Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0144/18
Data do Acordão:06/28/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MARIA DO CÉU NEVES
Descritores:NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23474
Nº do Documento:SA1201806280144
Data de Entrada:05/10/2018
Recorrente:A............., LDA
Recorrido 1:MINISTÉRIO DA SAÚDE E B..................., SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
1. RELATÓRIO

B……………………….. S.A., intentou no TAF de Leiria contra o Ministério da Saúde e identificando como contra interessada a A……………., Ldª, a presente acção de contencioso pré-contratual relativa ao acto de adjudicação do Concurso Público Internacional nº 02/2015 – “Aquisição de Serviços para Implementação de um sistema de Gestão Documental na DGS”.

Alegou, para tanto e em síntese que a valoração das propostas da Autora e da Contra-interessada e subsequente decisão de adjudicação da proposta da contra-interessada são ilegais, por erro nos pressupostos do júri. Mais alegou que a decisão de não exclusão da proposta da contra-interessada, por aceitação da justificação por ela apresentada para a apresentação de uma proposta com preço anormalmente baixo, é igualmente ilegal, desta feita por não observar a disciplina dos artºs 70º, nº 1, al. e) e 71º, ambos do Código dos Contratos Públicos.

Concluiu, formulando os seguintes pedidos:

a) a anulação do despacho da entidade demandada que aprovou o relatório final do júri e determinou a adjudicação do contrato à contra-interessada;

b) a condenação da entidade demandada a, num prazo não superior a 10 dias (i) determinar a exclusão da proposta da contra-interessada; (II) reavaliar a proposta da autora, atribuindo-lhe a pontuação global de 93,70 pontos, ordenando-a em 1º lugar; e (iii) praticar acto administrativo consubstanciado na adjudicação do contrato à autora.

No TAF de Leiria, a acção foi julgada procedente, e nessa procedência foi decidido anular, por manifesto erro sobre os pressupostos de facto e violação de preceitos do caderno de Encargos e do Programa do Concurso, bem como dos artºs 70º e 71º do Código dos Contratos Públicos, o acto da entidade demandada que aprovou o relatório final do júri do procedimento de adjudicação do Concurso Público Internacional nº 02/2015 - «Aquisição de Serviços para Implementação de um Sistema de Gestão Documental na DGS», tanto no segmento em que não excluiu a proposta da contra-interessada adjudicatária, como na parte em que classificou a proposta da demandante, bem como condenar a entidade demandada a adjudicar a proposta à autora.


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Desta decisão foi interposto recurso para o TCAS por parte da contra-interessada A………………….., Ldª, o qual veio a ser julgado improcedente.

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E é deste acórdão proferido pelo TCAS que a contra-interessada A……………..,,, Ldª, vem interpor o presente recurso de revista, alegando e formulando para o efeito as seguintes conclusões:

I. «A intervenção do STA afigura-se de manifesta necessidade para a boa aplicação do direito, e como “válvula de segurança do sistema”, já que o Acórdão proferido pelo TCAS incorre em erro judiciário, ostensivo, incontroverso, porque viola de modo flagrante a lei aplicável - artigo 323ºdo CC.

II. Porque como supra alegado, não pode ser desconsiderada pelos tribunais a declaração de preço da A…………., nem têm poderes os mesmos para decidir de tal forma, muito menos no caso concreto.

III. Porque nessa conformidade a proposta da concorrente A………..., aqui recorrente não viola quaisquer requisitos das peças do procedimento e resulta dos autos e da sentença e acórdão de que se recorre, estar provado que a proposta da A…………… cumpre integralmente as peças do procedimento, bem como a declaração de justificação de preço anormalmente baixo é suficiente e bastante, tendo-se provado por via da produção da prova testemunhal que os preços propostos são os praticados pela A……………

IV. Porque a prova documental e testemunhal e os fundamentos vertidos na sentença do TAF de Leiria, corroborados pelo acórdão do TCASUL, impõem conclusão totalmente contrária e diversa à decisão constante dos mesmos, pois da análise da prova documental e da reapreciação da prova gravada resulta exatamente o contrário, que a A. não faz qualquer prova do que alega e que a contra-interessada A…………… faz prova de tudo o que alega na contestação e que consta do PA.

