Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0954/13.7BEPRT
Data do Acordão:09/16/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:IRC
BENEFÍCIOS FISCAIS
PRESTAÇÕES SUPLEMENTARES
Sumário:I - Na lei comercial as prestações suplementares encontram-se previstas e reguladas nos artºs.210 a 213, do Código das Sociedades Comerciais, cumprindo realçar que estas têm sempre por objecto dinheiro, não vencem juros e a sua existência deve estar consagrada pelo contrato de sociedade. As prestações suplementares constituem um possível meio de fortalecimento do património social, necessário ao desenvolvimento da actividade da sociedade, embora sem a rigidez da pura prestação (aumento) de capital, da qual se diferenciam. Ou seja, consubstanciam um instrumento de financiamento societário sem custos (contrariamente aos suprimentos que, na maioria dos casos, pressupõem remuneração) e sem a notada "rigidez" do aumento de capital. Em sede de sociedades anónimas, a existência de prestações suplementares é também admissível, desde que respeite o regime previsto para as sociedades por quotas nos citados artºs.210 a 213, do C.S.Comerciais, através de aplicação analógica.
II - Para a contabilização das prestações suplementares, o POC previa a conta “53 - Prestações suplementares” e, de acordo com as notas explicativas respectivas, esta conta deveria ser utilizada em conformidade com o previsto no Código das Sociedade Comerciais (cfr.artº.210, do C.S.C.). Por sua vez, a conta “51 - Capital”, respeitava ao capital nominal subscrito, incluindo aumentos de capital, também de acordo com a explicação fornecida pelo POC. A separação entre as contas e as notas explicativas referidas, não deixam margem para dúvidas de que no POC o termo capital, quando referido a sociedades, tinha como significado o seu capital nominal, que capital nominal e prestações suplementares eram realidades assumidas contabilisticamente como distintas e que, relativamente a ambas as realidades, se acompanhava a terminologia e o regime estabelecido no C.S.Comerciais.
III - A previsão da norma constante do artº.32, nº.2, do E.B.Fiscais, na redacção em vigor em 2009, não abarcava os encargos financeiros resultantes da realização de prestações suplementares, encargos estes que não eram abrangidos pela expressão "partes de capital".
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P26348
Nº do Documento:SA2202009160954/13
Data de Entrada:03/27/2019
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............ - SGPS., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal visando sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. do Porto, cuja cópia se encontra a fls.140 a 143 do processo físico, a qual julgou procedente a presente impugnação intentada pela sociedade recorrida, "A………….. - S.G.P.S., S.A.", tendo por objecto as liquidação adicional de I.R.C. relativa ao ano fiscal de 2009 e no valor a reembolsar de € 7.663,89, após emissão de demonstração de acerto de contas.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.119 a 123 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
A-Vem o presente recurso interposto da douta sentença, por erro de julgamento na aplicação do direito, na questão a decidir sobre o conceito de “partes de capital” previsto no artigo 32.º, n.º 2 do EBF, mais concretamente se os encargos financeiros com a realização de prestações suplementares e as prestações acessórias sob o regime das prestações suplementares são ou não dedutíveis nos termos daquela norma e de aferir da existência de erro quanto aos pressuposto de facto e de direito da liquidação adicional de IRC, concernente ao exercício de 2009, resultante do acréscimo à matéria colectável, decorrente da desconsideração como custo fiscal de encargos financeiros registados como custo desse exercício ao abrigo da citada norma;
B-Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o doutamente decidido, padecendo a mesma de erro de julgamento de direito, consubstanciado na errada interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis, mormente do art. 32.º, n.º 2 do EBF;
C-Tendo por objetivo tratar da questão central identificada, a douta sentença estruturou a sua análise abordando a questão do que deve ser entendido como “partes de capital”, concluindo, quanto a este ponto, que “não se encontra em qualquer diploma na área fiscal a sua definição” e, a propósito da definição do que sejam encargos financeiros, de que existe uma exemplificação no art. 23.º, n.º 1 c) do CIRC sob a epígrafe “custos ou perdas”, considera a douta sentença a propósito que, “para o conceito de custo vale a definição constante do aludido art. 23, C.I.R.C., a qual, depois de nos transmitir, de uma forma ampla, a noção de custos ou perdas como englobando todas as despesas efectuadas pela empresa que, comprovadamente, sejam indispensáveis para a realização dos proveitos ou para a manutenção da fonte produtiva, procede a uma enumeração meramente exemplificativa de várias despesas deste tipo. Para, a final, concluir: “Assim sendo, constituindo as prestações suplementares outras componentes do capital próprio e não partes de capital torna a correcção em crise ilegal e por isso anulável.”;
