Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:090/23.8BALSB
Data do Acordão:01/24/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P31809
Nº do Documento:SAP20240124090/23
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:AA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A DIRETORA-GERAL DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, notificada por ofício de 17/05/2023 da Decisão Sumária nº 315/2023 do Tribunal Constitucional, no processo nº 552/22, que decidiu não tomar conhecimento do recurso, oportunamente apresentado pelo Ministério Público, da Decisão arbitral proferida em 28/03/2022 no Processo n.º 456/2021-T, que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa(CAAD), e não se conformando com o conteúdo desta, vem dela recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo (STA), nos termos do disposto no artigo 152.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e do n.º 2, do artigo 25.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com fundamento em a mesma se encontrar em contradição com o Acórdão proferido no Processo n.º 022/18.5BALSB, de 27/02/2019, disponível em www.dgsi.pt, na parte referente à extensão temporal dos juros indemnizatórios devidos em caso de pedido de revisão oficiosa da liquidação por iniciativa do contribuinte nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária.

Alegou, tendo concluído:
A. A Autoridade Tributária e Aduaneira vem, nos termos do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável por força do artigo 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor recurso para esse Supremo Tribunal da Decisão Arbitral de 28/03/2022, emitida no Processo n.º 456/2021-T do CAAD, por estar em contradição com o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 27/02/2019, no Processo n.º 022/18.5BALSB, que se indica como fundamento, designadamente, no segmento decisório respeitante à condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do respetivo pagamento do imposto até à data do integral reembolso;
B. A Decisão Arbitral recorrida colide frontalmente com a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão proferido em 27/02/2019, no processo n.º 022/18.5BALSB, que se indica como fundamento, relativamente ao termo inicial de contagem dos juros indemnizatórios, no caso de revisão oficiosa do ato tributário por iniciativa do contribuinte;
C. O pedido de pronúncia arbitral foi deduzido na sequência do indeferimento tácito, que ocorreu quatro meses após a apresentação do pedido de revisão oficiosa, em 26/07/2021, da liquidação nº ...21, com data de limite de pagamento a 27/11/2018, de Imposto sobre Veículos, pela Alfândega do Jardim do Tabaco, que sustentou a tempestividade da pretensão da Requerente junto da instância arbitral.
D. A Decisão Arbitral sob recurso entendeu, na parte em que se refere aos juros indemnizatórios, serem devidos pela AT, a contar da data do pagamento do imposto.
E. A Decisão Arbitral recorrida incorreu, pois, em erro de julgamento ao não enquadrar o direito a juros indemnizatórios, como devia, no artigo 43º, nº 3, c) da LGT, que consagra um regime especial, quanto aos juros indemnizatórios.
F. No Acórdão fundamento estava em causa “a extensão temporal dos juros indemnizatórios devidos em caso de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte (art. 43.º n.º 3 al. c) LGT)”, tendo esse douto STA decidido quanto à extensão temporal dos juros indemnizatórios devidos em caso de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte (art. 43º, nº 3, al c) da LGT), que “A decisão recorrida atribuiu a indemnização a partir da ocorrência do evento danoso, sendo que face às normas de direito tributário vigente tal indemnização não tem assento legal, pelo menos sob a égide do processo de impugnação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação”, concluindo que “não há lugar a juros indemnizatórios visto o pedido de revisão do acto tributário haver sido decidido em período inferior a um ano contado da apresentação deste pedido de revisão, como resulta do disposto no art.º 43.º, n.º 3, c) da Lei Geral Tributária.”.
G. Demonstrada está, assim, uma evidente contradição entre a Decisão recorrida e o Acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito que se prende com o pagamento de juros indemnizatórios nas situações de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, que importa dirimir, mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação do segmento decisório contestado, com substituição do mesmo por nova Decisão que determine a improcedência do pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do nº 6, do artigo 152º do CPTA.
