Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:036/10
Data do Acordão:05/05/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IVA
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
INCIDÊNCIA
TRANSMISSÃO DE BENS
DIRECTIVA COMUNITÁRIA
Sumário:1 - A exclusão do conceito de “transmissão de bens” para efeitos de IVA das “cessões a título oneroso ou gratuito do estabelecimento comercial, da totalidade de um património ou de uma parte dele, que seja susceptível de constituir um ramo de actividade independente”, constante do n.º 4 do artigo 3.º do CIVA, corresponde à utilização por parte do legislador nacional da faculdade que lhe foi conferida pelo n.º 8 do artigo 5.º da Sexta Directiva do Conselho de 17 de Maio de 1977 (Directiva 77/388/CEE), nos termos da qual «Os Estados-membros podem considerar que a transferência a título oneroso ou a título gratuito ou sob a forma de entrada numa sociedade de uma universalidade de bens ou de parte dela não implica uma entrega de bens e que o beneficiário é equiparado a sucessor do transmitente. (…)».
2 - A norma comunitária pretendeu conferir aos Estados-Membros a possibilidade de estabelecerem “uma simplificação de procedimentos” e bem assim a de lhes permitir “evitar sobrecarregar as tesourarias das empresas”, estando este segundo objectivo relacionado “com a intenção de não agravar o esforço financeiro das empresas que pretendem iniciar uma actividade comercial ou industrial, ou expandir ou renovar a que vêm já exercendo, obrigando-as nesses momento ao dispêndio de um montante avultado de IVA, o qual, em princípio, iria posteriormente ser objecto de dedução a seu favor”.
3 - Daí que a norma comunitária refira expressamente que, nesses casos, o beneficiário é equiparado a sucessor do transmitente, alocução que, não implicando necessariamente a identidade de ramos de actividade exercidas por este e por aquele (como o Tribunal de Justiça já teve ocasião de esclarecer no seu Acórdão de 27 de Novembro de 2003, processo n.º C- 497/01), parece ter implícito o entendimento, sob pena de frustração da ratio da norma em causa (e a daquelas que nos ordenamentos dos Estados-Membros concretizaram aquela faculdade), de que a exclusão só se verifica se o adquirente for ou vier a ser, pelo facto da aquisição, um sujeito passivo de imposto, sendo necessário que o adquirente continue a exercer mesma actividade económica que vinha sendo exercida pelo transmitente, numa relação de sequência contínua e sem interrupções.
Nº Convencional:JSTA00066406
Nº do Documento:SA220100505036
Data de Entrada:01/21/2010
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF LOULÉ DE 2009/10/21 PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR FISC - IVA.
Área Temática 2:DIR COMUN.
Legislação Nacional:CIVA84 ART3 N4.
Legislação Comunitária:DIR CONS CEE 77/388/CEE DE 1977/05/17 ART5 N8.
Jurisprudência Internacional:AC TRIJ PROC C-497/01 DE 2003/11/27.
Referência a Doutrina:RUI LAIRES ANOTAÇÃO AO ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS DE 27 DE NOVEMBRO DE 2003 IN CTF N416 JULHO/DEZEMBRO 2005 PAG295-296.
PATRÍCIA NOIRET CUNHA IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO ANOTAÇÕES AO CÓDIGO DO IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO E AO REGIME DO IVA NAS TRANSACÇÕES INTRACOMUNITÁRIAS 2004 PAG118.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório –
1 – A..., com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, de 21 de Outubro de 2009, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida contra o despacho de indeferimento de reclamação graciosa oportunamente apresentada contra a liquidação oficiosa de IVA e juros compensatórios, apresentando para tal as seguintes conclusões:
1ª - Em Março de 1999, a Recorrente cedeu o estabelecimento “…”, sito em Manta Rota, no concelho de Vila Real de Stº António, à firma “B….
2ª - A cessão em causa não estava sujeita a IVA por se encontrar enquadrada no âmbito da delimitação negativa do n.º 4 do artº 3º do CIVA.
