Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0368/21.5BESNT
Data do Acordão:02/21/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:PROCESSO DISCIPLINAR
INVIABILIDADE DA MANUTENÇÃO DA RELAÇÃO FUNCIONAL
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
ERRO MANIFESTO
DEMISSÃO
Sumário:I - O conceito de inviabilização da manutenção da relação funcional concretiza-se através de juízos de prognose, na fixação dos quais a Administração goza de grande liberdade de apreciação.
II - Margem de liberdade administrativa que não é sindicável pelo tribunal, salvo caso de erro grosseiro ou palmar, ou seja, em que a pena fixada se revele, em concreto, manifestamente injusta ou desproporcionada.
III - O que traduz que a Administração dispõe de liberdade quanto à apreciação dos factos, mas não pode incorrer em erro grave, grosseiro ou evidente na operação de qualificação jurídica dos factos, a qual tem por objeto a relação entre os pressupostos de facto do ato e o conteúdo da norma jurídica.
IV - Não se encontra o juiz impedido de sindicar a legalidade da decisão punitiva que ofenda os critérios gerais de individualização e graduação estabelecidos na lei ou que ultrapasse os limites normativos correspondentes, aferindo se foram ou não ponderadas as circunstâncias concretas, que, pela sua gravidade, indiciariam a concreta pena aplicada e, no caso, a inviabilização da manutenção da relação funcional.
V - Estabelece o legislador, de forma geral e abstrata, cláusulas abertas e conceitos indeterminados, mas não se dispensa a Administração de demonstrar a sua respetiva verificação em concreto, por lhe caber o ónus da demonstração dos pressupostos punitivos.
VI - Pertence à Administração justificar e demonstrar, como é seu ónus, atenta a natureza sancionatória do processo disciplinar, que as infrações cometidas inviabilizam a manutenção da relação funcional, tendo essa demonstração de ser realizada em concreto, que o comportamento do arguido é suscetível de comprometer a continuidade do vínculo e daí justificar a escolha da pena disciplinar.
VII - Qualquer decisão administrativa pode ser controlada judicialmente quanto aos seus respetivos pressupostos de facto e de direito, por nessa parte, consistir em aspetos vinculados do ato, assim como, quanto à densificação do preenchimento do conceito indeterminado de inviabilidade da manutenção da relação funcional, necessário e instrumental à aplicação da pena disciplinar mais gravosa de demissão.
VIII - O controlo do erro manifesto de apreciação na qualificação dos factos corresponde a um exame de proporcionalidade da prognose levada a cabo pela Administração sobre conceitos indeterminados que referem pressupostos do ato.
IX - O princípio da proporcionalidade constitui um instrumento que permite ao juiz apreciar o valor dos motivos de facto do ato administrativo, com vista a determinar se justificam o seu conteúdo à luz da norma legal, designadamente, aferir se a medida é conforme ou adaptada à gravidade dos motivos, ou se é excessiva, tanto intervindo no controlo do poder vinculado, quer no controlo do poder discricionário.
X - O princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso dirige-se, por isso, a toda a atividade dos poderes públicos, sob a imposição de que, na prossecução dos fins de interesse público que lhe estão, constitucional e legalmente atribuídos, devem adotar as medidas idóneas à realização daqueles fins (de acordo com o subprincípio da adequação), além de, entre as medidas suscetíveis de alcançar os fins pretendidos, devem ser escolhidos os que consubstanciem um menor sacrifício dos direitos dos particulares (de acordo com o subprincípio da necessidade) e sem que a medida possa ser excessiva ou desrazoável, atendendo aos fins de interesse público prosseguidos e aos direitos dos particulares (de acordo com o subprincípio da proporcionalidade stricto sensu).
XI - No presente caso a pena de demissão aplicada afigura-se excessiva, não se mostrando nem adequada, nem necessária, para sancionar as condutas ilícitas apuradas, considerado que durante mais de uma década a própria Administração nunca entendeu que o exercício de funções do agente da PSP e a continuidade desse exercício, se mostravam contrárias aos interesses e prestígio da instituição e reconheceu, a diversos títulos (com a atribuição das classificações de serviço de mérito, de Bom e Muito bom, a atribuição de um Louvor e as funções de Graduado de serviço), após a prática dos factos ilícitos, o mérito do polícia, ora Recorrido.
XII - O juízo de inviabilidade de manutenção do vínculo laboral tem de assentar em pressupostos como a gravidade objetiva do facto cometido, o reflexo no exercício das funções e a personalidade do agente se revelar inadequada para o exercício de funções.
Nº Convencional:JSTA00071823
Nº do Documento:SA1202402210368/21
Recorrente:MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA
Recorrido 1:AA
Votação:UNANIMIDADE
Ref. Acórdãos:
Meio Processual:REC REVISTA EXCEPC
Objecto:AC TCAS
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:FUNÇÃO PUBL
Área Temática 2:DISCIPLINAR
Legislação Nacional:ESTATUTO DISCIPLINAR PSP
L 37/2019, DE 30/05 ARTS 3.º, 6.º, N.º 6, 23.º, N.º 1 E 61.º
Referência a Pareceres:PARECER DA PGR N.º 24/95, DE 07/12/1995
Referência a Doutrina:- C. EISENMANN, COURS DE DROIT ADMINISTRATIF, TOME II, LGDJ, PARIS, 1983, PÁG. 641
- EDUARDO CORREIA, DIREITO CRIMINAL II, COIMBRA 1992, PÁG. 5
- TIAGO MACIEIRINHA, “ERRO MANIFESTO DE APRECIAÇÃO – UMA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE?”, ESTUDOS EM HOMENAGEM A RUI MACHETE, ALMEDINA/FUNDAÇÃO LUSO AMERICANA PARA O DESENVOLVIMENTO, 2015, PÁGS. 1071-107
- SÉRVULO CORREIA, “LEGALIDADE E AUTONOMIA CONTRATUAL NOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS”, COLEÇÃO TESES, ALMEDINA, 2003, REIMP. DA ED. DE 1987, PÁG. 498
Aditamento:
Texto Integral: Espécie: Recurso de revista de acórdão do TCA

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I – RELATÓRIO

1. MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA (MAI), devidamente identificado nos autos, veio interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo (STA), nos termos do artigo 150.º do CPTA, do acórdão proferido em 12/10/2023, pelo Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), que negou provimento ao recurso e confirmou a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra.

2. No âmbito de processo cautelar de suspensão de eficácia de ato administrativo que AA apresentou contra o MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA (MAI), foi proferida sentença em 03/12/2021, em que, antecipado o juízo sobre a causa principal, nos termos do n.º 1, do artigo 121.º do CPTA, o TAF de Sintra julgou a ação procedente, anulando o Despacho do Ministro da Administração Interna, de 31/03/2021, que aplicou ao Requerente a pena disciplinar de demissão da Polícia de Segurança Pública (PSP).

3. Inconformada, a Entidade Demandada recorreu para o TCAS, o qual, por acórdão de 12/10/2023, com diferente fundamentação, confirmou o sentido da sentença objeto de recurso.

4. É deste acórdão do TCAS que vem interposto, pelo MAI, o presente recurso de revista, cujas alegações o Recorrente conclui da seguinte forma:

A. A admissão do presente recurso de revista é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito» (cf. artigo 150.º, n.º 1, do CPTA), na medida em que o douto acórdão impugnado não tratou corretamente questões de direito com inescapável «relevância jurídica ou social», como são as questões da concretização do conceito indeterminado de inviabilização da manutenção da relação funcional e da identificação dos poderes do Tribunal na sindicância de atos administrativos punitivos. Com efeito,

B. O Ministério da Administração Interna entende que se justifica que o Supremo Tribunal, com grande sentido de responsabilidade sobre o conjunto da Justiça Administrativa, se pronuncie no caso vertente, a fim de clarificar a competência atribuída por lei ao detentor do poder disciplinar para interpretar o conceito de inviabilização da manutenção funcional, tendo em mente o fim legal de manter a disciplina na Corporação;

C. E a fim de clarificar os poderes de sindicância da legalidade que detêm os Tribunais Administrativos, aquando da apreciação de decisões punitivas da Administração.

D. Torna-se, assim, «necessária» a intervenção deste Colendo Supremo Tribunal Administrativo para orientar as atuações futuras dos Tribunais Administrativos, bem como da Administração, garantindo-se o cumprimento da legalidade.

E. No entender do Ministério da Administração Interna, o douto acórdão impugnado incorreu em incontornáveis erros de direito, razão que torna “claramente necessária” a admissão do presente recurso de revista pelo Supremo Tribunal, de maneira a evitar que se constitua de futuro, por indiferença, uma orientação defeituosa para os tribunais de primeira e de segunda instância,

F. O douto Acórdão deliberou o seguinte: “Deste modo, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, embora com fundamentação acrescida e nem sempre coincidente, confirmar o sentido da Sentença objeto de Recurso.” (cf. pág. 14).

