Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01284/13.0BELRS 01266/17
Data do Acordão:02/06/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24180
Nº do Documento:SA22019020601284/13
Data de Entrada:11/15/2017
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............, SA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A…………, SA., veio reclamar para a conferência do despacho do relator datado de 27.06.2018, que recusou julgar extinta a instância por a recorrente não ter requerido a remessa dos autos ao TCA-Sul nos termos do disposto no artigo 18º, n.º 2 do CPPT.
Conclui pedindo:
- o despacho do relator de fls. 283 e 284 seja anulado por violação do princípio do contraditório consubstanciado na não notificação à Recorrida do conteúdo do requerimento apresentado pela recorrente AT, e que terá antecedido o despacho sob resposta;
- caso assim não se entenda, subsidiariamente, requer-se a anulação do despacho notificado, com a consequente declaração de extinção da instância, e demais consequências legais, atendendo que a remessa oficiosa pelo STA dos presentes autos para o TCA Sul constitui uma ilegalidade flagrante, e face à caducidade do direito da recorrente AT requerer a remessa do processo ao TCA Sul, direito esse cujo exercício apenas a si competia;
- a admitir-se que o Despacho de 10/04/2018 era de interpretação equívoca, o que se admite por hipótese e dever de patrocínio, deveria ter sido objecto de rectificação pelo Douto Tribunal, nos termos e para os efeitos do artigo 614º, n.º 3 do CPC, por o Douto tribunal ter deixado plasmado em tal decisão mais do que queria e do que legalmente poderia dizer (excesso de pronúncia, porquanto não cabia ao Douto Tribunal pronunciar-se sobre a remessa do processo ao Tribunal Competente), sem prejuízo da declaração de extinção da instância, nos termos já peticionados.

Decidindo, dir-se-á:
O despacho reclamado tem o seguinte teor:
A…………, SA., veio requerer a extinção da instância em virtude de não ter sido requerida expressamente, pela recorrente, a remessa dos autos ao TCA Sul, apesar de os mesmos terem sido para aí remetidos por este Supremo Tribunal.
Invoca em favor da sua pretensão o disposto no artigo 18º, n.º 2 do CPPT.
Ouvida a recorrente a mesma contra-alega no sentido de tal remessa já resultar expressamente do despacho que declarou a incompetência hierárquica, pelo que, sempre seria desnecessário requerimento expresso para o efeito.
Cumpre decidir.
No segmento final da decisão que declarou a incompetência hierárquica escreveu-se: “Termos em que se julga este Supremo Tribunal Administrativo incompetente em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso e em declarar (nº 3 do art. 18° do CPPT) competente o Tribunal Central Administrativo Sul (Secção do Contencioso Tributário), para o qual o processo será oportunamente remetido logo que transitada esta decisão.”.
Dispõe por sua vez o artigo 18º, n.ºs. 1 e 2 do CPPT que, 1 - A decisão judicial da incompetência territorial implica a remessa oficiosa do processo ao tribunal competente no prazo de 48 horas e 2 - Nos restantes casos de incompetência pode o interessado, no prazo de 14 dias a contar da notificação da decisão que a declare, requerer a remessa do processo ao tribunal competente.
Da leitura atenta do segmento transcrito da decisão recorrida e do texto das normas resultantes do artigo 18º, podemos concluir que assiste razão a ambas as partes no que toca às razões por si invocadas, porém não se pode deixar de reconhecer prevalência aos argumentos esgrimidos pela recorrente.
É certo que do texto da decisão pode resultar uma interpretação equívoca, ou seja, lido ao abrigo das regras interpretativas das leis e dos negócios jurídicos, artigos 9º, 236º e 238º do Código Civil, resulta claramente que a remessa dos autos seria efectuada oficiosamente para o tribunal julgado competente, ainda que a recorrente não manifestasse uma vontade expressa nesse sentido.
E sendo esta interpretação equívoca, resultando de uma formulação menos feliz do texto da própria decisão, e não tendo sido requerida qualquer reforma da decisão ou sido interposta a reclamação a que alude o artigo 652º, n.º 3 do CPC, no tocante a tal segmento da decisão, a mesma consolidou-se na ordem jurídica.
Assim, não é possível, agora, face a tal circunstancialismo, imputar à recorrente a omissão de actividade processual para se concluir pela extinção da instância, tal conclusão ofenderia o princípio do processo equitativo a que alude o artigo 20º da CRP.
Improcede, assim, o requerido.
Pelo exposto, indefere-se o requerimento formulado pela recorrida constante de fls. 267 a 272.