D-Em nosso entendimento, no que concerne à vertente em que a douta sentença centralizou, a questão a decidir é:
-a de saber se as prestações suplementares e as prestações acessórias sob o regime das prestações suplementares são ou não de integrar o conceito de partes de capital, para os efeitos previstos no n.º 2 do art. 32.º do EBF, isto é, se os encargos financeiros suportados com a sua realização são ou não dedutíveis em termos fiscais;
-sendo de notar que as correcções em causa se prendem com o período de 2009, ainda na vigência do então art. 32.º do EBF, o qual foi, entretanto revogado pela Lei da reforma do IRC, com efeitos a 1 de Janeiro de 2014;
E-O art. 23.º do CIRC, no n.º 1, à data, determinava que se consideram “custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente: c) encargos de natureza financeira (…) ”;
F-O n.º 2 do art. 31.º do EBF, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.° 32-B/2002, de 30/11, determina que as mais-valias, assim como as menos-valias, realizadas pelas SGPS e pelas SCR, mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, “de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e bem assim os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades”;
G-Tendo em conta as dúvidas suscitadas pela redacção do n.º 2 do art. 32.º do EBF, e como referido no relatório de inspecção tributária, tem sido entendimento da AT que quer as prestações suplementares quer as prestações acessórias de capital constituídas sob o regime de prestações suplementares, incluem-se no regime de mais e menos valias relativas a partes de capital, ficando assim abrangidas pelo regime constante da referida norma, pelo que os encargos financeiros incorridos com o seu financiamento não poderão concorrer para a formação do lucro tributável. Pois, o conceito de “partes de capital” é um conceito essencialmente utilizado pelas regras contabilísticas, inexistindo qualquer definição no Direito Comercial, no Direito das Sociedades ou no Direito Fiscal, ramos do direito que utilizam o conceito contabilístico sem, no entanto, o definir;
H-A orientação da Comissão de Normalização Contabilística, autoridade máxima na matéria da normalização contabilística em Portugal, vem expressa no ofício n.º 8/97 de 29.01, segundo a qual as prestações suplementares se integram nas partes de capital e devem ser contabilizadas pela sociedade participante em subdivisão específica da sub conta POC 411 – Partes de Capital e na esfera da entidade participada na conta 53 – Prestações Suplementares;
I-O Centro de Estudos Fiscais (CEF), embora sobre a aplicação do n.º 5 (ex n.º 7) do art. 23.º do CIRC, emitiu o Parecer 32/2010, tendo propugnado que “quer as prestações suplementares quer, bem assim, as prestações acessórias que se encontrem submetidas a um regime similar, partilhando, portanto, as mesmas características essenciais, devem indubitavelmente ser qualificadas como elementos do capital próprio”;
J-O que é, aliás, confirmado pela Norma Internacional de Contabilidade 32 «Instrumentos Financeiros: Apresentação», onde se define passivo financeiro como, nomeadamente, “qualquer passivo que seja: a) uma obrigação contratual: i) de entregar dinheiro ou outro activo financeiro a uma outra entidade, ou ii) de trocar activos financeiros ou passivos financeiros com outra entidade em condições que sejam potencialmente desfavoráveis para a entidade;” e instrumentos de capital próprio “qualquer contrato que evidencie um interesse residual nos ativos de uma entidade após a dedução dos seus passivos” (cfr. Parágrafo 11). Referindo-se que “Uma característica crítica na diferenciação entre um passivo financeiro e um instrumento de capital próprio é a existência de uma obrigação contratual de um participante no instrumento financeiro (o emitente) seja de entregar dinheiro ou outro activo financeiro ao outro participante (o detentor) seja de trocar activos financeiros ou passivos financeiros com o detentor em condições que sejam potencialmente desfavoráveis para o emitente” (cfr. parágrafo 17), referindo-se que “Se uma entidade não tiver um direito incondicional de evitar a entrega de dinheiro ou outro activo financeiro para liquidação de uma obrigação contratual, a obrigação corresponde à definição de um passivo financeiro” (cfr. Parágrafo 19). Donde resulta claramente que, por força do regime adoptado, as prestações suplementares devem ser tidas jurídica e contabilisticamente como integrando os capitais próprios;
K-Adianta ainda o referido Parecer que, “no artigo 23.º, n.º 3 a 5, se utiliza o conceito de partes de capital, que remete para a contabilização na óptica do prestador, correspondendo à designação da conta “411 – Partes de capital” do Plano Oficial de Contabilidade, o qual deve dizer-se não incluía nenhuma conta ou subconta específica para registar as prestações suplementares na contabilidade do prestador, posição esta que corresponde, aliás, à assumida pela Comissão de Normalização Contabilística, através do seu Ofício n.º 8/97, de 29 de Janeiro de 1997”, concluindo que, “em conformidade com os entendimentos já anteriormente sancionados, as prestações suplementares e, bem assim, as prestações acessórias que estejam sujeitas a um regime idêntico, integram o conceito de partes de capital previsto no actual artigo 23.º, números 3 a 5 do Código do IRC”;