G. E o motivo avançado foi o seguinte: «Como se disse já, se é certo que a conduta do agente policial violou gravemente os deveres decorrentes da função policial, mostrando-se indigna de um agente da autoridade, potencialmente lesiva da imagem da PSP, tal não poderá significar que de imediato, e sem quaisquer antecedentes de natureza disciplinar, tenha de determinar automaticamente, sem mais, a inviabilização da manutenção da relação funcional.» (cf. pág. 14). Como se pode verificar,

H. O douto Tribunal a quo limitou-se a concluir que este Ministério não ponderou sobre a aplicação ao caso do conceito de inviabilização da manutenção da relação funcional, aquando da prolação do despacho punitivo, e daí, de forma igualmente conclusiva, que foi aplicada uma pena disciplinar manifestamente desproporcional.

I. Acontece, porém, que o Tribunal a quo não logrou identificar no despacho punitivo uma manifesta desproporcionalidade, ou uma evidente injustiça, ou a adoção de critérios manifestamente desacertados, inaceitáveis ou grosseiros.

J. Limitou-se a discordar da interpretação que a Administração fez do referido conceito de inviabilização da manutenção da relação funcional – a falta era de tal modo grave para a disciplina e para o prestígio e o bom nome da Corporação que a ligação do recorrido ao serviço da PSP não se podia manter –, mas desse modo extravasou o âmbito da jurisdição administrativa.

K. A Administração procedeu, tanto no relatório final, como na deliberação do Conselho de Deontologia e Disciplina da PSP, como na proposta do Senhor Diretor Nacional e como na decisão final do membro do Governo, a uma ponderação sobre a gravidade da infração, o grau de desvalor jurídico-disciplinar e as circunstâncias atenuantes e agravantes da responsabilidade disciplinar.

L. Exercendo o seu poder disciplinar na mais estrita observância do quadro jurídico aplicável, encontrando a solução que no caso concreto melhor servia o interesse público, de manter a disciplina na PSP e de manter o prestígio e o bom nome da Corporação e a confiança dos cidadãos na Instituição e na atuação policial dos elementos que a compõe.

M. Ao censurar esse uso adequado do poder discricionário que o legislador lhe atribuiu, o douto acórdão recorrido incorreu no erro de direito assinalado, devendo ser anulado.”.

Pede a admissão do recurso de revista e a procedência do mesmo, com a consequente anulação do acórdão do TCAS.

5. O Recorrido AA apresentou contra-alegações, em que apresenta as seguintes conclusões:

I. O presente recurso é inadmissível por não se verificarem preenchidos os pressupostos qualitativos de que depende a sua admissibilidade.

II. O artigo 150.º do C.P.T.A. prescreve de modo claro os casos em que o recurso excecional de revista é admissível: quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

III. Não sendo o caso dos autos nem a primeira nem a segunda, existindo aliás dupla conforme entre as duas decisões da 1.ª instância e do acórdão recorrido, não se vislumbra de que modo pode a presente decisão que venha a ser proferida auxiliar no conhecimento de casos futuros.

IV. Estamos apenas perante um novo expediente usado pelo Recorrente, tentando, em vão, contornar a inelutabilidade de nos presentes autos não lhe restar nenhuma possibilidade recursiva.

V. Não há qualquer necessidade de uma melhor aplicação do Direito quanto ao preenchimento do conceito de inviabilidade da manutenção da relação funcional exigir um juízo de prognose a efetuar, no caso, pela PSP, no sentido de demonstrar a inviabilidade da relação funcional.

VI. O Recorrente não consegue identificar uma única decisão judicial que acomode aquela que é a sua interpretação quanto ao que deve ser a melhor aplicação do Direito.

VII. Essa questão não é controvertida nem carece de “melhor aplicação” como atestam os mais de 25 anos de jurisprudência constante.

VIII. Nunca o Recorrente alterou o seu comportamento face à referida jurisprudência, querendo agora, com manifesta arrogância, que a jurisprudência adeque a sua consolidada prática decisória, à sua infundada interpretação.

IX. Deverá, assim, o presente recurso de revista ser julgado inadmissível por não se verificarem os pressupostos qualitativos previstos no artigo 150.º do C.P.T.A.

Caso assim se não entenda, sem conceder,

X. A jurisprudência é unânime em entender que “é pacificamente entendido que o juízo de inviabilização da relação funcional não resulta ipso facto do disposto de qualquer das disposições legais do Estatuto Disciplinar aplicável aos agentes e funcionários públicos, e por isso, também em relação ao disposto no Regulamento de Disciplina da PSP, mas que resulta antes do conjunto normativo em que tal preceito se insere, alicerçado no conjunto de factos e de circunstâncias concretas conducentes à conclusão de que não é mais possível manter o vínculo jurídico-funcional existente.

XI. Está assente nos presentes autos que o Recorrente falhou uma obrigação que sobre si impendia para que pudesse aplicar a pena de Demissão, a saber: carrear para os autos factos que de forma inequívoca demonstrassem que a relação funcional estava comprometida de forma irremediável e, nessa sequência, e com base também nesses factos, fazer o juízo de prognose a que estava obrigado.

XII. O Recorrente sabe que é a si que cabe carrear factos para o procedimento disciplinar que demonstrem que a relação funcional concreta com aquele elemento policial concreto está irremediavelmente comprometida, e incluir toda a factualidade prévia à decisão disciplinar na ponderação a fazer sobre o comprometimento irremediável da manutenção da relação funcional.

XIII. O Recorrente não fez o juízo de prognose, na forma e conteúdo a que estava legalmente obrigado, ou seja, através da ponderação que incluísse todo o contexto circunstancial prévio ao momento em que ocorreram os factos que estiveram na base da sanção disciplinar, mas também os concomitantes, e, não menos importante, exigindo ainda a ponderação das circunstâncias que ocorreram desde os sobreditos factos até ser proferida decisão no procedimento disciplinar.

XIV. A Administração não está obrigada a aguardar pelo fim do processo criminal para instruir e concluir o procedimento disciplinar, mas se o fizer, naquele seu juízo de prognose sobre a inviabilidade da manutenção da relação funcional não pode ignorar, desprezar ou desvalorizar toda a factualidade que tenha decorrido desde a prática dos factos puníveis até ao momento em que a Administração profere a sua decisão final em sede disciplinar.

XV. A Administração não fez uso do seu poder de suspensão de funções do Recorrido, tendo antes optado por mantê-lo em pleno exercício de funções (diga-se até, no exercício de funções de maior responsabilidade do que as anteriormente desempenhava), o que atesta que nunca a mesma concebeu que a relação funcional entre ambos estivesse irremediavelmente comprometida.

XVI. O Recorrente ignorou toda a factualidade que decorreu entre ../../2011 e .../.../2021, mais de 10 anos de serviço efetivo prestado pelo aqui Recorrido e no qual obteve classificações de Bom (2010 a 2016) e Muito Bom (2017 a 2020), estando colocado na Classe de Comportamento Exemplar, tendo também sido agraciado com a atribuição de Louvor (Menção de Muito Mérito), publicado em Ordem de Serviço do Comando Metropolitano de Lisboa, OSCML n.º ..., datada de .../.../2018.

XVII. O Recorrente sabe que esses 10 anos de serviço efetivo prestado pelo Recorrido, as avaliações, classificação e louvor obtido nesse período, bem como a colocação na classe de comportamento exemplar são em si um conjunto de factos reveladores de que nunca a relação funcional entre o Recorrido e a PSP esteve em causa, revelando também que a instituição PSP sempre o considerou como pessoa idónea e como reunindo todas as condições e capacidade para o exercício das funções de agente de autoridade.

XVIII. O Recorrente agiu sempre, independentemente da factualidade dos presentes autos, com o intuito de condenar o aqui Recorrido a uma pena expulsiva e disso dá nota o Tribunal a quo ao afirmar “É patente que a Administração, fruto da sua intenção de penalizar o prevaricador, tornando-o num exemplo para a corporação, não cuidou de avaliar, ponderadamente todos os factos conexos com a prática da infração, o que determinou a aplicação de uma pena manifestamente desproporcional à infração praticada, pois que na escolha da pena terá sempre de ser dada preferência àquela que se mostre adequada e suficiente às finalidades da punição”.

XIX. Inexistem dúvidas quanto ao acerto da decisão proferida pelo Tribunal a quo, devendo em consequência o acórdão a quo ser mantido na íntegra.”.

Pede a inadmissibilidade da revista e, caso assim se não entenda, a improcedência do recurso, por não se verificarem os vícios assinalados pelo Recorrente.

6. O presente recurso de revista foi admitido por acórdão proferido pela formação da apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo do STA, em 14/12/2023, dele constando que “A questão nuclear trazida a esta pretensão de revista consiste (...) em determinar e clarificar o âmbito do poder jurisdicional de sindicância da qualificação administrativa de «inviabilização da manutenção da relação funcional». É que a forma como o acórdão recorrido tratou a questão dá azo, na verdade, às críticas suscitadas pela entidade recorrente, e isto, independentemente de até poder estar correctamente decidida. Para além de as decisões das instâncias não coincidirem na fundamentação, o que desde logo recomenda uma clarificação por parte do tribunal de revista, perfila-se também a relevância jurídica da questão, uma vez que está em causa determinar a linha, tantas vezes ténue, da delimitação dos poderes judiciais e administrativos. Estes, e no caso, no âmbito da densificação do conceito indeterminado litigado, e aqueles, no âmbito da sindicância dessa concreta densificação administrativa, que foi feita tendo em mente o fim legal de manter a disciplina da respectiva Corporação.”.