V. A deficiente apreciação da prova documental e testemunhal, bem como a contradição vertida na sentença e acórdão de que se recorre é notória, constada e clara, o que levou a que no caso concreto, existisse uma incorreta aplicação da lei, verificando-se a violação da lei substantiva e de toda a jurisprudência vigente.

VI. Deve ser sim deferida a reapreciação da prova gravada e reapreciada em concreto, já que é a mesma que complementa a prova documental e comprova tudo o supra alegado, o que o TCASUL não fez, pelo que sendo a mesma reapreciada se constatará, não só que a A. não prova o que alega, como a contra interessada, aqui recorrente, prova os factos por si alegados.

VII. Deve ser decidido que a sentença do TAF de Leiria deve ser revogada, bem como revogado o acórdão do TCASUL, mantendo-se a adjudicação nos seus exactos termos.

VIII. O acórdão de que se recorre deve sim apreciar apenas os aspetos sob controvérsia, já que o que visa determinar é se a motivação apresentada pelo Tribunal a quo encontra suporte razoável naquilo que resulta do depoimento testemunhal, registado a escrito ou através de gravação, em conjugação com os demais elementos probatórios existentes ou produzidos nos autos, o que de facto não acontece, pelo que subsiste a controvérsia.

IX. O Douto acórdão não pode concluir jamais que “Prevendo o caderno de encargos que se considera preço anormalmente baixo todo o preço que seja inferior a 50% do preço base, significa que a entidade adjudicante se auto-vinculou segundo o critério legal, previsto nos termos do nº 1 do artigo 71º do CCP”, até porque a eventual ausência de fundamentação por parte da entidade adjudicante ou do júri para a aceitação da declaração de preço da contra interessada, aqui recorrente, apenas teria como efeito a devolução do PA aos seu detentores (júri e entidade adjudicante ré) para que estes cumprissem o dever de fundamentação e não a exclusão pelos tribunais da proposta da A…………., nem tal é legalmente aceitável.

X. Muito menos podendo o acórdão concluir que: “Sendo manifesto que as justificações apresentadas pela concorrente são vagas e genéricas, não permitindo concluir no sentido em que o decidiu o júri do procedimento do concurso, da admissão da proposta, não está vedado ao Tribunal de sindicar essas justificações. O que significa que a concorrente não conseguiu satisfazer a finalidade prevista na lei, de esclarecer e de afastar a suspeita e a dúvida que recai sobre a ilegalidade da sua proposta, decorrente da apresentação de proposta de preço anormalmente baixo. Existindo suspeitas concretas de que a proposta não apresenta garantias relativas à boa e pontual execução dos termos previstos no caderno de encargos, a verter no contrato a celebrar, suspeitas essas que as justificações apresentadas não conseguiram afastar, não sendo credíveis e com isso não conseguindo demonstrar que o preço da proposta, ainda que anormalmente baixo, é um preço de mercado e que assenta em critérios sérios e congruentes, a proposta não pode ser admitida por não servir como fundamento em o preço ser anormalmente baixo, “até porque não é de facto aos tribunais que cabem tais conclusões, devendo para tal e se assim entenderem, devolver o processo à entidade adjudicante, para que se pratiquem os actos inerentes à validade do acto administrativo ou ao cumprimento da lei eventualmente violada, não podendo a aqui recorrente A………….. ser “castigada” por falta de fundamentação da ré, entidade adjudicante».


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Não consta dos autos que tenham sido apresentadas contra alegações.

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O «recurso de revista» foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude o nº 5 do artigo 150º do CPTA], proferido a 08 de Março de 2018, no qual se consignou:

«(...) 3.3. No recurso para o STA, a ora recorrente insurge-se contra a deficiente apreciação da matéria de facto, questões que estão necessariamente fora do âmbito da revista - cfr. art. 12º, 4 do ETAF e 662º, nº 4 do CPC. Deste modo não se justifica admitir a revista relativamente ao julgamento de tais questões e daquelas que tomam em considerarão tais factos.