L-A relevância fiscal destes investimentos financeiros (a realização de prestações suplementares) implica a sua equiparação às “Partes de capital”, nos termos que vieram a constar expressamente do art. 42.º n.º 3 do CIRC, na redacção introduzida pela Lei 60-A/2005, de 30/12 (actual art. 45.º) e que já decorriam de uma interpretação sistemática da lei (designadamente da inclusão das prestações suplementares no conceito de “entradas de capital” para efeitos do disposto na al. A) do n.º 1 do art. 21.º do CIRC);
M-E como refere Sofia Gouveia Pereira (In “Prestações Suplementares no Direito Societário Português”, Principia Publicações, 1ª edição, 2004) “tal como a figura se encontra desenhada no actual código das Sociedades Comerciais, somos de opinião de que as prestações suplementares se aproximam mais do capital social do que de um empréstimo dos sócios. Elas constituem, em sentido amplo, uma parte das entradas globais dos sócios. São um capital adicional, que não se integra no capital nominal”;
N-Aproveitando as considerações constantes no acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 2011.11.17, no processo 00467/07, quando se refere às prestações suplementares para dizer: “As prestações suplementares de capital visam objectivos idênticos aos do aumento de capital, sem envolver o formalismo e a responsabilidade deste e daí que, tal como o aumento de capital realizado pela Impugnante foi considerado pela administração tributária na determinação do valor de aquisição, também o devem ser as referidas prestações suplementares.”;
O-A conclusão a retirar é de que as verbas advenientes das prestações suplementares servem para fortalecimento do património social, considerando-se elemento integrante das “partes de capital” e, portanto, as prestações suplementares são tratadas, contabilística e fiscalmente como partes de capital;
P-Neste enquadramento, nos termos do n.º 2 do art. 32.º do EBF, não concorrem para a formação do lucro tributável as mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, pelas SCR e pelos ICR de partes de capital, nas quais se incluem as prestações suplementares e as prestações acessórias sob o regime das prestações suplementares, assim como, os encargos financeiros suportados com a aquisição dessas partes de capital;
Q-Ante o exposto, ao decidir como decidiu, a douta sentença incorreu em erro de julgamento, consubstanciado na errada interpretação e aplicação das normas legais citadas, designadamente o disposto no art. 32.º, n.º 2 do EBF.
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A sociedade recorrida produziu contra-alegações no âmbito da instância de recurso (cfr.fls.125 a 137-verso do processo físico), as quais encerra com o seguinte quadro Conclusivo:
A-O presente recurso vem interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida contra o ato de liquidação adicional de IRC n.º 2013 8510000750, relativo ao exercício de 2009 e consubstanciado na demonstração de acerto de contas n.º 2013 00000069868, com saldo a reembolsar de € 7.663,89 (vide documento n.º 1, junto com a p.i.);
B-Para a impugnante é inaceitável a interpretação que, no uso da Circular 7/2004, a AT faz do conceito de «partes de capital»;
C-A Recorrente entende que não são só irrelevantes fiscalmente – no sentido de que não são atendíveis para efeitos do apuramento do lucro tributável – os encargos financeiros incorridos com vista à aquisição de participações sociais, como ainda os encargos financeiros incorridos com vista à realização de prestações suplementares e prestações acessórias submetidas ao regime das prestações suplementares. Quer isto dizer que, para a AT, sempre que na Circular 7/2004 é feita uma referência a «partes de capital» deve, nessa medida, entrar-se em linha de conta com, não apenas as participações financeiras, mas ainda todas as prestações submetidas ao regime das prestações suplementares;
D-Falece neste ponto a tese dos serviços;
E-É que, como bem sabe a AT – ou, pelo menos, não poderia ignorar – as prestações suplementares constituem nos relevantes ramos de direito «outras componentes do capital próprio» e não «partes de capital», o que torna a correção em crise ilegal, e, nesta medida, anulável;
F-Não obstante e para que dúvidas não possam subsistir, importa também aqui compreender e esclarecer qual deve ser a interpretação a ser dada ao conceito de prestações suplementares;
G-Ora, este é um conceito que tem a sua origem no direito comercial, sendo aí que, na falta de definição específica para o Direito Fiscal, devemos ir buscar o seu significado – cfr. artigo 11.º, n.º 2, da LGT;
H-Com efeito, estas prestações estão sujeitas a um regime legal que difere na globalidade do que a lei manda aplicar ao capital, o que se justifica pela diferente natureza, objetivos e âmbito destas duas realidades;