7. O Ministério Público (MP) junto deste STA, notificado ao abrigo do n.º 1, do artigo 146.º do CPTA, pronunciou-se no sentido da procedência do recurso, defendendo que “(...) o poder jurisdicional pode legitimamente sindicar a classificação administrativa do conceito indeterminado de inviabilização da manutenção da relação funcional estabelecido no Estatuto Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, que determina a qualificação de determinado comportamento dos polícias da PSP como infracção disciplinar muito grave, sempre que a mesma encerre erro grosseiro nos pressupostos de facto ou que a pena fixada se revele, em concreto, manifestamente injusta ou desproporcionada.”, concluindo que “(...) com base nos factos provados, existem razões suficientes para considerar que a viabilidade da manutenção da relação funcional estava inexoravelmente comprometida, não podendo afirmar-se que, ao aplicar a pena de demissão ao elemento da PSP, se tenha incorrido em erro grosseiro ou se violado o princípio da proporcionalidade ou qualquer dos demais parâmetros constitucionais.”.

8. Atenta a natureza urgente dos autos, o processo vai, com dispensa de vistos prévios dos Juízes Conselheiros Adjuntos, à Conferência para julgamento.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

9. Constitui objeto do presente recurso de revista decidir se o acórdão do TCAS, ao negar provimento ao recurso e confirmar o sentido da sentença recorrida, incorreu em erro de julgamento de direito ao julgar que o MAI não alegou e não provou os factos necessários à densificação do conceito jurídico indeterminado de inviabilidade da manutenção da relação funcional, constante do n.º 1, do artigo 23.º do Estatuto Disciplinar da Polícia de Segurança Pública (EDPSP), aprovado pela Lei n.º 37/2019, de 30/05 (correspondente ao n.º 1, do artigo 47.º do anterior Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20/02), clarificando o âmbito do poder jurisdicional de sindicância da qualificação administrativa do citado conceito indeterminado.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

10. O acórdão recorrido reproduziu, nos seguintes termos, os factos assentes constantes da sentença proferida em 1.ª instância:
1. O Requerente ingressou na PSP em ../../2009 como agente provisório, sendo que, apenas em 21.09.2009 efetivamente lhe foram atribuídas funções de …. - Conforme documento 7 que se dá por integramente reproduzido, fls. 45;
2. Os factos por si alegadamente praticados e que estão na génese do (único) processo disciplinar que culminou com o ato suspendendo, datam de 19.01.2011. resulta dos autos e do p.a.
3. Na data da prática dos factos, o Requerente tinha apenas 1 ano e 4 meses de polícia.
4. A PSP teve conhecimento dos factos que vieram a ser considerados como infração disciplinar, em 07.06.2016, aquando da receção do Ofício n.º ...37, do DIAP de Sintra – 5ª secção, onde é comunicado o despacho final proferido no âmbito do inquérito NUIPC …/11.... - doc. n° 1, fls. 26
5. Por despacho datado de .../.../2016, o Comandante do Comando Metropolitano de Lisboa determinou a instauração do processo disciplinar a que foi atribuído o N... ao ora Requerente, Agente AA.
6. Em 15/10/2018 foi notificado da Acusação, apresentando defesa escrita.
7. Em 08.09.2020, é elaborado o Relatório Final subscrito pelo Instrutor do Processo Comissário BB, onde é proposto que seja aplicado ao Requerente a pena de Aposentação Compulsiva ou Demissão, de acordo com o artigo 23.º, n.º 1 e 2, alínea a), c), e) e f), artigo 30.º, n.º 1, alínea e) e f), artigo 35.º, 36.º e 46.º, todos do EDPSP - documento 1, fls. 26 e ss.
8. Em 12.11.2020, o Conselho de Deontologia e Disciplina da Polícia de Segurança Pública emitiu parecer, que por maioria, se pronunciou pela aplicação da pena disciplinar de DEMISSÃO prevista no artigo 23.°, n.° 1 e 2, alíneas a), c), e) e f), conjugado com os artigos 30.°, n.° 1, alínea f) e 36.°, todos do Estatuto Disciplinar da Polícia de Segurança Pública (EDPSP), aprovado pela Lei n.° 37/2019, de 30 de maio - doc. n° 2, fls. 31 a 35.
9. Em 20/11/2020, o DN da PSP emite Despacho, nos termos seguintes:
(…)
Nos termos e com os fundamentos do relatório do Sr. Instrutor e do parecer do Conselho de Deontologia e Disciplina, de 12 de novembro de 2020, submeta-se o Processo Disciplinar n.º .... em que é arguido o Agente ..., AA, do Comando Metropolitano de Lisboa, com a proposta de aplicação da pena disciplinar de DEMISSÃO.
Diretor Nacional - doc. n° 3, fls. 36
10. A Direção de Serviços de Assessoria Jurídica, Contencioso e Política Legislativa da Secretaria-Geral da Administração Interna, consultada para o efeito, emitiu o parecer n.° .../.../2020, de 22 de dezembro, no qual se pronuncia pela aplicação da pena disciplinar de Demissão - documento n° 4, fls. 37 a 42.
11. Em 21/03/2021 o Ministro da Administração Interna emitiu o Despacho aqui impugnado - doc. 5 e 6, fls. 43 v./44.
12. Ao requerente foi aplicada a pena disciplinar de DEMISSÃO por ter sido condenado criminalmente, por acórdão transitado em julgado, proferido pelo Juízo Central Criminal de Sintra do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste e confirmado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa à integridade física grave qualificada, p. e p. pelos artigos 26.°, 143.°, n.° 1, 144.°, alínea c) e 145.°, n.° 1, alínea c) e n.° 2, por referência ao artigo 132.°, n.° 2, alíneas h) e m), todos do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período - idem e fls. 120 a 159 do p.a.
13. Condenou, ainda, o ora requerente no pagamento da quantia de €15.000, a título de indemnização a CC, solidariamente com o os demais arguidos, tendo a decisão transitado em 6/04/2018 - fls. 160 do p.a.
14. A PSP não procedeu à suspensão preventiva de funções, antes manteve o Requerente nas suas funções desde 2011, pelo menos, até à data da propositura da ação (5/05/2021) - facto admitido e resulta do p.a.
15. Em 6/06/2021 o Requerente foi notificado via e-mail da apresentação da Oposição e da Resolução Fundamentada pelo requerido nos presentes autos e com a informação que teria de iniciar o cumprimento da pena - cessar as suas funções de polícia - com efeitos a 7/06/2021, tendo sido deduzida RESOLUÇÃO FUNDAMENTADA em 26 de Maio de 2021 - Doc. fls. 92 e admitido pelo Requerido e RF de fls. 74/75 dos autos que se dá como reproduzida.
16. O Requerente tem sido avaliado com "BOM" (2010 a 2016), MUITO BOM (2017 a 2020), estando colocado na classe de comportamento exemplar - doc. n° 7, fls. 45.
17. Desde ../../2019, o Requerente passou a exercer as funções de Graduado de Serviço - doc. n° 8, fls. 46.
18. A avaliação referente ao ano de 2020 consta do doc. n° 10, que se dá como reproduzido - fls. 49.
19. Em 23/03/2018 foi atribuída ao requerente a menção de Muito Mérito (LOUVOR), publicada na O.S. do ..., OSCML n° ... - idem.”.

DE DIREITO

11. Importa entrar na análise do fundamento do recurso jurisdicional, nos termos invocados pelo Recorrente, designadamente, das conclusões da alegação do recurso, as quais delimitam o objeto do recurso, nos termos dos artigos 144.º, n.º 2 do CPTA e 608.º, n.º 2, 635.º, n.ºs 4 e 5 e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do CPC, aplicáveis ex vi artigo 140.º, n.º 3 do CPTA.

12. No presente recurso coloca-se como questão decidenda o alegado erro de julgamento de direito do acórdão recorrido relativo ao conceito jurídico indeterminado de inviabilidade da manutenção da relação funcional, constante do n.º 1, do artigo 23.º do Estatuto Disciplinar da Polícia de Segurança Pública (EDPSP), aprovado pela Lei n.º 37/2019, de 30/05 (correspondente ao n.º 1, do artigo 47.º do anterior Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública, aprovado pela Lei n.º 7/90, de 20/02), com relevo para a clarificação do âmbito do poder jurisdicional de sindicância da qualificação administrativa do citado conceito indeterminado.

13. Segundo o Recorrente, tendo o acórdão recorrido assumido que a conduta do agente policial violou gravemente os deveres decorrentes da função policial, mostrando-se indigna de um agente de autoridade, potencialmente lesiva da imagem da PSP, não poderia ter decidido como decidiu, no sentido de que, não obstante, tal atuação não significa que, de imediato e sem quaisquer antecedentes de natureza disciplinar, tenha de determinar automaticamente a inviabilização da manutenção da relação funcional.

14. Invoca o Recorrente que o acórdão recorrido limitou-se a discordar da interpretação que a Administração fez do conceito de inviabilização da manutenção da reação funcional, que considerou que a falta era de tal modo grave para a disciplina e para o prestígio e o bom nome da Corporação, que a ligação do Recorrido ao serviço da PSP não se podia manter, extravasando o âmbito dos poderes da Jurisdição Administrativa.