3ª - Contudo, a posição da administração tributária não foi essa, o que levou a ora Recorrente a impugnar a liquidação resultante de tal entendimento.
4ª - Por sentença proferida em 21/10/2009, o Mmo. Juiz do TAF de Loulé considerou que esse não seria o caso, fundamentando a sua decisão na Informação Interna nº 2495 de 28/11/91 da DSCA do Serviço do IVA, nos termos da qual o sujeito adquirente deveria não só ser ou vir a ser sujeito de IVA pelo acto de aquisição, mas também que o mesmo deveria ter dado continuidade de exploração directa do estabelecimento adquirido.
5ª - Em suma, veio o Mmo. Juiz na sentença proferida, entender que a aplicação do nº 4 do artº 3º do CIVA teria como requisito implícito a continuidade do exercício directo da actividade por parte do adquirente.
6ª - Tal interpretação não colhe, correndo ainda o risco de estar enfermada de violação de lei.
7ª - Em primeiro lugar, a Informação Interna do SDSCA do serviço de IVA não tem valor de fonte de direito, podendo no limite ser entendida como fonte meramente mediata de direito.
8ª - Por conseguinte, ao pretender o julgador atribuir àquela informação valor interpretativo, chegando até a ir além da própria letra da lei, estará não só a contrariar o próprio nº 2 do artº 9º do CC, onde se exige que o intérprete, na descoberta do pensamento legislativo, nunca perca de vista a letra da lei de modo a que tenha sempre “na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”.
9ª - Ora, não se está perante uma mera imperfeição mas sim na ausência de qualquer correspondência verbal, uma vez que no nº 4 do artº 3º do CIVA não há qualquer menção da qual se possa extrair aquele requisito, - a continuidade.
10ª - Em segundo lugar, ao pretender atribuir àquela informação o valor equivalente ao de uma norma interpretativa, o legislador estará ainda a violar o próprio princípio da legalidade dado que, para que aquela informação pudesse ter esse valor, teria de ser dotada do mesmo valor legal que a norma interpretada, ou seja, teria de ter sido aprovada por órgão dotado de idêntica legitimidade.
11ª - O estabelecimento objecto da cessão nunca esteve encerrado, tendo continuado a desenvolver aquela actividade mas em nome de cessionários da exploração, também estes sujeitos de IR e de IVA, e a cedente B…. também sujeita a IRC e IVA pelas retribuições recebidas por aquelas cessões de exploração, não se tendo quebrado a cadeia de tributação.
12ª - Em terceiro lugar, tal interpretação resultaria também numa clara restrição dos direitos à liberdade e à auto-determinação – ambos com assento constitucional – dos intervenientes no negócio em causa.
E isto porque,
12ª - (sic) Não pode pretender-se que a cedente, ora recorrente, a qual se encontrava afastada seja responsabilizada por comportamentos adoptados pela cessionária – B… – “a posteriori”.
13ª - Por último, não se pode aceitar que, por mera Informação Interna emitida pela DSACA do IVA, se venha a pôr em causa a própria lei e, por consequência, violar quer o princípio da confiança, quer os da segurança e certeza jurídicas que estão na base de todo o estado de Direito.
14ª - Donde, resulta que a interpretação contida na douta sentença recorrida não deverá ser aceite, por violar não só a norma contida no n.º 2 do artº 9º do CC mas também a própria Constituição.
Termos em que e nos melhores de direito, deve ser dado provimento ao recurso e revogada a sentença recorrida e, consequentemente, anulada a liquidação adicional de IVA relativa ao ano de 1999 (4º TR), do montante de 5.935,69 € bem como os respectivos juros compensatórios liquidados no montante de 1.435,30€, com as devidas consequências.
2 – Não foram apresentadas contra-alegações.