I-As prestações suplementares têm um carácter duplamente facultativo, ou seja, a sua exigência depende em primeiro lugar de estipulação no contrato de sociedade e em segundo lugar de posterior deliberação dos sócios, ao contrário do capital social que estando ligado à própria constituição da sociedade, é, na realidade, um elemento essencial e imprescindível à mesma, nos termos do artigo 9.º, n.º 1, alínea j) do Código das Sociedades Comerciais, o capital social é um elemento obrigatório do contrato de sociedade, constituindo obrigação dos sócios entrar para a sociedade com bens suscetíveis de penhora – cfr. artigo 20.º do Código das Sociedades Comerciais;
J-Acresce que, as prestações suplementares não são incluídas quando se procede à aferição do cumprimento do valor mínimo do capital social definido para cada tipo de sociedade, nem são consideradas na base de cálculo dos dividendos a distribuir aos sócios – cfr. artigo 22.º do Código das Sociedades Comerciais;
K-Mais, as prestações suplementares têm, necessariamente, por objeto dinheiro – cfr. artigo 210.º n.º 2 do Código das Sociedades Comerciais – o mesmo não se verificando quanto às obrigações de entrada, que constituindo o capital social, podem ser realizadas também através de bens em espécie ou em indústria (excluindo, quanto a esta última possibilidade, as sociedades anónimas);
L-Efetivamente, os sócios ao realizarem as prestações suplementares, constituem-se como credores da sociedade, prevendo a lei, no artigo 213.º do Código das Sociedades Comerciais, um regime específico para o reembolso das mesmas, distinto e mais simplificado do regime que permite aos sócios reduzir o capital social (cfr. artigos 95.º e 96.º do Código das Sociedades Comerciais);
M-Ora, daqui decorre que não merece provimento a argumentação de que estaríamos perante um «crédito com características de inexigibilidade». Os sócios que realizaram prestações suplementares têm o direito a ser reembolsados, tendo apenas que estar cumpridos os requisitos previstos no artigo 213.º supra referido;
N-De facto, é apenas natural que a lei procurando, nomeadamente, tutelar os credores da sociedade estabeleça limites ou requisitos à extinção de certos créditos dos sócios por pagamento/reembolso, aliás o mesmo acontece, em diferentes moldes, relativamente aos suprimentos sem que tal permita equipará-los a «partes de capital»;
O-A impossibilidade de aceitar que estamos perante um suposto crédito inexigível fica claro nas palavras do Professor RAÚL VENTURA: «[s]ob este especto [restituibilidade das prestações suplementares], separam-se, pois, radicalmente as prestações de capital e as prestações suplementares e estas aproximam-se dos suprimentos», acrescentando ainda que: «[n]ão considero aceitável qualquer construção jurídica que não tenha em consideração o carácter devido da restituição. A sociedade não atribui ao sócio um lucro, nem lhe faz uma doação: restitui o que recebeu e que deve restituir»;
P-De facto, conforme resulta da citação anterior, existe uma diferença conceptual e de regime que, desde logo, distingue de uma forma drástica as prestações suplementares das partes de capital, na medida em que as primeiras não dão direito à distribuição de lucros da sociedade;
Q-E se a lei estabelece nos artigos 31.º e seguintes do Código das Sociedades Comerciais medidas para conservação do capital das sociedades, com objetivos semelhantes àqueles que justificam a imposição dos limites supra referidos quanto ao reembolso das prestações suplementares, fá-lo sem referir, em qualquer momento, tais prestações, de facto, este regime pretende tutelar o capital social (e as reservas legais) e não as prestações suplementares, exatamente porque estas não devem ser a este equiparadas;
R-Acresce que, do artigo 210.º n.º 3 do Código das Sociedades Comerciais, resulta que o contrato de sociedade pode estabelecer que apenas alguns sócios estejam obrigados à realização das referidas participações, assim como, pode ser estabelecido critério de repartição que não seja proporcional à sua participação. A esta luz, a proceder a argumentação da AT com vista à equiparação destas prestações a «partes de capital» – o que apenas se admite por mera hipótese académica, sem conceder – permitiria que fosse a estrutura societária alterada, mediante a alteração da participação dos sócios no capital, sem que fossem sequer respeitadas as exigências relativas ao aumento de capital;
S-Por outro lado, não deve proceder a alegada intransmissibilidade das prestações suplementares de forma autónoma, neste sentido: «os créditos resultantes das prestações suplementares são transmissíveis autonomamente da qualidade de sócio […] sem prejuízo de a transmissão não implicar alteração ao regime aplicável à restituição do crédito», isto sob pena de ser possível a detenção de partes de capital por não sócios;
T-Na verdade, nada na lei comercial nos permite advogar que, pela natureza e características legais das prestações suplementares, o legislador pretendesse que estas fossem consideradas «partes de capital», de facto, como vimos, a lei comercial distingue claramente o capital das prestações suplementares;