15. Por isso, sustenta que o acórdão recorrido censurou o uso adequado do poder discricionário que o legislador atribuiu à Administração.

16. Perante os factos apurados e a atuação da Entidade Demandada, a sentença proferida em 1.ª instância veio a entender que a aplicação da sanção em processo disciplinar se insere na discricionariedade técnica da Administração, só podendo o Tribunal apreciar da sanção disciplinar aplicada em caso de erro nos pressupostos de facto ou de direito na sua aplicação ou erro grosseiro na apreciação da prova.

17. Entendeu o Tribunal de 1.ª instância que o arguido praticou os factos em 2011, quando tinha apenas 1 ano e 4 meses de serviço e que a pena de demissão se mostra manifestamente desproporcional atendendo a que, dos factos provados nos n.ºs 16 a 19, não resulta a impossibilidade de manutenção da relação funcional, enfermando a decisão punitiva de erro nos pressupostos de facto e de direito.

18. Por sua vez, o acórdão do TCA Sul afirmou que a aplicabilidade da pena de demissão exige que a infração disciplinar inviabilize a manutenção da relação funcional, entendendo que “é patente que a Administração não fez prova de factos objetivos dos quais resulte o preenchimento do conceito indeterminado que corresponde à inviabilidade da manutenção da relação funcional”, por a infração que veio a determinar a aplicação da pena de demissão ter ocorrido em …/…/2011 e o agente ter sido mantido ao serviço de patrulhamento, ao invés de, por exemplo, lhe terem sido atribuídas funções predominantemente administrativas, tendo sido avaliado com Bom e Muito Bom, a que acresce ter passado a exercer funções de graduado de serviço e, ainda, lhe ter sido atribuída uma menção de Muito Mérito (Louvor), factos que traduzem que, “mesmo na perspetiva da PSP, não parecem configurar uma situação em que estivesse inviabilizada a manutenção da relação funcional”, decidindo no sentido de que “ficou por provar que a prática da infração imputada ao Recorrido tenha inviabilizado a manutenção da relação funcional”.

19. Com vista a conhecer do fundamento do recurso e do alegado desacerto do decidido no acórdão recorrido, importa proceder ao recorte dos factos julgados provados no âmbito do presente processo, o qual tem por objeto a impugnação do ato administrativo de aplicação da pena disciplinar de demissão ao Autor, agente da PSP.

20. Decorre da factualidade provada que o Autor ingressou na PSP em ../../2009 e que os factos ilícitos que estão na génese do processo disciplinar ocorreram em …/…/2011, quando o agente tinha apenas 1 ano e 4 meses de polícia.

21. No procedimento disciplinar mostra-se invocado que o conhecimento dos factos, pela PSP, ocorreu em 07/06/2016, quando pelo ofício do DIAP de Sintra foi comunicado o despacho final proferido no processo de inquérito criminal, o que motivou o despacho, datado de 29/06/2016, de abertura de processo disciplinar.

22. O ora Recorrido foi condenado, por acórdão transitado em julgado, em …/…/2018, pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de ofensa a integridade física grave qualificada, na pena de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período e, ainda, no pagamento de uma indemnização, por factos relativos a uma agressão física, juntamente com outros colegas da PSP, a um cidadão, ocorrida durante o exercício das funções, primeiro na via pública e depois já na Esquadra e no interior da mesma (vide artigos 2.º a 18.º da acusação), tendo desferido socos, murros, pontapés e pancadas com o bastão pelo corpo, causando vários hematomas e traumatismos, que exigiram que o lesado necessitasse de tratamento médico e que foram causa direta e necessária de 48 dias de doença, sendo 3 dias com incapacidade para o trabalho geral e para o trabalho profissional.

23. Em 15/10/2018 o Autor foi notificado da acusação disciplinar e após a sua pronúncia, em 12/11/2020, o Conselho de Deontologia e Disciplina da PSP emitiu parecer que, por maioria, se pronunciou pela aplicação da pena disciplinar de demissão.

24. Após, também a Direção de Serviços de Assessoria Jurídica, Contencioso e Política Legislativa da Secretaria geral da Administração Interna emitiu parecer, no sentido da aplicação da pena disciplinar de demissão.

25. Pelo ato impugnado, datado de 21/03/2021, do Ministro da Administração Interna, foi aplicada a pena disciplinar de demissão do Recorrido, por ter sido condenado criminalmente, “Considerando o processo disciplinar (…) seu Relatório Final, a deliberação do Conselho de Deontologia e Disciplina da PSP de 12 de novembro de 2020 e o parecer n.º ...-.../2020, de 22 de dezembro, da Direção de Serviços de Assessoria Jurídica, Contencioso e Política Legislativa da Secretaria Geral do Ministério da Administração Interna, seus termos e fundamentos”, conforme provado no ponto 11 da matéria de facto assente.

26. A fundamentação do ato punitivo é, por isso, a que resulta dos atos instrutórios anteriores, praticados no âmbito do processo disciplinar, considerando a remissão que consta do teor do próprio ato impugnado.

27. Compulsando o teor do Parecer n.º ...-.../2020, de 22/12, da Direção de Serviços de Assessoria Jurídica, Contencioso e Política Legislativa, da Secretaria Geral do Ministério da Administração Interna, dado como provado no ponto 10 dos factos provados, extrai-se, com relevo para a questão objeto do recurso, que o procedimento disciplinar foi movido ao ora Recorrido por despacho datado de 29/06/2016, “com base na acusação deduzida no âmbito do processo-crime n.º …/11...., onde lhe era imputado um crime de ofensas à integridade física grave, p. e p. pelos artigos 143.º, 145.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea h) e m), todos do Código Penal.”, do qual o ora Recorrido foi notificado em 03/08/2016 e constituído arguido. Mais resulta desse parecer que o Recorrido foi condenado por acórdão de 29/05/2017, pelo Juízo Central Criminal de Sintra, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste e confirmado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, na prática de um crime de ofensa à integridade física grave, em coautoria material e na forma consumada, na pena de 4 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, além do pagamento de uma indemnização, tendo tal condenação penal transitado em julgado em …/…/2018.

28. A factualidade disciplinar imputada ao Recorrido vem enquadrada no artigo 4.º do RDPSP, por violação do princípio fundamental do pessoal com funções policiais da PSP, previsto no artigo 6.º, por referência aos artigos 26.º, 143.º, n.º 1, 144.º, al. c) e 145.º, n.º 1, al. c) e n.º 2, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, als. h) e m), todos do Código Penal, do dever de isenção, previsto no artigo 8.º, n.ºs 1 e 2, al. b) do RDPSP, do dever de zelo, previsto no artigo 9.º, n.ºs 1 e 2, als. a) e f) do RDPSP, do dever de lealdade, previsto no artigo 11.º, n.ºs 1 e 2, al. a) do RDPSP, do dever de correção, previsto no artigo 13.º, n.ºs 1 e 2, als. a), c) e d) do RDPSP e do dever de aprumo, previsto no artigo 16.º, n.ºs 1 e 2, als. f) e m) do RDPSP.

29. Consta também que o arguido não goza de qualquer circunstância dirimente da responsabilidade, beneficiando das circunstâncias atenuantes previstas nas alíneas b) (bom comportamento anterior), g) (o facto de ter louvor ou outras recompensas) e h) (boa informação de serviço do superior hierárquico de que depende), do n.º 1 do artigo 52.º do RDPSP, tendo como circunstâncias agravantes as previstas na alínea d) (o facto de a infração ser cometida em ato de serviço ou por motivo do mesmo, na presença de outros, especialmente subordinados do infrator, ou ainda em público ou em local aberto ao público), e) (ser a infração cometida em conluio com outros), f) (ser a infração comprometedora da honra, do brio, do decoro profissional ou prejudicial à ordem ou ao serviço) e i) (a acumulação de infrações), do n.º 1 do artigo 53.º do RDPSP.

30. Especificamente a respeito da inviabilização da manutenção da relação funcional consta da acusação disciplinar que “as infrações disciplinares praticadas pelo arguido inviabilizam a manutenção da relação funcional porque a sua conduta demonstra um comportamento contrário à lei, com manifesta e grave violação dos deveres que lhe são inerentes, o que encerra um grau de desvalor que quebra a confiança que deve existir entre a Corporação e os seus agentes, sendo puníveis com a pena disciplinar de aposentação compulsiva ou de demissão, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 25.º, n.º 1, alíneas f) e g), 43.º, 47.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e c), 48.º, n.º 1 e 49.º, n.º 1, alíneas a) e c), todos do RDPSP.”.

31. Também se entendeu e decidiu ser de aplicar o Novo Estatuto Disciplinar da PSP, aprovado em anexo à Lei n.º 37/2019, de 30/05, por se revelar, em concreto, mais favorável ao arguido, nos termos do n.º 2, do artigo 6.º do citado diploma, por neste já não se encontrar previsto o princípio fundamental do pessoal com funções policiais da PSP, previsto no artigo 6.º do RDPSP.