H. A infração a que se refere o nº 2, do artigo 152º do CPTA, traduz-se num manifesto erro de julgamento expresso na decisão recorrida, na medida em que a Decisão Arbitral viola o disposto no nº 3, alínea c), do artigo 43º da LGT, o qual determina que, nas situações de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, são devidos juros indemnizatórios apenas a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão.
I. Como tem sido entendido pela Jurisprudência e Doutrina, o regime estabelecido no artigo 152.º do CPTA, para os recursos para uniformização da jurisprudência, destina-se a obter decisão que fixe a orientação jurisprudencial nos casos em que se verifiquem os seguintes pressupostos: i) existência de decisões contraditórias entre acórdãos do STA ou deste e do TCA ou entre acórdãos do TCA; ii) contraditoriedade decisória “sobre a mesma questão fundamental de direito”; iii) verificação do trânsito em julgado, quer do acórdão recorrido, quer do acórdão fundamento, devendo o recurso se mostrar interposto no prazo de 30 dias contado do trânsito do acórdão recorrido; iv) não conformidade da orientação perfilhada no acórdão impugnado com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA; a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.
J. No presente caso, estão preenchidos todos os requisitos de admissibilidade do Recurso, impostos pelo artigo 152º do CPTA, designadamente os enunciados no Acórdão do Pleno do STA de 21/04/2016, proferido no processo nº 0698/15, quanto à contradição da mesma questão fundamental de direito, que pressupõe “identidade essencial quanto à matéria litigiosa”, conforme o Acórdão do S.T.J. de 02/02/2017, proferido no proc.º 4902/14.9T2SNT.L1.S1-A.
K. Está em causa a aplicação, de forma diversa, dos mesmos preceitos legais em situações fácticas substancialmente idênticas, não se entendendo estas como total identidade dos factos, mas apenas a sua subsunção às mesmas normas legais, na linha do entendimento de Jorge Lopes de Sousa (CPPT anotado, p. 809), e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no recurso nº 87156, de 26/04/1995.
L. Resulta claro da jurisprudência assente desse Alto Tribunal que a norma do artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT consagra um regime especial, quanto aos juros indemnizatórios, que se aplica aos casos de revisão, como o dos autos, que não se enquadra na situação típica em que há impugnação da liquidação após o pagamento do imposto em causa.
M. Concluindo-se que ao não ter subsumido o caso sub judice à alínea c) do nº 3 do artigo 43º da LGT, a Decisão Arbitral recorrida, evidencia manifesta contradição quanto à mesma questão fundamental de direito com a jurisprudência firmada pelo Pleno do STA: - no Acórdão convocado como fundamento, de 27/02/2019, proferido no Proc.º 022/18.5BALSB; - e com a sua Jurisprudência mais recente, designadamente a firmada no acórdão, de 26/05/2022, no Processo nº 159/21.3BALSB, também do Pleno, sobre a mesma matéria e em que estava em causa situação fática absolutamente idêntica e tendo por objeto o mesmo Imposto sobre Veículos, pelo que deve ser substituída por nova decisão que julgue improcedente o pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.
Termos em que deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser admitido, por se mostrar verificada a contradição entre a mesma Decisão Arbitral proferida no Proc.º nº 456/2021-T e o Acórdão fundamento, proferido pelo STA no Proc. nº 022/18.5BALSB, de 27/02/2019, devendo, em consequência, o mesmo ser julgado procedente e, nos termos e com os fundamentos acima indicados, ser revogada a Decisão Arbitral no segmento decisório sob recurso, e substituído por decisão consentânea com o quadro legal vigente, de acordo com o qual não existe direito a juros indemnizatórios.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Supremo Tribunal emitiu parecer no sentido da admissibilidade do recurso e da sua procedência no sentido de os juros indemnizatórios decorrentes da anulação do ato com base na sua ilegalidade serem devidos a partir do decurso de um ano após a apresentação do pedido, nos termos da alínea c) do nº 3 do artigo 43º da LGT.

Cumpre decidir.