U-Com efeito, nem o facto de estas duas figuras serem consideradas, para efeitos contabilísticos, parte integrante do capital próprio – vide Plano Oficial de Contabilidade – permite que se considere que existe entre elas igualdade de natureza (económica e jurídica);
V-Mesmo recorrendo ao plano contabilístico, a argumentação defendida pela Administração fiscal – baseada eventualmente na ideia de que as prestações suplementares são registadas na conta # 41, à semelhança do que sucede às ações e quotas – não assenta em pressupostos corretos, conforme explanado em seguida;
W-De acordo com o Plano Oficial de Contabilidade, vigente à data dos factos, a conta # 41 era destinada ao registo contabilístico das «aplicações financeiras de carácter permanente», nomeadamente das participações sociais detidas;
X-No entanto, o facto de as prestações suplementares realizadas serem registadas igualmente naquela conta não significa que, para efeitos contabilísticos, as mesmas se equiparem. Na verdade, nas subcontas da conta # 41 são registados investimentos financeiros com naturezas distintas;
Y-Ora, de acordo com o Plano Oficial de Contabilidade, este tipo de investimentos era registado numa subconta da conta # 41, o que, seguindo o raciocínio da Administração fiscal, significa que à luz das normas contabilísticas estes investimentos se equiparam a partes de capital, o que não procede;
Z-Assim, também numa perspetiva contabilística, não é possível sustentar a equiparação das prestações suplementares às partes de capital;
AA-Note-se que a acrescer a tudo o que já acima foi exposto, é a própria Lei Fiscal que nega a equiparação entre estes dois conceitos, sendo tal particularmente visível nos casos que seguidamente se exporá;
BB-A redação atual do n.º 3 do artigo 42.º do Código do IRC, que refere expressamente as prestações suplementares, resulta de alteração levada a cabo pelo legislador através do Orçamento do Estado para 2006. Se, antes desta alteração, este artigo referia-se apenas a «partes de capital», então o que nos trouxe de novo esta alteração? Com esta alteração, onde anteriormente se determinava que apenas a diferença negativa entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no âmbito de transmissão onerosa de «partes de capital» concorria para a determinação do lucro tributável em 50%, passou a estabelecer-se que tal limitação devia aplicar-se, igualmente, a «outras componentes do capital próprio», entre as quais se encontram as prestações suplementares;
CC-O que o legislador pretendeu, na verdade, foi alargar o âmbito de aplicação deste regime para passar agora a incluir as prestações suplementares onde antes não era possível;
DD-Outro dos exemplos previstos na legislação fiscal portuguesa em que se constata que as prestações suplementares não consubstanciam partes de capital é o da aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda para efeitos do apuramento das mais ou menos-valias fiscais;
EE-Por outro lado, esta interpretação do conceito de partes de capital encontra igualmente acolhimento na Circular n.º 7/2004 a que temos vindo a referir-nos;
FF-A verdade é que, pelo menos no âmbito desta instrução administrativa, a AT utiliza as expressões «partes de capital» e «participações sociais» enquanto sinónimos;
GG-Contrariamente, o termo «prestações suplementares» nem sequer consta da Circular, pelo que importa determinar se o conceito de «participações sociais» comporta aquela realidade;
HH-De acordo com a doutrina, «[e]nquanto direito subjetivo, a participação social é a posição jurídica do sócio na sociedade, que lhe permite beneficiar da sua parte social com o fim de alcançar o êxito na realização do lucro sobre o seu investimento»;
II-Por outro lado, «o objeto da participação social é a parte social, é sobre ela que aquela incide», encontrando-se os conceitos intimamente ligados, não sucedendo o mesmo com as prestações suplementares;
JJ-Em face do que se expôs, não procede a pretensão da AT em estabelecer uma equiparação das prestações suplementares às partes de capital para os efeitos da aplicação da, quer da norma do n.º 2 do artigo 32º do EBF, quer da Circular n.º 7/2004, e, concomitantemente, para os efeitos da negação da dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros incorridos pela impugnante nos termos em que a mesma ocorre e se fundamenta;
KK-Este tema foi já objeto de tratamento jurisprudencial, quer nos tribunais administrativos e fiscais, quer nos tribunais arbitrais, podendo ser consultado, a esse respeito, o Acórdão do proferido no processo 107/11 de 30/11/2011, disponível em www.dgsi.pt, que se reporta à questão da indispensabilidade dos custos financeiros suportados para a realização de prestações suplementares, bem como, a nível arbitral, recaindo já sobre ambas as vertentes da questão formulada, as decisões dos processos 9/2012-T; 69/2012-T; 12/2013-T, 80/2013-T, 587/2014-T, entre outros, todos eles disponíveis em www.caad.org.pt.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso (cfr.fls.150 e 151 do processo físico).
