Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0844/18.7BEPRT
Data do Acordão:05/18/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:IRS
INSOLVÊNCIA
DÍVIDA
Sumário:I - No pressuposto de que a responsabilidade (pelo pagamento) de dívida originada por mais-valias (IRS) “em juízo apenas poderá discutir-se através da oposição à execução fiscal”, corrido, varejando, o elenco das várias (9) alíneas do n.º 1 do artigo 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), à partida e teoricamente, somente há espaço, cabimento, para tal discussão, na respetiva al. i), enquanto, unanimemente, assumida como disposição de carácter residual, onde, em tese, cabem situações, não enquadráveis nas outras alíneas do mesmo número, caracterizadas pela existência de facto extintivo ou modificativo da dívida exequenda ou que afete a sua exigibilidade.
II - Esse cabimento não é irrestrito, pois, por imposição do legislador, um facto capaz dos apontados efeitos sobre a dívida exequenda só é suscetível de constituir fundamento, operante e válido, de oposição à execução fiscal, quando, desde logo, não envolva (o seu tratamento/relevância no processo de oposição) a “apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda”.
III - É inviável a questão, colocada pela recorrente, de saber se o imposto (IRS) devido pela mais-valia gerada por venda, do administrador da insolvência, no decurso da liquidação dos bens que integram a massa insolvente de uma devedora, pessoa singular, constitui (ou não) uma dívida da massa insolvente, ao abrigo do disposto no art. 51.º n.º 1 al. c) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), constituir fundamento possível e válido desta oposição.
Nº Convencional:JSTA000P29398
Nº do Documento:SA2202205180844/18
Data de Entrada:03/04/2022
Recorrente:A.....
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

# I.

A……, …, recorre de sentença, proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto, em 10 de setembro de 2021, que julgou improcedente esta (por si apresentada) oposição à execução fiscal, para cobrança de dívida proveniente de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), do ano de 2011, no montante de € 29.305,32 e legais acréscimos.
A recorrente (rte) alegou e concluiu: «



O objecto do presente recurso está circunscrito à questão de saber se o imposto devido pela mais valia gerada pela venda levada a cabo pelo administrador da insolvência no decurso da liquidação dos bens que integram a massa insolvente de uma devedora, pessoa singular, efectuada por valor superior àquele pelo qual tinha sido adquirido pela insolvente, aqui recorrente, constitui ou não uma dívida da massa insolvente, cf. art. 51 n.º 1, al. c) do CIRE.


A partir do momento em que, o bem alienado é parte integrante da massa falida, a dívida tributária a que deu origem deverá ser satisfeita por bens pertencentes à massa insolvente, ao abrigo do disposto no art. 51.º, n.º 1, alínea c) do CIRE. Se assim não fosse, estar-se-ia a contrariar a própria acepção de património autónomo e a desvirtuá-la de qualquer conteúdo e utilidade”.


A dívida em execução não é da responsabilidade da recorrente mas da massa insolvente, devendo o Administrador de Insolvência ser notificado para proceder ao seu pagamento.


Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente, por Acórdão que revogue a sentença recorrida e ordene a anulação da execução,

Assim se fazendo a mais elementar Justiça! »


*

Não houve lugar a contra-alegação.

*

O Exmo. magistrado do Ministério Público emitiu parecer, concluindo “que a sentença recorrida não padece do vício que lhe é assacado pela Recorrente, motivo pelo qual se impõe a sua confirmação, julgando-se improcedente o recurso”.

*

Cumpridas as formalidades legais, compete-nos decidir.

*******

# II.

Na sentença, em sede de julgamento factual, encontra-se exarado: «

Com relevância para a decisão a proferir, considera-se provada a seguinte factualidade:

1. A Fazenda Pública, em 19/9/2015, instaurou o Processo de Execução Fiscal nº 1902201501233475, contra A……, Contribuinte Fiscal nº ……., com vista à cobrança de créditos de IRS (Mais Valias) referentes a 2011, no montante de € 29.305,32, e legais acréscimos, que admitiam pagamento voluntário até 31/8/2015, conforme certidão de dívida de fls. 27 do processo físico que se dá por reproduzida.

2. A Oponente foi declarada insolvente por sentença transitada em julgado, proferida em 13/9/2010 no Processo nº 2692/10.3TBBCL, que correu termos no 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Barcelos, conforme documento de fls. 49 do processo físico que se dá por reproduzido.

3. No Processo nº 2692/10.3TBBCL, em 25/11/2011, o Administrador de Insolvência outorgou escritura pública de compra e venda do imóvel inscrito na matriz predial urbana de Arcozelo, em Barcelos sob o artigo …, pelo montante de € 250.460,00.