Todavia, e relativamente às questões de direito também suscitadas, julgamos que se justifica a admissão da revista. Mais concretamente as questões suscitadas nas conclusões IX e seguintes, onde alega que da falta de fundamentação de uma decisão pela entidade adjudicante, não pode ser prejudicada a concorrente, terminando precisamente a sua motivação referindo não poder "a aqui recorrente A………….. ser castigada por falta de fundamentação da ré, entidade adjudicante".

Vejamos porquê.

Estando assente que a proposta da ora recorrente apresentava um preço inferior a 50% do preço base, a questão que segue - e que ainda está pendente - é a de saber se a justificação para esse preço acolhida pelo júri está ou não fundamentada e não o estando, quais as respectivas consequências jurídicas.

O TCA Sul entendeu que a deliberação do júri que aceitou a justificação para o preço anormalmente baixo era vaga e genérica, o que significa - diz o tribunal - que o concorrente não conseguiu satisfazer a finalidade prevista na lei de esclarecer e de afastar a suspeita de dúvida que recai sobre a ilegalidade da sua proposta, decorrente da apresentação de um preço anormalmente baixo.

Mais entendeu que, perante a ausência de fundamentação da decisão do júri sobre a aceitação da justificação do preço anormalmente baixo - não era viável conceder uma "segunda oportunidade à concorrente de apresentar esclarecimentos".

Ora, perante uma situação em que o júri do concurso considerou justificado o preço anormalmente baixo apresentado na proposta vencedora, justifica-se, desde logo, a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo com vista a estabelecer critérios claros sobre o âmbito de intervenção do Tribunal na sindicância da actividade do júri nesse domínio.

Note-se que, no caso em apreço, a justificação do preço foi feita pela concorrente nos termos constantes do ponto 1.8. da matéria de facto.

No âmbito da audiência prévia, a B………….. SA suscitou várias questões pondo em causa aquela justificação do preço anormalmente baixo (ponto 1.15 da matéria de facto).

O Júri do concurso prenunciou-se expressamente sobre a questão, nos termos constantes do ponto 9 do relatório final, transcrito no ponto 1.6. da matéria de facto e aceitou a justificação do preço anormalmente baixo.

O TCA Sul, como já referimos, considerou que o júri não fundamentou a decisão, nessa parte: "(...) significa que o CCP não só impõe o dever de análise dos esclarecimentos prestados pelo concorrente acerca das razões do preço anormalmente baixo, como o cumprimento do dever de fundamentação da decisão sobre essas justificações, não podendo a entidade adjudicante limitar-se a admitir ou a rejeitar a proposta, sem aduzir qualquer fundamentação ( ... )" - fls. 701 dos autos e 42 do acórdão recorrido.

Para além de entender que estava perante a ausência de fundamentação o acórdão entendeu ainda que "as justificações apresentadas pela concorrente são vagas e genéricas, não permitindo concluir no sentido em que decidiu o júri do procedimento do concurso, da admissão da proposta" - fls. 702 dos autos e 43 do acórdão recorrido.

Todavia não ficou por aqui, pois entendeu que a justificação apresentada pela concorrente era vaga e genérica e, portanto, não se justificava conceder-lhe nova oportunidade de justificar o preço apresentado.

Este último aspecto da decisão recorrida também justifica, a nosso ver a admissão da revista, com vista a uma melhor interpretação e aplicação do direito.

Na verdade, localizando o vício da decisão impugnada, na ausência de fundamentação da aceitação pelo júri da justificação do preço anormalmente baixo, e, desde logo, importante a intervenção deste Supremo Tribunal Administrativo no sentido de definir as respectivas consequências, uma vez que perante, a falta de fundamentação, em princípio, o acto ferido com esse vício é renovável».


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Notificada do Acórdão que admitiu a revista, veio a B…………. requerer a inutilidade do julgamento do recurso, com vista à extinção da instância, o que originou novo Acórdão por parte da formação do artº 150º do CPTA, que em 18.04.2018, indeferiu o requerido, esclarecendo no entanto que: «Não existe, assim, qualquer lapso susceptível de implicar a reforma do acórdão que admitiu a revista, sem prejuízo, bem entendido, da Secção de Contencioso Administrativo entender que se justifica a extinção da instância por inutilidade da revista – uma vez que sobre esta questão a formação de apreciação liminar nada disse».