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Corridos os vistos legais (cfr.fls.153 e 155 do processo físico), vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.140-verso e 141 do processo físico):
1-A Impugnante foi objecto de uma acção inspectiva, em sede de IRC, sobre o exercício de 2009 - PA em anexo;
2-Finda a referida inspecção foi elaborado Relatório de Inspecção Tributário, o qual se considera aqui integralmente reproduzido - PA em anexo;
3-No âmbito da referida inspecção foram efectuadas correcções à matéria tributável no montante de € 727.729,23 - PA em anexo;
4-Resultantes da diferença entre os valores dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital não considerados fiscalmente na óptica da AT - € 6.393.048,07 e o valor dos mesmos na óptica da impugnante € 5.665.318,85 - PA em anexo;
5-A Impugnante foi notificada da demonstração de liquidação de IRC de 2009, efectuada pela AT, constante de fls.59 do processo físico, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: "…Factos não provados: para a decisão da causa não foram apurados…".
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…A decisão da matéria de facto efectuou-se com base nos documentos e informações constantes dos autos e PA, conforme indicado em cada facto.
A prova testemunhal não contribuiu para a decisão da causa na medida em que a questão a decidir é de natureza jurídica…".
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou procedente a presente impugnação judicial, tendo por objecto a liquidação adicional de I.R.C., relativa ao ano fiscal de 2009 e identificada no nº.5 do probatório supra, que se consubstancia numa correcção meramente aritmética à matéria colectável da sociedade impugnante, no montante de € 727.729,23 e resultante da diferença entre os valores dos encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital não considerados fiscalmente na óptica da A. Fiscal e ao abrigo do artº.32, nº.2, do E.B.Fiscais (€ 6.393.048,07) e o valor dos mesmos a suportar na óptica do sujeito passivo (€ 5.665.318,85).
Conclui o Tribunal "a quo" no sentido de que as prestações suplementares não são de considerar como integrando o conceito de "partes de capital" para efeitos fiscais e, concretamente, do citado artº.32, nº.2, do E.B.Fiscais, na redacção em vigor em 2009, pelo que a correcção em causa deve ser anulada, devido a vício de violação de lei.
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese, que as verbas advenientes das prestações suplementares servem para fortalecimento do património social, assim devendo considerar-se elemento integrante das "partes de capital" e, por consequência, as ditas prestações suplementares devem ser tratadas, contabilística e fiscalmente, como integrando as citadas "partes de capital". Que nos termos do artº.32, nº.2, do E.B.Fiscais, na redacção em vigor em 2009, não concorrem para a formação do lucro tributável as mais-valias e as menos-valias realizadas pelas S.G.P.S., de partes de capital, nas quais se incluem as prestações suplementares. Que a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, consubstanciado na errada interpretação e aplicação do aludido artº.32, nº.2, do E.B.Fiscais (cfr.conclusões A) a Q) do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Conforme resulta do relatório de inspecção identificado no nº.2 do probatório supra, entende a Fazenda Pública que as prestações suplementares e as prestações acessórias de capital, constituídas sob o regime de prestações suplementares, se incluem no regime de mais e menos valias relativas a "partes de capital", assim ficando abrangidas pelo regime constante do artº.32, nº.2, do E.B.Fiscais (recorde-se que é este o único preceito em que se baseia a correcção sob exame, conforme se retira do teor do relatório de inspecção), na redacção em vigor em 2009, pelo que os encargos financeiros incorridos com o seu financiamento não poderão concorrer para a formação do lucro tributável, posição que reafirma na presente apelação.
