Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02691/18.7BEPRT
Data do Acordão:11/10/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P28514
Nº do Documento:SA22021111002691/18
Data de Entrada:09/24/2021
Recorrente:A............, LDA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- Relatório –

1 – A…………, Lda, com os sinais dos autos, veio, ao abrigo do disposto no artigo 285º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 13 de maio de 2021 concedeu provimento ao recurso da Autoridade Tributária e Aduaneira e negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgara parcialmente procedente a impugnação judicial visando as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios referentes aos períodos de de 09/2014, 11/2014, 12/2014, 09/2015, 10/2015, 11/2015, 12/2015 e 01/2016, no valor total de € 294.219,35, que resultaram de correções aritméticas efetuadas à matéria tributável, em virtude de ação inspetiva.

A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

1– Nos termos do artigo 285º do CPPT, o recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo é um recurso excecional cuja admissibilidade obedece a um conjunto de pressupostos;

2– Nomeadamente, “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.

3– As questões controvertidas consubstanciam em si matérias de assinalável relevância e complexidade, conforme aos fins tidos em vista pelo legislador.

4– A propósito do Acórdão ora posto em crise, na parte que conheceu e deu Provimento ao Recurso da Autoridade Tributária e Aduaneira, revogando nessa parte a Douta Sentença proferida pelo cuja questão a decidir seria a de saber se a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto incorreu em erro de julgamento consubstanciado não só na incorreta apreciação e valoração da matéria fatual, a admissibilidade do presente recurso revela-se claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, uma vez que no entendimento da ora recorrente não foi pelo Tribunal Central Administrativo Norte plasmado no Acórdão recorrido o regime jurídico adequado aos factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido.

5- A Douta Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto anulou, e bem, no entender da ora recorrente, a liquidação adicional nº 2017020050307, IVA 12/2014, num total de €132 823,19, na parte em que excede € 31.027,00, por considerar que “Ora, tendo a Impugnante apresentado declaração periódica de IVA declarando duas facturas de vendas de mercadorias, sem liquidação de IVA, dado se referirem a exportações (operações isentas nos termos do art.º 14.º do CIVA), entende-se que o procedimento da AT de anular a declaração periódica apresentada, na íntegra, e reliquidar na totalidade padece de ilegalidade, pois a liquidação n.º 2017020050307, IVA 122014, de 22/06/2017, no valor de € 132.823,19 funda-se nas correções do relatório de inspeção tributária de 13/06/2017 que conclui por uma correção de €31.027,00, pelo que não podia a AT efetuar uma liquidação adicional de valor superior, mais concretamente, de € 132.823,19. Deste modo, impunha-se que a AT tivesse procedido à liquidação adicional apenas do valor de € 31.027,00, sendo ilegal (pois destituída de fundamentação) na parte em que excede este valor (o que pressupõe a manutenção da autoliquidação efetuada pela Impugnante aquando da apresentação da declaração periódica - liquidação n.º 20157011191578, no valor de € 101.796,19 resultante da DP apresentada voluntariamente pelo contribuinte).”

6- Por sua vez o Acórdão recorrido considerou que “No procedimento efetuado pela AT não se verifica qualquer ilegalidade pois procede às correções efetuadas com base no relatório de inspeção no qual foram apuradas as referidas quantias, procedendo à liquidação integral da mesma, acrescidas dos respetivos juros e determinando consequentemente anulação da autoliquidação. Se bem entendemos a sentença recorrida anulou a liquidação adicional por se encontrar destituída de fundamentação, com o que não se pode concordar pois esta ter-se-á procurar no relatório de inspeção como consta expressamente da liquidação efetuada. Refira-se ainda que, pese embora, existisse o processo executivo em curso n.º 1821201501086359, onde estava incluído o 1821201501109928 para cobrança de IVA de 12/2014, com pagamentos efetuados ou não, não é motivo de ilegalidade nem mesmo ocorre a duplicação da coleta, pois com a anulação da liquidação a consequência normal é a extinção da execução fiscal que tem por suporte a referida liquidação com as respetivas consequências. Porém esta questão não pode obnubilar a legalidade da liquidação adicional de IVA de 12/2014, pois terá de ser analisada eventualmente em sede de execução fiscal, o que foi expressamente referido pela AT, na decisão da reclamação graciosa. Destarte, procede o recurso, revogando-se a sentença recorrida no segmento em que anulou a liquidação n.º 2017020050307, IVA 122014, de 22/06/2017, na parte em que excede € 31.027,00, mantendo-se a liquidação integralmente”.