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O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146º, nº 1 do CPTA, emitiu o parecer que constitui fls. 815 a 819, no sentido da improcedência do recurso.

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Notificado este parecer a todos os sujeitos processuais, veio a B………. responder nos termos que constam de fls. 831 a 844, suscitando de novo, e nos mesmos termos, a questão a inutilidade do recurso de revista e, quanto ao mais, sustentando a tese da improcedência do recurso de revista.

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Sem vistos, cumpre decidir.

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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. MATÉRIA DE FACTO

Mostram-se provados os seguintes factos:

1.1) A aqui entidade demandada, através da Direção-Geral da Saúde, determinou a abertura de concurso público para «Aquisição de Serviços para Implementação de um Sistema de Gestão Documental para a Direção-Geral da Saúde», cujo anúncio foi publicado sob a forma de Anúncio n° 6942/2015, na parte L do Diário da República, 2 Série, N° 221, de i de novembro de 201, prevendo a apresentação de candidaturas no prazo de i6 dias.

1.2) No âmbito do procedimento referido em 1.1), o respetivo Caderno de Encargos subordinava-se, além do mais, às seguintes cláusulas contratuais:

1.3) No âmbito do procedimento referido em o respetivo Caderno de Encargos subordinava-se ainda, além do mais, às seguintes disposições no âmbito da cláusula técnica:

1.4) No âmbito do procedimento referido em 1.1), o respetivo Programa do Procedimento continha um Anexo 1, subordinado, além do mais, às seguintes disposições: «Fator qualidade

1.5) A 01.12.2015 elaborado instrumento escrito em papel timbrado da entidade demandada, entretanto disponibilizado no portal eletrónico da «Vortal», onde estava a ser tramitado o procedimento referido em i.i), sob a designação «Esclarecimentos», no qual se deixou consignado, além do mais, o seguinte:

1.6) Apresentaram candidatura ao procedimento referido em 1.1), entre outras sociedades, a ora autora e a contrainteressada contestante.

1.7) A ora autora deixou consignado na sua proposta concorrencial, além do mais, o

1.8) A contrainteressada também apresentou proposta concorrencial, no valor de € 85 000,00, instruída, além do mais, com um documento escrito em papel timbrado daquela sociedade e com o seguinte teor:

1.9) Além da autora e da contrainteressada, também apresentaram proposta, além de outras sociedades, as seguintes empresas:

a. a concorrente ………………., Lda;

b. a concorrente ………………., SA;

c. a concorrente ………………., SA;

d. a concorrente ………………., SA.

1.10) Na proposta da concorrente …………….., Lda., deixou consignado, além do mais, o seguinte: «2.1. Enquadramento da Proposta

«A solução apresentada é baseada na solução FileDoc - Document and Process Management System, utilizando toda a potencialidade já desenvolvida, tanto na área de Gestão Documental e de processos como na área do Workflow […]».

1.11) Na proposta da concorrente ………………, SA., deixou-se consignado, além do mais, o seguinte: «O aspeto central da proposta passa pela utilização da solução SIGA Cloud, um sistema integrado de gestão administrativa desenvolvida em Portugal pela ................. que engloba todas as componentes de gestão dos documentos e dos processos das organizações, disponibilizando as mais avançadas funcionalidades existentes no mercado, implementadas sobre as mais modernas tecnologias, numa solução completa, state of the art no seu domínio [...]», sendo mais adiante indicados e descritos vários projetos similares já implementados.

1.12) Na proposta da concorrente ……………., S.A., a sociedade alude à ferramenta de base utilizado, nomeadamente o sistema de gestão integrada da informação — SGTI, seguindo-se imagens e printscreens do respetivo funcionamento e, mais adiante, referências de sistemas de gestão documental semelhantes já implementados por aquela empresa.

1.13) Na proposta da concorrente …………, S.A., depois de deixar consignado, além do mais, que «[a] …………responde ao desafio, propondo-se implementar na DGS a versão mais recente da sua solução de GestãoDocumental — o Gfidoc®.», indicou soluções de gestão documental semelhantes já implementadas anteriormente pela empresa.