Contrariamente, a decisão recorrida conclui no sentido de que as prestações suplementares contabilizadas pela sociedade impugnante não são de considerar como integrando o conceito de "partes de capital" para efeitos fiscais e, concretamente, do citado artº.32, nº.2, do E.B.Fiscais, na redacção em vigor em 2009, pelo que a correcção em causa deve ser anulada, devido a vício de violação de lei.
Vejamos quem tem razão.
Os benefícios fiscais revestem a natureza de medidas de carácter excepcional, instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da tributação que impedem (cfr.artº.2, nº.1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo dec.lei 215/89, de 1/7).
Do ponto de vista jurídico, e na óptica da relação jurídica de imposto, os benefícios fiscais consubstanciam, antes de mais, factos que estando sujeitos a tributação, são impeditivos do nascimento da obrigação tributária ou, pelo menos, de que a mesma surja em plenitude. Na verdade, enquanto facto impeditivo, o benefício fiscal traduz-se sempre em situações que estão sujeitas a tributação, isto é, que são subsumíveis às regras jurídicas que definem a incidência objectiva e subjectiva do imposto. E, precisamente porque o benefício fiscal constitui um facto impeditivo da tributação-regra, a sua extinção ou falta de pressupostos de aplicação tem por efeito imediato a reposição automática dessa mesma tributação, como estabelece o artº.12, nº.1, do E.B.F. Por último, deve lembrar-se que as normas que consagram benefícios fiscais não são susceptíveis de integração analógica, embora admitam a interpretação extensiva (cfr.artº.9, do E.B.F.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª.edição, Coimbra Editora, 2007, pág.463 e seg.; Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, Cadernos C.T.F., nº.165, 1991, pág.253 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, o artº.32, nº.2, do E.B.Fiscais, era o anterior artº.31, nº.2 (na versão aplicável em 2009, resultante da renumeração operada pelo dec.lei 108/2008, de 26/06, e da Lei 64-A/2008, de 31/12 - cfr.artº.12, do C.Civil) tinha a seguinte previsão e estatuição:
Artº.32
(SOCIEDADES GESTORAS DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS (SGPS) E SOCIEDADES DE CAPITAL DE
RISCO (SCR)

1. Às SGPS, às SCR e aos ICR é aplicável o disposto nos nºs. 1 e 5 do artigo 46.º do Código do IRC, sem dependência dos requisitos aí exigidos quanto à percentagem ou ao valor da participação.
2. As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, pelas SCR e pelos ICR de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades.
(...)

Antes de mais, comecemos pelo exame da noção de prestações suplementares, em causa nos presentes autos.
As prestações suplementares podem definir-se como entradas em dinheiro realizadas pelos sócios de sociedade por quotas para reforço do património desta, para além do capital social, não vencendo juros e podendo ser-lhes restituídas, as quais não se incluem no capital social da sociedade (cfr. Luís Brito Correia, Direito Comercial, 2º. Volume, Sociedades Comerciais, AAFDL, 1989, pág.297 e seg.; João Aveiro Pereira, O Contrato de Suprimento, Coimbra Editora, 1997, pág.103 e seg.).
Na lei comercial as prestações suplementares encontram-se previstas e reguladas nos artºs.210 a 213, do Código das Sociedades Comerciais, cumprindo realçar que estas têm sempre por objecto dinheiro, não vencem juros e a sua existência deve estar consagrada pelo contrato de sociedade. As prestações suplementares constituem um possível meio de fortalecimento do património social, necessário ao desenvolvimento da actividade da sociedade, embora sem a rigidez da pura prestação (aumento) de capital, da qual se diferenciam. Ou seja, consubstanciam um instrumento de financiamento societário sem custos (contrariamente aos suprimentos que, na maioria dos casos, pressupõem remuneração) e sem a notada "rigidez" do aumento de capital. Em sede de sociedades anónimas, a existência de prestações suplementares é também admissível, desde que respeite o regime previsto para as sociedades por quotas nos citados artºs.210 a 213, do C.S.Comerciais, através de aplicação analógica (cfr.artºs.210 e 211, do C.S.Comerciais; Raúl Ventura, Comentário ao Código das Sociedades Comerciais, Sociedades por Quotas, Vol. I, 2ª. Edição, Almedina, 1989, pág.235 e seg.; António Meneses Cordeiro e Outros, Código das Sociedades Comerciais Anotado, 3ª. Edição, Almedina, 2020, pág.753; ac.S.T.A-2ª.Secção, 3/06/2020, rec.1018/09.3BELRS; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/09/2016, proc.9691/16).