3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer nos seguintes termos:
A questão que a recorrente B... vem submeter à apreciação e julgamento deste Supremo Tribunal administrativo prende-se com a interpretação do art. 3º, n.º 4 do CIVA,
Alega a recorrente que a decisão recorrida, ao entender que a aplicação do referido normativo teria como requisito implícito a continuidade de exercício directo da actividade por parte do adquirente viola a Lei, nomeadamente o artº 9º, nº 2 do Código Civil, já que não há, em momento algum referência na letra da lei a que o adquirente deva dar continuidade directa ao exercício da actividade anteriormente levada a cabo pelo cedente.
E que a decisão recorrida se funda numa informação interna do SDSCA do Serviço do IVA, cuja interpretação não tem valor como fonte de direito.
Afigura-se-nos, porém, que o recurso não merece provimento.
Ao invés do que se refere no recurso resulta da fundamentação da sentença recorrida que a mesma não atribui àquela informação valor interpretativo, fazendo, antes pelo contrário, apelo aos elementos histórico e teleológico na interpretação do preceito.
Assim, sublinha-se na decisão recorrida, citando Pinto Fernandes e Cardoso dos Santos, que «a filosofia subjacente àquela norma é evitar um maior esforço económico para o cessionário continuador da actividade do cedente, que de outro modo exigiria um auto financiamento muitas vezes difícil impeditivo do comércio jurídico».
Também Patrícia Noiret da Cunha, acentua, nas suas Anotações ao CIVA e ao Regime do IVA nas transacções Intracomunitárias, pags. 119 e 120, que a exclusão só se verifica se o adquirente for ou vier a ser, pelo facto da aquisição, um sujeito passivo de imposto – é necessário que o adquirente continue a exercer a mesma actividade económica que vinha sendo exercida pelo transmitente, numa relação de sequência contínua e sem interrupções.
Acrescenta-se ainda na mesma norma que «o n.º 4 (…) ficciona a inexistência de operação tributável nos casos de cessão de estabelecimento comercial, da totalidade de um património ou de uma parte dele, susceptível de constituir ramo de actividade independente.
(…) Esta norma, ditada por motivos de simplicidade, resulta do facto de o adquirente continuar a actividade económica que vinha sendo exercida, pelo que não se justificaria a tributação em IVA após a cessão.
É a celebração da escritura pública ou do contrato escrito de cessão de estabelecimento comercial que determina a inexistência de facto gerador.»
No caso, e como resulta do probatório, a cessionária não deu continuidade à actividade, não constando das demonstrações de resultados relativas ao ano 2000 quaisquer valores de vendas ou prestações de serviços.
Nestes termos somos de parecer que o presente recurso não merece provimento, devendo confirmar-se o julgado do tribunal recorrido, que fez boa interpretação da lei e por isso não merece censura.
4 - Notificadas as partes do parecer do Ministério Público (fls. 96 e 97 dos autos), nada vieram dizer.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
- Fundamentação -
5 – Questão a decidir
A questão a decidir é a de saber se a interpretação do n.º 4 do artigo 3.º do Código do IVA (CIVA) acolhida na sentença recorrida – no sentido de que a exclusão tributária aí contida pressupõe a continuidade do exercício directo da actividade por parte do adquirente do imobilizado o que, não se verificando no caso dos autos, exclui a sua aplicabilidade da exclusão tributária e sujeita a imposto a transmissão efectuada -, é a adequada ou se, pelo contrário, se verifica erro de julgamento, determinante da sua revogação
6 - Matéria de facto
Constam do probatório fixado na sentença recorrida os seguintes factos:
1. Em 13 de Dezembro de 1999,pela venda a dinheiro n.º 01/99, a impugnante transmitiu à B…, sito na Manta Rota o imobilizado (fls. 7, do PA):
“Diversas máquinas de uso específico, no montante de 6.000.000$00, Louças diversas, no montante de 200.000$00,máquina registadora, no montante de 500.000$00, 14 mesas e 50 cadeiras, no montante de 300.000$00”: total de 7.000.000$00.