1.14) A 01.04.2016 foi elaborado instrumento escrito em papel timbrado da entidade demandada, entretanto publicitado no portal eletrónica da «Vortal» onde se encontrava a ser tramitado o procedimento referido em n com a designação de «Relatório Preliminar», no qual se deixou consignado, além do mais, o seguinte:

1.15) A 12.04.2016 a aqui autora submeteu na plataforma eletrónica da «Vortal», na qual estava a ser tramitado o procedimento referido em ia), um instrumento escrito em papel timbrado da demandante, no qual deixou consignado, além do mais, o seguinte:

«Exmo. Sr. Presidente do Júri do Procedimento

1.16) A 06.05.2016 foi elaborado instrumento escrito em papel timbrado da entidade demandada, entretanto publicitado no portal eletrónica da «Vortal» onde se encontrava a ser tramitado o procedimento referido em ia), com a designação de «Relatório Final», no qual se deixou consignado, além do mais, o seguinte: «[...]

1.17) A 09.05.2016 a aqui autora foi notificada do ato de adjudicação da proposta da contrainteressada, constante de despacho da entidade demandada que aprovou o relatório referido em 1.16).


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2. FACTOS NÃO PROVADOS

Todos os demais, sendo os seguintes com interesse para a decisão a proferir nos presentes autos:

2.1) O integrador de e-mail previsto na proposta da autora não permitia que a correspondência eletrónica entrada no sistema de gestão documental a implementar na entidade demandada pudesse ser integrada automaticamente, sem intervenção manual casuística de operadores humanos.


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2.2. O DIREITO

E, porque pela autora/recorrida veio suscitada a questão da inutilidade da instância recursiva nesta sede de revista, importa começar por apreciar tal questão.

No presente recurso de revista, a recorrente fundamenta a sua discordância em relação ao acórdão recorrido proferido no TCAS em dois (2) fundamentos:

a) Impugnação, por deficiência, da matéria de facto dada como provada [conclusões I. a VIII], que como referido no Acórdão que admitiu a revista, não podem nesta sede ser apreciadas, atento o disposto nos artºs 12º, nº 4 do ETAF e 662º, nº 4 do CPC.

b) Erro de direito [conclusões IX e X] atendendo ao facto de a falta ou deficiente fundamentação da decisão da entidade adjudicante não poder prejudicar a recorrente, especificamente por ser considerada vaga e genérica, quando está em causa a apresentação de um preço anormalmente baixo; ou seja, a revista foi admitida com vista à apreciação da questão emergente da apresentação da proposta da contra-interessada contendo um preço anormalmente baixo e às consequências jurídicas que devem estar associadas a tal, no caso concreto

Vejamos:

Efectivamente o acórdão recorrido, confirmou na íntegra a decisão proferida pelo TAF de Leiria, julgando improcedente o alegado erro de julgamento de facto, por deficiente apreciação da prova documental e testemunhal, quanto à matéria de facto respeitante à declaração de preço da recorrente e quanto à declaração de justificação de preço anormalmente baixo; e mais não fez porque mais não lhe foi pedido pela recorrente.

Porém, a decisão de 1ª instância, havia encontrado dois fundamentos distintos para julgar a acção procedente, e anular o acto da entidade demandada que aprovou o relatório final do júri do procedimento aqui em causa, ou seja, «erro manifesto sobre os pressupostos de facto e violação de preceitos do Caderno de Encargos e do Programa do Concurso, bem como, os artºs 70º e 71º do Código dos Contratos Públicos, tanto no segmento em que não excluiu a proposta da contra-interessada, como na parte em que classificou a proposta da demandante.

Ou seja, para além do fundamento de invalidade da proposta vencedora baseado na justificação do preço anormalmente baixo, existiu igualmente outro fundamento que conduziu à anulação do acto impugnando, que consistiu no facto do tribunal ter entendido que a proposta da autora foi mal validada, padecendo o acto impugnado, nestes pontos, do vício de erro sobre os pressupostos de facto, bem como, de erro grosseiro ou manifesto na avaliação da proposta, além de violar ainda o artº 8º, nº 1 e o Modelo de Avaliação previsto no Anexo I do Programa do Procedimento, já que o modelo de avaliação previamente fixado impunha a atribuição de 1 ponto pelo cumprimento de cada item previsto no ponto 6. do Caderno de Encargos.