Na decisão recorrida levou-se ao probatório a seguinte matéria de facto:
-O Demandante introduziu no território nacional, com origem em Itália, o veículo automóvel ligeiro de passageiros, usado, da marca ..., ao qual foi atribuída a matrícula nacional ...;
-O referido veículo teve a sua primeira matrícula em Itália;
-Para a introdução do veículo no território português, foi emitida por iniciativa do Demandante a Declaração Aduaneira de Veículo n.º 2018/... de 03-12-2018 pela Alfândega do Jardim do Tabaco;
-A Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a competente liquidação do imposto sobre veículos nº 2018/..., de 13-11-2018, no valor global de 4.723,69 euros (quatro mil, setecentos e vinte e três euros e sessenta e nove cêntimos);
-Na determinação do imposto a pagar foi aplicada uma redução de 65% à “componente cilindrada” da taxa de imposto, em correspondência com a idade do veículo (mais de 7 a 8 anos);
-Desta forma, a componente cilindrada da taxa de imposto, que era, antes da redução, de 3.214,52 euros, teve uma redução no montante de 2.089,44 euros, passando para 1.125,08 euros;
-Na determinação do imposto a pagar não foi aplicada qualquer redução à “componente ambiental” da taxa de imposto, em correspondência com a idade do veículo;
-Em consequência, a componente ambiental da taxa do imposto foi fixada em 3.598,61 euros;
-Em 18-12-2020, o Demandante deduziu pedido de revisão oficiosa contra a liquidação impugnada, pedindo a sua anulação parcial, com base na incompatibilidade do art.º 11º do CISV com o art.º 110º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia;
-Não houve, até à data da apresentação do pedido de pronúncia arbitral, qualquer decisão sobre esse pedido de revisão;
-O Demandante pagou o imposto liquidado na sua totalidade, conforme consta da Declaração Aduaneira de Veículos.

No acórdão fundamento levou-se ao probatório a seguinte matéria de facto:
1. A Requerente é proprietária do prédio urbano, descrito na Caderneta Predial Urbana como terreno para construção urbana, inscrito sob o nº…, da Freguesia de…, Concelho de Loulé, Distrito de Faro.
2. O Valor Patrimonial Tributário (VPT) era, para efeitos das liquidações de Imposto do Selo em crise (ano 2012 e ano 2013), de EUR 1.009.490,00, determinado em 2012.
3. Sobre o imóvel acima identificado foram emitidas as seguintes liquidações de Imposto do Selo (verba 28.1.):
4. O montante de Imposto do Selo liquidado, no valor de EUR 10.094,90, relativo ao ano de 2012, deveria ser pago até 31 de Dezembro de 2013, através da nota de cobrança nº 2013…
5. Dado que o referido montante não foi pago dentro do prazo limite para pagamento voluntário, a dívida evoluiu para cobrança coerciva, tendo dado origem ao processo de execução fiscal (PEF) nº …2014…, instaurado em 20 de Janeiro de 2014, no valor total de EUR 10.324,52.
6. O imposto (EUR 10.094,90) e o respectivo acrescido (EUR 229,62) foram pagos, em 25 de Junho de 2014, em sede de execução fiscal.
7. O montante de Imposto do Selo liquidado, no valor de EUR 10.094,90, relativo ao ano de 2013, deveria ser pago de acordo com as seguintes prestações:
8. A Requerente não pagou nenhuma das prestações de imposto, relativas ao ano 2013, dentro do prazo para pagamento voluntário legalmente estabelecido para o efeito, tendo a dívida evoluído para cobrança coerciva, dando origem aos seguintes PEF, instaurados em 30 de Junho de 2014, nos seguintes termos (montantes em Euros):
9. A Requerente apresentou, em 30 de Outubro de 2015, requerimento dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças de Loulé …, no âmbito dos PEF identificados nos pontos 5.1.5, 5.1.6. e 5.1.8., no sentido de requerer a extinção das referidas execuções fiscais e “(…) o levantamento de eventuais penhoras que possam ter sido (…) realizadas para garantia das alegadas dívidas (…), bem como o cancelamento do seu registo se a este tiver havido lugar (…)”.
