Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:036/20.5BEPDL
Data do Acordão:02/17/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P27176
Nº do Documento:SA220210217036/20
Data de Entrada:01/18/2021
Recorrente:A......................, LDA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -

1 – A…………………. LDA, com os sinais dos autos, vem, ao abrigo do disposto no artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista excepcional do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 30 de setembro de 2020, que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do TAF de Ponta Delgada que, na reclamação por si deduzida contra o ato de indeferimento tácito que se formou sobre o requerimento de anulação da venda de imóvel, efetuada pelo Serviço de Finanças de Velas no âmbito do processo de execução fiscal n.º 2780201802009710 julgou extinta a ação, por intempestividade do pedido de anulação de venda.

A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

Objeto do recurso

1. Em primeiro lugar, o Tribunal Central Administrativo Sul fez afirmações erradas acerca do que foi e não foi alegado pela A. e Recorrente como fundamento para anulação da venda.

2. Em segundo lugar, no entendimento da A. e Recorrente, mantém-se por julgar corretamente a questão do início da contagem do prazo de que a mesma dispunha para requerer a anulação da venda, ao abrigo do disposto no artigo 257.º n.ºs 1 al. c) e 2 do CPPT: em 29/10/2019 ou em 03/01/2020.

Admissão do recurso

3. O recurso é interposto nos termos do artigo 285.º, n.º 1 do CPPT e pelos dois motivos: relevância jurídica ou social e melhor aplicação do direito.

4. No acórdão recorrido, o Tribunal Central Administrativo Sul fez uma errada interpretação e aplicação, ao caso sub judice, do quadro normativo constante do artigo 257.º, n.ºs 1, al. c) e 2 do CPPT, que regula o prazo de arguição de nulidade da venda em processo executivo tributário.

5. Na verdade, o Tribunal Central Administrativo Sul – na mesma senda do que já havia feito o Tribunal de 1.ª Instância – entendeu que o simples facto de ter sido comunicado ao gerente da Executada, aqui A. e Recorrente, a data de fim do leilão eletrónico ou da venda (28/10/2019) é suficiente para fazer iniciar, a partir dessa data, a contagem do prazo de 15 dias para arguição da nulidade da venda, independentemente de o executado já ter ou não, nessa data, conhecimento do fundamento da nulidade da venda.

6. Ora, a questão em dissídio tem relevância jurídica e social, na medida em que, todos os dias, em Portugal, se realizam centenas de leilões eletrónicos através do Portal das Finanças, em que milhares de pessoas participam, licitando os bens anunciados.

7. Tal matéria goza de relevância jurídica e social fundamental, revelando-se ser possuidora de impacto sociocomunitário em várias dimensões, até pelas consequências que possam ser geradas em decorrência e aplicação concreta da decisão. E trata-se igualmente de matéria dotada de complexidade e cuja elucidação assume relevo jurídico, sendo que a mesma se mostra como suscetível de ser repetível e recolocada em casos futuros, reclamando a necessária intervenção deste Supremo Tribunal Administrativo.

8. Urge, por isso, clarificar se a simples comunicação da data de fim do leilão eletrónico ou, se se quiser, de venda, é, por si só, suficiente para que se inicie a contagem do prazo de 15 dias para se arguir a nulidade da venda, independentemente de o interessado (neste caso, executado) já saber ou não do fundamento dessa nulidade.

9. Se se considerar que é suficiente, concluir-se-á que o Tribunal a quo decidiu bem; se não se considerar suficiente, concluir-se-á que o Tribunal a quo decidiu mal, pelo que, o pedido de anulação da venda do imóvel dos autos foi tempestivamente apresentado pela A. e Recorrente, ali Executada. Por outro lado,

10. O objetivo do presente recurso de revista excecional é obter um consenso em termos de servir de orientação, a executados e proponentes em leilões eletrónicos, a fim de tomarem conhecimento da provável interpretação com que poderão contar, das normas aplicáveis, por forma a obter-se uma melhor aplicação do direito relativo à anulação da venda coerciva em processo de execução fiscal.

11. Importa, assim, que este Supremo Tribunal Administrativo profira uma decisão que clarifique qual o limite temporal em que o executado pode pedir a anulação da venda resultante de leilão eletrónico.

12. Com essa decisão, este Supremo Tribunal Administrativo dará mais um passo no sentido de esclarecer a comunidade quanto a eventuais dúvidas que ainda restem, relativas ao regime jurídico da anulação da venda, contribuindo, assim, para uma certa “uniformização” do entendimento jurisprudencial.

13. Flui do exposto a necessidade de intervenção clarificadora deste Tribunal, e daí que se justifique a admissão da revista.

14. E, a final, se o recurso de revista for apreciado, deverá ser julgado procedente.

Fundamentos do recurso

15. Em primeiro lugar, cumpre esclarecer este Supremo Tribunal de que são erradas as afirmações contidas no acórdão proferido pelo Tribunal a quo, que acima se realçaram e sublinharam na transcrição parcial, e que aqui se reproduzem, por comodidade:

Nesta conformidade, o fundamento invocado para a anulação da venda consubstanciado em falta de notificação da “efetivação da venda” , improcede.

(…)

Dito isto, damos conta de que a recorrente não logrou, em momento algum especificar qual o facto que lhe serve de base ao pedido de anulação da venda, limitando-se, de forma, aliás prolixa, a referir que não teve conhecimento da efetivação da venda.