4. O Administrador de Insolvência no Processo nº 2692/10.3TBBCL remeteu ao Serviço de Finanças de Vila do Conde a carta que consta a fls. 40/42 do processo físico que se dá por reproduzida, recebida em 21/2/2018, da qual consta que o pagamento das mais valias resultantes da venda do imóvel referido em 3 é da responsabilidade da insolvente.

5. A Oponente apresentou declaração de substituição do modelo 22 de IRS referente a 2011, na qual mencionou rendimentos da categoria A e mais valias decorrentes da alineação do imóvel mencionado em 3, conforme documento de fls. 34 do processo físico que se dá por reproduzido.

6. A Autoridade Tributária emitiu a liquidação de IRS referente a 2011, tendo em conta os elementos constantes da declaração mencionada em 5, na qual consta imposto a pagar pela Oponente, no montante de € 29.305,32.

7. A Oponente apresentou reclamação graciosa em relação à liquidação mencionada em 6, que foi indeferida em 9/2/2017.

8. A Oponente foi citada no Processo de Execução nº 1902201501233475, mencionado em 12/3/2018, conforme documentação de fls. 44 do processo físico que se dá por reproduzida.

9. A presente oposição foi apresentada em 22/3/2018. »


***

Em sede de “fundamentação de direito”, da sentença recorrida consta o seguinte conjunto de argumentos: «

(…).

Compulsados os autos, e analisada a causa de pedir e o pedido formulado pela Oponente, é manifesto que o meio processual próprio para fazer valer aquela pretensão, tendo em conta os fundamentos invocados, posto que a Oponente pretende discutir a legalidade da liquidação, não é a oposição judicial à execução fiscal, nos termos do disposto nos artigos 203º e 204º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, mas sim a impugnação judicial prevista nos artigos 99º e 102º do mesmo diploma, como acertadamente se refere no parecer emitido pelo Ministério Público.

Todavia, a Oponente formulou o pedido adequado à forma processual escolhida, qual seja a “anulação da execução”, que deve entender-se como extinção da execução, pedido típico da oposição judicial.

Destarte, tal como acertamente refere o Ministério Público, não ocorre erro na forma de processo.

(…).

Aqui chegados, e assente que inexiste erro na forma do processo, importa salientar a causa de pedir formulada não pode conduzir à procedência do pedido, tendo a oposição que improceder.

Na verdade, como acentuado pela Fazenda Pública, a questão da legalidade do imposto não pode ser apreciada nesta forma processual, pelo que a questão suscitada restringe-se apenas à alegada não responsabilidade da Oponente pelo pagamento dos créditos exequendos.

Sucede que, como acertadamente refere o Ministério Público, estribado no Acórdão do STA de 10/5/2017, relatado pelo Conselheiro Francisco Rothes, “a transmissão efetuada pela massa insolvente da autora, foi sempre um rendimento da oponente. Resulta do título de transmissão que a venda se integra no âmbito da liquidação do ativo da massa insolvente, mas apesar disso foi um rendimento obtido pela insolvente, pois destinou-se a pagar as suas dívidas.”.

Efectivamente, tal como flui da decisão citada, “I - Os bens apreendidos e vendidos em processo de insolvência continuam a ser propriedade do insolvente até à venda.

II - A diferença entre o valor de aquisição e de venda dos bens imóveis, ainda que esta se faça em processo de insolvência e o respectivo produto fique afecto à satisfação dos credores da insolvência, não deixa de ser um rendimento obtido pelo insolvente.

III - Sendo certo que o CIRE, no n.º 1 do seu art. 268.º, prevê a isenção das mais valias resultantes da dação em cumprimento ou cessão de bens do insolvente aos credores no âmbito do processo de insolvência, já não prevê idêntica isenção no caso da venda, nada fazendo crer (designadamente para efeitos da aplicação extensiva da norma a esta última situação) que o legislador tenha dito menos que pretendia.”.

Assim sendo, aderindo aos fundamentos expendidos na decisão citada, a responsabilidade pelo pagamento daquele tributo recai sobre a Oponente e não pela massa insolvente, posição aliás assumida pelo Administrador de Insolvência.