10. A Requerente apresentou, em 28 de Setembro de 2016, dois pedidos de revisão oficiosa de acto tributário relativos aos actos de liquidação acima identificados no ponto 5.1.3., no sentido de peticionar, para cada um dos anos em causa (2012 e 2013), a “(…) rescisão do acto tributário de imposto do selo da verba 28.1 da TGIS (…)”; e em consequência, requerer “(…) a anulação desse acto tributário (…)”, e “(…) a restituição à Requerente da quantia indevidamente paga (…) acrescida de juros indemnizatórios sobre essa importância, contados desde o pagamento indevido (…) até à data da emissão da respectiva nota de crédito, à taxa legal (…)”.
11. A Requerente foi notificada dos despachos de deferimento parcial de cada um dos pedidos de revisão oficiosa dos actos tributários acima identificados (com dispensa do direito de audição prévia), formulados com base na Informação nº I2017…, de 04-05-2017 (processo nº 2016… relativo ao Imposto do Selo de 2012) e com base na Informação nº I2017…, de 04-05-2017 (processo nº 2016… relativo ao Imposto do Selo de 2013), ambas da DS de IMT, as quais foram emitidas no sentido de decidir “(…) o deferimento parcial da (…) revisão oficiosa (…)” para cada um dos actos, “(…), com as seguintes consequências:
a. Relativamente ao ano 2012, determinou-se “(…) a anulação da liquidação contestada; a restituição do imposto indevidamente pago, no valor de € 10.094,90; o não reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios (…)” e, “quanto ao valor de € 229,62, também (…) reclamado, e referente a juros de mora e custas cobrados em sede de execução fiscal (…) o procedimento de revisão dos actos tributários (…) não é o meio próprio para apreciar esta matéria (…)”, dela não conhecendo;
b. Relativamente ao ano 2013, determinou-se “(…) a anulação da liquidação contestada; a restituição do imposto indevidamente pago, no valor de € 10.094,90; o não reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios (…)” e, “quanto ao valor de € 455,35, também (…) reclamado, e referente a juros de mora e custas cobrados em sede de execução fiscal (…) o procedimento de revisão dos actos tributários (…) não é o meio próprio para apreciar esta matéria (…)”, dela não conhecendo.
Nada mais há com interesse.

Há agora que apreciar da admissibilidade do recurso.
É entendimento pacífico na jurisprudência do STA, a admissibilidade dos recursos com vista à uniformização de jurisprudência, tendo em conta o regime previsto nos artigos 25º, n.º 2 do RJAT e 152.º do CPTA, depende de existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
No que ao primeiro requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno desta Secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detectar a existência de uma contradição, quais sejam:
- identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
- que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
- que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
- a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

No caso dos autos, da economia da decisão recorrida, apenas vem impugnada a questão do termo inicial relevante para a contagem dos juros indemnizatórios em decorrência de ter sido deduzido um pedido de revisão oficiosa das liquidações efectuadas.
Decidiu-se sobre esta questão na decisão recorrida:
Concomitantemente com o seu pedido de anulação parcial do ato de liquidação, pede ainda o Demandante ao Tribunal a condenação da AT à restituição do imposto indevidamente pago e ao pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios.
Quanto à restituição do imposto indevidamente pago, o Demandante tem direito a ela, nos termos do art.º 100.º, n.º 1 da LGT, que determina que “a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial a favor do sujeito passivo, plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade”.
O dever de restituição do imposto indevidamente pago aparecerá inevitavelmente ligado à decisão arbitral que anule o ato de liquidação, por força da alínea b) do n.º 1 do art.º 24º do RJAT, em cujos termos a administração tributária fica vinculada, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, a “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.