2. Em 27 de Janeiro de 2000 a impugnante apresentou declaração de cessação de actividade em sede de IVA (fls. 10 a 11, do PA);
3. Da declaração anual de 1999 do sujeito passivo com o NIPC …, junta a fls 9, na rubrica prestações de serviços, é indicado o montante de € 46.779,21;
4. Em 13 de Outubro de 2003, pelo ofício nº 23927, a Direcção de Finanças de Faro remeteu ao impugnante a nota de apuramento modelo 382, referente ao período de 9912T, tendo sido apurado pelos serviços de inspecção tributária a falta de liquidação do IVA, no valor de € 5.935,69 (fls 12 a 14, do PA);
5. Na mesma data foi remetido o auto de notícia de 2003-10-06, pela infracção do artº 28º, nº 1, al b), do CIVA, pela falta de emissão de factura ou documento equivalente e liquidação de IVA (fls 15 a 16, do PA);
6. Em 21 de Janeiro de 2004 foi apresentada reclamação graciosa a que foi atribuído o nº 1155200404000102 (informação de fls 40, do PA);
7. No âmbito da reclamação graciosa referida supra, os serviços de inspecção tributária elaboraram informação complementar a pedido do Serviço de Finanças de Vila Real de Santo António, conforme fls. 19 a 21, do PA, elaborada em 24 de Novembro e 2005, que se reproduz:
“Em 5 de Maio de 2005 foi emitida a ordem de serviço nº OI200500714, em nome de A…, NIPC …, para o ano de 1999.
O contribuinte tinha morada fiscal em Rua … …, …, 8900-… Vila Real de Santo António, sujeito ao regime normal de tributação com periodicidade mensal de IVA, pela actividade de restaurante de tipo tradicional, CAE 55301, tendo cessado em 31/12/1999.
Tem a presente ordem de serviço origem em processo de reclamação graciosa nº 10/2004, do S.F. de Vila Real de Santo António, em que o contribuinte vem requerer a anulação da liquidação adicional e juros compensatórios do imposto de IVA, referente ao período 9912T, resultante da transmissão do imobilizado para a empresa B…, NIPC ….
Na data da reclamação graciosa anexou, o contribuinte, cópia da venda a dinheiro justificativa da transmissão do imobilizado à empresa B…, referindo um valor total de € 34.915,85, sem qualquer menção a IVA.
Foi em 06/10/03 levantado auto por não emissão de factura ou documento equivalente e a correspondente não liquidação do IVA correspondente à transmissão dos bens de imobilizado, correspondente à infracção do disposto na alínea b) nº 1, do artº 28º, do CIVA.
De forma a possibilitar a avaliação da reclamação supra referida solicitou-se alguns elementos juntos do sujeito passivo tendo este entregue:
° Mapas de amortizações referentes ao exercício de 1999, com o valor do total de imobilizado correspondente a € 54.203,58.
° Cópias de balancetes antes e após apuramento de resultado líquido do exercício de 1999, onde se consegue verificar a existência de créditos do valor total do imobilizado corpóreo equivalente ao mencionado nos mapas de amortização.
° Declaração do contribuinte na qual afirma que todo o imobilizado existente na empresa aquando da sua cessação foi vendido à empresa B….
Solicitou-se igualmente junto da entidade compradora a confirmação desta transacção, tendo esta enviado declaração em que confirmam que o recheio do restaurante foi vendido e pago na íntegra até Dezembro de 1999.
Após análise da documentação recebida com as explicações dadas pelo s.p. e adquirente conclui-se o seguinte:
Apesar da transferência de imobilizado acima descrito se tratar da transmissão da totalidade de um património susceptível de constituir um ramo de actividade independente e o seu adquirente ser um sujeito passivo de IVA não é enquadrável no disposto no n.º 4, do artº 3º, do CIVA, por força da informação nº 2495 de 28/11/91 da DSCA do Serviço do IVA, que esclarece que, para além das condicionantes referidas no nº 4, do artº 3º, do CIVA deverá existir continuidade no exercício da actividade transferida por parte do adquirente.
Tomando como referência a data mencionada no documento suporte da transmissão do imobilizado de 13 de Dezembro de 1999, assumir-se-ia como tendo havido continuidade da actividade se esta tivesse sido exercida pela empresa B…, no decorrer do ano de 2000.