32. Além de a Administração afirmar que os factos dados como provados em sede criminal vinculam a Administração, por força do caso julgado material e pelo princípio da unidade superior do Estado, pelo que, encontrando-se plenamente provados os factos, em sede criminal, se entendeu que, sopesadas todas as circunstâncias atenuantes e agravantes da responsabilidade, a gravidade das infrações praticadas durante o exercício de funções, que consubstancia a prática de infrações disciplinares muito graves, determina, necessariamente, uma pena expulsiva, por ser exigida uma conduta diametralmente oposta.

33. A que acresce constar do citado Parecer n.º ...-.../2020, de 22/12, que “A pena disciplinar de demissão é adequada à gravidade das infrações praticadas, que são claramente inviabilizadoras da manutenção da relação funcional e não permitem que o arguido continue a ter vínculo à PSP.”.

34. Mais se encontra demonstrado que a PSP não procedeu à suspensão preventiva de funções do agente, tendo mantido sempre o Autor nas suas funções desde, pelo menos, 2011 até à data da instauração da presente ação, em 05/05/2021, além de o ter avaliado com a classificação de Bom, no período entre 2010 a 2016 e de Muito Bom, no período de 2017 a 2020, estando o agente colocado na classe de comportamento exemplar, além de, desde ../../2019, exercer as funções de Graduado de Serviço e de, em 23/03/2018, ter sido atribuída a menção de Muito Mérito (Louvor).

35. Extrai-se ainda dos presentes autos que o TAF de Sintra, em 24/06/2021, julgou procedente o incidente de ineficácia dos atos de execução indevida, por não se mostrarem provados os fundamentos alegados pela Entidade Demandada na Resolução Fundamentada, determinando que o ora Recorrido se mantenha ao serviço e seja remunerado pelo seu trabalho até que seja decidida a presente causa, decisão que foi confirmada em recurso pelo TCA Sul.

36. Tendo presente estes factos, embora com diferente fundamentação, as instâncias vieram a julgar a ação procedente, anulando o ato impugnado, com o fundamento de não se encontrar demonstrada a inviabilização definitiva da relação funcional.

37. É esta a questão essencial que se coloca no presente recurso de revista, saber em face do recorte factual provado se tem sustento afirmar a inviabilidade da relação funcional e, consequentemente, a pena disciplinar de demissão do Recorrido.

38. O que se reconduz a saber se as infrações cometidas pelo Recorrido, atenta a sua gravidade, “inviabilizam a manutenção da relação funcional”, uma vez que do preenchimento deste pressuposto dependerá a justeza e correção da aplicação da referida pena disciplinar.

39. Como afirmado na jurisprudência deste STA “o fundamento do direito disciplinar assenta na necessidade de garantir o bom funcionamento dos serviços, através de medidas correctivas aos funcionários que violem os deveres impostos e, consequentemente, embaracem ou prejudiquem o bom funcionamento dos serviços e a prossecução do interesse público. Porém, quando as condutas infraccionárias atingem uma gravidade tal que das mesmas resulta não ter sido o funcionário capaz de se adaptar ao serviço e interiorizar, responsavelmente, as suas funções, prevê a lei a pena de demissão ou aposentação compulsiva - pena expulsiva - com o afastamento do funcionário que desse modo se revelou inadaptado às funções e, por isso, não merecedor da confiança que os cidadãos e a Administração nele depositaram, Administração que assim se vê livre de quem se revelou, pela sua conduta, não merecer pertencer-lhe.” - Acórdão deste Tribunal de 14/03/2002 (rec. 48166). O que significa que a aplicação da medida expulsiva - quer se trate de demissão quer de aposentação compulsiva - só pode ter lugar quando a conduta do infractor atinge de tal forma o prestígio e a credibilidade da instituição de que faz parte que a sua não aplicação não só iria contribuir para degradar a imagem de seriedade e de isenção dessa instituição como também poderia ser considerada pela opinião pública como chocante ou escandalosa. E por ser assim é que a aplicação daquelas penas aos agentes ou funcionários da PSP depende da prática de “infracções disciplinares que inviabilizam a manutenção da relação funcional” (art.º 47.º/1 do RD/PSP), isto é, de comportamentos capazes de minar de forma inapagável não só a imagem de prestígio e de credibilidade daquela Corporação como também a confiança que nelas depositam os cidadãos e, por isso, impossibilitem a relação de confiança indispensável à manutenção do vínculo funcional. Tais comportamentos encontram-se indicados de forma exemplificativa no art.º 47.º/2 (…) Todavia, a aplicação de uma ou de outra dessas medidas não é arbitrária (…)”, Acórdão do STA, de 05/05/2011, Proc. n.º 0934/10.

40. Segundo jurisprudência corrente deste Supremo Tribunal, o conceito de inviabilização da manutenção da relação funcional concretiza-se através de juízos de prognose, na fixação dos quais a Administração goza de grande liberdade de apreciação.

41. Neste sentido, decidiu-se no Acórdão do Pleno, de 19/03/99, Processo n.º 30.896, que “o preenchimento da cláusula geral de «inviabilidade da manutenção da relação funcional» (…) constitui tarefa da Administração a concretizar por juízos de prognose efectuados com grande margem de liberdade administrativa”.

42. Margem de liberdade administrativa que não é sindicável pelo tribunal, salvo caso de erro grosseiro ou palmar, ou seja, em que a pena fixada se revele, em concreto, manifestamente injusta ou desproporcionada, como decidido no Acórdão do Pleno deste STA, de 23/06/98, Processo n.º 40.332.

43. Está em causa um tipo de controlo que consiste em reconhecer à Administração margem de liberdade de apreciação dos factos, salvo na ocorrência de um erro manifesto de apreciação.

44. O que traduz que a Administração dispõe de liberdade quanto à apreciação dos factos, mas não pode incorrer em erro grave, grosseiro ou evidente na operação de qualificação jurídica dos factos, a qual tem por objeto a relação entre os pressupostos de facto do ato e o conteúdo da norma jurídica, quanto a saber se os “factos-motivo do acto correspondem aos factos-condição da norma”, C. Eisenmann, Cours de Droit Administratif, Tome II, LGDJ, Paris, 1983, pág. 641.

45. Pelo que, não se encontra o juiz impedido de sindicar a legalidade da decisão punitiva que ofenda os critérios gerais de individualização e graduação estabelecidos na lei ou que ultrapasse os limites normativos correspondentes, aferindo se foram ou não ponderadas as circunstâncias concretas, que, pela sua gravidade, indiciariam a concreta pena aplicada e, no caso, a inviabilização da manutenção da relação funcional, como decidido no Acórdão do TCA Sul, de 26/09/2019, Processo n.º 687/12.1BESNT.

46. Perante o enquadramento de facto e de direito antecedente, tomando em consideração quer aquele que resulta do procedimento disciplinar e que foi valorado pela Administração, nos termos da fundamentação que integra o ato impugnado, quer o que resulta da demais factualidade apurada nos autos, respeitante à concreta situação jurídico-funcional do Recorrido, não se poderá manter a decisão de aplicação da pena disciplinar de demissão, sendo de manter o sentido decisório das instâncias, nos termos da presente fundamentação.

47. Não se põe em crise que a factualidade de que o ora Recorrido foi punido em sede criminal e sancionado disciplinarmente, integre a previsão das normas jurídicas previstas e invocadas pela Entidade Demandada, consubstanciando a prática de infrações disciplinares muito graves, que abstratamente fundamentam o juízo de inviabilização da manutenção da relação funcional, nos termos do n.º 1, do artigo 23.º do Estatuto Disciplinar da PSP.

48. Os factos ilícitos pelos quais o Autor foi punido criminalmente e também no âmbito disciplinar subsumem-se nas normas legais invocadas pela Administração, que enquadram a violação do conjunto dos deveres funcionais e as infrações disciplinares muito graves de que foi acusado.

49. No entanto, a demais factualidade apurada, concretamente respeitante à situação funcional do Recorrido, durante mais de dez anos, desde a prática dos factos ilícitos, em janeiro de 2011, até à data em que foi praticado o ato impugnado, em março de 2021 – além do que decorre até à atualidade, por o agente, durante mais de uma década nunca ter sido suspenso do exercício das suas funções –, é reveladora de um juízo inverso, de que não se mostram verificados os factos de onde se possa inferir o juízo afirmado pela Administração, relativo à inviabilização da manutenção da situação funcional, incorrendo em erro nos pressupostos de facto e de direito, assim como, em erro grosseiro quanto à escolha da medida da pena disciplinar aplicada ao arguido.

50. Estabelece o legislador, de forma geral e abstrata, cláusulas abertas e conceitos indeterminados, mas não se dispensa a Administração de demonstrar a sua respetiva verificação em concreto, por lhe caber o ónus da demonstração dos pressupostos punitivos, nos exatos termos que resultarem da prática e do teor do ato de aplicação da sanção disciplinar.

51. Pertence à Administração justificar e demonstrar, como é seu ónus, atenta a natureza sancionatória do processo disciplinar, que as infrações cometidas inviabilizam a manutenção da relação funcional, tendo essa demonstração de ser realizada em concreto, que o comportamento do arguido é suscetível de comprometer a continuidade do vínculo e daí justificar a escolha daquela pena disciplinar.