Quanto ao direito a juros indemnizatórios correspondentes à prestação tributária indevidamente efetuada, determina o art.º 43.º da LGT, no seu n.º 1, que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”
A expressão "erro imputável aos serviços" deve reconduzir-se a qualquer "ilegalidade" causadora da anulação, total ou parcial, do ato tributário. Neste sentido aponta o estipulado no já citado artº. 100º, n.º 1, da LGT, em conjugação com o artº 43.º, nº.1 da mesma lei, em que se consagra, no plano da lei ordinária, a teoria da reconstituição da situação atual hipotética, em virtude da anulação, total ou parcial, de um ato tributário (vd. TCA-S, CT, 22-05-2019, proc. n.º 1770/12.9BELRS).
Por sua vez, o n.º 5 do art.º 24.º do RJAT, ao estipular que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral (Decisão arbitral CAAD n.º 678/2018-T, 27-05-2019).
Contudo, alega a AT, em oposição à pretensão do Demandante de pagamento de juros indemnizatórios, que, nos termos do art.º 43.º, n.º 3, al. c) LGT, no caso de a anulação do ato ser consequente de um pedido de revisão do ato tributário, apenas são devidos juros indemnizatórios quando a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte se efetuar mais de um ano após o pedido deste, hipótese que, segundo a AT, não se verifica.
Os tribunais administrativos superiores têm-se pronunciado abundantemente sobre esta questão.
Numa interpretação literal, parece suficientemente claro que, de acordo com essa norma, em caso de pedido de revisão oficiosa, só são devidos juros indemnizatórios quando a revisão, ie. quando uma decisão do pedido de revisão, na qual se proceda a uma efetiva revisão do ato, tenha lugar mais de um ano após a data do pedido. Situação que será, aliás, de verificação improvável, pois é difícil que a administração tributária leve mais de um ano a decidir um procedimento de revisão por iniciativa do contribuinte, e ainda mais improvável que emita uma decisão após esse tempo, sem que, antes, o contribuinte impugne a decisão de indeferimento tácito.
Embora, no nosso entendimento, esta norma vise apenas situações em que a administração tributária reveja o ato tributário, ie. em que a administração tome uma decisão pela qual reforme ou revogue o ato tributário, e não uma situação em que a administração tributária se limite a indeferir o pedido de revisão, dentro ou após o prazo de um ano, os tribunais têm estendido a norma a estas últimas situações.
Até este ponto, a doutrina do aresto do STA está em tudo conforme com a interpretação literal que enunciámos anteriormente: no caso de pedido de revisão do ato tributário, só há lugar ao reconhecimento de juros indemnizatórios quando a administração tributária emita decisão – de efetiva revisão do ato – após o prazo de um ano passado sobre a data da apresentação do pedido; se a administração proceder à revisão do ato dentro do prazo de um ano após a apresentação do pedido, mesmo que nessa decisão revogue o ato ou o reforme in mellius, não serão devidos juros indemnizatórios.
Com efeito, o art.º 78.º da LGT prevê três possibilidades quanto ao impulso do procedimento de revisão do ato tributário:
A primeira possibilidade é a de a revisão do ato tributário ser pedida pelo contribuinte dentro do prazo da reclamação “administrativa” (termo que interpretamos aqui como sinónimo de reclamação graciosa e, portanto, como sendo a reclamação prevista no art.º 69.º do CPPT).
A segunda possibilidade, prevista na segunda parte do n.º 1 do art.º 78.º, é da revisão oficiosa, i.e., levada a cabo por iniciativa da Administração, sem qualquer impulso por parte do sujeito passivo, revisão esta que pode ser realizada no prazo de quatro anos previsto nesse mesmo trecho legal.
E a terceira possibilidade, aparentemente prevista no n.º 7 do art.º 78.º, mas, em qualquer caso, reconhecida e consagrada pela jurisprudência, é a da revisão oficiosa, i.e., levada a cabo por iniciativa da Administração, mas na sequência de um pedido do sujeito passivo, a ser apresentado no mesmo prazo de quatro anos previsto na segunda parte do n.º 1 do art.º 78.º.