(…)

Nesta conformidade, o fundamento invocado para a anulação da venda consubstanciado em falta de notificação da “efetivação da venda”, está, também ele, condenado ao insucesso.

16. Ora, ficou claro na PI que o fundamento da anulação da venda realizada no processo de execução fiscal a que respeitam os presentes autos foi a falta de notificação após penhora, da executada, aqui A. e Recorrente, no processo em que se realizou a venda coerciva e nunca a falta de notificação da venda.

17. Mais uma vez, por uma questão de comodidade, transcrevem-se os concretos pontos da PI que referem o fundamento da anulação da venda invocada pela A. e Recorrente:

12. No caso em apreço, não foi dado cumprimento a estas duas normas, na medida em que o Serviço de Finanças não notificou a Requerente do ato de penhora no processo em que a mesma se veio a realizar (n.º 2780201801009710), mas noutro processo (n.º 2780201801007874) em que não ocorreu qualquer venda coerciva.

13. Assim, não foi dado cumprimento às normas do artigo supra citado, isto é, foi omitida notificação após penhora da executada nos termos consagradas no artigo 753.º, n.º 2 e 4 do CPC.

Em segundo lugar,

18. Ora, ficou provado nos autos que em 04/10/2019 o gerente da A. e Recorrente tomou conhecimento de que o leilão eletrónico iria encerrar no dia 28/10/2019.

19. Segundo o raciocínio do Tribunal de 1.ª instância e do Tribunal Central Administrativo Sul, se houve conhecimento da data de fim do leilão eletrónico, isso quer dizer, sem mais, que houve conhecimento da venda, logo, está-se no âmbito da primeira parte da al. c) do n.º 2 do artigo 257.º do CPPT: o prazo [para arguição da nulidade] contar-se-á da data da venda.

20. Isto foi quanto bastou ao Tribunal de 1.ª instância e ao Tribunal Central Administrativo Sul para julgarem extemporâneo o pedido de anulação da venda deduzido pela A. e Recorrente em 10/01/2020.

21. Mas pergunta-se: o mero conhecimento da data de fim de um leilão eletrónico ou de uma venda é suficiente para, automaticamente, se considerar iniciado o prazo de arguição de nulidade dessa mesma venda? E isto, independentemente de o executado conhecer ou não, antes ou na data de fim do leilão eletrónico ou da venda, o fundamento para anulação da venda?

22. No entendimento da A. e Recorrente, uma coisa é saber-se a data de fim do leilão eletrónico; outra coisa distinta é saber-se a data em que ocorreu a venda propriamente dita; e outra coisa ainda mais distinta é conhecer-se o fundamento de anulação de uma venda!

23. Não existe no processo de execução fiscal, nem foi carreado para os autos qualquer comunicação da AT para a A. e Recorrente, comunicando-lhe a efetivação da venda. Assim, a Fazenda Pública não alegou nem provou que, entre 28/10/2019 (data da venda) e 10/01/2020 (data da PI), a aqui A. e Recorrente tivesse sido notificada da venda.

24. O que ficou provado nos autos foi: “posto que chegou ao efetivo conhecimento do gerente que a venda iria ter lugar no dia 28 de outubro de 2019, à luz do disposto no artigo n.º 1 do artigo 41.º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, deve considerar-se que a reclamante foi notificada da data da venda”.

25. A venda iria ter lugar em 28/10/2019 (indicativo condicional). Tratou-se de um mero agendamento/marcação/calendarização. O que queremos dizer é que o Tribunal, em nenhum momento, deu por provado que a A. e Recorrente tomou conhecimento da efetivação da venda, em 28/10/2019.

26. Nem tão pouco resultou dos autos ou ficou dado por provado que a Recorrente tenha sido notificada da apresentação de propostas por interessados, da decisão subsequente que determinou a venda, da específica data em que se realizou a venda ou de quaisquer outros atos subsequentes à notificação do despacho que agendou/marcou/calendarizou a venda.

27. O gerente da A. e Recorrente, quanto muito (sem prescindir), soube que o fim do prazo para as licitações eletrónicas era às 16:30 horas do dia 28/10/2020. Ora, isto não é o mesmo que saber que ocorreu, de facto, a venda.

28. Podia o leilão eletrónico ter ficado deserto. Podiam as propostas eventualmente apresentadas terem ficado abaixo do valor mínimo de venda, ou não ter sido pago o remanescente do preço ou o IMT/Imposto de Selo, no prazo de 15 dias, ou no prazo mais extenso previsto na lei para valores de venda superiores a 500 unidades de conta.

29. A comunicação realizada ao gerente da A. e Recorrente (sem prescindir) em 04/10/2019 apenas informou do agendamento/marcação/calendarização do leilão eletrónico, mas não informou do seu desfecho. E a lei é clara: o prazo de 15 dias para requerer a anulação da venda conta-se da venda ou do conhecimento do facto que serve de fundamento à anulação. Isto é, não se conta da data de fim do leilão eletrónico. São coisas totalmente distintas!

30. Além de a A. e Recorrente não ter sido notificada da venda (mas sim da data de fim do leilão eletrónico), acrescenta-se o seguinte:

31. Conforme se alegou e provou em sede de PI e de resposta à exceção da caducidade, a A. e Recorrente só tomou conhecimento do facto que serviu de fundamento à anulação da venda (falta de notificação após penhora) no momento da receção da certidão emitida pela AT, ocorrida em 03/01/2020 (facto 33 da matéria provada na sentença).