52. Por isso, qualquer decisão administrativa pode ser controlada judicialmente quanto aos seus respetivos pressupostos de facto e de direito, por nessa parte, consistir em aspetos vinculados do ato, assim como, quanto à densificação do preenchimento do conceito indeterminado de inviabilidade da manutenção da relação funcional, necessário e instrumental à aplicação da pena disciplinar mais gravosa de demissão.

53. Reconhecendo-se a margem de livre decisão administrativa na escolha da medida da pena, essa decisão não pode ser contrariada pela concreta factualidade que se verifique em relação ao agente, o que no presente caso se verifica, por os factos provados permitirem afastar a comprovação do juízo formulado acerca da inviabilidade da manutenção da relação funcional.

54. O que se baseia na seguinte ordem de razões.

55. Em primeiro lugar o tempo decorrido desde a prática dos factos de que o Recorrido foi sancionado, que já atinge 13 anos, mantendo-se durante todo esse tempo no respetivo exercício de funções, sem que a Administração tivesse oportunamente atuado, é absolutamente contrário ao juízo de inviabilidade da manutenção do vínculo funcional.

56. Embora conste da acusação disciplinar que a PSP apenas tomou conhecimento dos factos ilícitos praticados pelo Recorrido em 2016, o certo é que a instituição policial, ora Entidade Demandada, tinha condições para conhecer logo em 2011, aquando a ocorrência dos factos, toda a factualidade relevante que determinou a instauração do procedimento disciplinar, considerando que se encontra provado que os factos ocorreram no exercício de funções policiais e nas imediações da esquadra policial, além de, em grande parte, também no próprio interior das instalações da PSP, envolvendo outros agentes da PSP.

57. Perante o conceito de infração disciplinar, previsto no artigo 3.º do Estatuto Disciplinar da PSP, aprovado pela Lei n.º 37/2019, de 30/05, segundo o qual, se considera infração disciplinar “o ato ou conduta, ainda que meramente negligente, praticado pelos polícias, por ação ou omissão, com violação de algum dos deveres previstos no presente estatuto”, dispunha a Entidade Demandada de todas as condições para conhecer os factos ilícitos e agir em conformidade, por, segundo o disposto no n.º 1, do artigo 4.º da citada lei, “Os polícias respondem perante os respetivos superiores hierárquicos pelas infrações disciplinares que cometam.”.

58. Não era forçoso que a instituição policial da PSP aguardasse a comunicação do DIAP de Sintra, nos termos do n.º 6, do artigo 6.º do Estatuto Disciplinar da PSP, para agir disciplinarmente, não podendo invocar que não tinha conhecimento dos factos, considerando que os mesmos não só envolveram vários agentes, como ocorreram nas próprias instalações da PSP.

59. Tanto mais que, segundo o disposto no artigo 61.º do Estatuto Disciplinar da PSP, “A notícia da infração disciplinar é adquirida por conhecimento próprio, por participação, queixa ou denúncia nos termos dos artigos seguintes.”.

60. Deste modo, não é sustentável que a hierarquia administrativa policial não tivesse tomado conhecimento dos factos naturalísticos do cometimento das infrações disciplinares, designadamente, dos elementos caracterizadores da situação, de modo a poder efetuar uma ponderação criteriosa para determinar, de forma consciente, quanto a usar do poder disciplinar.

61. Como observou Eduardo Correia, “um mesmo facto pode constituir ao mesmo tempo uma falta penal e uma falta disciplinar; mas, igualmente pode acontecer que esse facto constitua uma infracção penal sem ter o carácter de falta disciplinar e que, inversamente, um facto constitua uma falta disciplinar, sem reunir as condições de uma infracção penal”, por a autonomia dos campos disciplinar e penal se caracterizar “pela coexistência de espaços valorativos e sancionatórios próprios” e “só as faltas cometidas no exercício da função ou susceptíveis de comprometer a dignidade desta podem ser objecto de repressão disciplinar. (…) Na verdade, enquanto a repressão penal é exercida no interesse e segundo as necessidades da sociedade em geral, a repressão disciplinar é-no no interesse e segundo as necessidades do serviço. A sanção penal atinge o cidadão na sua liberdade e nos seus bens, a sanção disciplinar atinge o funcionário na sua situação de carreira (…). A valoração é, assim, autónoma e independente, donde resulta, pois, que a mesma conduta pode ser apreciada simultaneamente no campo penal e no campo disciplinar, sem que isso envolva violação do princípio “ne bis in idem”, que apenas funciona no âmbito de cada específico ordenamento sancionatório”, Direito Criminal II, Coimbra 1992, pág. 5 e Parecer da PGR n.º 24/95, de 07/12/1995, citado no Parecer do Conselho Consultivo da PGR n.º 24/95, de 07/12/1995 (sublinhados nossos).

62. Constitui jurisprudência assente deste STA, que “o processo disciplinar é autónomo do processo criminal, uma vez que são diversos os fundamentos e fins das respectivas penas, bem como os pressupostos da respectiva responsabilidade, podendo ser diversas as valorações que cada uma delas faz dos mesmos factos e circunstâncias. Por isso, a existência de ilícito disciplinar não está prejudicada ou condicionada pela decisão que, sobre os mesmos factos, tenha sido, ou venha a ser tomada em processo penal”, Acórdãos do STA de 25/02/99, Proc. n.º 37.235; de 11/12/2002, Proc. n.º 38.892; de 09/10/2003, Proc. n.º 856/03; de 11/02/2004, Proc. n.º 42.203; de 15/02/2004, Proc. n.º 797/04 e de 19/06/2007, Proc. n.º 01058/06, e do Pleno de 24/01/2002, Proc. n.º 48.147; de 15/01/2002, Proc. n.º 47.261; de 22/10/98, Proc. n.º 42.519; de 25/09/97, Proc. n.º 38.658 e de 06/12/2005, Proc. n.º 42.203.

63. No entanto não só entre 2011 e 2016, data em que o procedimento disciplinar foi instaurado, a Entidade Demandada nada fez, como, mesmo depois disso, nunca sentiu a necessidade de sancionar os ilícitos cometidos, nem sequer por razões de prevenção ou de preservação da imagem e prestígio da instituição.

64. À semelhança do direito criminal, o direito sancionatório disciplinar em que se move o ato impugnado, é eticamente fundado, na medida em que protege valores de obediência e disciplina, no quadro de um serviço público, necessários para o seu perfeito funcionamento e, portanto, visa também dar satisfação a um interesse público de punir e não só prevenir as infrações violadoras de determinados deveres funcionais.

65. Além disso, também desde 2016 o Recorrido tem-se mantido ao serviço, sem que, por alguma vez, a Entidade Demandada tenha promovido a sua suspensão ou manifestado, por algum meio ou forma, a inviabilidade de manutenção da relação funcional.

66. E mesmo que não tivesse agido logo após os atos ocorridos em 2011, mas só quando recebeu o ofício do DIAP de Sintra, em 2016, o certo é que mesmo nessa data não foi promovida a suspensão do arguido, até hoje, não tendo a instituição da PSP formulado o juízo de extrema gravidade dos factos e de afetação da imagem e prestígio da Corporação.

67. Por isso, desde 2011, data em que foram praticados os atos criminosos e passíveis de procedimento disciplinar, o agente da PSP tem-se mantido no ativo.

68. Daí que, embora os factos imputados ao arguido se subsumam às clausulas legalmente previstas tipificadoras dos ilícitos disciplinares muito graves, na verdade toda a atuação da Entidade Demandada desde a prática dos atos ilícitos, ao longo de 13 anos, demonstram que não se opôs à manutenção do vínculo laboral, nem se opôs a essa relação funcional, atestando a realidade a inversa da que invoca quanto à inviabilidade da relação funcional.

69. Pois que se ocorresse a inviabilidade da manutenção da relação funcional o agente da PSP não se teria mantido ao serviço durante todos esses anos desde a prática dos atos ilícitos ocorridos em 2011, mantendo a integralidade das respetivas funções policiais, nem poderia ter evoluído na carreira.

70. Não pode a Entidade Demandada manter o agente ao serviço e, para mais, na plenitude das suas funções, durante mais de uma década e depois, decorrido todo esse período sobre a prática dos factos e cerca de três anos após a condenação penal transitada em julgado, quando nada mais havia factualmente a investigar, vir praticar o ato punitivo de demissão.

71. Em segundo lugar, não foi apenas o tempo decorrido entre a prática dos atos ilícitos, mas também a demais factualidade julgada provada, acerca das classificações de serviço de mérito atribuídas ao Recorrido, assim como o Louvor atribuído, são igualmente demonstrativas do desempenho profissional do arguido, em sentido contrário ao alegado pelo Recorrente, respeitante à inviabilidade da manutenção da relação laboral.

72. Não pode a Administração permitir e consentir o normal exercício de funções do agente da PSP durante mais de uma década, atribuir-lhe duas classificações de serviço meritórias, conceder-lhe um louvor, conferir-lhe funções que traduzem um aumento da responsabilidade funcional, passando-o a Graduado de serviço, tudo isto depois de praticados os factos ilícitos, sem nunca manifestar qualquer oposição em relação à sua permanência no serviço ativo de funções e depois invocar que os factos praticados são de tal modo graves que inviabilizam a manutenção da relação funcional.