Ora, só é correto falar em inércia do sujeito passivo, quanto à terceira possibilidade assinalada. Não assim quando o sujeito passivo tenha feito uso da primeira parte do n.º 1 do art.º 78.º.
Ora, se o sujeito passivo efetuar o pedido de revisão dentro do prazo da reclamação graciosa, como previsto na primeira parte do n.º 1 do art.º 78.º LGT, todo a ratio da doutrina exposta fica desprovida de substância.
Mas mesmo tendo o sujeito passivo, como no caso dos autos, efetuado o pedido de revisão oficiosa para além do prazo da reclamação graciosa, também não se vê com que base pode ser aplicada ao caso a al. c) do n.º 3 do art.º 43º da LGT.
Vejamos:
A previsão deste preceito contém três elementos: i) a existência de um pedido de revisão do ato tributário apresentado pelo sujeito passivo, o que no caso se verificou; ii) a efetiva revisão do ato tributário, o que no caso não ocorreu, pois a Autoridade Tributária indeferiu o pedido de revisão e, portanto, não efetuou a revisão; e iii) que a revisão tenha lugar mais de um ano após a apresentação do pedido, o que no caso também não ocorreu, pois nem sequer houve qualquer revisão.
Não se verificando estes elementos, não pode a norma aplicar-se.
Porém, já pelo contrário, não se vê no caso concreto nada que deva obstar à aplicação do n.º 1 do art.º 43.º, o qual prevê que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em (...) impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. No caso concreto ocorre a anulação do ato tributário, por uma decisão arbitral, a qual é equiparável a uma “anulação judicial”, com base numa ilegalidade que, como já vimos antes, é considerada um “erro imputável aos serviços”. Verificam-se todos os elementos necessários para que seja aplicada esta norma.
Consideramos, assim, que é de aplicar ao caso dos autos o n.º 1 do art.º 43.º da LGT, o qual determina que o Demandante tem direito a ser pagão por juros indemnizatórios, em consonância com o princípio constitucional consagrado no artº 22.º da Constituição Portuguesa.
E porque nada se encontra na lei em contrário e por ser essa a regra geral, de acordo com o art.º 100.º da LGT, tais juros devem computar-se desde a data do pagamento da prestação tributária indevida até à emissão da respetiva nota de liquidação.

Por sua vez, no acórdão fundamento decidiu-se:
A leitura do disposto no art.º 61.º, n.º1 do Código de Processo e Procedimento Tributário permite concluir que dirigindo-se ele à entidade administrativa lhe confere poder/dever de reconhecer o direito a juros indemnizatórios em benefício do contribuinte em diversas situações sendo que, tratando-se de entidade a quem compete decidir o pedido de revisão do acto tributário a pedido do contribuinte, situação destes autos, tal entidade apenas pode reconhecer esse direito se não for cumprido o prazo legal de revisão do acto tributário. O mesmo é dizer que se tal decisão for proferida dentro do prazo legal não tem a entidade administrativa competência para reconhecer o direito a juros indemnizatórios.
Além do referido normativo dispõe ainda a Lei Geral Tributária, art.º 43.º n.º 3 que: «São também devidos juros indemnizatórios quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária.».
Como se concluiu no acórdão fundamento, e foi reafirmado no acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 01201/17 em 23/05/2018, também a situação dos autos é enquadrável no nº 3, al. c) do artº 43º da Lei Geral Tributária porque o contribuinte, podendo ter obtido anteriormente a anulação do acto de liquidação praticado em 2012 e 2013, nada fez, desinteressando-se temporariamente da recuperação do seu dinheiro, até que em 28 de Setembro de 2016, apresentou um pedido de revisão oficiosa dos acto tributário.
Entre 2012 e 2016 decorre um extenso período em que a reposição da legalidade poderia ter sido provocada por iniciativa do contribuinte que a não desenvolveu, o que justifica que o direito a juros indemnizatórios haja de ter uma extensão mais reduzida por contraposição à situação em que o contribuinte suscita a questão da ilegalidade do acto de liquidação imediatamente após o desembolso da quantia em questão, nomeadamente nos três meses seguintes ao termo do prazo de pagamento voluntário usando o processo de impugnação do acto de liquidação.
