juridicamente inexistente; e subsidiariamente, caso assim não entendesse; ii) sempre o acto teria de ser anulado por “falta de verificação dos respectivos pressupostos legais”, uma vez que à data em que o acto havia sido praticado inexistia a incidência subjectiva do imposto por extinção da sociedade comercial, não sendo juridicamente admissível a imputação do rendimento ao representante legal.
3.3. Na sentença recorrida explicou-se que, de acordo com o disposto no “art. 8.º n.º 4 b) do CIRC, no ano da cessação de actividade (que coincide com a data do encerramento da liquidação, de acordo com o n.º 5 a) do art. 8.º do CIRC), o período de tributação é constituído pelo período decorrido entre o início do período de tributação e a data da cessação de actividade”.
E que “de acordo com o CIRC, mesmo após a dissolução de uma sociedade, os seus representantes legais, continuam a ter que cumprir obrigações declarativas em seu nome – cfr. art. 120.º n.º 3 e 121.º n.º 4 do CIRC – sendo que a liquidação delas resultante, ou mesmo a que resultar de correcção a tal declaração, tem que ser emitida em seu nome, já que foi em relação a si que se verificaram os pressupostos, de facto e de direito, da liquidação, ainda que emitida posteriormente - os factos tributários referem-se a período em que a sociedade ainda era detentora de personalidade tributária”.

3.4. O Recorrente não se conformou com a decisão e considera que o Tribunal a quo errou na interpretação e aplicação que fez dos preceitos legais, reiterando os fundamentos de invalidade do acto que haviam sido alegados na Impugnação.
Mas sem razão.
A questão não é sequer nova na jurisprudência deste STA, que tem reiterado a interpretação sufragada e vertida na sentença recorrida.
Com efeito, veja-se, por todos, o disposto no acórdão de 17 de Dezembro de 2014 (proc. 01433/13) e na jurisprudência que nele se recolhe. Neste aresto sumariou-se o seguinte:
“I – A alegação de que a AT não podia ter liquidado à sociedade que foi extinta por dissolução IRC respeitante a um período anterior à extinção, de cuja falta de pagamento voluntário resultou a emissão do título executivo, não constitui fundamento válido de oposição à execução fiscal.
II – Tal alegação reconduz-se à ilegalidade concreta da liquidação, a qual só pode erigir-se em fundamento de oposição à execução fiscal nas situações em que «a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação» [cfr. alínea h) do art. 204.º, n.º 1, do CPPT], ou seja, quando a dívida exequenda não tenha origem em acto tributário ou administrativo prévio”.
O decidido no acórdão antes mencionado foi recentemente reiterado, entre outros, nos acórdãos de 12 de Maio de 2021 (proc. 0321/19.9BELRA) e de 9 de Junho de 2021 (proc. 01167/18.7BELRA).
E também no caso dos autos não encontramos razões para divergir do que tem sido a jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal, para a qual aqui se remete a título de fundamentação mais desenvolvida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 663.º, n.º 5 do CPC, aplicável ex vi do artigo 281.º do CPPT, sem necessidade de transcrição, por todas as decisões se encontrarem disponíveis na íntegra em www.dgsi.pt.

3.5. Em suma, e transcrevendo o que se deixou consignado no acórdão de 17 de Dezembro de 2014 (proc. 01433/13), cabe concluir que: “a sociedade extinta continua a ser o sujeito da relação jurídica tributária, mesmo que a lei designe outros responsáveis pelo respectivo pagamento. Nada na lei impede a AT de efectuar um acto tributário de liquidação de imposto já depois de extinta a pessoa (singular ou colectiva) sujeito passivo da obrigação jurídica tributária [por um facto tributário respeitante ao período temporal prévio à sua extinção], ainda que o seu pagamento haja de ser exigido a outrem, que a lei designe como responsáveis pelo pagamento, designadamente os sócios”.

III - Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 12 de Outubro de 2022. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.