E por isso se decidiu «Deve o acto impugnado ser anulado também com este fundamento, assistindo à autora um cômputo de 25 pontos e não apenas de 22».

Ora, este segmento de decisão de invalidade do acto impugnado, que é autónomo e independente do outro, não foi atacado no presente recurso de revista, por parte da recorrente, tendo por isso, transitado em julgado.

Na verdade, esta dupla realidade consta-te dos autos de forma muito clara:

Veja-se o ponto 1.7 da factualidade provada, relativo ao conteúdo da proposta da autora, e o que se decidiu na decisão de 1ª instância, confirmada na íntegra pelo acórdão recorrido e que por não poder ser objecto do presente recurso se mostra transitada.

«3.2. Da observância do ponto 6 da cláusula técnica do C.E.

CI. No modelo de avaliação fixado nas disposições conjugadas do artigo 8.º, n.º 1, e Anexo I do Programa do Procedimento previa-se relativamente ao fator Qualidade um item designado «Outros requisitos, conforme ponto 6. do Caderno de Encargos” cuja avaliação era efetuada do seguinte modo: «Será atribuído 1 ponto por cada item comprovadamente cumprido, no total de 25 pontos» [cf. ponto 1.4) dos factos provados].

CII. O ato impugnado, ao aprovar o relatório final do júri, atribuiu à proposta da autora, neste subfactor, um cômputo de 22 pontos, explicitando que a proposta «[n]ão evidencia[va] os seguintes items: 6.2), j); 6.4 a) b)».

CIII. Aqui, porém, contrariamente ao que deixamos estabelecido a propósito da ferramenta de integração de e-mails, laborou em erro o júri do procedimento.

CIV. Com efeito, no ponto 6.2., j) da cláusula técnica do Caderno de Encargos previa-se a «[p]ossibilidade de introduzir prazos de retenção ao nível dos processos e de colocar prazos mínimos para início dos processos». No ato impugnado não foi atribuída a pontuação de 1 ponto relativamente a este item, no errado pressuposto de que a proposta da autora não contemplava essa possibilidade, mas a verdade é que nada na proposta da autora permite concluir nesse sentido. Pelo contrário, cotejando a proposta da autora, parcialmente reproduzida no ponto 1.7) dos factos provados, constata-se que, logo no item 2 (Descrição da Solução), sub item 2.3. (Outros Requisitos), alínea k), se consignou que «[o] sistema permit[ia] introduzir prazos de retenção ao nível dos processos e de colocar prazos mínimos para início dos processos». Mais adiante, no sub item 2.4.8. (Sistema de Workflow), essa funcionalidade é novamente mencionada e explicitada, sendo ao nível da configuração dos workflows que todos os prazos podem ser definidos e parametrizados (prazos mínimos e máximos por estado, prazos para início de processos, prazos para cada utilizador, prazos para tarefas automáticas, prazos por tipo de processo, entre outros). E a verdade é que o conteúdo da proposta da autora evidencia o cumprimento desta funcionalidade no ponto designado «3.ª Etapa – Configuração do workflow». Por último, no sub item 5.1. (Matriz de Requisitos da Solução de Gestão Documental) do item 5. (Aspetos de Valia Técnica da Proposta) é perfeitamente visível a indicação de “cumpre” relativamente ao requisito “6.2, al. j)”.

