Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01227/17
Data do Acordão:11/23/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:REVISTA
Sumário:Não é de admitir revista se o acórdão recorrido julgou a questão suscitada de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.
Nº Convencional:JSTA000P22607
Nº do Documento:SA12017112301227
Data de Entrada:11/07/2017
Recorrente:CÂMARA MUNICIPAL DE .............
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

A………… instaurou, no TAF de Castelo Branco, contra a CÂMARA MUNICIPAL DE …………, execução da sentença proferida por esse Tribunal, transitada em julgado no dia 10/10/2014, pedindo:
“(…) deve ser ordenada a execução da referida sentença proferida por este tribunal e transitada em julgado no passado dia 10 de Outubro de 2014, por forma a que a executada seja condenada a reintegrar a exequente nas funções inerentes à categoria profissional de assistente administrativa especial que lhe cabiam não fosse a deliberação municipal judicialmente anulada, bem como a pagar-lhe os créditos laborais que havia de ter auferido, supra discriminados, e que se computam em 110.083,34€, tudo sem prejuízo de V. Ex.ª determinar a execução dos referidos actos em prazo não superior a 30 dias, sendo que, por cada dia de atraso para além do prazo que venha a ser fixado deve ser imposta sanção pecuniária compulsória no limite mínimo de 150,00€ por dia.”

O TAF proferiu sentença, em 24/10/2016, com o seguinte segmento decisório:
“i) Nos termos e com os fundamentos expostos julgo improcedente o pedido de declaração de nulidade e/ou anulação da deliberação de 28/01/2015, da executada, que aplicou à exequente a pena de aposentação compulsiva.
ii) Nos termos e com os fundamentos expostos julgo improcedente o pedido de condenação da executada a reintegrar a exequente nas funções inerentes à categoria profissional de assistente administrativa que lhe cabiam antes da sua aposentação compulsiva por força de deliberação de 15/05/2007,entretanto anulada e, em consequência, absolvo a executada do mesmo.
iii) Condeno a executada a pagar à exequente € 68.246,89, no prazo de 30 (trinta) dias, contados nos termos do artigo 87.º do CPA, desde o trânsito em julgado da presente decisão.
iv) Advirto o Presidente da Câmara Municipal de …………, …………, que ficará sujeito ao pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, no valor diário de € 27, por cada dia útil de atraso injustificado, caso o ponto III da presente decisão não seja cumprido no prazo nele fixado.
v) Caso não exista verba ou cabimento orçamental para dar cumprimento ao ponto III da presente decisão no prazo fixado, convido as partes, no mesmo prazo, a acordarem num plano de pagamentos e darem conhecimento do mesmo ao tribunal.”

A Executada apelou para o TCA Sul insurgindo-se contra o facto da sentença o ter condenado a pagar à Exequente a importância de € 68.246,89 alegando que esta quantia correspondia “à indemnização peticionada pela apelada para ressarcimento dos danos sofridos por esta como consequência do acto ilícito anulado e que ela carecia de ser peticionada, provada e reconhecida em acção administrativa autónoma, pressupondo que com ela se reconheça a prova dos pressupostos de que depende o reconhecimento do direito: o facto, o ilícito, a culpa, o dever e o nexo de causalidade entre um e outro, o que não aconteceu no caso em apreço”. Daí que tivesse concluído que o exercício daquele tipo de direito à indemnização não pode ser feito no presente processo de execução de anulação de sentença, carecendo de ser feito em acção administrativa autónoma.