7- Ora no parco entendimento da ora Recorrente, a liquidação em causa padece de ilegalidade por falta de fundamentação, sendo de considerar que o entendimento perfilhado na Douta Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto será o Regime Jurídico adequado aos factos materiais fixados pelo tribunal, nomeadamente os constantes da referida sentença sob as alíneas D), J), K) e L).

8- Na verdade, quando um ato de liquidação se baseia em determinada matéria coletável, “in casu” adveniente das correções resultantes do relatório de inspeção, a parte que as excede deverá considerar-se ilegal, por não dever ser considerada, ainda mais que nenhum obstáculo existe a que o ato de liquidação seja anulado relativamente à parte que corresponda à matéria coletável cuja consideração é ilegal, isto porque o valor da correção implicaria a realização de nova liquidação por esse valor.

9- Não foi essa a metodologia seguida pela AT se nos ativermos às demais liquidações, às quais deu origem o relatório de inspeção, as mesmas contemplam e foram calculadas pelo valor das correções referentes a cada período, não tendo sido anuladas as DP’s voluntariamente apresentadas, em tempo, pela recorrente, relativas a esse mesmo período, como sucedeu in casu.

10- Pugna a recorrente, no que a esta matéria respeita, pela revogação do Douto Acórdão recorrido, na parte correspondente, aplicando-se, por ser o regime jurídico mais adequado aos factos materiais fixados, o constante da Douta Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, nos termos da qual julgou parcialmente procedente a impugnação judicial e anulou a liquidação nº 2017020050307, IVA 2014, de 22/06/2017, na parte que excede €31.027,00.

11– Deverá ademais submeter-se à apreciação deste tribunal em sede de revista, por admissível, uma vez que se trata de uma questão que, pela sua relevância jurídica, se reveste de importância fundamental, sendo claramente necessário para uma melhor aplicação do direito, o entendimento vertido no Douto Acórdão Recorrido, proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte e na Douta Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, consubstanciando ambos um verdadeiro erro de julgamento quando referem que tendo em conta o carater formalista do IVA, a necessidade do documento alfandegário reveste formalidade ad substantiam e não ad probationem, insuscetível de substituição por qualquer outro meio.

12– No presente recurso a Recorrente contesta as considerações tecidas no Douto Acórdão recorrido, bem como as correções efetuadas que deram origem às liquidações impugnadas referentes ao ano de 2018.

13– Isto porque no parco entendimento da recorrente a questão decidenda material é uma só e transversal: face à matéria dada como provada, estão ou não preenchidos os pressupostos do artigo 14º e 29 nº 8 do CIVA;

14– Socorrendo-se a recorrente do quadro normativo nacional supra referido em conjugação com o quadro normativo europeu mormente os artigos 146º e 131º e 273º da Diretiva do IVA, sem descurar a ratio legis das isenções de IVA à exportação e sua delimitação, já que o IVA português é sempre balizado pelo sistema harmonizado do IVA comunitário, resultaria que a validação da isenção do IVA aplicada a uma determinada operação como exportação, em situações que não se levantam suspeitas de fraude ou evasão fiscal, como é o caso dos autos, depende apenas da prova da saída efetiva dos bens em causa do território da União Europeia.

15– E essa prova foi feita pela recorrente, uma vez que consta dos factos dados como provados nos presentes autos sob a alínea “s” que o destinatário dos bens rececionou as mercadorias constantes de ambas as faturas, tal como não foi impugnado o documento de transporte – vulgo CMR.

16- Com o devido respeito, perante os demais elementos que comprovam a efetiva expedição dos bens do território comunitário é devido o reconhecimento da isenção

17- Pelo que deverá proceder este entendimento e com ele o pedido de anulação da respetiva liquidação.