Quanto à primeira questão.
Dispõe o artigo 220.º, n.º 2 do CPC, sob a epígrafe “Notificações oficiosas da secretaria” que cumpre ainda à secretaria notificar oficiosamente as partes quando, por virtude da disposição legal, possam responder a requerimentos, oferecer provas ou, de um modo geral, exercer algum direito processual que não dependa de prazo a fixar pelo juiz nem de prévia citação.
Dispõe também o artigo 3º, n.º 3 que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
E por último dispõe o artigo 195.º sob a epígrafe “Regras gerais sobre a nulidade dos atos”:
1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.
2 - Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.
3 - Se o vício de que o ato sofre impedir a produção de determinado efeito, não se têm como necessariamente prejudicados os efeitos para cuja produção o ato se mostre idóneo.
Nos termos do disposto nos preceitos em causa improcede a questão suscitada pela reclamante uma vez que a notificação omitida respeitou à resposta da recorrente apresentada ao requerimento da reclamante para que se declarasse a extinção da instância, ou seja, foi respeitado o princípio do contraditório sendo que a omissão ocorrida -omissão de notificação da resposta- não é susceptível de influir no exame ou decisão da causa. Igualmente não assistia à reclamante o direito de responder à resposta apresentada pela AT, nem estava a secretaria obrigada à notificação oficiosa de tal resposta.
Improcede, assim, a nulidade que vinha invocada.

Quanto à segunda e terceira questões.
A reclamante insurge-se porque no despacho reclamado se entendeu que a decisão que conheceu da incompetência em razão da hierarquia transitou em julgado no segmento em que se ordena a remessa do processo ao TCA Sul e ainda porque deveria ter-se corrigido a decisão sumária em tal segmento.
Na verdade, e como já foi dito no despacho reclamado e como bem se depreende dos argumentos e contra-argumentos esgrimidos a este propósito a questão da remessa dos autos ao tribunal hierarquicamente competente não se assume como um mero lapso material ou erro lógico que possa ser corrigido oficiosamente pelo juiz, incumbindo às partes contra ela reagir, o que não aconteceu.
De facto, trata-se de questão que contende directamente com os direitos processuais (ou a perda deles) das partes e, nessa medida, trata-se de uma questão que contende de forma flagrante com o núcleo essencial de um direito pelo que o que se decida quanto à mesma não pode assumir a natureza de um lapso material ou de escrita.
Por outro lado, tendo-se consignado no despacho que verificou a incompetência hierárquica que os autos seriam remetidos ao TCA logo que transitada a decisão, tal determinação era suficiente para criar a convicção nas partes de que nada mais teriam que requerer no tocante à remessa dos autos ao TCA competente, e efectivamente nada mais requereram e os autos foram remetidos ao TCA.
Ou seja, o modo pelo qual se consignou tal determinação na decisão que julgou a questão da incompetência hierárquica não é compatível com o efeito cominatório extintivo implícito resultante do disposto no artigo 18º, n.º 2 do CPPT, pelo que, não é possível agora julgar extinta a instância do recurso face ao silêncio da recorrente.
Assim, improcede a reclamação que nos vinha dirigida.

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem a secção do contencioso tributário deste Supremo Tribunal em indeferir a reclamação apresentada.
Custas pela reclamante, fixando a t.j. em 3 Ucs
D.n.
Lisboa, 6 de Fevereiro de 2019. – Aragão Seia (relator) – Ascensão Lopes – Ana Paula Lobo.