32. Isto significa que a A. e Recorrente só nesse momento (03/01/2020) teve conhecimento simultâneo da venda e do facto que serviu de fundamento à anulação da venda (falta de notificação após penhora no processo em que foi realizada a venda).

33. A nulidade só foi conhecida da A. e Recorrente muito depois da data de fim do leilão eletrónico e da venda, mais precisamente, no dia 03/01/2020, quando teve acesso ao teor do processo n.º 2780201801009710 e se deu conta de que a venda tinha sido realizada no âmbito de processo em que não houve notificação após penhora da A. e Recorrente.

Primeiro:

35. A norma supra citada diz: “O prazo contar-se-á da data da venda ou da que o requerente tome conhecimento do facto que servir de fundamento à anulação, competindo-lhe provar a data desse conhecimento (…)”. Isto é, o legislador usou a palavra “ou” e não a palavra “e”, o que significa que são alternativas e não cumulativas.

36. Porém, a interpretação (errada) que o Tribunal faz da norma é no sentido (inadmissível) da cumulação: a A. e Recorrente sabia da data venda e sabia do fundamento da anulação (sem prescindir), antes de se ter realizado a própria venda(?!).

37. Conforme acima se disse, o gerente da A. e Recorrente, quanto muito (sem prescindir) soube da data de fim do leilão eletrónico, não soube da data da venda. Aliás, nem a própria AT sabia quando iria realizar-se a venda no momento em que comunicou a data de início e de fim do leilão eletrónico ao gerente da A. e Recorrente (sem prescindir).

Segundo:

38. A A. e Recorrente também não soube do facto que serve de fundamento à anulação da venda antes da venda, até porque isso nem sequer é possível!

39. É que, até à data da concretização da venda, a AT ainda podia remeter à A. e Recorrente a notificação após penhora. E, se a AT recebesse propostas no âmbito do leilão eletrónico, podia fazer com que a proposta ganhadora aguardasse até ao fim do decurso do prazo de oposição à penhora, para concretizar a venda ao comprador, através de despacho de adjudicação. Isto é, terminando o leilão eletrónico em 28/10/2019, podia a venda (despacho de adjudicação) aguardar pelo decurso do prazo de oposição à penhora que se seguisse a uma eventual notificação após penhora da Recorrente.

40. Além de que, o Tribunal a quo situa o conhecimento da A. e Recorrente sobre o fundamento que serve de base à anulação da venda em momento anterior à venda, o que é impossível. Como é que a Recorrente pode conhecer o fundamento de anulação de algo que ainda nem sequer aconteceu? O conhecimento do facto que serve de base à anulação de uma venda necessariamente tem que ocorrer depois da venda se concretizar. Venda, não o simples leilão eletrónico!!

41. O legislador, quando afirma que os 15 dias se contam da venda ou do conhecimento do facto que serve fundamento de anulação da venda, quis que este último momento, necessariamente ocorresse posteriormente à venda. Caso contrário teria dito: “O prazo contar-se-á da data que o requerente tome conhecimento do facto que servir de fundamento à anulação ou da venda (…)”.

42. E note-se que, havendo leilão eletrónico, não está ninguém (executado ou proponentes) presente em qualquer ato presencial, como acontece com a abertura de propostas em carta fechada. Pelo que, teria que ter existido uma comunicação à A. e Recorrente do desfecho do leilão eletrónico, e que o mesmo culminou com uma venda, para que, aí sim, a A. e Recorrente pudesse suscitar a anulação da venda.

43. Veja-se o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, de 08-01-2018, proferido no âmbito do proc. n.º 80/12.6TBMAI-C.P1.

44. A situação do acórdão é em tudo semelhante à dos presentes autos, na medida em que:

i) a penhora (nesse caso, de quinhão hereditário) ocorreu em 22/10/2012 e ii) o executado só dela teve conhecimento em 03/01/2013.

45. Considerou aquele Tribunal que o prazo para arguição daquela nulidade ter-se-á iniciado em 03/01/2013 (e não em 22/10/2013).

46. Em conclusão, o Tribunal fez uma errada interpretação do disposto no artigo 257.º, n.º 1, al. c) e n.º 2 do CPPT, que o fez incorrer em erro de julgamento, por errada aplicação do direito aos factos, digno de censura, que justifica a revogação do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, por outro que julgue o pedido de anulação da venda tempestivo, devendo os autos prosseguir os seus normais termos, o que importará que o Tribunal de 1.ª instância aprecie a questão de fundo que é saber se a falta de notificação após penhora ao executado, no âmbito do processo em que se realizou a venda é fundamento de anulação da venda.

Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o recurso ser admitido e julgado procedente por provado e, consequentemente, revogado o acórdão, proferindo-se acórdão que julgue tempestivo o pedido de anulação da venda apresentado pela A. e Recorrente em 10/01/2020, prosseguindo os autos os seus normais termos, até final.

Só assim se fazendo Justiça!

2 – Contra-alegou o contra-interessado B……………., concluindo nos seguintes termos:

1.ª A prática do Supremo Tribunal Administrativo, atendendo à natureza excecional do recurso de revista, é a de negar a revista nos casos em que a decisão recorrida se manteve dentro das soluções plausíveis de Direito, não relevando a existência de erro manifesto ou grosseiro que torne justificável a intervenção do tribunal de revista.