De resto, o IRS em execução resultou da apresentação da declaração de substituição modelo 22 por parte da Oponente, pelo que a Autoridade Tributária limitou-se a emitir a liquidação em conformidade com os elementos mencionados pela Oponente que se presumem verdadeiros e correspondentes à realidade nos termos do artigo 75º, nº 1, da Lei Geral Tributária. Ora, a Oponente não demonstrou que tal declaração não corresponde à verdade, a reclamação graciosa que apresentou foi indeferida e não reagiu tempestivamente por forma a impugnar a liquidação, e tratando-se de dívida pessoal da Oponente, atenta a natureza pessoal do IRS, é manifesto que não é subsumível ao artigo 51º, nº 1, alínea c), do CIRE, tal como sustentado pela Fazenda Pública, uma vez que não emerge do acto de liquidação mas tão só das mais valias que se geraram na esfera pessoal da insolvente.

Consequentemente, sem necessidade de outros considerandos, tem a oposição de improceder, mantendo-se a execução em causa. »

A justaposição entre a parte essencial dos fundamentos (vindos de reproduzir), que suportam a decisão de julgar improcedente esta oposição à execução fiscal e o teor das conclusões (inicialmente transcritas), delimitadoras do objeto deste recurso, permite-nos percecionar e afirmar que a rte não confronta, diretamente, a decisão sob crítica, no que tange à, repetida, afirmação de que “a legalidade da liquidação”/”a questão da legalidade do imposto” (subjacente à causa de pedir) não pode ser discutida/apreciada “nesta forma processual”, ou seja, no processo de oposição à execução fiscal, centrando a sua discordância em relação ao julgado sobre a “questão” que identifica na conclusão 1ª, isto é, ao passo em que, na sentença, se defende, especificamente, “…, e tratando-se de dívida pessoal da Oponente, atenta a natureza pessoal do IRS, é manifesto que não é subsumível ao artigo 51º, nº 1, alínea c), do CIRE, tal como sustentado pela Fazenda Pública, uma vez que não emerge do acto de liquidação mas tão só das mais valias que se geraram na esfera pessoal da insolvente”.

Não obstante o sentido da, concreta, abordagem pela rte (Que, obviamente, não consideramos como incapaz de assegurar o prosseguimento deste recurso, por (potencial) falta de ataque, adequado, relevante, à decisão de 1.ª instância.), desde já, manifestamos que, na nossa perspetiva e avaliação, as questões identificadas implicam e merecerão um tratamento concatenado, porquanto, entendemos que o debruce e resposta, à questão formulada pela rte, sem prejuízo da sua intrínseca ligação ao (vetusto) direito falimentar, hoje, da insolvência, não pode obnubilar a circunstância de, casuisticamente, a mesma estar a ser versada no âmbito da jurisdição tributária e, mais restritamente, em sede de processo judicial tributário de oposição à execução fiscal – artigo (art.) 97.º n.º 1 alínea (al.) o) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Este veículo processual, presente o disposto no art. 204.º n.º 1 do CPPT, encontra-se, por vontade do legislador, sujeito a uma short list de fundamentos, admissíveis como suportes, únicos e insubstituíveis, de oposição a uma qualquer execução fiscal (À semelhança, diga-se, do que sucede com as execuções comuns/cíveis – cf. arts. 729.º a 731.º do Código de Processo Civil (CPC).).

Em função deste condicionalismo, incontornável, não esquecendo, ainda, que, no STA (desde logo, no acórdão coligido na sentença recorrida (De 31 de maio de 2017, processo n.º 01410/16.), se defendeu, argumentou, já, que a responsabilidade (pelo pagamento) de dívida originada por mais-valias (IRS) “em juízo apenas poderá discutir-se através da oposição à execução fiscal”, corrido, varejando, o elenco das várias (9) alíneas do n.º 1 do normativo em apreço, à partida e teoricamente, somente conseguimos encontrar espaço, cabimento, para tal discussão, na respetiva al. i) (« Quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferênciaem matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título. »), enquanto, unanimemente, assumida como disposição de carácter residual, onde, em tese, cabem situações, não enquadráveis nas outras alíneas do mesmo número, caracterizadas pela existência de facto extintivo ou modificativo da dívida exequenda ou que afete a sua exigibilidade.

Acontece, como decorre da redação do versado segmento normativo, que esse cabimento não é irrestrito, pois, por imposição do legislador, um facto capaz dos apontados efeitos sobre a dívida exequenda só é suscetível de constituir fundamento, operante e válido, de oposição à execução fiscal, quando, desde logo, não envolva (o seu tratamento/relevância no processo de oposição) a “apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda”. Por outras palavras, nos casos em que a dívida, exigida num processo de execução fiscal, tem a precedê-la (tem na sua génese) um ato de liquidação tributária, a invocação (pelo oponente) de um facto capaz, por exemplo, de afastar a exigibilidade, da mesma, quanto a si, ou, no equivalente, fazer com que não seja responsável pelo respetivo pagamento, só pode ser fundamento de oposição, a esse processo executivo, desde que não implique reabrir, em qualquer medida, a discussão sobre a legalidade dessa genética liquidação; na prática, subsistindo a conformidade da liquidação com a lei e inerente exigência da dívida ao oponente, só pode constituir fundamento, a coberto da al. i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, facto estranho e não conflituante com esse ato tributário prévio.