73. Os factos provados relativos ao exercício das funções do Autor, enquanto agente da PSP, designadamente, no tocante ao modo e ao tempo desse exercício funcional, são absolutamente contrários à demonstração do conceito indeterminado de inviabilidade da manutenção da relação funcional, pois, ao invés de comprovarem essa inviabilidade, comprovam o facto contrário, de que a manutenção da relação funcional é possível, conforme tem ocorrido há cerca de 13 anos, desde a prática dos fatos ilícitos ocorridos em janeiro de 2011.

74. Nos termos do disposto no n.º 1, do artigo 41.º do Estatuto Disciplinar da PSP, “Na determinação da pena disciplinar atende-se à natureza do serviço, à categoria e condições pessoais do arguido, aos resultados perturbadores da disciplina, ao grau da ilicitude do facto, à intensidade do dolo ou da negligência e, em geral, a todas as circunstâncias agravantes e atenuantes.”.

75. Neste sentido, como a jurisprudência deste STA tem realçado, o juízo de inviabilidade de manutenção do vínculo laboral tem de assentar em pressupostos como a gravidade objetiva do facto cometido, o reflexo no exercício das funções e a personalidade do agente se revelar inadequada para o exercício de funções, como, a título meramente exemplificativo, os Acórdãos de 06/10/93, Proc. n.º 30463; de 18/06/96, Proc. n.º 39860 e de 02/12/2004, Proc. n.º 01038/04.

76. Não se denega ou desvaloriza a gravidade objetiva dos factos praticados pelo agente, que conduziram à sua condenação penal e que assumem relevância e gravidade disciplinar, mas é exigível que a Administração atue de forma coerente e não afirmar em sede disciplinar algo que é contrário à sua atuação durante mais de uma década, sendo os factos provados contrários ao juízo de inviabilidade da manutenção da relação funcional impeditivos da aplicação da pena de demissão.

77. É a própria instituição da PSP que, após a prática dos factos ilícitos, tem consentido a continuidade do exercício de funções e atuado de forma incompatível com a cessação do vínculo laboral fundado na gravidade de conduta e no juízo de inviabilidade da manutenção da relação laboral.

78. Está em causa um conceito indeterminado, que o legislador procurou concretizar com cláusulas exemplificativas do seu respetivo preenchimento, mas que a demais factualidade julgada provada nos autos permite afastar, por, de entre o mais, atestar que os factos praticados não tiveram qualquer reflexo ou impacto negativo no exercício das funções, nem a personalidade do agente se revelar inadequada para o exercício de funções, como o atestam os factos apurados na presente ação.

79. Assim, sendo a pena de demissão aplicável em caso de infração que inviabilize a manutenção da relação funcional, no termos do n.º 1, do artigo 23.º do Estatuto Disciplinar da PSP, aprovado pela Lei n.º 37/2019, de 30/05, ao agente que pratique, designadamente, algum dos factos ou condutas, previstos nas várias alíneas do n.º 2, do artigo 23.º, e sendo os factos ilícitos cometidos pelo Recorrido de elevada gravidade, subsumindo-se em várias alíneas do citado n.º 2, do artigo 23.º, tal como entendido pela Administração, a realidade dos factos demonstrados não permite dar por verificada a inviabilidade da manutenção da relação funcional, como, de resto, ela se vem mantendo desde 2011, sem qualquer ato de oposição por parte da PSP.

80. Os factos que as instâncias deram como provados são inequívocos quanto à demonstração do erro manifesto dos pressupostos de facto em que a Administração se baseou para decidir como decidiu, assim como, quanto à respetiva subsunção dos factos nos normativos de direito, sustentando também o erro nos pressupostos de direito ou o erro de qualificação, quanto à demonstração da inviabilidade da manutenção da relação funcional.

81. Fazendo-se prova da prática dos ilícitos disciplinares pelo Recorrido, também resulta a prova dos factos contrários a sustentar a inviabilização da manutenção da relação laboral, não podendo a prática dos factos ilícitos cometidos, decorrentes da violação dos deveres previstos no artigo 8.º do Estatuto Disciplinar da PSP, só por si, determinar e justificar a aplicação da pena de demissão.

82. O que determina que, em consequência, exista um erro grosseiro na determinação da pena disciplinar aplicada ao Autor, ora Recorrido, por a factualidade demonstrada em juízo e o seu respetivo enquadramento nas normas jurídicas e princípios aplicados, ser incompatível com o juízo formulado pela Administração, respeitante à inviabilidade da manutenção da relação funcional.

83. No âmbito do processo disciplinar não pode, em regra, o juiz sindicar a medida da pena, salvo nos casos de erro grosseiro ou clara violação do princípio da proporcionalidade, pois “ao exercer os seus poderes disciplinares em sede de graduação da culpa e de determinação da medida concreta da pena, a Administração goza de certa margem de liberdade, numa área designada de “justiça administrativa”, movendo-se a coberto da sindicância judicial, salvo se os critérios de graduação que utilizou ou o resultado que atingiu forem grosseiros ou ostensivamente inadmissíveis”, Acórdão do Pleno do STA, datado de 29/03/2007, Processo n.º 0412/05.

84. Os factos posteriores no tempo praticados pela Administração não permitem sustentar o juízo formulado de inviabilidade da manutenção da relação funcional, antes afirmar o erro manifesto na escolha da medida da pena e que a mesma se afigura como desproporcional, na vertente dos subprincípios da adequação e necessidade, exigindo uma atuação corretiva por parte do poder judicial.

85. Não existe unanimidade na doutrina quanto à questão de saber se o erro manifesto de apreciação consubstancia uma aplicação do princípio da proporcionalidade, sendo que, para um setor, o erro manifesto de apreciação traduz-se num instrumento implícito do controlo da proporcionalidade da decisão administrativa, permitindo censurar a desproporção entre os motivos de facto da decisão e o conteúdo da mesma, ou dotar o juiz de mecanismo capaz de verificar se a decisão está em conformidade com os factos ou, ainda, se existe correspondência entre os motivos de facto e os motivos de direito, visando garantir que não existe uma desproporção excessiva ou desrazoável entre a decisão e os factos que a causaram, cfr. Tiago Macieirinha, “Erro manifesto de apreciação – uma aplicação do princípio da proporcionalidade?”, Estudos em Homenagem a Rui Machete, Almedina/Fundação Luso Americana para o Desenvolvimento, 2015, págs. 1071-1074.

86. Mas pode afirmar-se que o controlo do erro manifesto de apreciação na qualificação dos factos corresponde a um exame de proporcionalidade (sob a vertente da aptidão do meio) da prognose levada a cabo pela Administração sobre conceitos indeterminados que referem pressupostos do ato, Sérvulo Correia, “Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos”, Coleção Teses, Almedina, 2003, reimp. da ed. de 1987, pág. 498.

87. Inequivocamente, o princípio da proporcionalidade constitui um instrumento que permite ao juiz apreciar o valor dos motivos de facto do ato administrativo, com vista a determinar se justificam o seu conteúdo à luz da norma legal, designadamente, aferir se a medida é conforme ou adaptada à gravidade dos motivos ou se é excessiva, tanto intervindo no controlo do poder vinculado, quer no controlo do poder discricionário.

88. O princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso dirige-se, por isso, a toda a atividade dos poderes públicos, sob a imposição de que, na prossecução dos fins de interesse público que lhe estão, constitucional e legalmente atribuídos, devem adotar as medidas idóneas à realização daqueles fins (de acordo com o subprincípio da adequação), além de, entre as medidas suscetíveis de alcançar os fins pretendidos, devem ser escolhidos os que consubstanciem um menor sacrifício dos direitos dos particulares (de acordo com o subprincípio da necessidade) e sem que a medida possa ser excessiva ou desrazoável, atendendo aos fins de interesse público prosseguidos e aos direitos dos particulares (de acordo com o subprincípio da proporcionalidade stricto sensu).

89. Como decidido no Acórdão do STA, de 30/11/94, Proc. n.º 032500, “não se deve manter a relação funcional sempre que os factos cometidos, pelo arguido, avaliados e considerados no seu contexto, impliquem para o desempenho da função prejuízo de tal monta que irremediavelmente comprometa o interesse público que aquele deve prosseguir, designadamente, a eficiência, a confiança, o prestígio e a idoneidade que deva merecer a acção da Administração de tal modo que o único meio de acudir ao mal, seja a ablação do elemento que lhe deu causa” (sublinhado nosso).