O legislador considera que o prazo de um ano é o prazo razoável para a Administração decidir o pedido de revisão e executar a respectiva decisão, quando favorável ao contribuinte, afastando-se da indemnização total dos danos a partir do momento em que surgiram na esfera patrimonial do contribuinte.
Impondo a lei constitucional ao Estado a obrigação de reparar os danos causados pelos seus actos ilegais, tem vindo a lei ordinária a estabelecer limites a essa reparação, sejam os decorrentes da valorização da maior ou menor diligência do lesado, seja do tempo que faculta para a Administração Tributária decidir.
A decisão arbitral recorrida atribuiu a indemnização a partir da ocorrência do evento danoso, sendo que face às normas de direito tributário vigente tal indemnização não tem assento legal, pelo menos sob a égide do processo de impugnação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação. Com efeito, tendo sido formulado o pedido de revisão do acto tributário em 28 de Setembro de 2016 que foi deferido parcialmente pelos despachos de 11 de Maio de 2017 da Senhora Directora de Serviços (em substituição) da Direcção de Serviços do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (DSIMT), despachos esses relativos ao deferimento parcial dos pedidos de revisão oficiosa [Informação nº I2017…, de 04-05-2017 (processo nº 2016 … relativo ao Imposto do Selo de 2012 – verba 28.1.) e Informação nº I2017…, de 04-05-2017 (processo nº 2016 … relativo ao Imposto do Selo de 2013 – verba 28.1.)], anulando as liquidações de imposto em crise no presente pedido de pronúncia arbitral de que o contribuinte tomou conhecimento, pelo menos através do processo arbitral em 6 de Junho de 2017, não há lugar a juros indemnizatórios visto o pedido de revisão do acto tributário haver sido decidido em período inferior a um ano contado da apresentação deste pedido de revisão, como resulta do disposto no art.º 43.º, n.º 3, c) da Lei Geral Tributária.

Lido atentamente o acórdão fundamento e a decisão recorrida, pode-se chegar à conclusão de que existe uma real contradição entre ambos no que toca à concreta aplicação do disposto no artigo 43º, n.º 3, al. c) da LGT.
Apesar de no acórdão fundamento se ter relevado o facto de entre o pedido de revisão oficiosa e a decisão da administração tributária não ter decorrido mais de um ano e na decisão recorrida não haver registo de qualquer decisão da administração tributária do pedido de revisão, o que é certo é que no acórdão fundamento se concluiu que não haveria lugar a juros indemnizatórios pelo facto de o pedido de revisão ter sido decidido no prazo inferior a um ano, tal como consta daquele artigo 43º, n.º 3, al. c) da LGT.
Ou seja, a doutrina que se deve retirar do acórdão recorrido é a de que, tal como consta do respectivo sumário, só são devidos juros indemnizatórios quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária - art.º 43.º n.º 3 Lei Geral Tributária.
Ora, no caso dos autos, em que não foi proferida decisão no prazo de um ano, os juros fixados foram-no tendo em conta um momento anterior a esse ano estipulado no preceito legal em apreço, isto é, foram contados por referência a momento anterior a 18/12/2021.
Ou seja, entre a decisão recorrida e o acórdão fundamento ocorre uma efectiva e clara contradição no que respeita ao modo de contagem dos juros, enquanto que o acórdão fundamento esclarece que o termo inicial da contagem dos juros só pode ocorrer um ano após o pedido de revisão oficiosa quando não ocorra pronuncia da administração dentro desse ano, na decisão recorrida decidiu-se expressamente que tal contagem dos juros poderia iniciar-se em momento anterior à passagem daquele ano sobre o pedido de revisão oficiosa quando não há decisão da administração no prazo desse ano.