2.ª Não enferma o Acórdão recorrido de qualquer erro de julgamento; muito menos, um erro manifesto ou grosseiro, pois, e como detalhadamente infra se expende, a fundamentação de facto da decisão recorrida no objeto do presente recurso é inatacável; e a fundamentação de direito que é questionada pela Recorrente também não merece qualquer agravo, quanto a nós, mas não oferecerá certamente qualquer erro de julgamento de tal forma evidente e grosseiro que justifique a intervenção desse Supremo Tribunal a favor da correta aplicação do Direito.

3.ª Não poderá, portanto, ser admitido o presente recurso de revista com fundamento na necessidade de correta aplicação do Direito: não só por o Direito estar bem aplicado, como por não existir sequer evidência ou mácula que leve esse Supremo Tribunal a considerar que existe erro grosseiro.

4.ª A Recorrente entende que se reveste o objeto da presente Revista de relevância jurídica ou social, porquanto revela este Recurso de importância fundamental “na medida em que, todos os dias, em Portugal, se realizam centenas de leilões eletrónicos através do Portal das Finanças, em que milhares de pessoas participam, licitando os bens anunciados”.

5.ª Ainda que se desconte o romantismo típico das alegações nesta sede, dirigidas ao juízo necessariamente perfunctório da Formação de Apreciação Preliminar sobre a existência de relevância potencial do objeto da Revista, pretender que o objeto do presente Recurso é universalmente aplicável a “centenas de leilões eletrónicos através do Portal das Finanças, em que milhares de pessoas participam, licitando os bens anunciados”, sem mais, é manifestamente excessivo.

6.ª A conceder na replicabilidade do objeto do presente recurso a casos análogos, do ponto de vista subjetivo, sempre seria restringida às situações em que é arguida a nulidade da venda em processo executivo tributário – um número francamente reduzido de casos, estamos em crer.

7.ª Atendendo à ampla e firmada jurisprudência desse Supremo Tribunal Administrativo sobre a matéria, não vemos qual é a relevância de, em sede de recurso excecional de Revista, se promover a avaliação dessa questão pelo que, também quanto a estas razões, deve ser rejeitada a presente Revista, não se conhecendo do seu objeto

8.ª A anulação da venda só poderia ser requerida, no caso sub judice quanto muito, dentro de “15 dias, nos restantes casos previstos no Código de Processo Civil” (prazo aplicável a título residual) e o mencionado prazo “contar-se-á da data da venda ou da que o requerente tome conhecimento do facto que servir de fundamento à anulação, competindo-lhe provar a data desse conhecimento” (artigo 257.º, n.º 1, al. c) e n.º 2 do CPPT).

9.ª O prazo para requerer a anulação da venda iniciou-se, no caso sub judice, o mais tardar, “na data da venda, que vem a ser o 29 de outubro de 2019 (cfr. 31)” e “o termo final do prazo de quinze dias para pedir a anulação da venda ocorreria, portanto, a 13 de novembro de 2019 (ou o dia 18 do mesmo mês, pela aplicação da regra do artigo 139.º, n.º 5 do Código de Processo Civil)” pelo que o pedido de anulação é intempestivo como decidido pelo Tribunal a quo.

10.ª A circunstância do Tribunal a quo “não” ter dado como provado a data em que a Recorrente “teve conhecimento da efetivação venda (mas sim, sem prescindir, das datas de início e de fim do leilão eletrónico)” é absolutamente irrelevante no caso concreto.

11.ª Se se entende que ónus da prova do conhecimento, a que se alude no n.º 2 do citado artigo 257.º do CPPT, se aplica apenas ao “facto que servir de fundamento à anulação” (segunda parte da disposição legal), e não à da venda (primeira parte da disposição legal), conclui-se que “não releva nesse caso para o início da contagem do prazo a data em que o executado tem conhecimento da concretização da venda” começando o prazo a correr da data da venda ainda que essa data não seja levada ao conhecimento da Executada (como decidido pelo Tribunal a quo e pelo Tribunal Central Administrativo Norte, no acórdão de 12 de abril de 2013, proferido pelo processo n.º 00653/11.4BEPRT, disponível para consulta em www.dgsi.pt)

12.ª Se se entende que ónus da prova do conhecimento que incorre sobre o Executado, a que se alude no n.º 2 do citado artigo 257.º do CPPT, se aplica também à data da venda, cabe concluir que a Reclamante não logrou provar nos presentes autos que só teve conhecimento da venda em 03/01/2020 a partir do teor da certidão que lhe foi entregue nessa data, como veio alegado na Reclamação e no Requerimento a requerer a anulação.

13.ª O que se provou nos presentes autos, pelo contrário, foi que chegou ao efetivo conhecimento do gerente da Reclamante que as propostas de aquisição do imóvel poderia ter lugar até ao dia 28 de outubro de 2019 (“datas de início e de fim do leilão eletrónico”) e que adjudicação do bem iria ter lugar em data subsequente nos termos legais (pontos 24), 25) e 26) da matéria de facto) e, portanto, que a data do conhecimento pelo Reclamante da venda antecedia, em muito, o dia 03/01/2020.

14.ª Tendo sido suscitada uma dúvida razoável ou uma situação de non liquet (cfr. art. 346.º, in fine do CC e 516.º do CPC) pela documental produzida quando à data que foi alegada pela Recorrente como sendo a do conhecimento da venda deve a dúvida resolver-se contra a parte a quem o facto aproveita, isto é, contra a Reclamante, dando-se o mesmo como não provado, pelo que, também com esta argumentação se conclui que, bem andou o Tribunal a quo em julgar a intempestividade procedente.

15.ª O facto que serve de fundamento à anulação, no entender da Recorrente, é a falta de notificação desta, enquanto Executada, no processo n.º 2780201801009710, da qual a Recorrente teve conhecimento em data anterior à data da venda e nada fez.

16.ª Não há dúvida de que, com a notificação que foi efetuada no dia 04/10/2019 ao gerente da Reclamante (pontos 25), 26) e 27) da matéria de facto assente), ficou este ciente que a venda do imóvel se encontrava a ser tramitada no processo n.ºs “2780201801009710 e seguintes” sem que, alegadamente, tivesse a Executada ou o seu gerente sido previamente notificado da penhora nestes processos, pelo que, a partir dessa ocasião começou a correr prazo para reclamar dessa omissão e arguir a irregularidade/nulidade atípica.

17.ª A Reclamante, porém, estando, a partir de 04/10/2019, conhecedora da alegada omissão de notificação, só mais de três meses depois, em 10/01/2019, veio a Recorrente reclamar a alegada irregularidade/nulidade atípica que tal omissão integrava, arrimando-a como suporte de anulação da venda.

18.ª Alega o Reclamante, ora Recorrente, que o Serviço de Finanças de Velas não o notificou do ato de penhora no processo em que a venda se veio a realizar (n.º 2780201801009710), mas noutro processo (n.º 2780201801007874) em que não ocorreu qualquer venda coerciva.

19.ª Decorre das alegações que, no entendimento da Reclamante, ora Recorrente, a preterição da formalidade legal da notificação do ora Reclamante da penhora do bem provoca a nulidade da venda e de todos os atas praticados subsequentemente a esta, nos termos do artigo 195.º do CPC.

20.ª Em abono da verdade, qualquer irregularidade, a existir, resulta apenas da notificação descrita no ponto 14) da matéria considerada provada não fazer alusão expressa ao processo n.º 2780201801009710, apenas se referindo a este processo e aos demais, totalizando um valor em dívida de 431.096,37 €, com a expressão “e seguintes”.

21.ª Salvo o devido respeito, e, como bem reconhece o representante da Reclamante, o mesmo foi notificado através de ofício com assunto "citação após penhora" no qual se indicou a existência de penhora realizada ao prédio sito na freguesia de São Sebastião inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 4263 e, nesse mesmo ofício, verifica-se que há a identificação clara de que a referida penhora é relativa ao processo de Execução Fiscal n.º “2780201801007874 e seguintes”, para pagamento do valor de € 431.096,37 e acrescidos (ponto 14) da matéria considerada provada).

22.ª A notificação efetuada não só continha a indicação de que estava em causa o Processo de Execução Fiscal n.º “2780201801007874”, como estavam igualmente em causa os processos de execução fiscal “seguintes" a este e que a quantia apresentada na notificação, a ser amortecida com a penhora do referido bem, correspondia à soma das quantias exequendas de todos os Processos de Execução Fiscal que foram notificados ao Exequente ao longo dos tempos, incluindo o tal Processo de Execução Fiscal n.º 2780201801009710 (pontos 4), 5), 6) 7), 8), 9), 10), 12) e 14) da matéria de facto).

23.ª O Reclamante e o respetivo gerente tinham um perfeito conhecimento de todos os Processos de Execução Fiscal que contra si corriam assim como das suas quantias exequendas uma vez que foram realizadas as citações pessoais e emitidos os Documentos Únicos de Cobrança (DUC) para pagamento das mesmas (pontos 4), 5), 6) 7), 8), 9), 10), 12) e 14) da matéria de facto).

24.ª O Reclamante e o respetivo gerente, portanto, sabiam e não podiam ignorar que a quantia exequenda do Processo de Execução Fiscal n.º 2780201801007874 não perfazia, por si só, o montante de € 431.096,37, porquanto a mesma é de € 128 412,64 (pontos 4), 5), 6) 7), 8), 9), 10), 12) e 14) da matéria de facto).

25.ª Assim sendo, agindo com a devida diligência (artigo 199.º, n.º 1 in fine) e de acordo com o n.º 1 do artigo 785.º do CPC, o executado poderia ter apresentado o requerimento de oposição à penhora no prazo de dez dias a contar da notificação do ato da penhora, arguindo tal irregularidade da notificação nos termos gerais dos artigos 149.º e 195.º, n.º 1 do CPC, ou, caso se considere aplicável à notificação da penhora o regime mais exigente da nulidade da citação (como fez o Tribunal a quo), nos termos do artigo 276.º do CPPT e do artigo 191.º, n.º 1 e 2 do CPC.

26.ª O Reclamante, porém, nada fez, deixando que os processos n.ºs 2780201801009710 e “seguintes” fossem objeto dos trâmites subsequentes até que foi realizada a venda do imóvel pelo que a alegada irregularidade da notificação – a referência genérica aos “seguintes” para fazer alusão, entre outros, ao processo n.º 2780201801009710 –, a existir como alegado, sanou-se por falta de arguição tempestiva no prazo de 10 dias, quer-se se aplique aqui o prazo de 10 dias do artigo 276.º do CPPT e 191.º n.º 2 do CPC ou o prazo geral de 10 dias previsto nos artigos 149.º e 199.º do CPC.

27.ª Consequentemente, não há também qualquer prejuízo para a relação jurídica contenciosa e nulidade secundária que anule a venda oficiosa n.º 2780.2019.11 e todos os atos subsequentemente praticados (artigo 195.º CPC), pelo que, bem andou, portanto, o Tribunal a quo ao concluir “O prazo para pedir a anulação de venda tem o seu início, na data da venda, ou na data em que o requerente tome conhecimento de um qualquer facto que possa servir de base à anulação da venda, esses factos encontram-se enunciados no CPC, conforme expressamente se refere na alínea c) do n.º 1 do artigo 257.º do CPPT”.

28.ª De acordo com o n.º 1 do artigo 636.º do CPC, no caso de pluralidade de fundamentos da defesa, “o tribunal de recurso conhece do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respetiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação e pode ainda, de acordo com o n.º 2 da mesma disposição legal, “o recorrido, na respetiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas”.

29.ª O Reclamante, para substanciar o pedido de anulação alega, sumariamente, que “o Serviço de Finanças de Velas não notificou a ora Reclamante do ato de penhora no processo em que a mesma se veio a realizar [n.º 2780201009710], mas noutro processo [n.º 2780201801007874] em que não ocorreu qualquer venda coerciva" (cfr. pedido de anulação a fls… no processo de execução), sendo esse o facto que serve de “fundamento à anulação” nos termos do n.º 2 do citado artigo 257.º do CPPT.

30.ª O gerente da Reclamante (e, da mesma maneira, aos sócios desta) desde pelo menos os dias 09/09/2019 e 10/09/2019 que tinham conhecimento e não podiam ignorar que a imóvel se encontrava penhorado no âmbito dos processos n.ºs “2780201801007874 e seguintes” (pontos 2), 3) 14), 16) e 17) da matéria de facto assente).

31.ª Do mesmo modo, o Reclamante, desde pelo menos desde o dia 30/09/2019 que tinha conhecimento e não podia ignorar que a imóvel se encontrava penhorado no âmbito dos processos n.ºs “2780201801007874 e seguintes” (pontos 22) e 23) da matéria de facto assente).

32.ª O gerente da Reclamante (e, da mesma maneira, um dos sócios desta) desde pelo menos o dia 04/10/2019 que tinham perfeito conhecimento e não podiam ignorar que a venda do imóvel se encontrava a ser preparada e tramitada (com leilão agendado) no âmbito dos processos n.ºs “278020180100710 e seguintes” e que, não obstante, alegadamente, na malograda tese da Reclamante, “nenhuma notificação da penhora tinha sido efetuada neste processo” em data prévia e anterior ao pré-agendado leilão eletrónico (pontos 24), 25), 26 e 27) da matéria de facto assente).

33.ª O Reclamante alega, apesar disso, com um total despudor, que, no caso concreto, só tomou conhecimento do facto que serviu de fundamento à anulação da venda com a receção da certidão emitida pelo Serviço de Finanças de Velas, a 03/01/2020 (contrariando o que consta provado nos pontos 24), 25), 26 e 27) da matéria de facto assente).

34.ª Se no entender do Reclamante, o facto que serve de fundamento à anulação é a falta de notificação deste último processo n.º 2780201801009710, após a penhora, a verdade é que teve conhecimento dessa emissão de notificação bem antes da data da venda (pelo menos no dia 04/10/2019) e nada fez.

35.ª Nos termos do n.º 2 do artigo 197.º do CPC “não pode arguir a nulidade a parte que lhe deu causa ou que, expressa ou tacitamente, renunciou à arguição” e “o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência” (cfr. artigo 199.º, n.º 1 do CPC).

36.ª Assim sendo, perante uma omissão que integre a nulidade atípica prevista no art.º 195.º do CPC deve o interessado na prática do ato omitido, sob pena de aquela se vir sanar no decêndio posterior à data em que dela teve conhecimento, arguir, nesse mesmo prazo, a alegada nulidade “quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência” (artºs 196.º, 2ª parte; 197.º; 199.º, nº 1 do CPC).

37.ª A arguição de nulidade que nos ocupa que, na desrazoável tese da Reclamante, arrastaria a [in]validade da venda (cfr. artigo 839.º, n.º 1, al. c) do CPC aplicável ex vi da al. c) do n.º 1 do art. 257.º do CPPT), tem por base uma alegada omissão de notificação da penhora ao Reclamante no processo n.º 2780201801009710 da qual o gerente da Reclamante (e, da mesma maneira, um dos sócios desta), agindo com a devida diligência”, dela tomaria conhecimento, pelo menos, desde o dia 04/10/2019.

38.ª Não há dúvida de que, com a notificação que foi efetuada ao gerente da Reclamante, e a um dos sócio desta, no dia 04/10/2019, ficaram todos eles cientes que a venda do imóvel estava a ser tramitada no processo “2780201801009710 e seguintes” sem que os mesmos tivessem sido, alegadamente, previamente notificados da penhora neste processo, pelo que, a partir dessa ocasião começou a correr prazo para reclamar dessa omissão e arguir a invocada nulidade atípica.

39.ª A partir do dia 04/10/2019, a Reclamante, “agindo com a devida diligência” era conhecedora da alegada omissão que consistia na falta de notificação, mas só mais três meses depois, em 10/01/2019, veio a reclamar a alegada nulidade que tal omissão integrava, arrimando-a como suporte de anulação da venda.

40.ª Só que, nessa ocasião, estava já sanada a nulidade, como se concluiu por exemplo, mutatis mutandis, no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15/03/2011, proferido no processo n.º 3113/03.3TBLRA-C.C1 (publicado em www.dgsi.pt) pois que, a partir de 04/10/2019, já havia decorrido o prazo a que se reportam os arts. 153.º e 199.º do CPC.

41.ª Tendo presente que a alegada irregularidade que justificou o pedido de anulação da venda foi alegada intempestivamente (em 10/01/2020), num momento em que se deve considerar sanado o vício que a fundamenta por ter decorrido, sem que dela se se tivesse reclamado, o decêndio posterior à data, em que dela teve conhecimento, “agindo com a devida diligência (artºs 196.º, 2ª parte; 197.º; 199.º, nº 1 do CPC), ainda com fundamentação legal ligeiramente diferente daquela que foi sustentada pelo Tribunal a quo, é manifesto concluir que o pedido de anulação deveria ser indeferido e, consequentemente, a presente reclamação considerada improcedente.

42.ª O que se invoca de acordo com os n.ºs 1 e 2 do artigo 636.º do CPC, a título subsidiário, prevenindo a necessidade da sua apreciação, arguindo-se ainda a respetiva nulidade da decisão impugnada, nos termos e para os efeitos da al. d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi da al. c) do n.º 1 do artigo 674.º do mesmo Código, por não ter o Tribunal a quo conhecido de argumentação nos exatos e precisos termos que foram alegados pelo Recorrido nos artigos 28.º a 48.º da sua Oposição.

Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, não deverá a presente revista ser admitida, ou, caso assim não se considere, deverá ser negado provimento ao recurso apresentado pela Reclamante do Acórdão proferido pelo Tribunal a quo, em 30 de setembro de 2020, com todas as devidas consequências legais, só assim se fazendo o que é de Lei…… e de JUSTIÇA!

3 - A Excelentíssima Magistrada do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal emitiu parecer no sentido da não admissão da revista.

4 – Dá-se por reproduzido, para todos os efeitos legais, o probatório fixado no acórdão recorrido (fls. 24 a 34 da respectiva numeração autónoma):

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir da admissibilidade do recurso.


- Fundamentação -

5 – Apreciando.

5.1 Dos pressupostos legais do recurso de revista.

O presente recurso foi interposto e admitido como recurso de revista, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do CPPT.

Dispõe o artigo 285.º do CPPT, na redacção vigente, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:

1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.

3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.

4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

5 – Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.

6 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.

E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.

O acórdão do TCA-Sul sindicado nos presentes autos negou provimento ao recurso da sentença do TAF de Ponto Delgada que, na reclamação por si deduzida contra o ato de indeferimento tácito que se formou sobre o requerimento de anulação da venda de imóvel, julgou extinta a ação, por intempestividade do pedido de anulação de venda.

O acórdão sindicado julgou improcedente a alegada nulidade da sentença por alegada “falta de fundamentação de facto” - consistente no facto de ter julgado extemporâneo o pedido de anulação da venda sem ter dado como provado que a Recorrente teve conhecimento da efectivação da venda ou do facto que serve de fundamento à anulação da venda em 28/10/2019 -, e bem assim o erro de julgamento de facto imputado pelo recorrente à sentença, neste caso face à falta de comprimento do ónus (de impugnação especificada da matéria de facto – art. 640.º do CPC), desde logo, quanto à falta de indicação de meios probatórios constantes do processo (cfr. fls. 40 do acórdão). Consignou-se ainda no acórdão sindicado o seguinte (fls. 40/41 do acórdão):

Sendo certo que a modalidade escolhida para a venda do imóvel foi a que se refere na primeira parte do n.º 1 do artigo 248.º do CPP, como sendo a “preferencial”, ou seja, o leilão eletrónico.

Nesta modalidade, o conhecimento de todo o processo de venda é assegurado pela plataforma eletrónica que disponibiliza a consulta dos anúncios de venda e da evolução do leilão, conforme se encontra regulado no artigo 3.º da Portaria n.º 219/2011, de 1 de junho, que aprova os procedimentos e especificações técnicas a observar na realização da venda de bens penhorados em processo de execução fiscal através de venda judicial.

Consequentemente a mera consulta no Portal das Finanças (www.portaldasfinancas.gov.pt), permite saber qual o dia e hora do encerramento do leilão, até ao qual podem ser apresentadas as propostas de aquisição, e da decisão sobre a adjudicação dos bens (cfr. artigos 5.º, n.º 1, e 6.º, n.º 1, da referida Portaria), situação que, no caso em apreço foi dado a conhecer à sociedade executada, aqui recorrente pelo oficio n.º 537 – cfr. ponto 25 e 26 do probatório – donde ressalta expressamente que: “A presente comunicação não dispensa o acompanhamento deste processo por consulta do site do Portal das Finanças, www.portadasfinanças.gov.pt”.

Em suma, estando em causa a modalidade de venda por leilão eletrónico, não se impunha à entidade exequente qualquer notificação e, diga-se em desabono da tese da recorrente, que esta informação lhe foi comunicada no próprio edital / anúncio de venda que lhe foi remetido em 30/09/2019, pelo SF de Velas através do ofício n.º 537, nos seguintes termos:

“A presente comunicação não dispensa o acompanhamento deste processo por consulta do site do Portal das Finanças, www.portadasfinanças.gov.pt” (cfr. Resposta (45956) Documento(s) (004221713) Pág. 1 a 5 de 18/05/2020 16:36:18).” – (ponto 25) e 26) do probatório)

Nesta conformidade, o fundamento invocado para a anulação da venda consubstanciado em falta de notificação da “efetivação da venda”, improcede.

Vejamos agora se a decisão objeto do presente recurso errou no julgamento de direito com a interpretação que faz no n.º 2 do artigo 257.º do CPPT.

Não se questiona o prazo em que, neste caso a anulação deve ser requerida (15 dias), o que se questiona é o marco temporal inicial de referência à contagem desse prazo.

A este respeito enuncia a norma em conflito que, “[O]o prazo contar-se-á da data da venda ou da que o requerente tome conhecimento do facto que servir de fundamento à anulação, competindo-lhe provar a data desse conhecimento, …”

Alega a recorrente que “… o legislador usou a palavra "ou" e não a palavra "e", o que significa que são alternativas e não cumulativas.”, e tem razão, porém não significa isso que se trate de uma possibilidade de escolha para o apelante, o que significa é que o prazo para pedir a anulação de venda tem o seu início, na data da venda, ou na data em que o requerente tome conhecimento de um qualquer facto que possa servir de base à anulação da venda. Esses factos encontram-se enunciados no CPC, conforme expressamente se refere na alínea c) do n.º 1 do artigo 257.º do CPPT “[D]de 15 dias, nos restantes casos previstos no Código de processo Civil” (vide neste sentido Jorge Lopes de Sousa in CPP Anotado e Comentado - IV Volume - 6.ª Edição 2011 em anotação 3., ao artigo 257.º, pág. 176 e seguintes).

Dito isto, damos conta de que a recorrente não logrou, em momento algum especificar qual o facto que lhe serve de base ao pedido de anulação da venda, limitando-se, de forma, aliás prolixa, a referir que não teve conhecimento da efetivação da venda.

Ora, tal como resulta do probatório (pontos 24), 25) e 26) e se mostra referido na sentença recorrida e aqui repetimos, a reclamante tomou conhecimento da data da venda, por carta registada com aviso de recção que foi assinado em 04/10/2019.

Assim e porque a venda ocorreu em 28/10/2019, significa que o pedido de anulação de venda apresentado no serviço de finanças de Velas em 10/01/2020 (ponto 34 do probatório) excedeu em muito o prazo legalmente previsto para o efeito (15 dias contados da data da venda) - artigo 257.º n.º 1 al. c) e n.º 2 do CPPT.

Nesta conformidade, o fundamento invocado para a anulação da venda consubstanciado em falta de notificação da “efetivação da venda”, está, também ele, condenado ao insucesso.

Termos em que não assiste razão à recorrente. (destacados nossos).

Do decidido requer a recorrente revista, alegando que no acórdão recorrido, o Tribunal Central Administrativo Sul fez uma errada interpretação e aplicação, ao caso sub judice, do quadro normativo constante do artigo 257.º, n.ºs 1, al. c) e 2 do CPPT, que regula o prazo de arguição de nulidade da venda em processo executivo tributário, que a questão em dissídio tem relevância jurídica e social, na medida em que, todos os dias, em Portugal, se realizam centenas de leilões eletrónicos através do Portal das Finanças, em que milhares de pessoas participam, licitando os bens anunciados e que tal matéria goza de relevância jurídica e social fundamental, revelando-se ser possuidora de impacto sociocomunitário em várias dimensões, até pelas consequências que possam ser geradas em decorrência e aplicação concreta da decisão. E trata-se igualmente de matéria dotada de complexidade e cuja elucidação assume relevo jurídico, sendo que a mesma se mostra como suscetível de ser repetível e recolocada em casos futuros, reclamando a necessária intervenção deste Supremo Tribunal Administrativo.

Salvo o devido respeito, não se vê que a questão colocada revista complexidade ou novidade justifica da admissão da revista ou que a decisão sindicada seja manifestamente errada ou juridicamente insustentável, justificativa da revista para melhor aplicação do Direito. O que está em causa, nos autos, não é, parece-nos, qualquer dificuldade interpretativa da norma do artigo 257.º do CPC, que, quanto ao termo inicial dos prazos de contagem da arguição da nulidade da venda é suficientemente claro, antes os factos levados ao probatório e os juízos de facto retiradas pelas instâncias do probatório fixado.

Ora, como é sabido, por expressa determinação legal, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (artigo 285.º n.º 4 do CPPT).

Não se vê, pois, razão que fundamente ou justifique a admissão da revista, pelo que esta não será admitida.

- Decisão -

6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso de revista, por não se mostrarem preenchidos os respectivos pressupostos legais.

Custas do incidente pela recorrente,

Lisboa, 17 de Fevereiro de 2021. - Isabel Marques da Silva (Relatora) - Francisco Rothes - Aragão Seia.