O TCA, contudo, negou provimento ao recurso com uma argumentação de que se destaca:
“É entendimento da jurisprudência do STA que a execução das sentenças anulatórias dos tribunais administrativos impõe à Administração o dever de desenvolver uma actividade de execução por forma a pôr a situação de facto de acordo com a situação de direito constituída pela decisão de provimento do recurso contencioso, o que se traduz em dois aspectos:
- por um lado, no dever de respeitar o julgado, conformando-se com o conteúdo da sentença e com as limitações que daí resultam para o eventual reexercício dos seus poderes (efeito preclusivo, inibitório ou conformativo);
- por outro lado, no dever de reconstituir a situação que existiria se não tivesse sido praticado o acto ilegal ou se esse acto tivesse sido praticado sem a ilegalidade que deu causa à anulação (princípio da reconstituição da situação hipotética actual ) - cfr., entre outros, o Acórdão do Pleno de 8/05/2003, rec. n.º 40821A.
Ora, ao peticionar a condenação da entidade executada a pagar-lhe os créditos laborais que deixou de receber em consequência da deliberação que foi anulada, a exequente mais não pretende do que obter a reconstituição cabal da situação que existira se o acto anulado não tivesse sido praticado, ou seja, a execução do julgado anulatório.
……
Vimos já que a execução das sentenças anulatórias dos tribunais administrativos não envolve apenas a prolação de novo acto no respeito pelos limites decorrentes do caso julgado; impõe também à Administração a obrigação de desenvolver uma actividade de execução tendo em vista pôr a situação de facto de acordo com a definição de direito que resulta da decisão anulatória, de modo a “reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado” (cfr. artigo 173º, n.º 1 do CPTA).
A execução do julgado anulatório implica, assim, a prática pela Administração dos actos jurídicos e das operações materiais necessárias à reintegração efectiva da ordem jurídica violada, mediante a reconstituição da situação actual hipotética, impondo-se, assim, que a mesma realize agora o que deveria ter realizado anteriormente se a ilegalidade não tivesse inquinado o procedimento.
É certo que a execução da sentença exequenda não impedia a Administração de renovar o acto anulado expurgado que fosse o vício detectado, como, aliás, a entidade executada fez.
Contudo, isso não esgota a execução do julgado anulatório. É que, a partir da data de produção de efeitos da deliberação da Câmara Municipal de ………… que aplicou à exequente a pena disciplinar, a mesma ficou na situação de aposentada, quando, não fora essa deliberação ilegal, deveria estar ao serviço. Assim, e em bom rigor, a exequente esteve disponível para o serviço, só não o realizando por facto exclusivamente imputável à entidade executada. E porque assim é, devem ser-lhe pagos os créditos salariais que deixou de auferir.
….
Concluímos, assim, que a exequente, tendo sido aposentada compulsivamente por deliberação camarária que veio a ser anulada pelo Tribunal, esteve livre e disponível para prestar serviço e só não o fez por facto exclusivamente imputável à entidade executada, pelo que lhe assiste o direito a auferir a correspondente remuneração do trabalho.
A tal não obsta, ao contrário do que parece entender o recorrente, a circunstância de ter sido proferida nova deliberação camarária, em 28/01/2015, que manteve a pena disciplinar anteriormente aplicada. É que, essa deliberação não tem efeitos retroactivos. ……
Em suma, em execução do julgado anulatório a entidade executada, para além da possibilidade de emitir novo acto com idêntico conteúdo decisório, mas liberto do vício que determinou a sua anulação, tem o dever de pagar à exequente as remunerações que ela deixou de auferir no período que medeia entre 15/05/2007 e 28/01/2015, descontados os montantes que a mesma recebeu a título de pensão de reforma, tal como decidiu o TAF de Castelo Branco.”

É desse Acórdão que vem a presente revista (art.º 150.º do CPTA).

II.MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos para isso da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. O Recorrente pretende admissão desta revista para que se aprecie a questão de saber se, face ao regime dos art.ºs 173.º e 47.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CPTA, é possível, na execução do julgado anulatório, cumular nessa execução um pedido de pagamento de uma quantia decorrente do direito de indemnização por facto ilícito caso em que o título executivo não contempla essa condenação. Ou dito de forma diferente, não constando do título executivo qualquer condenação indemnizatória por esta não ter sido pedida no processo declarativo pode, na execução, condenar-se o executado a pagar uma indemnização?

3. O Acórdão recorrido respondeu a essa questão socorrendo-se da jurisprudência deste Supremo Tribunal e decidindo de acordo com a mesma.
Com efeito, este Supremo repetidamente tem dito que, no âmbito da execução de sentenças, a Administração deve procurar reconstituir a situação actual hipotética, isto é, deve repor a situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado, o que passa pela reparação de todos os danos sofridos em resultado da prática daquele acto. E, porque assim, a execução do julgado só pode considerar-se concluída quando hajam sido cumpridas todas as operações necessárias à colocação do Exequente na posição em que se encontraria não fora a prática do acto. – vd., entre outros, Acórdãos do Pleno de 13/03/2003 e de 2/06/2004 (rec.s. n.ºs 44140-A e 41169) e da Secção de 20/2/2001 (rec. n.º 46 818), de 22/5/2001 (rec. 46 716), de 24/5/2001 (rec. 47 205) de 11/10/2001 (rec. 47 927), de 15/03/2003 (proc. 38575-A) e de 3/03/2005 (rec. 41.794-A) e numerosa jurisprudência neles citada.

Deste modo, não só a questão suscitada pela Recorrente já foi conhecida por este Tribunal múltiplas vezes como a mesma foi resolvida de acordo com essa jurisprudência.
Deste modo, nem o recurso apresenta problemática de importância fundamental nem se revela necessidade da revista para melhor aplicação do direito.

DECISÃO
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 23 de Novembro de 2017. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.