E não só incorre a decisão recorrida numa clara contradição com a jurisprudência deste Supremo Tribunal, como incorre em errada aplicação da norma legal constante do artigo 43º, n.º 3, al. c) da LGT, sendo que o termo inicial da contagem dos juros indemnizatórios devidos se deve reportar no caso concreto ao dia 18/12/2021.
Conclui-se, assim, pela admissão do recurso e pela anulação parcial da decisão recorrida nos termos anteriormente apontados.

Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em admitir o recurso, conceder-lhe parcial provimento e anular a decisão arbitral na parte recorrida e nos termos anteriormente apontados.
Custas por ambas as partes em função do decaimento.
D.n.

Lisboa, 24 de Janeiro de 2024. - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro (voto de vencido que segue em anexo) - Anabela Ferreira Alves e Russo - Fernanda de Fátima Esteves.
Voto de vencido do Sr. Conselheiro Pedro Vergueiro:
Não se acompanha a posição que faz vencimento no âmbito do presente Acórdão no que concerne à existência de oposição entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão Fundamento, tendo por referência os Acórdãos deste Supremo Tribunal (Pleno) de 26-05-2022, Procs. nºs 146-21.1BALSB e 161-21.5BALSB, de que fui Relator, disponíveis em www.dgsi.pt e bem assim as Decisões Sumárias proferidas nos Procs. nºs 87-23.8BALSB, 95-23.9BALSB e 121-23.1BALSB.
Na verdade, nestas últimas Decisões foi feita a análise da jurisprudência firmada pelo S.T.A. com referência ao alcance do Acórdão Fundamento, em função do exposto no Ac. do Pleno da Secção de 11-12-2019, Proc. nº 51/19.1BALSB, onde se aponta que, pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação (art. 78º nº 1 da L.G.T.) e vindo o acto a ser anulado, mesmo que em impugnação judicial do indeferimento daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido, e não desde a data do pagamento da quantia liquidada, nos termos do art. 43º nºs.1 e 3, al. c) da L.G.T., deixou-se, entretanto, consignado que não releva o facto de a AT o ter decidido, embora indeferindo, em período inferior a um ano, assumindo importância fundamental neste ponto a data em que é proferida a decisão arbitral, no sentido de que se a decisão arbitral a reconhecer o direito a juros indemnizatórios foi proferida ainda dentro do período de um ano, computado desde a data de apresentação do pedido de revisão oficiosa, não haverá lugar ao cômputo de juros indemnizatórios, fazendo-se ainda alusão ao Ac. deste Supremo Tribunal (Pleno) de 23-02-2023, Proc, nº 154/21.2BALSB, www.dgsi.pt, que concluiu pela anulação da decisão arbitral no segmento impugnado - ao fixar o termo inicial do cômputo dos juros indemnizatórios na data do pagamento do imposto - por afronta à jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal, tendo sido decidido que se não encontravam reunidos os requisitos para a concessão de juros indemnizatórios, por a decisão arbitral recorrida ter sido proferida em 08-11-2021, tendo por referência um pedido de revisão apresentado em 19-11-2020.
Deste modo, numa situação em que a Recorrente coloca em crise a condenação no pagamento de juros indemnizatórios, reclamando que, perante situações fácticas substancialmente idênticas, existência jurisprudência da qual resulta que a mesma não tem que liquidar qualquer valor a título de juros indemnizatórios, temos por adquirido que, embora as situações de facto revelem pontos em comum, certo é que, da evolução descrita, retira-se que as situações em presença divergem no que respeita ao facto de existir decisão ou não dos pedidos de revisão no referido prazo de um ano, o que por si só, constitui fundamento para depararmos com soluções jurídicas diversas da questão de direito que foi enunciada, o que significa que a situação em causa não tem os mesmos contornos no que diz respeito ao elemento essencial para a sorte dos autos, em função da pretensão formulada pela Recorrente, divergência essa que serviria de fundamento ao presente recurso para uniformização de jurisprudência, pelo que, entende-se não se mostram reunidos os pressupostos legais para que este Supremo Tribunal possa conhecer deste recurso.