CV. Por seu turno, o ato impugnado, considerando que a proposta da autora não demonstrava o cumprimento do ponto 6.4., al. a) («o sistema deve permitir tabelas de selecção automatizadas, com prazos de retenção para cada documento») da cláusula técnica do Caderno de Encargos, também não atribuiu o ponto correspondente porque considerou que a proposta da autora não o evidenciava. Mas também aqui o ato impugnado padece de erro sobre os pressupostos de facto: logo no item 2. (Descrição da Solução), sub item 2.3. (Outros Requisitos), a autora assumira que o sistema permitia tal funcionalidade, reiterando tal asserção mais adiante, no sub item 5.1. (Matriz de Requisitos da Solução de Gestão Documental) do item 5. (Aspetos de Valia Técnica da Proposta), onde é perfeitamente visível a indicação de “cumpre” relativamente ao requisito “6.4, al. a)” do Caderno de Encargos. Mais se verifica que na própria proposta da autora são apresentadas evidências do cumprimento de tal requisito: no item 2.4.1.4. (Caracterização dos Documentos) refere-se explicitamente que as tabelas de seleção automática (árvores taxonómicas) estão associadas aos classificadores dos documentos e/ou processos, e é na ficha do classificador que é possível a definição de prazos de retenção para cada documento e qual o destino final a ser-lhe atribuído (v.gr.: conservação permanente, conservação parcial ou eliminação). Assim, quando no sistema de gestão documental a que aludia a proposta da autora se atribuísse um determinado classificador a um documento e/ou processo, e esse classificador tivesse um prazo (prazo de conservação na fase ativa e prazo de conservação na fase semi ativa) associado, automaticamente o documento e/ou processo ficava com o prazo de retenção e possíveis destinos definidos.

CVI. Do mesmo modo, o ato impugnado também não atribuiu à proposta da autora o ponto correspondente ao cumprimento do item 6.4., al. b) da cláusula técnica do Caderno de Encargos, segundo o qual se exigia que as propostas dos concorrentes previsse a possibilidade de marcar dossier para eliminação. Mas também aqui a proposta da autora foi mal avaliada: logo no item 2. (Descrição da Solução), sub item 2.3. (Outros Requisitos), a autora assumira que o sistema permitia tal funcionalidade, reiterando tal asserção mais adiante, no sub item 5.1. (Matriz de Requisitos da Solução de Gestão Documental) do item 5. (Aspetos de Valia Técnica da Proposta), onde é perfeitamente visível a indicação de “cumpre” relativamente ao requisito “6.4, al. b)” do Caderno de Encargos. Mais decisivamente, no item 1.4 (Principais benefícios do sistema de Gestão Documental) da proposta é expressamente referido que «[a] solução de gestão documental a ser implementada pela B…………. permitir[ia a]umentar a eficiência e eficácia da organização, através de procedimentos de controlo da circulação, armazenamento e eliminação de documentos», o que era possível, como se viu já, através da possibilidade de o classificador de documentos definir que o documento, processo ou dossier, durante o processo de reavaliação arquivística, seja marcado tendo como destino final a sua eliminação. Este processo de eliminação segue igualmente um workflow formal, a ser definido em sede de projeto e segundo as boas práticas arquivísticas, seguindo, para o efeito, a metodologia e regras descritas no item 2.4.8. da proposta.

CVII. Aqui chegados, constatamos que a proposta da autora foi efetivamente mal avaliada, padecendo o ato impugnado, nestes pontos, do vício de erro sobre os pressupostos de facto, bem como de erro grosseiro ou manifesto na avaliação da proposta, além de violar ainda o artigo 8.º, n.º 1, e o Modelo de Avaliação previsto no Anexo I do Programa do Procedimento, já que o modelo de avaliação previamente fixado impunha a atribuição de 1 ponto pelo cumprimento de cada item previsto no ponto 6. do Caderno de Encargos. Deve o ato impugnado ser anulado também com este fundamento, assistindo à autora um cômputo de 25 pontos, e não apenas 22.» (negrito nosso)


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Ora, este fundamento de ilegalidade/invalidade do acto de adjudicação impugnado, julgado procedente, apresenta reflexos nos fundamentos da decisão condenatória, que aqui se transcrevem:

«Ou seja: não existe aqui qualquer discricionariedade avaliativa ou prerrogativa discricionária de classificação: o júri do procedimento limitou-se a verificar, comprovar ou atestar se as propostas cumpriam ou não os atributos fixados nas peças do procedimento, sendo que, em caso afirmativo atribuiu a única pontuação prevista para o preenchimento desse pressuposto (01 ponto, nuns casos, 04 pontos nos outros), e em caso negativo atribuiu 00 pontos. A atividade do júri, por conseguinte, foi a este respeito, não (ou não tanto) avaliadora, mas meramente «certificativa», reduzindo-se a aferir meramente o preenchimento dos itens do Caderno de Encargos. E essa aferição, respeitando a um pressuposto de facto na atribuição de uma classificação estritamente vinculada (0 ou 4, nuns casos; 0 ou 1, noutros), é sindicável. De resto, na própria sentença se deixou estabelecido que à proposta da autora deverão acrescer mais 3 pontos àqueles que lhe foram atribuídos, nada havendo aqui a reconstituir, em boa verdade.
CXIV. Vejamos se pelo mero efeito desta correção no fator qualidade já assiste à autora o direito à adjudicação pretendida.