18- Está assim demonstrada, sem dúvida, a saída efetiva dos bens do território comunitário, para exportação, não restando dúvidas que as mercadorias saíram do território comunitário e entraram em Marrocos, e foram rececionadas pelo correspondente destinatário (ver facto dado como provado alínea S), sendo que nada indica que as mercadorias tivessem sido colocadas em circulação ou consumidas em território nacional, forjando assim o espírito da isenção de IVA na exportação.

19- Razão pela qual deverá ser revogado o Acórdão Recorrido na parte correspondente, atentos os fundamentos aduzidos.

20– Por sua vez, no que concerne às liquidações de IVA, e respetivos juros compensatórios referentes ao ano de 2015, por se revelar questão de especial complexidade, revestindo a fixação do regime jurídico adequado matéria de especial relevância jurídica, a sua apreciação deverá ser atendida neste sede admitindo-se também quanto a esta temática a sua apreciação na revista que ora se interpõe.

21- Os princípios da neutralidade fiscal, da proporcionalidade e da confiança legítima devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que seja o direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado pago a montante seja recusado ao destinatário de uma fatura, por inexistência de uma operação tributável efetiva.

22- Contudo, se, por causa de fraudes ou irregularidades cometidas pelo emitente ou a montante da operação invocada como base do direito a dedução, se considerar que essa operação não foi efetivamente realizada, deve provar-se, perante elementos objetivos e sem exigir ao destinatário da fatura verificações que lhe não incumbem, que o mesmo destinatário sabia ou tinha obrigação de saber dessas irregularidades.

23- No caso em apreço, repete-se, e aqui se apela ao erro de julgamento, por tal facto não ter sido considerado na Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, e posteriormente pelo Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, pois que foi dado como provado, por constar do teor do RIT, que nas instalações da impugnante foi exibido parte do material adquirido à B………… (veja-se a situação apontada no que concerne às divergências entre as quantidades comunicadas no inventário e as da contagem física feita aquando da inspeção, apontada com indicio pela AT) o que implicaria considerar como estando demonstrado que a ora Recorrente adquiriu a mercadoria em causa.

24– Nesse pressuposto, teria a administração tributária que recolher indícios bastantes de que a recorrida sabia ou devia saber das irregularidades cometidas, a existirem, pela emitente das faturas.

25– Todavia tal não sucedeu, e não tendo tal acontecido, concluímos que a administração tributária não recolheu indícios que legitimam a sua atuação no sentido de não aceitar a dedução do IVA mencionado nas faturas em causa nos autos, ou seja, não cumpriu com o ónus que sobre si impendia no sentido de fundamentar as liquidações impugnadas, as quais estão, assim, feridas de ilegalidade, impondo-se assim refutar a decisão recorrida quando declarou improcedente o recurso e confirmou a Sentença recorrida.

26- Entende a AT que as faturas emitidas pelas empresas B............ não consubstanciam transações comerciais relevantes para efeitos de permitir a dedutibilidade do IVA incorrido pela Recorrente, ou seja, que se trata de operações simuladas e não reais, pelo que de acordo com o número 3 do artigo 19.º do CIVA a Requerente não poderia ter deduzido o imposto relativo a estas aquisições simuladas.

27- Comecemos por nos referir ao ónus da prova no âmbito das correções em análise.

28- Como tem sido realçado reiterada e uniformemente pela jurisprudência dos nossos tribunais superiores, de que no ponto anterior fizemos referência exaustiva, quando a AT desconsidera faturas que reputa de falsas, aplicam-se as regras do ónus da prova previstas no artigo 74.º da LGT, competindo a esta fazer prova de que estão verificados os pressupostos legais que legitimam a sua atuação, ou seja, que existem indícios sérios de que a operação constante das faturas não correspondem à realidade, passando então a incidir sobre o sujeito passivo do imposto o ónus probatório da veracidade da transação.

É neste plano que nos encontramos,

29- Vejamos, então, não perdendo de vista o enquadramento jurídico gizado ao longo das alegações, relativamente ao ónus da prova e considerando os factos apurados em sede inspetiva, com vista a dar resposta à questão de saber se resulta dos factos considerados provados, que a AT fez prova da verificação de indícios que lhe permitiam concluir que as faturas relativamente às quais o IVA nelas inserido foi desconsiderado, não tiveram subjacentes quaisquer operações económicas realizadas entre a B............ e a ora Recorrente.