Ora, por análise da declaração anual desta última verifica-se que nas demonstrações de resultados não constam quaisquer valores de vendas ou prestações de serviços, mas apenas referem € 8.978,36 de proveitos suplementares que de acordo com o TOC deste contribuinte se referem a uma cessão de exploração concedida a C…, NIF ….
Face ao exposto, proponho o indeferimento da reclamação graciosa”.
8. Em anexo à informação referida supra foi junta cópia do balancete sintético do ano de 1999; cópia da venda a dinheiro 01/99, cópia do mapa de amortizações de 1999,Declaração de A…, Declaração de B… e cópia do recibo de cedência de exploração de exploração de B… (fls 25 a 31, dos autos, que se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais);
9. Em 2005/12/23 foi elaborado o projecto de despacho pelo Director de Finanças Adjunto a indeferir a reclamação graciosa, tendo a impugnante sido notificada do despacho em 2005/12/26 (fls 39 a 42, da reclamação graciosa e informação de fls 40, do PA);
10. Em 2006/01/09 foi elaborado o despacho definitivo a indeferir a reclamação graciosa (informação de fls 40, do PA);
11. Em 2006/01/29 a impugnante apresentou recurso hierárquico tendo em 2008/09/17 sido negado provimento ( fls 45 a 50, do PA, que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais).
Factos não provados:
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa. Designadamente não se provou o constante do ponto 10 da PI (a saber – fls. 5 dos autos – «Não é verdade que não tivesse havido continuidade da actividade do restaurante em causa, após a sua cessão; isto não significa que o restaurante adquirido pelo novo sujeito passivo tenha de iniciar a sua actividade no dia seguinte, já que se trata de um restaurante de zona turística sazonal – o legislador não pretendeu ir tão longe. A verdade é que a firma adquirente do estabelecimento exerceu a sua actividade nos anos de 1999 e 2000»).
7 – Apreciando
7.1 Da interpretação do n.º 4 do artigo 3.º do Código do IVA (CIVA)
A sentença recorrida, a fls. 43 a 53 dos autos, julgou improcedente a impugnação deduzida contra a liquidação adicional de IVA por ter considerado que a norma do n.º 4 do artigo 3.º do respectivo Código – nos termos da qual não são consideradas transmissões as cessões a título oneroso ou gratuito do estabelecimento comercial, da totalidade de um património ou de uma parte dele, que seja susceptível de constituir um ramo de actividade independente, quando em qualquer dos casos, o adquirente seja, ou venha a ser, pelo facto da aquisição, um sujeito passivo do imposto de entre os referidos na alínea a), do n.º1, do artigo 2.º - é inaplicável nos casos, como o dos autos, em que não houve continuidade (directa) do exercício da actividade por parte da empresa adquirente.
Fundamentou o decidido numa interpretação sistemática do preceito, apoiando-se para tal na jurisprudência e na doutrina que cita (cfr. sentença recorrida, a fls. 50 a 52 dos autos), e não, como alegado, em qualquer pretensa “norma interpretativa” do preceito interpretando.
Como bem nota o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer junto aos autos e supra transcrito, não é exacta a afirmação da recorrente (cfr. conclusão 4.ª das suas alegações de recurso, que desenvolve e da que pretende tirar consequências nas conclusões seguintes) segundo a qual o Mmo. Juiz do TAF de Loulé fundamentou a sua decisão na Informação Interna nº 2495 de 28/11/91 da DSCA do Serviço do IVA (…). A citada informação interna apenas é referida na sentença a propósito do probatório aí fixado (cfr. o seu n.º 7), na transcrição da “informação complementar” datada de 24 de Novembro de 2005, elaborada pelos serviços de inspecção tributária no âmbito do procedimento de reclamação graciosa cujo acto final é impugnado nos presentes autos (cfr. último parágrafo de fls. 48 dos autos).
Não obstante o equívoco da recorrente, que numa interpretação rigorista do objecto do recurso, que não se adoptará, poderia desde já comprometer o seu êxito, verificar-se-á se a sentença recorrida adoptou adequada interpretação do n.º 4 do artigo 3.º do CIVA.