Identificado e estabelecido este pertinente enquadramento jurídico, enfrentemos, então, a pretensão, da rte, de ver revogada a sentença recorrida.

Liminarmente, é certo que, nesta, o julgador, tendo omitido referência, expressa, a qualquer uma das alíneas do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, podia provocar a existência de dúvidas sobre o seu percurso cognoscitivo. Contudo, ponderado o conteúdo, integral, dos fundamentos jurídicos congregados, podemos, com segurança, identificar que teve em mente a al. h) (« Ilegalidade da liquidação da dívida exequenda, sempre que a lei não assegure meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação; »), afirmando, em decorrência, que “a questão da legalidade do imposto (da liquidação) não pode ser apreciada nesta forma processual”, depois de dizer que tal deveria ter acontecido em processo de impugnação judicial, além do mais, como reação ao indeferimento de reclamação graciosa, apresentada pela oponente.

Sendo, em sintonia, com o acima sustentado, de afastar este raciocínio, importa, portanto, redirecionar a análise sequente, para o eventual funcionamento, in casu, da previsão da al. i) do comando legal em operação.

Na ótica da rte, o pagamento da quantia exequenda não é da sua responsabilidade, porque, simplesmente, ela é uma dívida da massa insolvente (nascida com a sua declaração como insolvente, por sentença, transitada em julgado, proferida a 13 de setembro de 2010); ou seja, nesta construção, objetivamente, nenhum relevo merecerem os factos de a oponente haver apresentado declaração de substituição, do modelo 22 de IRS, referente a 2011, na qual mencionou rendimentos da categoria A e mais-valias decorrentes da alineação do imóvel pelo administrador de insolvência, de a autoridade tributária e aduaneira (AT) ter emitido a liquidação de IRS, do ano de 2011, tendo em conta os elementos constantes dessa declaração substitutiva, em relação à qual apresentou (a rte/oponente) reclamação graciosa, indeferida em 9 de fevereiro de 2017 – pontos 3., 5. a 7. da factualidade provada.

Antes de mais e sem prejuízo da conformação que terá infra, quanto à questão de saber se o imposto (IRS) devido pela mais-valia gerada, como na situação julganda, por venda, concretizada pelo administrador da insolvência, no decurso da liquidação dos bens que integram a massa insolvente de uma devedora, pessoa singular, constitui ou não uma dívida da massa insolvente, ao abrigo do disposto no art. 51.º n.º 1 al. c) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), não desconhecemos o sentido afirmativo de pronúncias provenientes de quadrantes doutrinários (Cf., v.g., Rui Duarte Morais, “Os Credores Tributários no Processo de Insolvência”, Direito e Justiça, vol. XIX, 2005, tomo II, pág. 218.), bem como, jurisprudenciais, com origem nos tribunais da jurisdição comum, como é o caso, paradigmático, do, invocado pela rte, acórdão da Relação do Porto, datado de 2 de julho de 2015 (Processo n.º 8729/12.4TBVNG-G.P1.), em que, destacadamente, se decide que “não existe nenhuma isenção de imposto, benefício fiscal, para o caso de alienação de bens imóveis integrantes da massa insolvente. E por isso, as mais-valias realizadas, no caso, entram na determinação da matéria colectável do devedor, isto é, do insolvente. Mas quem deve pagar o imposto daí decorrente não é a insolvente com o seu património remanescente, mas sim a massa de bens separada para o efeito, isto é, a massa insolvente”.

Ora, sem desmerecer, em particular, dos argumentos, invocados neste aresto, suportando a afirmação/conclusão de que o imposto devido por mais-valia gerada com a venda de um bem imóvel da massa insolvente é uma dívida desta (e não do insolvente), não podemos deixar de registar que esta premissa é estabelecida no âmbito de um processo, de insolvência, onde a insolvente requereu, ao tribunal que a declarou e processava, “que o imposto devido pelas mais-valias geradas com a venda, por … €, pelo administrador da insolvência, de um imóvel da massa insolvente, imóvel que antes integrava o seu património e que tinha sido adquirido por doação, fosse considerado uma dívida da massa, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art. 51 do CIRE”.