30- Nenhum indício relevante foi aduzido pela AT no sentido de demonstrar que a Recorrente tinha conhecimento dos factos imputados à empresa emitente das faturas, descritos no RIT.

31- Nem que as operações tituladas nas mesmas faturas não consubstanciavam operações reais.

32– Atreve-se a recorrente a referir que tal resulta até contraditório, pois, reitera a recorrente, que consta do relatório de inspeção que foi feita a contagem física de parte do material adquirido pela Recorrente à B.............

33- Ora se foi feita a contagem física de parte do material é porque este foi fornecido/vendido pela B............ à aqui recorrente, não se tratando de vendas simuladas e de faturas falsas.

34- Em suma, a conclusão que a AT retirou dos indícios que verteu no RIT quanto à emitente das faturas em causa nos autos, não lhe permite, sem mais, extrair a conclusão de que as operações em que a Recorrente esteve envolvida sejam simuladas e que, nesse pressuposto, esta perca o direito à dedução do imposto.

35- Tinha de o provar a existência desses indícios e no juízo da recorrente não o fez.

36- Tendo em conta as considerações que precedem, há que responder que o direito da União deve ser interpretado no sentido de que os artigos 167.º e 168º, alínea a), da Diretiva 2006/112 e os princípios da neutralidade fiscal, da segurança jurídica e da igualdade de tratamento não se opõem a que o direito a dedução do IVA pago a montante seja recusado ao destinatário de uma fatura, por inexistência de uma operação tributável efetiva.

37- Contudo, se, por causa de fraudes ou irregularidades cometidas pelo emitente ou a montante da operação invocada como base do direito a dedução, se considerar que essa operação não foi efetivamente realizada, deve provar-se, perante elementos objetivos e sem exigir ao destinatário da fatura verificações que não lhe incumbem, que o mesmo destinatário sabia ou tinha a obrigação de saber que a operação estava implicada numa fraude ao IVA.

38- Até porque como supra se referiu, do RIT, principal e único meio de prova que o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto e Tribunal Central Administrativo Norte consideraram para fixar e manter, respetivamente, os factos dados como provados e não provados, consta que aquando da inspeção, apesar de uma ou outra divergência irrelevante, foi feita a contagem de parte da mercadoria adquirida à B............, tal como foram juntos pela Recorrente os comprovativos do pagamento da mesma, os quais não foram impugnados.

39- Assim, contrariamente ao que resulta do Acórdão recorrido, para que pudessem operar as regras referentes ao ónus da prova nos termos em que ali vem expostos, necessário seria que a AT tivesse feito prova da existência de indícios sérios de que as operações não eram operações reais, nos termos sobreditos, o que no entendimento da Recorrente não sucedeu.

40- Razão pela qual a intervenção deste tribunal de revista é necessária e justifica-se não só porque foram violadas normas de natureza processual referentes ao ónus da prova, mas também, a admissão do recurso nesta matéria, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

41- Quando muito, no caso em apreço, atentas as particularidades invocadas em sede de ónus da prova, sempre se diria que deveria ter tido aqui a aplicação do artigo 100º do CPPT, que redundaria na procedência do recurso interposto perante o TCA Norte e a revogação do Acórdão Recorrido.

Nestes termos e nos mais de direito que Vª. Exª. mui Doutamente suprirá deve ser dado provimento ao presente recurso revogando-se consequentemente o Douto Acórdão Recorrido nos precisos termos que supra se expõe, assim se fazendo SÃ, SERENA E OBJETIVA JUSTIÇA

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal não emitiu parecer sobre a admissão da revista.

4 – Dá-se por reproduzido o probatório fixado no acórdão recorrido e respectiva fundamentação (fls. 15 a 38 da respectiva numeração autónoma).

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir da admissibilidade do recurso.


- Fundamentação –


5 – Apreciando.

5.1 Dos pressupostos legais do recurso de revista.

O presente recurso foi interposto e admitido como recurso de revista, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Dispõe o artigo 285.º do CPPT, na redacção vigente, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:

1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.

3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.

4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

5 – Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.

6 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.

E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.