Vejamos, pois.
A exclusão do conceito de “transmissão de bens” para efeitos de IVA das “cessões a titulo oneroso ou gratuito do estabelecimento comercial, da totalidade de um património ou de uma parte dele, que seja susceptível de constituir um ramo de actividade independente”, constante do n.º 4 do artigo 3.º do CIVA, corresponde, como é reconhecido na sentença recorrida, à utilização por parte do legislador nacional da faculdade que lhe foi conferida pelo n.º 8 do artigo 5.º da Sexta Directiva do Conselho de 17 de Maio de 1977 (Directiva 77/388/CEE), nos termos da qual «Os Estados-membros podem considerar que a transferência a título oneroso ou a título gratuito ou sob a forma de entrada numa sociedade de uma universalidade de bens ou de parte dela não implica uma entrega de bens e que o beneficiário é equiparado a sucessor do transmitente. (…)».
Segundo os autores, colhe-se da exposição de motivos que acompanhou a proposta de adopção da Sexta Directiva apresentada pela Comissão Europeia, a norma comunitária pretendeu conferir aos Estados-Membros a possibilidade de estabelecerem “uma simplificação de procedimentos” e bem assim a de lhes permitir “evitar sobrecarregar as tesourarias das empresas”, estando este segundo objectivo relacionado “com a intenção de não agravar o esforço financeiro das empresas que pretendem iniciar uma actividade comercial ou industrial, ou expandir ou renovar a que vêm já exercendo, obrigando-as nesses momento ao dispêndio de um montante avultado de IVA, o qual, em princípio, iria posteriormente ser objecto de dedução a seu favor” (cfr. RUI LAIRES «Anotação ao Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 27 de Novembro de 2003, Processo n.º C- 497/01 (Sexta Directiva IVA – Artigo 5.º, n.º 8 – Transmissão de uma universalidade de bens», CTF, n.º 416, Julho/Dezembro 2005, pp. 295/296).
Daí que a norma comunitária refira expressamente que, nesses casos, o beneficiário é equiparado a sucessor do transmitente, alocução que, não implicando necessariamente a identidade de ramos de actividade exercidas por este e por aquele (como o Tribunal de Justiça já teve ocasião de esclarecer no seu Acórdão de 27 de Novembro de 2003, processo n.º C- 497/01), parece ter implícito o entendimento, sob pena de frustração da ratio da norma em causa (e a daquelas que nos ordenamentos dos Estados-Membros concretizaram aquela faculdade), de que a exclusão só se verifica se o adquirente for ou vier a ser, pelo facto da aquisição, um sujeito passivo de imposto, sendo necessário que o adquirente continue a exercer mesma actividade económica que vinha sendo exercida pelo transmitente, numa relação de sequência contínua e sem interrupções (cfr. PATRÍCIA NOIRET CUNHA, Imposto sobre o Valor Acrescentado: Anotações ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado e ao Regime do IVA nas Transacções Intracomunitária, Lisboa, ISG, 2004, p. 118, nota 3 ao artigo 3.º do CIVA).
Ora, foi precisamente este o entendimento do n.º 4 do artigo 3.º do CIVA o adoptado pela sentença recorrida que, verificando em face dos factos levados ao probatório que o adquirente não deu continuidade directa à actividade antes exercida, concluiu não haver lugar à aplicação do disposto no n.º 4 do artigo 3.º do Código do IVA, estando, em consequência, a transmissão sujeita a imposto e legitimada a liquidação oficiosa feita pelos serviços da Administração tributária.
Ao assim ter julgado, bem julgou, pelo que o decidido não merece censura, antes deve ser confirmado.
Improcedem, pois, as alegações do recorrente, estando o seu recurso votado ao insucesso.
- Decisão -
8 - Termos em que, face ao exposto, acordam o juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a procuradoria em 1/6.
Lisboa, 5 de Maio de 2010. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Brandão de Pinho - António Calhau