CXV. Decorre do relatório preliminar (em solução entretanto confirmada pelo relatório final e pelo ato impugnado) [cf. pontos 1.14) e 1.16) dos factos provados] que a proposta da autora, antes mesmo deste acréscimo pontual determinado na presente decisão, já havia sido aquela que tinha obtido melhor classificação no fator qualidade, obtendo um classificação de 87 pontos, no total. Acrescendo a estes os 3 que ora se julgaram ser de atribuir, a classificação da autora no fator qualidade ascende ao cômputo de 90 pontos; e afetando a essa pontuação a ponderação de 60%, a autora obtinha o parcial de 54,00 pontos, em vez dos 52,2 que lhe foram atribuídos pelo júri do procedimento. Ora, acrescendo esse parcial de 54 pontos aos 37,30 obtidos no fator 1 (preço), a autora obtinha uma classificação total de 91,30 pontos, suplantando a proposta da contrainteressada, que obtivera o total de 91,03 pontos.

(…)

CXLIX. Aqui chegados, julgamos assistir à autora a adjudicação pretendida: seja porque a proposta da contrainteressada deveria ter sido excluída por insucesso na justificação de preço contratual situado aquém do limiar de anomalia fixado no Caderno de Encargos; seja porque, independentemente de tal exclusão, a classificação que deveria ter sido atribuída à proposta da autora sempre lhe permitiria suplantar as demais propostas, nos termos estabelecidos adrede.

CL. Como tal, procede in totum a pretensão da demandante, impondo-se, além da anulação do ato impugnado, a condenação da entidade demandada a adjudicar-lhe o contrato, o que se determinará infra em sede de dispositivo.

(…)

VI. DISPOSITIVO

Nestes termos e com os fundamentos expostos, este tribunal decide:

1. julgar procedente a presente ação de contencioso pré-contratual,

e, em consequência,

2. anular, por manifesto erro sobre os pressupostos de facto e violação de preceitos do Caderno de Encargos e do Programa de Concurso, bem como dos artigos 70.º e 71.º do Código dos Contratos Públicos, o ato da entidade demandada que aprovou o relatório final do júri do procedimento adjudicação do Concurso Público Internacional n.º 02/ 2015 –«Aquisição de Serviços para Implementação de um Sistema de Gestão Documental na DGS», tanto no segmento em que não excluiu a proposta da contrainteressada adjudicatária, como na parte em que classificou a proposta da demandante;

3. condenar a entidade demandada a adjudicar a proposta da autora. (negrito e sub. nosso)


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Desta forma, existindo parte do objecto do processo directamente relacionado com a decisão sobre a matéria de facto que, não pode ser conhecida nesta sede de revista, mostrando-se desta forma, consolidada, e que foi determinante da procedência integral da acção, constata-se que - mesmo que o segmento recursivo referente à questão da validade do acto impugnado no fragmento referente à avaliação e aceitação dos esclarecimentos justificativos do preço anormalmente baixo tivesse êxito – tal êxito, nunca seria bastante para alterar a decisão de anulação do acto impugnado, pois restaria sempre o outro fundamento de anulação que se consolidou e transitou.

Verifica-se deste modo, uma inutilidade relativamente à instância recursiva, que conduz ao não conhecimento do objecto do recurso, impondo-se assim, por força do disposto no artº 277º, al. e) do CPC, a extinção da instância recursiva.


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3. DECISÃO

Atento o exposto, não se toma conhecimento do recurso e declara-se a inutilidade da instância recursiva e consequentemente a extinção da referida instância.

Custas a cargo da recorrente.

Lisboa, 28 de Junho de 2018. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) – António Bento São Pedro – José Augusto Araújo Veloso.