O acórdão do TCA NORTE do qual o recorrente pretende revista concedeu provimento ao recurso da AT, revogando a sentença do TAF do Porto na parte em que procedera à anulação parcial da liquidação relativa ao período de 12/2014, anulando-a na totalidade, e negou provimento ao recurso interposto pela recorrente, incidente quer sobre a matéria de facto quer sobre a matéria de direito.

A recorrente pretende revista relativamente a tudo o que foi decidido pelo TCA e alega genericamente a verificação dos requisitos de que depende a admissibilidade do recurso relativamente a todas elas, sem, porém, concretizar nenhuma.

No que respeita ao recurso interposto pela AT, o TCA Norte julgou, que em face do probatório fixado – alíneas D), J), K) e L) -, se impunha a anulação total e não meramente parcial da liquidação adicional relativa ao período de 12/2014, porquanto a autoliquidação, já em fase executiva, fora anulada.

Não estamos aqui perante questão de relevância jurídica ou social fundamental justificativa da admissão da revista, antes perante mera interpretação do probatório fixado, sendo que o entendimento adoptado não se revela, em face dos factos (em especial da sua alínea L) “ostensivamente errado ou juridicamente insustentável”, justificativo da admissão da revista para melhor aplicação do Direito, antes pelo contrário. Acresce que constitui jurisprudência pacífica deste STA que as ilações de facto retiradas do probatório pelas instâncias são insindicáveis por via de recurso de revista para o STA, que apenas conhece matéria de Direito.

A recorrente pretende ainda que este STA admita a revista para reapreciação do entendimento das instâncias quando referem que tendo em conta o caráter formalista do IVA, a necessidade do documento alfandegário reveste formalidade ad substantiam e não ad probationem, insuscetível de substituição por qualquer outro meio (conclusão11 e ss. das suas alegações de recurso).

Salvo o devido respeito, não parece que a questão, tal como tratada pelas instâncias, careça de revisão, pois que se encontra clara e abundantemente fundamentada por apelo à legislação pertinente e inclusive à jurisprudência do TJUE. Acresce que, como já salientado pelo TCA, não resulta provado da alínea S do probatório fixado a efectiva expedição dos bens, sendo esse juízo da recorrente um juízo de facto insusceptível de reapreciação por este STA.

O mesmo se diga, finalmente, relativamente à alegação, refutada pelas instâncias, de que a administração tributária não recolheu indícios que legitimam a sua atuação no sentido de não aceitar a dedução do IVA mencionado nas faturas em causa nos autos, ou seja, não cumpriu com o ónus que sobre si impendia no sentido de fundamentar as liquidações impugnadas, as quais estão, assim, feridas de ilegalidade, impondo-se assim refutar a decisão recorrida quando declarou improcedente o recurso e confirmou a Sentença recorrida. Trata-se de questão afastada do âmbito do recurso de revista, por expressa determinação da lei, visto que, por expressa determinação da lei – cfr. o n.º 4 do artigo 285.º do CPPT -, O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, o que não é, manifestamente o caso. Acresce que este STA teve já oportunidade de tomar posição sobre a questão do ónus da prova nos casos de facturas falsas - cfr., por todos, os Acórdãos do Pleno da Secção de 17 de fevereiro de 2016 (rec. n.º 591/15,) de 16 de março de 2016 (recs. n.º 400/15 e 585/15) e de 19 de outubro de 2016 (rec. n.º 511/15) -, sendo que a posição adoptada pelo TCA no presente aresto não se descortina como desconforme ao entendimento do órgão de cúpula da jurisdição administrativa e fiscal, antes pelo contrário. Não se justifica, pois, a admissão de revista para conhecimento de tal questão, decidida em conformidade com a jurisprudência consolidada deste STA (cfr. o Acórdão deste STA de 27 de junho de 2018, rec. n.º 1434/17, entre muitos outros).

Conclui-se, pois, contrariamente ao alegado, que não estão reunidos os requisitos de que depende a admissão da revista, pelo que esta não será admitida.

Pelo exposto, o recurso não será admitido.


- Decisão -

6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso de revista, por não se verificarem os respectivos pressupostos legais.

Custas do incidente pelo recorrente.

Lisboa, 10 de Novembro de 2021. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Francisco Rothes - Aragão Seia.