90. Como tem sido afirmado pelo Tribunal Constitucional em diversa jurisprudência, como no Acórdão n.º 187/2001 (em desenvolvimento do Acórdão n.º 634/93), “O princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: Princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); Princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); Princípio da justa medida ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos). A esta definição geral dos três subprincípios (em que se desdobra analiticamente o princípio da proporcionalidade) devem por agora ser acrescentadas, apenas, três precisões. A primeira diz respeito ao conteúdo exacto a conferir ao terceiro teste enunciado, comummente designado pela jurisprudência e pela doutrina por proporcionalidade em sentido estrito ou critério da justa medida. O que aqui se mede, na verdade, é a relação concretamente existente entre a carga coactiva decorrente da medida adoptada e o peso específico do ganho de interesse público que com tal medida se visa alcançar. Ou, como se disse, ainda, no Acórdão n.º 187/2001, «[t]rata-se [...] de exigir que a intervenção, nos seus efeitos restritivos ou lesivos, se encontre numa relação 'calibrada' - de justa medida - com os fins prosseguidos, o que exige uma ponderação, graduação e correspondência dos efeitos e das medidas possíveis». A segunda precisão a acrescentar é relativa à ordem lógica de aplicação dos três subprincípios, que se devem relacionar entre si segundo uma regra de precedência do mais abstracto perante o mais concreto, ou mais próximo (pelo seu conteúdo) da necessária avaliação das circunstâncias específicas do caso da vida que se aprecia. Quer isto dizer, exactamente, o seguinte: o teste da proporcionalidade inicia-se logicamente com o recurso ao subprincípio da adequação. Nele, apenas se afere se um certo meio é, em abstracto e enquanto meio típico, idóneo ou apto para a realização de um certo fim. A formulação de um juízo negativo acerca da adequação prejudica logicamente a necessidade de aplicação dos outros testes. No entanto, se se não concluir pela inadequação típica do meio ao fim, haverá em seguida que recorrer ao exame da exigibilidade, também conhecido por necessidade de escolha do meio mais benigno. É este um exame mais «fino» ou mais próximo das especificidades do caso concreto: através dele se avalia a existência - ou inexistência -, na situação da vida, de várias possibilidades (igualmente idóneas) para a realização do fim pretendido, de forma a que se saiba se, in casu, foi escolhida, como devia, a possibilidade mais benigna ou menos onerosa para os particulares. Caso se chegue à conclusão de que tal não sucedeu - o que é sempre possível, já que pode haver medidas que, embora tidas por adequadas, se não venham a revelar no entanto necessárias ou exigíveis -, fica logicamente prejudicada a inevitabilidade de recurso ao último teste de proporcionalidade. A terceira precisão a acrescentar relaciona-se com a particular dimensão que não pode deixar de ter o juízo de proporcionalidade (na sua acepção ampla), quando aplicado às decisões do legislador. Afirmou-se atrás que o princípio em causa vale, em Estado de direito, para as acções de todos os poderes públicos. Quer isto dizer que ele se aplicará tanto aos actos da função administrativa quanto aos actos da função legislativa, pois que, em qualquer caso, não pode o Estado (actuando através dos seus diferentes poderes) empregar meios que se revelem inadequados, desnecessários ou não «proporcionais» face aos fins que pretende prosseguir.”.

91. Também no Acórdão do Pleno deste STA, proferido em 07/05/2020, Proc. n.º 022/19.08BALSB, reiterado no Acórdão do STA, de 01/06/2023, Proc. n.º 0726/18.2BESNT, se decidiu que “O princípio da proporcionalidade mostra-se consagrado nos arts. 266.º da CRP e art.7º do novo CPA e constitui um limite interno à atividade discricionária da Administração visando a tomada de decisões em termos adequados e proporcionais aos objetivos a realizar. Nos termos do art. 266º, nº 2 da CRP os “…órgãos e agentes administrativos … devem atuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da igualdade, da proporcionalidade …”. Por sua vez o art. 7º do CPA dispõe: 1- Na prossecução do interesse público, a Administração Pública deve adotar os comportamentos adequados aos fins prosseguidos. 2 - As decisões da Administração que colidam com direitos subjetivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afetar essas posições na medida do necessário e em termos proporcionais aos objetivos a realizar.”. Este princípio releva autonomamente quando a lei confere à Administração uma margem de autonomia decisória, constituindo um limite material interno ao poder discricionário. Na verdade, se o ato for vinculado a eventual injustiça resulta diretamente da lei, que o juiz não pode deixar de aplicar, salvo em caso de inconstitucionalidade. Este princípio, em sentido lato, desdobra-se analiticamente em três exigências da relação entre as medidas e os fins prosseguidos: a adequação das medidas aos fins; a necessidade ou exigibilidade das medidas e a proporcionalidade em sentido estrito, ou “justa medida”. Este princípio, no âmbito do processo disciplinar, diz respeito fundamentalmente à adequação da pena imposta à gravidade dos factos reputados como ilícitos, constituindo, por isso, um limite interno ao poder discricionário da Administração na fixação da medida concreta da pena disciplinar. (…) Como é jurisprudência comum os tribunais não podem substituir-se à Administração na fixação concreta da pena, pelo que, não sendo posta em causa a qualificação jurídico-disciplinar das infrações, a graduação da pena disciplinar não é contenciosamente sindicável, salvo erro grosseiro ou manifesto, designadamente o desrespeito pelo princípio da proporcionalidade, na sua vertente da adequação, uma vez que tal atividade se insere na chamada discricionariedade imprópria (justiça administrativa), podendo sofrer os vícios típicos do exercício do poder discricionário (ver a propósito, entre outros, os Acs. do STA, de 3/11/2004, Proc. nº 0329/04 e de 16/02/2006 proc. nº 0412/05). Não cabe, pois, ao tribunal, em princípio, apreciar a medida concreta da pena aplicada a não ser em caso de erro manifesto e grosseiro ou seja, apenas quando a medida aplicada se situa fora de um círculo das medidas possíveis aplicáveis ao caso concreto. É que, desde que a medida tomada pela Administração se situe dentro de um círculo de medidas possíveis, e com isto quer-se dizer aquela amplitude de medidas que seriam suscetíveis de se poderem considerar ajustadas à situação, deve considerar-se que a escolhida pela administração é a que melhor defende o interesse público por essa ser uma tarefa da Administração que se insere na chamada discricionariedade técnica ou administrativa. Pelo que, só no caso concreto é que se pode fixar qual o alcance invalidante da exigência constitucional e legal da proporcionalidade, ou seja, se a pena aplicada é adequada à gravidade dos factos apurados, de modo que a pena seja idónea aos fins a atingir, e a menos gravosa para o arguido, em decorrência ou emanação também do princípio da intervenção mínima ligado ao princípio do "favor libertatis". Isto é, aferir se aquela medida que foi aplicada é uma daquelas que se devem aceitar como possíveis dentro do que é adequado ao caso concreto. Em suma a medida da pena é sindicável se for ostensivamente desproporcionada, devendo considerar-se proporcionada e adequada aquela que se situe dentro de um círculo de medidas possíveis».”.

92. No presente caso a pena de demissão aplicada afigura-se excessiva, não se mostrando nem adequada, nem necessária, para sancionar as condutas ilícitas apuradas, considerado que durante mais de uma década a própria Administração nunca entendeu que o exercício de funções do agente da PSP e a continuidade desse exercício, se mostravam contrárias aos interesses e prestígio da instituição e reconheceu, a diversos títulos, o mérito do polícia, ora Recorrido.

93. Como antes decidido por este Supremo Tribunal, “a aplicação de uma pena expulsiva justifica-se quando o comportamento do arguido encerre um grau de desvalor que quebra irremediavelmente a confiança que deve existir entre o serviço e o funcionário”, Acórdãos de 25/03/98, Proc. n.º 41316 e de 02/12/2004, Proc. n.º 01038/04, o que de todo não se mostra provado no presente caso.

94. Pois, “para a apreciação da possível inviabilidade da manutenção da relação funcional não basta dar como provado o cometimento das infracções e a sua gravidade objectiva, mas, de igual forma, é imprescindível provar, mediante juízo de prognose, que o cometimento de infracção ou infracções disciplinares comprometia de forma irremediável essa manutenção”, Acórdão do STA, de 30/05/2019, Proc. n.º 02474/12.8BELSB.

95. Como igualmente decidido, “A aplicação de uma medida expulsiva - quer se trate de demissão quer de aposentação compulsiva - só pode ter lugar quando a conduta do infractor atinge de tal forma o prestígio e a credibilidade da instituição de que faz parte que a sua não aplicação não só iria contribuir para degradar a imagem de seriedade e de isenção dessa instituição como também poderia ser considerada pela opinião pública como chocante ou escandalosa. Por ser assim é que a aplicação daquelas penas aos agentes ou funcionários da PSP depende da prática de “infracções disciplinares que inviabilizam a manutenção da relação funcional” (art.º 47.º/1 do RD/PSP), isto é, de comportamentos capazes de minar de forma inapagável não só a imagem de prestígio e de credibilidade daquela Corporação como também a confiança que nelas depositam os cidadãos e que, por isso, impossibilitem a relação de confiança indispensável à manutenção do vínculo funcional.”, Acórdão do STA, de 05/05/2011, Proc. n.º 0934/10.

96. Pelo que, tal como entenderam as instâncias, os factos provados na presente ação são contrários à demonstração do juízo de inviabilidade da manutenção da relação funcional.

97. No que traduz a falta de razão que assiste à Entidade Demandada, devendo ser negado provimento ao presente recurso e, em consequência, mantida a decisão recorrida nos termos da presente fundamentação.

DECISÃO

Pelo exposto, acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo, de harmonia com os poderes conferidos pelo disposto no artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso interposto pela Entidade Demandada, ora Recorrente e, em consequência, manter o acórdão recorrido, proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 21 de fevereiro de 2024. - Ana Celeste Carvalho Catarilhas da Silva Evans de Carvalho (relatora) - Cláudio Ramos Monteiro - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva.