Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01295/15.0BEPRT
Data do Acordão:01/25/2023
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P30493
Nº do Documento:SA22023012501295/15
Data de Entrada:10/24/2022
Recorrente:C..., S.A.R.L.
Recorrido 1:AT- AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 1295/15.0BEPRT

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade acima identificada recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida, após indeferimento do recurso hierárquico deduzido a decisão que indeferiu a reclamação graciosa, contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e dos correspondentes juros compensatórios relativamente aos anos de 2010 e 2011, que lhe foram efectuadas por a AT ter considerado que era devido imposto relativamente às comissões recebidas pela sociedade sobre as vendas em leilão dos bens que lhe foram dados em penhor no âmbito do exercício da sua actividade de prestamista (actividade de mútuo garantido por penhor), em caso de incumprimento do contrato de mútuo.

1.2 Com o requerimento de interposição do recurso, a Recorrente apresentou as alegações, com conclusões do seguinte teor:

«1.ª O contrato de mútuo garantido por penhor regulado pelo DL 365/99 é um contrato típico ou nominado de regime imperativo, isto é, não sujeito na sua conformação ao mero princípio da autonomia da vontade e que se estrutura e assemelha ao que no domínio do direito civil se denomina de “contratos mistos” ou, eventualmente, “contratos coligados”, mas cujo teor resulta não da liberdade das partes, mas da lei.

2.ª No puro domínio da liberdade contratual, aplicável por argumento a pari, a jurisprudência vem sendo pacífica no sentido de considerar este tipo de contratos (quer os mistos, quer os coligados) como uma unidade e como tal devendo ser tratados, embora seja possível identificar no contrato os elementos dos vários tipos contratuais (mantendo a “individualidade própria” de cada tipo). Cf., entre outros, acórdão de 18-07-2007 do TRC, proc. N.º 22/06.8TBSBG.C1 (Rel., Jorge Arcanjo).

3.ª Assim sendo, não é possível de todo autonomizar o contrato de mútuo do contrato de penhor, nem separar as operações em que a garantia em causa se realiza nos termos da sua conformação legislativa. O contrato em causa aqui vem configurado por lei e inclui nessa configuração, como parte do mesmo, o procedimento de venda em leilão. Deste modo, não está correcto dizer que «venda em leilão não faz parte do contrato de mútuo garantido por penhor».

4.ª Mais do que uma isenção com base na referida alínea b), não existe qualquer lei que tribute a operação em questão atendendo mesmo à sua natureza.

5.ª A comissão de 11% prevista no art. 25.º do DL n.º 365/99 tem a natureza de uma taxa e não de uma contrapartida por prestação de serviços.

6.ª A razão de ser desta taxa é a mesma que a taxa prevista no art. 199.º/5 CPTT para a execução fiscal. Também aqui, tal como na venda em leilão regulada pelo DL 365/99, o legislador ficcionou um valor para introduzir um elemento de equidade na medida em que uma execução fiscal e uma operação de venda em leilão pelos prestamistas implica toda uma burocracia e encargos que importa compensar. Para a execução a ficção resultou numa taxa de 25% (Art. 199.º/5 CPTT) a acrescer à quantia exequenda; para a venda em leilão por prestamista, 11%.
Como se diz na p.i., sustentando a posição expressa no douto Parecer Jurídico subscrito pelos Exmos. Senhores Professores: Jónatas Eduardo Machado, Paulo Nogueira da Costa e João Nogueira de Almeida que se encontra no processo administrativo, aqui o facto tributário é a transmissão do bem dado em penhor, e não qualquer serviço de intermediação tendente à concretização da venda.

7.ª A Impugnante não é prestadora de serviços nas vendas em execução das garantias.

8.ª A Impugnante não actua ao serviço ou por mandato e no interesse de um qualquer mandante tendo como dever fazê-lo, ao que corresponderia o seu direito a uma contraprestação. Não existe no caso dos encargos (taxa de venda) com a venda executiva, uma onerosidade, isto é a exigência de uma contraprestação devida ao “principal” ou “mandante”, ou dono da coisa, e tal exigência e contraprestação não existem.

9.ª O Tribunal a quo faz uma errada qualificação da “comissão de venda” prevista no art. 25.º da DL 365/99, e ofende o princípio da legalidade/tipicidade dos Impostos, fazendo uma incorrecta interpretação e aplicação dos artigos 4.º/1 e 18.º/1, alínea c), do CIVA uma vez que a operação não é uma “prestação de serviços”, nem a taxa de venda é uma contraprestação de serviços.

10.ª Quanto aos juros indemnizatórios, os mesmos têm natureza indemnizatória, pelo que cabia à AT o ónus da alegação e fundamentação da culpa da ora Recorrente, não sendo legalmente possível um responsabilidade e imputação meramente objectiva.

11.ª A AT não alegou nem fundamentou a liquidação e cobrança de juros indemnizatórios.

12.ª Sendo certo que não cabia à Recorrente qualquer ónus de não prova de culpa, a verdade é que resulta do processo objectivamente que o próprio inspector da AT apercebe-se e regista no Relatório o comportamento correto do SP à luz das suas valorações, ainda que (alegadamente) erradas. Ou seja, o Reclamante é cumpridor e se não liquidou o imposto é porque teve um entendimento que lhe pareceu correto do enquadramento fiscal e não se lhe ofereceram dúvidas quanto a isso. Veja-se a respeito, os acórdãos do STA de 16-03-94, recurso n.º 16211 e de 18-02-98, recurso n.º 22325: «A imputabilidade referida na lei não se basta com a mera ligação objectiva do facto ao contribuinte (…) comportando ainda um juízo subjectivo consistente na atribuição ou imputação da falta de cumprimento à vontade do agente, de forma a poder formular-se a respeito da sua conduta, um juízo de censura, numa palavra, a culpa. Tal imputabilidade não se verifica se o retardamento da liquidação (…) resulta de simples divergência, não culposa, de critérios quanto à qualificação de determinadas verbas como custos».

13.ª A liquidação e cobrança de juros indemnizatórios incorreu, pois, em vício de falta de fundamentação incorrendo tais liquidações e cobrança na sanção de anulabilidade, pelo que também aqui a sentença esteve mal na aplicação do Direito.

Nestes termos

Deve a presente impugnação merecer inteiro provimento com as demais consequências, pois assim se fará JUSTIÇA!».

1.3 A AT não apresentou contra-alegações.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e a Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento. Isto, após enunciar os termos da questão, com os seguintes fundamentos: «[…]

No caso em apreço está em causa a não liquidação do IVA sobre a taxa de 11% a título de comissão sobre a venda que incide sobre o preço de adjudicação e que reverte a favor do prestamista nos termos do diploma atrás citado, sendo paga pelo mutuário.
Da análise do DL 365/99 de 17 de Setembro verifica-se que são impostas obrigações ao prestamista com vista à realização da venda, no caso de incumprimento do contrato, constando do preâmbulo do DL 365/99 de 17 de Setembro, nomeadamente, que:
…Parece, assim, necessário proceder à revisão do regime jurídico do acesso, do exercício e da fiscalização desta actividade face à alteração da natureza jurídica da ..., por forma a atribuir as referidas funções de fiscalização a uma entidade pública, bem como a clarificar e tornar mais transparente toda uma actividade que carece há muito de adequada e actual regulamentação e fiscalização.
Considerando, igualmente, o quadro do ilícito de mera ordenação social, consagrado no Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, importa, também, proceder à actualização do regime da fiscalização e do sancionamento dos ilícitos da actividade prestamista.
Acresce que afigura-se necessário adequar a venda das coisas dadas de penhor ao regime da venda estabelecido no âmbito dos processos de execução fiscal e cível, com o objectivo de alcançar um rápido escoamento dos objectos em benefício do prestamista e do mutuário, bem como de fazer com que outras pessoas não ligadas à actividade, designadamente particulares, passem a licitar os objectos a vender…
”.
Visando a regulamentação prevista no citado Decreto-Lei “adequar a venda das coisas dadas de penhor ao regime da venda estabelecido no âmbito dos processos de execução fiscal e cível, com o objectivo de alcançar um rápido escoamento dos objectos em benefício do prestamista e do mutuário”, concluímos, salvo melhor juízo, que a operação de promoção da venda a cargo do prestamista é uma actividade conexa com a actividade principal pelo que estando esta abrangida pela isenção também aquela estará.
Assinala-se que no caso em análise está em causa operação de promoção da venda e não de cobrança.
Por outro lado, a taxa em causa fixada no diploma legal atrás citado visará a compensação dos encargos com a promoção da venda pelo que, também por esta banda, não se vislumbra que possa ser tributada em IVA.
Em consequência, salvo melhor juízo, incorreu em erro de julgamento a douta a sentença recorrida, ficando assim prejudicada a apreciação do outro vício invocado».

1.5 Cumpre apreciar e decidir se a sentença fez correcto julgamento quando considerou que, no caso dos bens dados a penhor serem vendidos em leilão, incidia IVA sobre a comissão de venda auferida pelo prestamista.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

2.1.1 A sentença deu como provados os seguintes factos:

«1. A sociedade impugnante, C..., S.A.R.L. (C...), iniciou a sua actividade de “outras actividades de crédito” a que corresponde o CAE 64923 em 07.10.1931, sendo que a actividade por si desenvolvida consiste essencialmente, “na concessão de empréstimos garantidos por penhor, no caso, artigos em ouro, prata e relógio. Como consequência da actividade principal de prestamista, dedica-se à venda de artefactos usados adjudicados em leilão promovido pelo próprio, quando os mutuários não resgatam os artigos e se encontram em mora no pagamento dos juros respectivos. Uma parte da existência assim adquirida é afecta ao comércio a retalho (artigos usados de ouro, prata, joalharia e relógios) possuindo para o efeito uma ourivesaria, a restante é vendida quase em exclusivo a um único cliente” – cf. relatório de inspecção tributária, página 7, constante de fls. 12 e seguintes do processo administrativo apenso aos autos;

2. A sociedade impugnante é uma sociedade anónima, de responsabilidade limitada (SARL), com o capital de € 175.000,00, cujo conselho de administração é composto por AA, BB e CC, sendo o conselho fiscal presidido por DD, revisora oficial de contas – cf. página 7 do relatório de inspecção tributária, constante de fls. 12 e seguintes do processo administrativo apenso aos autos;

3. A sociedade, enquanto Sujeito Passivo de imposto encontra-se enquadrada, para efeito de IVA no regime normal de periodicidade trimestral no ano de 2010 e de periodicidade mensal em 2011 e IRC no regime geral de tributação, sendo o lucro tributável determinado nos termos dos artigos 17.º e seguintes do CIRC – cf. página 7 do relatório de inspecção tributária constante de fls. 12 e seguintes do processo administrativo apenso aos autos;

4. No âmbito do procedimento inspectivo credenciado pela OI101102076 efetuado à impugnante foram detectadas situações que deram origem a correcções em sede de IVA de IRC quanto aos exercícios de 2008 e 2009, as quais se mantinham presentes quanto aos anos de 2010 e 2011, pelo que foi emitida a OI201205931 que originou um procedimento de inspecção externa, de âmbito geral, com incidência temporal referente ao anos de 2010 e 2011 – cf. páginas 6 e 7 do relatório de inspecção tributária, constante de fls. 12 e seguintes do processo administrativo apenso aos autos;

5. Do relatório de inspecção tributária, resulta:
«III – descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável
A. IVA - Imposto sobre o Valor Acrescentado
1.Vendas dos artigos adjudicados em leilão
Quando os mutuários não procedem ao resgate dos artigos dados em penhor e em caso de mora no pagamento de juros superior a três meses, os artigos são vendidos por meio de proposta em carta fechada.
A C... apresenta sempre uma proposta de compra, regra geral, superior ao valor residual 1[1Valor residual = valor do empréstimo líquido de eventuais amortizações] entre 10% a 30% (30% nos anos em análise), o que lhe tem permitido sempre adjudicar o leilão.
É neste momento que a C... entra em posse dos artigos e os transfere de uma conta de terceiros para a conta 3212 – mercadorias – leilão.
A C..., agora na qualidade de proprietário dos bens, afecta/vende as existências de 4 formas distintas, a saber:
§ Os artigos considerados vendáveis são afectos a uma loja (vulgo ourivesaria) de venda ao público, pertença da C..., pelo preço adjudicado. As vendas efetuadas na loja são enquadradas pelo prestamista como operações sujeitas a IVA no âmbito do regime especial de bens em segunda mão previsto no Decreto-Lei 199/96 de 18.10;
§ Os artigos são cedidos ao anterior proprietário dos bens – o mutuário (ao que o prestamista chama cedências), operação que o prestamista sujeita a IVA pelo regime de bens em 2.ª mão;
§ Quando o anterior proprietário dos bens (“mutuário”) solicita ao prestamista tempo para a recuperação desses mesmos bens, os artigos ficam em existências (situação que o prestamista designa de esperados);
§ Venda das existências propriamente dita, sem qualquer transformação, com destino, regra geral, a um único cliente, no caso a empresa N..., S. A. … doravante designada apenas por N...
Do exposto resulta que, a C... apenas sujeita a IVA as operações de venda de existências pela ourivesaria e as operações designadas por “cedências”, aplicando para o efeito o citado regime especial dos bens em segunda mão.
No que respeita às operações com o cliente N..., importa referir o seguinte:
§ As vendas encontram-se suportadas por Vendas a Dinheiro pré-impressas e manualmente preenchidas com a descrição de “sucata de ouro e preta c/ pedras, vários teores e chaços de prata”;
§ Nos documentos analisados não consta qualquer menção do motivo justificativo da não liquidação do IVA ou do fundamento para aplicação sucessiva da taxa “zero”.
Para aferir o correto enquadramento em IVA das operações de venda à N..., foi realizado junto desta um procedimento externo de recolha de informação pelos serviços de inspecção da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT).
Da informação prestada retiram-se, entre outros, os seguintes factos:
§ Os bens recebidos da C... pela N... foram submetidos durante todo o tempo ao processo de fundição e análise em terceiro especializado por ordem da N..., encontrando-se documentalmente suportados desses serviços pelos boletins de análise do ouro fino obtido e facturado à N...;
§ Até Junho de 2012 as vendas da C... pela N... consistiram na transmissão de bens/artefactos (anéis, pulseiras, brincos, colares, etc.) de metais preciosos maioritariamente em ouro. A partir de Junho de 2012, na transmissão de ouro fino.
§ Foram recolhidos nos arquivos da N... algumas cópias de guias de transporte por esta emitidas, com o peso dos metais e a identificação de “A…”, como destinatário dos bens a fundir.
§ Concluído o processo de fundição e análise das barras, efetuado pelo prestador “A…”, o ouro fino obtido, até Junho de 2012, era entregue à N..., acompanhado do citado boletim de análise e da factura do serviço prestado, ambos em nome da N....
§ Os pagamentos efetuados ao prestador “A…” relacionados com o processo de fundição e ensaio foram efetuados pela N...
§ A partir de Junho de 2012, a C... passou a ordenar a fundição dos bens/artefactos e respectiva análise do metal passando a entregar à N... o ouro fino obtido, passando os serviços de fundição e ensaio a ser facturados directamente à C....
Da referida recolha de informação foi retirada a conclusão cujo teor seguir se transcreve:
«Dos elementos ao dispor nos períodos em análise (vendas a dinheiro, guias de transporte e facturas dos serviços prestados) e tendo em vista os fins do procedimento, conclui-se que:
Até Junho de 2012:
- Ocorreram pelo menos desde 2008 operações de venda de bens/artefactos (…), designados de “sucata de ouro e prata c/ pedras, vários teores e chaços de prata”, com origem na C... a favor da N...;
- Estas transmissões de bens/artefactos, que se apurou foram maioritariamente de bens/artefactos em ouro, foram suportadas em facturas ou documentos equivalentes ocorrendo a respectiva transferência de propriedade dos bens/artefactos na mesma designados para a N..., S. A.
- Os documentos de venda a dinheiro apresentam especificações e elementos susceptíveis de impedir o correcto enquadramento e qualificação em sede de IVA. Na verdade, todos os documentos emitidos referem a venda genérica de sucata de prata, quando resultou para N..., S. A. um input residual deste metal precioso
- Os bens recebidos pela C... foram submetidos ao processo de fundição e análise em terceiro especializado por ordem da N...;
- O prestador facturou os serviços de fundição e análise à N..., S. A., recebendo desta as importâncias correspondentes (…).
Ou seja,
Pode concluir-se que com a emissão da venda a dinheiro pela C... a favor da N... ocorre a transferência de propriedade dos bens/artefactos na mesma designados. E tal afirmação encontra suporte nos factos relatados e nos documentos recolhidos referentes às operações efetuadas entre a C... e a N....
Recapitulando:
§ A ordem de fundição dos bens parte da N...;
§ As guias de transporte referentes ao transporte para o prestador “A…” são emitidas pela N...;
§ Após a fundição, o ouro é entregue à N..., bem como o respectivo boletim de análise;
§ A factura do prestador “A…” referente ao serviço de fundição e ensaio é emitida a favor da N...;
§ O pagamento do serviço é efetuado pela N...
Não restam dúvidas que todo o processo de fundição, ensaio e afinação corre por conta da N... como titular dos bens em causa.
Pelo que as operações de venda da C... para a N..., referente aos anos de 2010 e 2011, titulam transmissões de bens/artefactos usados resultantes de penhores não resgatados pelos mutuários ou com mora no pagamento de juros superior a três meses, enquadrando-se na tributação de acordo com as regras do regime especial de bens em segunda mão, regulamentado pelo Citado Decreto-Lei n.º 199/96.
No entanto a C... nunca liquidou o respectivo imposto
O regime especial de bens em 2.ª mão, regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 199/96, estabelece no artigo 1.º que, “Estão sujeitas a Imposto sobre o Valor Acrescentado, segundo o regime especial de tributação da margem, as transmissões de bens em segunda mão, de objectos de arte, de colecção e de antiguidades, efetuadas nos termos deste diploma, por sujeitos passivos revendedores ou por organizadores de vendas em leilão que atuem em nome próprio, por conta de um comitente, de acordo com um contrato de comissão de venda”.
O conceito de bens em segunda mão está definido na alínea a) do artigo 2º do referido Decreto-Lei, (…).
Por sua vez, o regime especial só se aplica quando o revendedor tenha adquirido os bens em 2.ª mão, nas condições enunciadas no artigo 3º da referida disposição legal. Este regime, também chamado de “regime da margem”, caracteriza-se pelo facto do valor tributável (cf. art. 4.º do mesmo regime), ser a diferença entre o preço de venda e o preço de compra do bem, devidamente justificados (ou seja, tributa-se apenas a margem).
Nos termos do artigo 6.º deste regime (…)
Do exposto resulta que se encontra em falta a liquidação do imposto segundo o regime especial da tributação da margem, cujos montantes ascendem a € 320.887,78 e € 295.837,32, para os anos de 2010 e 2011, respectivamente e que melhor se discriminam em anexo ao presente relatório – Anexo 1 – fls. 1 a 4.
O IVA em falta reparte-se pelos seguintes períodos de imposto:


2.Taxa de venda/Comissão de venda
As vendas em “leilão” dos objectos em penhor, ocorrem quando o período de mora é superior a três meses (no caso da C... o período é sempre superior) conforme estabelece o artigo 20.º do DL 365/99 que regula a actividade de prestamista. Decorrido este prazo e verificados os condicionalismos legalmente estabelecidos no artigo 23.º do citado diploma legal, os bens são adjudicados ao interessado que tiver feito o maior lance e depositado o respectivo valor. Na prática, os bens leiloados são os mesmos que serviram de garantia ao contrato de mútuo, mas o adquirente não é o mutuário do contrato em que esses bens foram dados em garantia.
Ou seja, a venda em leilão não faz parte do contrato de mútuo garantido por penhor, mas é sim, uma operação independente da concessão de empréstimo e não uma prestação acessória dos serviços prestados pela prestamista – mútuo garantido por penhor, prestação principal.
Assim sendo, a taxa de venda, comissão sobre a venda, que reverte a favor do prestamista (artigo 25.º do DL 365/99), não beneficia da isenção prevista no artigo 9.º do Código do IVA e, por consequência, configura uma prestação de serviços, na acepção do n.º 1 do artigo 4.º, tributada à taxa norma, conforme estabelecido na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º, ambos do Código do IVA.
Tais considerações constam aliás da informação n.º 2878 de 2011.11.06, da Divisão de Concepção da Direcção de Serviços de IVA, chamada a pronunciar-se sobre o enquadramento, em sede de IVA, da taxa de venda aplicável da actividade de prestamista e vertidas na informação vinculativa da AT, processo de n.º 2984, com despacho do SDG dos Impostos, substituto legal do Director-Geral, em 2012.02.14.
Ora, a C... sobre o preço de adjudicação faz incidir uma taxa de 11% a título de comissão sobre a venda, contabilizando o proveito obtido na conta 791842xx.
No entanto verificou-se que a C... não procedeu à liquidação do IVA devido pela realização das citadas prestações de serviços, contrariando assim, as citadas normas, pelo que os montantes em falta de liquidação ascendem a € 107.124,33 e € 201.419,52, para os anos de 2010 e 2011, respectivamente e que melhor se discriminam no mapa seguinte:
Dão-se por reproduzido para todos os efeitos legais aos quadros constantes da página 13 do relatório de inspecção tributária, dos quais resultam os valores de IVA não liquidado, sobre os valores de taxas 11% sobre as vendas, de €107.124,33 no ano de 2010 e €201.419,52 no ano de 2011
(…)
4. Súmula das correcções em sede de IVA

cf. relatório de inspecção tributária, constante de fls. 12 e seguintes do processo administrativo apenso aos autos, numeração referente ao suporta físico, para cujo integral teor se remete e o qual se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;

6. Pelo ofício n.º 22204/0507 de 05.04.2013 da ATA foi o representante legal da impugnante notificado do projecto de relatório de inspecção tributária, nos termos do art. 6.º da LGT e art. 60.º do RCPITA para, querendo, exercer o direito de audição – cf. ofício constante de fls. 45 do processo administrativo apenso aos autos, numeração do suporte físico;

7. Nos termos e com os fundamentos constantes do respectivo requerimento, em 26.04.2013 a sociedade impugnante exerceu o direito de audição – cf. requerimento de exercício do direito de audição, constante de fls. 47 e seguintes do processo administrativo apenso aos autos, numeração do suporte físico, para cujo integral teor se remete e o qual se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;

8. No relatório de inspecção tributária, considerando o exercício do direito de audição, e no que respeita à matéria impugnada nos presentes autos, consta:
no ponto B – Correcções em sede de IVA, refere que a comissão de venda de trata de uma taxa que se presta a compensar a credora prestamista dos encargos com a execução do bem dado em garantia. Acrescenta ainda que quando da Administração Tributária vende um bem penhorado não está, também, a prestar qualquer serviço de intermediação.
A pretensa equiparação da comissão de venda que reverte a favor do prestamista com a posição da Administração Tributária na venda executiva, não é sequer comparável, já que a AT não é remunerada pelas vendas efetuadas e, processo executivo, pelo que se reafirmam os fundamentos vertidos no projecto de relatório e que encontram eco na posição assumida pela AT, através da informação vinculativa n.º 2948, que resumidamente se repetem:
§ A venda em leilão não faz parte do contrato de mútuo garantido por penhor; constitui para o adquirente um fim em si e não um meio para beneficiar das melhores condições do serviço principal do prestamista, é uma operação independente da concessão de empréstimo e não é uma prestação acessória dos serviços prestados pelo prestamista – mútuo garantido por penhor, prestação principal, pelo que não beneficia da isenção prevista no art. 9º do Código do IVA e, por consequência, configura uma prestação de serviços. Na acepção do n.º 1 do artigo 4.º, tributada á taxa normal, conforme estabelecido na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º, ambos do CIVA
(…)
Em suma;
Dado que em sede de direito de audição não foi apresentado qualquer dado adicional em matéria de facto e de direito que conduza a conclusões diferentes das produzidas, nem contrariando objectivamente as conclusões descritas no projecto de relatório, serão de manter as correcções propostas” – cf. relatório de inspecção tributária, constante de fls. 12 e seguintes do processo administrativo apenso aos autos, para cujo integral teor se remete e o qual se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;

9. Sobre o relatório de inspecção tributária supra identificado, em 06.05.2013 recaiu parecer do Chefe de equipa, com o seguinte teor: “Confirmo, pelos motivos expostos no ponto III deste Relatório, as correcções aritméticas efetuadas em sede de IRC e IVA, com referência aos anos de 2010 e 2011, bem como a falta de liquidação e entrega nos cofres do estado de Imposto Selo nestes anos, conforme a discriminação constante do mapa resumo anexo” – cf. parecer constante de fls. 12 do processo administrativo apenso aos autos, para cujo integral teor se remete e o qual se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;

10. Sobre aquele relatório e parecer, recaiu despacho de concordância datado de 06.05.2013 – cf. despacho constante de fls. 12 do processo administrativo apenso aos autos, o qual se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;

11. Em 12.11.2013 deu entrada no Serviço de Finanças do Porto 5 requerimento de Reclamação Graciosa, com os fundamentos ali expressos visando a anulação do procedimento de inspecção por violação do princípio da proporcionalidade, das liquidações com respectivo reembolso bem como, ainda, a anulação dos juros compensatórios pagos – cf. requerimento de Reclamação Graciosa constante de fls. 3 a 12 do apenso de Reclamação Graciosa para cujo integral teor se remete e o qual se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;

12. Para decisão da Reclamação Graciosa id. supra, a Direcção de Finanças do Porto – Divisão de Justiça Administrativa, lavrou informação, da qual se destaca:
V. Da apreciação do pedido
1. Tendo em consideração o que antecede, uma das questões a dirimir prende-se com a alegada violação do princípio da proporcionalidade, no que respeita ao próprio procedimento de inspecção.
O procedimento de inspecção tributária está regulado no RCPIT, (…), o qual definiu os princípios e regras aplicáveis aos actos de inspecção tendo em vista essencialmente «… a organização do sistema e, consequentemente a garantia da proporcionalidade aos fins a atingir, da segurança dos Sujeitos Passivos e demais obrigados tributários e a própria participação destes na formação das decisões, evitando a proliferação de litígios inúteis».
Quanto ao lugar onde a inspecção se desenrola, estabelece a lei (art. 13.º do RCPIT) uma classificação/designação de inspecções internas e inspecções externas (…). No âmbito da sua actuação a Administração Tributária, ainda que obrigada ao cumprimento dos princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, nos termos do art. 55.º da LGT, princípios transpostos para o procedimento de inspecção tributária pela aplicação dos arts. 5.º a 9.º do RCPIT, goza ainda de um poder discricionário que lhe permite adoptar para cada procedimento as prerrogativas que a lei permite, para a concretização dos objectivos que se propõe atingir.
Tecidas estas considerações gerais, atenhamo-nos ao caso concreto.
Alega a reclamante que, tendo a acção de inspecção em apreço motivações que decorrem de factos apurados em idêntica acção de inspecção, levada a cabo para exercícios anteriores, a Administração Tributária dispunha de todos os elementos que lhe permitiam efectuar as correcções reclamadas, para os exercícios de 2010 e 2011, por via de uma acção interna.
Discordamos por completo da opinião da reclamante, uma vez que estamos perante uma acção de âmbito geral, definida nos termos do art. 14.º do RCPIT, que deu origem a diversas correcções, para além das ora reclamadas em sede de IVA, as quais resultaram da análise à contabilidade da reclamante nos exercícios em apreciação. Nestes termos, somos de parecer que os elementos que estiveram na base das correcções efetuadas não resultaram, nem poderiam resultar, de actos de inspecção que se desenrolam exclusivamente nos serviços de Administração Tributária através da análise formal e de coerência de documentos, pressuposto que define as acções internas, conforme prevê o art. 13.º do RCPIT
Acrescente-se ainda que a reclamante limita-se a invocar a violação do princípio da proporcionalidade, alegando a existência de métodos menos invasivos à sua liberdade, no entanto, não explicita, nem demonstra, de que forma viu os seus direitos serem lesados.
Por outro lado, a argumentação da reclamante coincide com o exposto em sede do exercício do direito de audição, no âmbito da própria acção de inspecção, não invocando agora quaisquer novos factos que permitam alterar a decisão já anteriormente firmada.
2. Outro dos argumentos da reclamante prende-se com a sujeição a imposto, nos termos do art. 4.º, n.º 1 do CIVA, da taxa de venda, comissão sobre a venda, pelas vendas em leilão, e que reverte a favor do prestamista (…)
Relativamente a esta questão, e conforme se pronunciou já a Administração Tributária em sede de exercício do direito de audição no procedimento de inspecção, a comissão auferida pela reclamante pela execução dos bens dados em garantia não é comparável com a posição da Administração Tributária na venda executiva, uma vez que nestas não há qualquer remuneração associada.
Os fundamentos das correcções encontram-se devidamente explanados em sede de relatório de inspecção, e não são mais do que o enquadramento legal subjacente aos factos tributários em apreço. A este respeito pronunciou-se também a Administração Tributária no âmbito da informação vinculativa n.º 2948, nos seus pontos 16 a 19, entendimento que esteve na base quer das correcções, quer da análise ao exercício do direito de audição em sede de procedimentos de inspecção.
Ainda assim entendemos ser de efectuar novamente o enquadramento dos factos tributários aqui em análise.
O DL n.º 365/99 de 17.09, regula o exercício e a fiscalização da actividade de prestamista. Considera-se actividade de prestamista, em conformidade com o n.º 2 do artigo 1.º daquele diploma o exercício por pessoa singular ou colectiva da actividade de mútuo garantido por penhor.
Nos termos do n.º 1 do seu art. 19.º (…) acrescentando o n.º 2 que (…)
No âmbito das vendas em leilão, estabelece o n.º 2 do art. 23.º que (…) e o art. 25.º complementa (…)
Assim sendo, os bens leiloados são os mesmos que serviram de garantia ao contrato de mútuo, mas o adquirente não é o mutuário do contrato em que esses bens foram dados em garantia.
Para enquadramento da questão da sujeição ou não a imposto das remunerações recebidas pelo prestamista no exercício da sua actividade, há que proceder à qualificação da operação principal – mútuo garantido por penhor.
A noção de mútuo encontra-se expressa no art. 1142.º do Código Civil o qual refere que o mútuo é o contrato pelo qual uma das partes empresta dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género ou qualidade
O contrato de mútuo formaliza assim a concessão de um empréstimo, não elevando, para o efeito, a natureza da coisa emprestada e, por consequência, trata-se de um crédito comercial, que em sede de IVA tem o mesmo enquadramento de um crédito bancário (operação financeira abrangida pelo n.º 27 do art. 9.º do CIVA).
Nestes termos o crédito concedido em função do contrato de mútuo garantido por penhor é uma prestação de serviços, nos termos do n.º 1 do artigo 4.º, dado o carácter residual deste preceito legal e, por consequência, operação sujeita a imposto ex vi alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º, embora dele isenta nos termos da alínea a) do n.º 27 do artigo 9.º, todos do CIVA.
Em face do que ficou dito (…) conclui-se que esta última não é uma prestação acessória dos serviços prestados pelo prestamista – mútuo garantido por penhor, prestação principal.
Com efeito, de acordo com a jurisprudência do TJCE, uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal, quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador (Acórdão de 21.02.2008, Part Service SRL, C-425/06), ou seja, uma prestação é acessória de outra principal quando fazem parte da mesma operação, sendo esta reportada ao mesmo indivíduo, Sujeito Passivo ou não.
Ora, a venda em leilão dos objectos dados em penhor, diferentemente da avaliação dos bens dados em garantia, não faz parte do contrato de mútuo garantido por penhor; constitui para o adquirente um fim em si e não um meio para beneficiar das melhores condições do serviço principal do prestamista; é uma operação independente da concessão de empréstimo; não é uma prestação acessória dos serviços prestados pelo prestamista.
Estes são os elementos fulcrais para determinar o regime aplicável à operação em causa, sendo destituído de qualquer fundamento a tentativa de equiparação à posição da AT na venda executiva. Como é sabido, a AT, ao contrário do prestamista, não recebe qualquer remuneração pelas vendas efetuadas.
Deste modo, a taxa/comissão de venda, que reverte a favor do prestamista, configura uma prestação de serviços na acepção do n.º 1 do artigo 4.º, tributada à taxa normal, conforme estabelecido na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º, ambos do CIVA.
3. No que respeita aos juros compensatórios, cumpre dizer que as liquidações além de fundamentadas resultam da lei.
(…)
Compulsados os elementos juntos aos autos, verifica-se que as ditas liquidações, meramente acessórias das liquidações de imposto, contêm todos os elementos necessários a um esclarecimento cabal da contribuinte, permitindo-lhe conhecer as razões da sua emergência, motivo pelo qual não procede a invocação do vício da falta de fundamentação, que não se verifica.
Por outro lado, arguiu a reclamante que não se verificam, in casu, os requisitos de que o art. 35.º da LGT faz depender a obrigação de pagamento de juros compensatórios. O relativo à obrigação de imposto e a imputabilidade do retardamento da sua liquidação ao Sujeito Passivo.
Efectivamente, existem três requisitos para a liquidação de juros compensatórios: o retardamento da respectiva liquidação de base, o imposto ser devido e o facto imputável ao contribuinte, que, na situação presente, se encontram cumpridos.
Em primeiro lugar, refira-se que as liquidações de juros compensatórios foram efetuadas por virtude da regularização do imposto em falta fora do prazo legal. Como é sabido, os juros compensatórios assumem natureza de uma reparação civil, indemnizando o credor pela perda de disponibilidade de quantia que não foi liquidada oportunamente.
A liquidação de juros compensatórios está também ligada à existência de uma concreta liquidação de imposto devida pelo contribuinte e, como acima se viu, as liquidações de imposto aqui contestadas não padecem de qualquer ilegalidade.
O mesmo se diga quanto à culpa no retardamento da liquidação, uma vez que foi devido à actuação da reclamante, através da falta de liquidação de imposto, que originou o atraso em causa.
A culpa, em sentido restrito, traduz-se na omissão da diligência exigível. O agente devia ter usado de uma diligência que não empregou. Devia ter previsto o resultado ilícito, a fim de o evitar, não usou das adequadas cautelas para que ele não se produzisse (…).
Dito de outro modo, a culpa que releva é a que se consubstancia em erro de conduta do contribuinte traduzido no incumprimento, ou no cumprimento defeituoso de obrigações fiscais, de acordo com o ordenamento jurídico aplicável e de que resulte o retardamento na concretização do aludido ato tributário.
De facto, em face das circunstâncias concretas, não se pode afirmar que o contribuinte tenha agido de forma diligente, inexistindo qualquer causa de exclusão de culpabilidade. O alegado desconhecimento do enquadramento em sede de IVA não procede, porquanto, «a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento, nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas», segundo o artigo 6.º do Código Civil” – cf. parecer/informação prévio à decisão de Reclamação Graciosa constante de fls. 29 a 32 do apenso de Reclamação Graciosa, numeração do suporte físico.

13. Projectando a Direcção de Finanças do Porto o indeferimento da reclamação, foi a sociedade reclamante foi notificada para efeito do exercício do direito de audição prévia – cf. projecto de despacho de 18.04.2014 e parecer de 09.05.2014 a fls. 29 e 33 do apenso do Reclamação Graciosa, numeração do suporte físico, para os quais se remete;

14. Pelo ofício n.º 32989/0403 de 30.05.2014 foi a sociedade reclamante notificada, em 05.06.2014, na pessoa do seu Ilustre Mandatário, da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa – cf. fls. 34, 35 e 36 do apenso de Reclamação Graciosa, numeração referente ao suporte físico;

15. Em 23. 06.2014 deu entrada no Serviço de Finanças do Porto 5 requerimento de interposição de Recurso Hierárquico onde, com os fundamentos ali constantes a sociedade pretende obter a anulação das liquidações e reembolso das importâncias indevidamente pagas, incluindo juros compensatórios, a anulação dos juros compensatórios pagos e o reconhecimento do seu direito a juros indemnizatórios – cf. requerimento de Recurso Hierárquico constante de fls. 4 a 14 do apenso de Recurso Hierárquico, numeração referente ao suporte físico, para cujo integral teor se remete e o qual se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;

16. Na decisão do Recurso Hierárquico, preparando a decisão, foi elaborada nova informação, da qual se destaca:
«IV.2. Apreciação do pedido
15. A questão controvertida centra-se numa divergência de posições entre o recorrente e a AT, quanto ao enquadramento, em sede de IVA, da operação associada à venda dos bens penhorados, consubstanciada na taxa/comissão de venda, auferida pelo recorrente, aquando da venda executiva das garantias no âmbito dos contratos de mútuos garantidos com penhor, que celebrou em 2010 e 2011.
IV.2.1 Quadro jurídico
16. Conforme consta do Relatório de Inspecção Tributária (RIT), o recorrente exerce a actividade principal, de concessão de mútuos garantidos com penhor, a qual é enquadrável na actividade de prestamista, cujo regime de acesso, exercício e fiscalização é pelo Decreto-Lei n.º 365/99 de 17 de Setembro.
(…)
IV.2.2. Enquadramento em sede de IVA
23. Para enquadramento das comissões de vendas auferidas pelo recorrente no exercício da sua actividade de prestamista, há que proceder à qualificação da operação principal – o contrato de mútuo garantido por penhor – de modo a concluir se o recebimento dessas comissões são operações sujeitas, isentas ou não sujeitas a IVA
24. O contrato de mútuo formaliza a concessão de um empréstimo comercial, ou seja, constitui uma prestação de serviços, nos termos do n.º 1 do artigo 4.º, sujeita a imposto, por força da al. a) do n.º 1 do artigo 1.º, embora dele isenta, nos termos da al. a) do n.º 27 do art. 9.º, todos do CIVA.
25. As vendas em leilão dos bens dados como penhor aos mútuos, conforme referido no ponto 18 supra, ocorrem quando o período de mora de pagamento dos juros é superior a três meses. Decorrido este prazo e verificados os condicionalismos legalmente estabelecidos no art. 23.º do referido regime jurídico, os bens penhorados são adjudicados ao interessado que fizer o maior lance.
26. Ou seja a venda em leilão dos bens penhorados não é uma prestação acessória da operação principal (mútuo garantido por penhor)
27. No caso sob apreço, o recorrente exerce a actividade secundária de venda a retalho do ouro penhorado adjudicado em “leilão”, quando os mutuários não resgatam os objectos dados em penhora pelo facto de terem deixado de pagar juros.
28. (…)
29. Contudo, por força do estipulado no art. 25.º do Decreto-Lei n.º 365/99, sobre o preço da adjudicação dos bens penhorados incide uma taxa de 11% a título de comissão de venda, a qual reverte a favor do prestamista, constituindo a sua remuneração pela organização e realização das vendas dos bens dados em penhor, de acordo com o n.º 1 do art. 19.º deste diploma.
30. A taxa de venda/comissão de venda auferida é dotada de autonomia jurídica, sendo uma operação independente da concessão do empréstimo, que só é cobrada se ocorrer a venda dos bens dados em penhor num contrato de mútuo, por incumprimento.
31. Essa taxa é cobrada ao mutuário, seja este a resgatar os bens penhorados, conforme previsto no art. 26.º (…), ou não, pois segundo a alínea f) do n.º 1 do art. 28.º do referido diploma, o valor em dívida pelo mutuário, à data da venda, inclui capital, juros e taxa de venda.
32. Do exposto, infere-se, que a comissão de venda de 11%, auferida pelo prestamista, embora incida sobre o preço de adjudicação dos bens penhorados, é cobrada ao mutuário e não ao adquirente dos bens transmitidos, configurando a contraprestação obtida pelos serviços prestados inerentes à execução da garantia por incumprimento do contrato de mútuo (…)
(…)
34. Efectivamente, as vendas em leilão consubstanciam um mecanismo de simples cobrança de dívidas dos mutuários, permitindo ao prestamista a execução da garantia dada aquando da celebração do contrato de mútuo, não fazendo parte do contrato de mútuo garantido por penhor, só ocorre quando os bens dados em penhor não são resgatados pelo mutuário.
35. Trata-se, assim, de operações independentes da concessão dos empréstimos não sendo qualificáveis como acessórias aos serviços prestados pelo prestamista (concessão de mútuo garantido por penhor).
36. Na verdade a taxa de venda/comissão de venda, corresponde a remuneração do prestamista pela execução da venda dos bens dados em penhor, tendo o legislador garantido que o prestamista recebesse a título de comissão sobre a venda, uma taxa de 11% sobre o preço de adjudicação.
37. Deste modo, não só os prestamistas têm a hipótese de serem ressarcidos dos montantes dos empréstimos concedidos, como ainda garantem o recebimento de uma taxa de venda pelos serviços inerentes à venda dos bens que foram dados em penhor.
38. Por conseguinte, a taxa de venda não é mais do que uma receita suplementar, traduzida numa comissão sobre a venda.
39. Donde reiteramos o entendimento de que a venda de bens penhorados, por incumprimento de um contrato de mútuo, constitui uma transmissão de bens, nos termos do n.º 1 do art. 3.º do CIVA.
40. E a taxa de venda/comissão sobre a venda dos bens penhorados, auferida pelo recorrente e cobrada aos mutuários, configura uma contraprestação obtida pela prestação de serviços ao mutuário inerentes à venda dos bens penhorados, na acepção do n.º 1 do artigo 4.º do CIVA, dado o carácter residual deste preceito legal, a qual está sujeita a imposto, por força da al. a) do n.º 1 do artigo 1.º do mesmo diploma legal» – cf. informação de 03.10.2014, da Direcção de serviços do IVA, divisão de administração, constante de fls. 23 a 29 do apenso de Recurso Hierárquico, numeração do suporte físico, para cujo integral teor se remete e a qual se dá por reproduzida para todos os efeitos legais;

17. Em 10.12.2014 foi proferido despacho de indeferimento do Recurso Hierárquico – cf. despacho constante de fls. 22 do apenso de Recurso Hierárquico, para o qual se remete e que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

18. Pelo ofício n.º 4929 de 26.01.2015, a sociedade recorrente foi notificada, na pessoa do seu Ilustre Mandatário, em 29.01.2015, do despacho que, em 10.12.2014, indeferiu o Recurso Hierárquico por si interposto – cf. notificação constante de fls. 32 a 34 do apenso de Recurso Hierárquico, numeração referente ao suporte físico.

19. Em 30.04.2015 deu entrada neste Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto a Petição Inicial que deu origem à presente impugnação – cf. processo digital, veja-se referência 006110720 do SITAF».

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Como resulta do que acima deixámos dito, no presente recurso cumpre verificar se a sentença incorreu no erro de julgamento que a Recorrente lhe assaca, qual seja o de não ter reconhecido que as liquidações adicionais impugnadas enfermam do vício de violação de lei, na medida em que a AT considerou que incide IVA sobre a comissão auferida pelo prestamista nos termos do art. 25.º do Decreto-Lei n.º 365/99, de 17 de Setembro, pela venda em leilão dos bens que lhe foram dados em penhor no âmbito da sua actividade. Isto, em síntese, porque a AT entende que essa comissão de venda (que corresponde à aplicação de uma taxa de 11% sobre o valor da venda e é cobrada aos mutuários) configura uma contraprestação obtida pela prestação de serviços inerentes à venda dos bens dados em penhor, na acepção do n.º 1 do art. 4.º do CIVA e, por isso, sujeita a imposto, por força da alínea a) do n.º 1 do art. 1.º do mesmo Código, e à taxa normal, como decorre da alínea c) do n.º 1 do art. 18.º, ainda do mesmo Código.
A Recorrente não se conforma com a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, continuando a sustentar, por um lado, que não é possível autonomizar o contrato de mútuo do contrato de penhor, nem separar desse contrato misto «as operações em que a garantia em causa se realiza nos termos da sua conformação legislativa» (leia-se, a venda em leilão), motivo por que «não está correto dizer que «venda em leilão não faz parte do contrato de mútuo garantido por penhor»» e, por outro, que a comissão de 11% sobre o valor da venda em leilão «tem a natureza de uma taxa e não de uma contrapartida por prestação de serviços», sendo o facto tributário «a transmissão do bem dado em penhor, e não qualquer serviço de intermediação tendente à concretização da venda», pois a prestamista não presta serviço de venda algum, pois «não actua ao serviço ou por mandato e no interesse de um qualquer mandante tendo como dever fazê-lo, ao que corresponderia o seu direito a uma contraprestação».
Mais considera que o Tribunal a quo também errou ao julgar devidamente fundamentada a liquidação dos juros indemnizatórios, uma vez que a AT não alegou nem demonstrou, como lhe competia, a culpa da ora Recorrente.
A questão a dirimir prende-se, pois, com o saber se, no caso dos bens dados a penhor serem leiloados, fica sujeita a IVA a comissão de venda auferida pelo prestamista.
Na afirmativa, haverá ainda que aferir da correcção do julgamento efectuado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto quanto ao invocado vício de falta de fundamentação da liquidação dos juros indemnizatórios.

2.2.2 DO DIREITO

2.2.2.1 A actividade de prestamista, designadamente o acesso, o exercício e a fiscalização da actividade, estava (à data a que se referem os factos) regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 365/99, de 17 de Setembro.
O art. 1.º, n.º 2, daquele diploma legal define essa actividade como «o exercício por pessoa singular ou colectiva da actividade de mútuo garantido por penhor».
Recorde-se que mútuo «é o contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade», nos termos da definição do art. 1142.º do Código Civil (CC) e que penhor é uma garantia de cumprimento das obrigações, que «confere ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos não susceptíveis de hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro», nos termos do n.º 1 do art. 666.º do mesmo Código e que, «[v]encida a obrigação, adquire o credor o direito de se pagar pelo produto da venda executiva da coisa empenhada, podendo a venda ser feita extraprocessualmente, se as partes assim o tiverem convencionado», nos termos do art. 675.º, n.º 1, ainda do mesmo Código.
No caso da actividade de prestamista, e nos termos do art. 20.º do Decreto-Lei n.º 365/99, de 17 de Setembro, «[e]m caso de mora por período superior a três meses, pode a coisa dada em penhor ser vendida por meio de proposta em carta fechada, em leilão ou por venda directa a entidades que, por determinação legal, tenham direito a adquirir determinados bens».
Essa venda, quando efectuada por leilão, será aberta ao público e as coisas dadas em penhor serão adjudicadas ao interessado que tiver feito o maior lance, tudo como decorre dos arts. 23.º, n.ºs 1 e 2, e dos arts. 20. n.º 1, e 24.º, n.º 2, todos do Decreto-Lei n.º 365/99.
No caso de os bens dados em penhor serem vendidos, o art. 25.º do referido Decreto-Lei n.º 365/99 estabelece: «Sobre o preço de adjudicação incide uma taxa de 11% a título de comissão sobre a venda, a qual reverte a favor do prestamista».
Essa comissão visará compensar o prestamista pela organização e realização das vendas dos bens dados em penhor, a qual acarreta despesas, designadamente e no caso dos leilões, o envio das comunicações legais, a publicação de anúncio de leilão num dos jornais mais lidos da área do prestamista, os encargos associados à organização do leilão e à exibição dos bens a leiloar, cujo exame lhe cumpre facultar. Em ordem a concretizar as finalidades de regulação e moralização e de «adequar a venda das coisas dadas de penhor ao regime da venda estabelecido no âmbito dos processos de execução fiscal e cível, com o objectivo de alcançar um rápido escoamento dos objectos em benefício do prestamista e do mutuário, bem como de fazer com que outras pessoas não ligadas à actividade, designadamente particulares, passem a licitar os objectos a vender» (Cfr. o Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 365/99, de 17 de Setembro.).
Vejamos, pois, se essa comissão está sujeita a IVA.

2.2.2.2 Para efeitos de tributação em IVA, o crédito concedido por “contrato de mútuo garantido por penhor” é uma prestação de serviços nos termos do n.º 1 do art. 4.º e fica sujeita a imposto por força da alínea a) do n.º 1 do art. 1.º, todos do CIVA, verificando-se que o contrato de mútuo tem o mesmo enquadramento de um crédito bancário, ou seja, é uma operação sujeita a imposto, mas dele isenta ao abrigo do disposto no n.º 27, alínea a) do art. 9.º do CIVA.
Será que, como sustenta a Recorrente, também fica abrangida por essa isenção a comissão sobre a venda a que, nos termos do art. 25.º do Decreto-Lei n.º 365/99, de 17 de Setembro, tem direito o prestamista no caso de venda dos bens dados em penhor? Vejamos o que argumenta a Recorrente em favor da sua tese:
A Recorrente afirma i) que «não está correcto dizer que «venda em leilão não faz parte do contrato de mútuo garantido por penhor»» (cfr. conclusão 3.ª), ii) que «[m]ais do que uma isenção com base na referida alínea b), não existe qualquer lei que tribute a operação em questão atendendo mesmo à sua natureza» (cfr. conclusão 4.ª), iii) que «[a] comissão de 11% prevista no art. 25.º do DL n.º 365/99 tem a natureza de uma taxa» (cfr. conclusão 5.ª), equivalente à taxa prevista no art. 199.º, n.º 5, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e que «aqui o facto tributário é a transmissão do bem dado em penhor, e não qualquer serviço de intermediação tendente à concretização da venda» (cfr. conclusão 6.ª) e iv) que «não é prestadora de serviços nas vendas em execução das garantias» (cfr. conclusão 7.ª), pois «não actua ao serviço ou por mandato e no interesse de um qualquer mandante tendo como dever fazê-lo, ao que corresponderia o seu direito a uma contraprestação. Não existe no caso dos encargos (taxa de venda) com a venda executiva, uma onerosidade, isto é a exigência de uma contraprestação devida ao “principal” ou “mandante”, ou dono da coisa, e tal exigência e contraprestação não existem» (cfr. conclusão 8.ª).

2.2.2.3 Desde logo, pensamos ser de afastar o argumento de que a referida comissão tem a natureza de taxa, entendida como prestação tributária.
Como deixámos dito, aquela comissão visa compensar o prestamista pelas despesas em que terá de incorrer para organizar e realizar a venda dos bens dados em penhor. A compensação por essas despesas foi estabelecida num montante fixo, sendo manifesto que quando a lei refere que sobre o preço de adjudicação «incide uma taxa de 11%» se refere apenas à razão, proporção ou percentagem usada para calcular a comissão e não está, de modo algum, a atribuir a essa comissão natureza tributária [cfr. art. 3.º da Lei Geral Tributária (LGT)]. A homonímia não autoriza qualquer confusão a esse respeito.
Não pode perder-se de vista que as taxas, como as demais prestações tributárias, visam, essencialmente, «a satisfação das necessidades financeiras do Estado e de outras entidades públicas» (cfr. art. 5.º, n.º 1, da LGT) e que, enquanto prestações tributárias, as taxas «assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares» (cfr. n.º 2 do art. 4.º da LGT).
Ora, a comissão de venda prevista no art. 25.º do referido Decreto-Lei n.º 365/99, de 17 de Setembro, de 11% sobre o preço de adjudicação de coisas dadas em penhor em mútuo garantido por penhor, quando exista uma mora superior a três meses no reembolso do valor mutuado, a título de comissão sobre a venda, por um lado, reverte a favor do prestamista, e, por outro lado, porque visa compensá-lo pela organização e realização das vendas dos bens dados em penhor, não se apresenta como contrapartida pela prestação concreta de um serviço público, mas, ao invés, como contrapartida pelas despesas sofridas pelo mutante com a execução da garantia, ou seja, com a venda do bem dado em penhor como garantia do mútuo.
Em conclusão, a Recorrente não refere, nem nós vislumbramos qual possa ser, ainda que remotamente, o fundamento legal para a qualificação da referida comissão como uma prestação tributária e na espécie de taxa, que constitui uma prestação pecuniária exigida por um ente público, em contrapartida de uma prestação administrativa realizada ou aproveitada pelo particular.
A Recorrente pretende ainda que há correspondência entre a referida comissão sobre a venda e a percentagem que é estabelecida, à data, pelo n.º 5 e, hoje, pelo n.º 6 do art. 199.º do CPPT (A disposição em causa, que inicialmente era o n.º 5 do art. 199.º do CPPT, desde a alteração introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2012, tem-se mantido com o n.º 6.), que dispõe: «A garantia é prestada pelo valor da dívida exequenda, juros de mora contados até à data do pedido, com o limite de cinco anos, e custas na totalidade, acrescida de 25 % da soma daqueles valores».
Segundo alega, a natureza e razão de ser da “taxa” ora sob apreciação é a «mesma que existe para a execução fiscal»: em ambas as situações (venda em execução fiscal e venda pelo prestamista) «o legislador ficcionou um valor para introduzir um elemento de equidade na medida em que uma execução fiscal e uma operação de venda em leilão pelos prestamistas implica toda uma burocracia e encargos que importa compensar».
Salvo o devido respeito, não vislumbramos qual o argumento favorável à sua tese que pretende extrair dessa comparação. O referido preceito legal não se refere à venda em execução fiscal e, muito menos, à venda em leilão. O citado n.º 5 (hoje, n.º 6) do art. 199.º do CPPT refere-se, isso sim, ao valor pelo qual deve ser constituída a garantia a prestar em sede de execução fiscal em ordem ao pagamento em prestações. Aliás, este preceito legal nem sequer está na secção do Código respeitante à venda, mas na que se refere ao pagamento em prestações. Assim, não pode afirmar-se que essa percentagem de 25%, a acrescer ao «valor da dívida exequenda, juros de mora contados até à data do pedido, com o limite de cinco anos, e custas na totalidade» tenha qualquer paralelismo com a comissão de 11% que a lei entendeu conceder ao prestamista para compensá-lo pelas despesas com a organização e realização do leilão.
Recorde-se também que a AT, que tem a faculdade legal de executar ela mesma o património dos devedores para cobrança das dívidas tributárias [cfr. arts. 10.º, n.º 1, alínea f), 148.º e 150.º, n.º 1, do CPPT), não cobra percentagem alguma sobre o valor da venda como compensação pelas despesas com a venda.
Por tudo o que deixámos dito, não podemos aceitar a alegação da Recorrente no segmento em que pretende conferir natureza tributária a essa comissão de venda.

2.2.2.4 Afastada que ficou a qualificação como taxa (enquanto prestação tributária) da comissão prevista no art. 25.º do Decreto-Lei n.º 365/99, de 17 de Setembro, de 11% sobre o preço de adjudicação de coisas dadas em penhor em mútuo garantido por penhor, quando exista uma mora superior a três meses no reembolso do valor mutuado, passemos agora a verificar se, como sustenta a Recorrente, a venda efectuada pelo prestamista dos bens dados em garantia quando haja incumprimento do contrato de mútuo pode ainda ser considerada como integrando a actividade de concessão de mútuo ou, pelo menos, actividade acessória da actividade de concessão de mútuo, para efeitos de tributação em IVA. Será como sustenta a Recorrente ou, ao invés e como entendeu a AT, deverá a actividade de venda em leilão dos bens dados em penhor ser figurada como autónoma e independente?
Caso se venha a concluir que os serviços de realização de leilões integram os serviços de concessão de crédito ou assumem natureza acessória destes serviços, aqueles terão enquadramento fiscal idêntico a estes, i.e., deverão ser considerados operações sujeitas a imposto, mas dele isentas ao abrigo do disposto no n.º 27, alínea a) do art. 9.º do CIVA; caso se venha a concluir que os serviços de realização de leilões assumem natureza autónoma e independente e que a referida comissão é a contraprestação obtida pela prestação de serviços ao mutuário, inerentes à venda dos bens dados em penhor, na acepção do n.º 1 do art. 4.º do CIVA, ser-lhes-á aplicável o tratamento fiscal dado à generalidade das prestações de serviços dos serviços, que é a sujeição a imposto, por força da alínea a) do n.º 1 do art. 1.º do mesmo Código, e à taxa normal, como decorre da alínea c) do n.º 1 do art. 18.º, ainda do mesmo Código.
Tendo presente a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), designadamente, por mais recente e com abundante citação de jurisprudência anterior, o acórdão de 4 de Março de 2021, proferido no processo com o n.º C-581/19 (Disponível em https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?text=&docid=238466&pageIndex=0&doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=5511.), afigura-se-nos poder afastar, liminarmente, o entendimento de que os serviços de realização de leilões para venda dos bens dados em penhor integram os serviços de concessão de crédito e que, com estes, constituem uma operação única. Na verdade, a actividade de concessão de crédito (actividade principal) poderia ser exercida sem nenhuma restrição ou contingência ainda que a venda dos bens dados em penhor fosse posta a cargo de terceiro. O contrato de mútuo garantido por penhor em nada depende, quer material quer formalmente, da entidade que venha a efectuar a venda dos bens dado em penhor, em caso de incumprimento daquele contrato. Note-se também que o mutuário e o comprador dos bens (destinatários dos serviços prestados pelo sujeito passivo, o prestamista) serão, em regra, pessoas distintas.
Mas, sendo certo que os serviços prestados para a venda dos bens dados em penhor, designadamente a realização de leilões no referido âmbito, não integram os serviços de concessão do crédito, será que podem considerar-se como acessórios dessa actividade?
Segundo a jurisprudência do TJUE, em determinadas circunstâncias, várias prestações formalmente distintas, susceptíveis de serem realizadas separadamente e dar lugar, em cada caso, a tributação ou isenção, devem ser consideradas como uma operação única quando não sejam independentes. Tal sucede, por exemplo, quando se verifica que uma ou várias prestações constituem uma prestação principal e que as outras prestações constituem uma ou várias prestações acessórias que partilham do mesmo destino fiscal da prestação principal. Em particular, uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador. Significa, pois, que uma prestação é acessória de outra principal quando fazem parte da mesma operação, sendo esta reportada ao mesmo indivíduo, sujeito passivo ou não.
Tendo presente essa jurisprudência, afigura-se-nos que a venda dos bens dados em penhor não reúne as condições de operação acessória à realização do contrato de mútuo.
Admitimos, no entanto, que o facto de a lei pôr essa venda a cargo do mutuante e de regulá-la pode suscitar dúvidas quanto à natureza da mesma como actividade acessória da actividade de mútuo com penhor, sendo que, como referimos já, essa qualificação é decisiva em ordem a decidir da aplicabilidade da isenção de IVA sobre a comissão que a lei concede ao prestamista pela venda dos bens dados em penhor, no caso de incumprimento do contrato de mútuo.
Ora, o regime das isenções de IVA nas transacções internas constitui matéria que é objecto de harmonização nas legislações dos diversos Estados-membros, daí decorrendo, por um lado, que estes devem adoptar internamente legislação harmonizada com as normas comunitárias e, por outro lado, que as disposições dos Estados-membros sobre a matéria devem ser interpretadas em sentido conforme com as disposições comunitárias que intentaram transpor, mesmo que estejam em causa operações internas.
Neste sentido, embora os tribunais dos Estados-membros sejam competentes para aplicar o direito europeu, a competência para a interpretação “dos actos adoptados pelas instituições, órgão ou organismo da União” cabe, segundo o disposto no art. 267.º, alínea b), do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), ao Tribunal de Justiça da União Europeia. Aliás, como se acrescenta no referido art. 267.º, § 3.º do TFUE, «Sempre que uma questão desta natureza [sobre a interpretação dos actos das Instituições da União] seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal».
Assim, e atento o disposto no art. 267.º do TFUE, entendemos que é pertinente pedir ao Tribunal de Justiça da União Europeia que se pronuncie, a título prejudicial, sobre a questão de saber se, para efeitos da aplicação da isenção prevista no art. 135.º, n.º 1, alínea b), da Directiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro de 2006 [a que corresponde o n.º 27 da alínea a) do art. 9.º do CIVA], a comissão de 11% que a lei (art. 25.º do Decreto-Lei n.º 365/99, de 17 de Setembro) atribui ao prestamista pela venda dos bens dados em penhor, quando o mutuário deixe de pagar dentro das condições legais, pode considerar-se como resultante de uma prestação acessória dos serviços prestados pelo prestamista – mútuo garantido por penhor – ou se, pelo contrário, devemos considerar que estamos perante prestações distintas e independentes umas das outras.

* * *
3. DECISÃO

Em face do exposto, os Conselheiros desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, acordam em:

a) Submeter à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia a seguinte questão prejudicial:

Para efeitos de saber se a comissão de 11% que a lei (art. 25.º do Decreto-Lei n.º 365/99, de 17 de Setembro) atribui ao prestamista pela venda dos bens dados em penhor pode beneficiar da isenção prevista no art. 135.º, n.º 1, alínea b), da Directiva IVA [a que corresponde o n.º 27 da alínea a) do art. 9.º do CIVA do CIVA], a venda dos bens dados em penhor (arts. 19.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 365/99, de 17 de Setembro), quando o mutuário deixe de pagar dentro das condições legais, pode considerar-se uma prestação acessória dos serviços prestados pelo prestamista (actividade de mútuo garantido por penhor)?

b) Suspender esta instância de recurso, nos termos do art. 267.º do TFUE;

c) Ordenar a transmissão do pedido à Secretaria do Tribunal de Justiça da União Europeia, por via electrónica, acompanhado de cópia digital da petição inicial, da sentença, das alegações de recurso da Recorrente, bem como de todas as peças processuais posteriores, de fotocópia dos diplomas legais mencionados no presente acórdão e da indicação dos dados concretos das partes no litígio no processo principal e dos eventuais representantes destas, dando ainda cumprimento às demais recomendações daquele Tribunal de Justiça (2019/C 380/01).

Custas pela parte que, a final, venha a ficar vencida.


*
Lisboa, 25 de Janeiro de 2023. - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator por vencimento) - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Pedro Nuno Pinto Vergueiro – (vencido nos termos da declaração que se segue)
Voto do Ex.mo Senhor Conselheiro Pedro Vergueiro:

«Voto de Vencido
Na verdade, a questão prejudicial a reenviar só se coloca se o Juiz nacional se confronta com uma dúvida sobre os termos em que tem que aplicar o direito comunitário e se a resolução de tal dúvida contribui para a solução do litígio que tem em mãos, ou seja, mostra-se necessária para o julgamento da causa, sendo que o projecto apresentado em momento anterior bem como o caminho traçado no presente acórdão apontam para uma solução, embora não no mesmo sentido, da questão suscitada nos autos em termos que dispensavam o determinado reenvio prejudicial.
Lisboa, 25 de Janeiro de 2023
Pedro Vergueiro»