Passemos à vertente contabilística.
No Plano Oficial de Contabilidade (POC), aprovado pelo dec.lei 410/89, de 21/11, vigente à data dos factos, a expressão "partes de capital" era empregue para designar a subconta 411 da subconta 41 (Investimentos financeiros) da conta 4 (Imobilizações), onde, ao lado das contas "Obrigações e títulos de participação" (412), "Empréstimos de financiamento" (413), "Investimentos em Imóveis" (414) e "Outras aplicações financeiras" (415), deveriam ser registados os investimentos em "partes de capital" na óptica do investidor (sócio).
Já para a contabilização das prestações suplementares, o POC previa a conta "53 - Prestações suplementares" e, de acordo com as notas explicativas respectivas, esta conta deveria ser utilizada em conformidade com o previsto no Código das Sociedade Comerciais (cfr.artº.210, do C.S.C.). Por sua vez, a conta "51 - Capital", respeitava ao capital nominal subscrito, incluindo aumentos de capital, também de acordo com a explicação fornecida pelo POC.
A separação entre as contas e as notas explicativas referidas, não deixa margem para dúvidas de que no POC o termo capital, quando referido a sociedades, tinha como significado o seu capital nominal, que capital nominal e prestações suplementares eram realidades assumidas contabilisticamente como distintas e que, relativamente a ambas as realidades, se acompanhava a terminologia e o regime estabelecido no C.S.Comerciais (cfr. António Borges, Azevedo Rodrigues e Rogério Rodrigues, Elementos de Contabilidade Geral, 14ª. Edição, Editora Rei dos Livros, 1995, pág.545 e 574; Rogério Fernandes Ferreira e José Vieira dos Reis, Prestações Acessórias e Partes de Capital, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 3, nº.4, Almedina, pág.11 e seg.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 15/09/2016, proc.9691/16).
Revertendo ao caso dos autos, a questão a que, através da exegese da norma ínsita no identificado artº.32, nº.2, do E.B.Fiscais, importa responder é a seguinte: estão abrangidos pelo preceito os encargos financeiros resultantes da realização de prestações suplementares, para tanto devendo enquadrar-se no termo "partes de capital" utilizado pelo legislador na previsão da norma?
A previsão da norma refere-se, textualmente, a mais-valias e menos-valias realizadas tendo por fundamento a titularidade de "partes de capital", tal como aos encargos financeiros suportados com a sua aquisição (das ditas "partes de capital"). É pacífico que o preceito em questão, ao utilizar na sua previsão a expressão "partes de capital", se refere, desde logo, às mais-valias e menos-valias resultantes da titularidade de participações sociais, ou seja, acções e quotas, tal como aos encargos financeiros suportados com a aquisição das mesmas participações sociais. Mas será que a previsão da norma abrange, ainda, os encargos financeiros resultantes da realização de prestações suplementares?
Pensamos que não.
Expliquemos porquê.
A este título e enquanto elemento sistemático de interpretação, deve trazer-se à colação a previsão da norma constante do artº.42, nº.3, do C.I.R.C., norma onde a referência às prestações suplementares não existia antes da redacção introduzida pela Lei 60-A/2005, de 30/12, alteração legislativa essa com a qual pretendeu explicitar que as prestações suplementares se enquadram entre as "outras componentes do capital próprio", assim se verificando uma extensão da incidência do mesmo preceito (cfr. Tomás Cantista Tavares, IRC e Contabilidade, Da Realização ao Justo Valor, Almedina, 2011, pág.245 e seg.; Rogério Fernandes Ferreira e José Vieira dos Reis, Prestações Acessórias e Partes de Capital, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, Ano 3, nº.4, Almedina, pág.25).
Pelo contrário, na norma sob interpretação (artº.32, nº.2, do E.B.F.) nunca o legislador operou a identificada alteração (e teve oportunidades para a realizar - cfr.artº.9, nº.3, do C.Civil).
Face a tudo o exposto, deve concluir-se que a previsão da norma constante do artº.32, nº.2, do E.B.F., na redacção em vigor em 2009, não abrangia os encargos financeiros resultantes da realização de prestações suplementares, pelo que padece o acto tributário objecto dos presentes autos do vício de violação de lei, sendo anulável, em consequência do que se confirma a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação.
Sem necessidade de mais amplas considerações, nega-se provimento ao recurso e mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva do presente acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 16 de Setembro de 2020. – Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) – Paulo José Rodrigues Antunes – Pedro Nuno Pinto Vergueiro.