O confronto entre o teor destes dois segmentos fundamentadores do versado acórdão, imediata e objetivamente, nos permite constatar que, não obstante o julgador, num momento, ser perentório no apontamento de que “as mais-valias realizadas, no caso, entram na determinação da matéria colectável do devedor, isto é, do insolvente”, nenhum obstáculo encontra, do ponto de vista tributário (porque, desde logo, o processo em causa pertence a outra ordem judicial), para entender e afirmar que o pagamento do imposto, daí decorrente, não tem de ser assegurado pelo(a) insolvente, com o seu património remanescente, sendo, portanto, responsabilidade da massa insolvente. Por outras palavras, a resposta à questão nuclear, embora admita, como é correto, que a mais-valia, em situações deste tipo, constitui um rendimento (de IRS) do insolvente, passa a responsabilidade pelo pagamento do competente imposto (quando devido) para a massa insolvente, sem se preocupar, nem curar de saber das implicações decorrentes de, no âmbito tributário, ter ficado assumido e, definitivamente, definido, o sujeito passivo do tributo, exigível e não pago.

Em suma, de momento, parece-nos evidente que, neste processo de oposição à execução fiscal, a resposta, à questão central deste apelo (conclusão 1ª), não pode seguir o caminho percorrido pela Relação do Porto, tendo de afastar-se da apontada linearidade; não podemos responder-lhe atentando, somente, nas condicionantes e implicações ao nível do regime jurídico-processual da insolvência (Em que, diga-se, para não existir qualquer reserva mental, propendemos a concordar.), descurando a ponderação e valoração dos pertinentes e nesta sede incontornáveis, princípios/interesses/regras de cariz jurídico-processual tributário.

O antes expendido, facilmente, deixa antever que, então, a perseguida resposta tem de estruturar-se mediante a consideração dos limites impostos pela aplicável al. i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, isto é, fundamental e decisivamente, há de preocupar-se, em primeira linha, com a eventualidade da invasão dos limites da legalidade da ocorrida e firmada liquidação, de IRS e juros compensatórios, em montante correspondente e traduzido na dívida exequenda, exigida à executada/oponente.

Não sendo disputável/questionável (ao ponto de poder ser posto em causa e decidido doutra forma) (Sem olvidar a jurisprudência, do STA, afirmativa de que os “bens apreendidos e vendidos em processo de insolvência continuam a ser propriedade do insolvente até à venda” e que a “diferença entre o valor de aquisição e de venda dos bens imóveis, ainda que esta se faça em processo de insolvência e o respectivo produto fique afecto à satisfação dos credores da insolvência, não deixa de ser um rendimento obtido pelo insolvente, que está obrigado a declará-lo”, tratando-se de pessoas singulares, a título de rendimentos de mais-valias (anexo G), em cédula de IRS.) que a oponente/rte apresentou declaração de substituição, do modelo 22, de IRS, referente a 2011, na qual mencionou rendimentos da categoria A e mais-valias decorrentes da alineação do imóvel, pelo administrador de insolvência, de a AT ter emitido a liquidação de IRS, do ano de 2011, em função dos elementos constantes dessa declaração substitutiva, a qual afrontou com reclamação graciosa, indeferida, indeferimento este que não mereceu, da sua parte, qualquer tipo de reação (administrativa e/ou jurisdicional), entendemos que contenderia, pelo menos, em parte, com tal trajeto e afirmação de legalidade da, emergida, liquidação, apresentando como sujeito passivo (exclusivo) a executada/oponente, discutir-se e no limite afirmar, que a responsabilidade pelo pagamento da quantia liquidada e não voluntariamente satisfeita, não era sua, mas de um terceiro, estranho e ausente do procedimento previsto e disciplinado no art. 59.º segs. do CPPT.

Efetivamente, sem prejuízo de, em abstrato, podermos autonomizar o pagamento da prestação/dívida tributária, ao ponto de admitir que o mesmo pode ser feito por terceiro (em vez do devedor) (Cf. arts. 40.º e 41.º da Lei Geral Tributária (LGT).), a pretensão da rte, de alcançar, nestes autos, uma declaração de que a dívida, do processo de execução fiscal a correr contra si, constitui dívida da (sua) massa insolvente, implicaria, necessariamente, apreciar, de novo e em outros moldes, a legalidade, a conformidade com a lei, da liquidação, de IRS, efetuada, porquanto, impunha questionar a identidade do respetivo sujeito passivo; na prática, este tribunal tinha de assumir a tarefa de apreciar, numa outra perspetiva, mediante a consideração de outras variáveis, a legalidade da liquidação conduzida e produzida, pelos serviços competentes da AT, cujo resultado se firmou, sem dúvida, na ordem jurídico-tributária.

Acresce que, na hipótese de a resposta à questão, colocada pela rte, ser positiva, afirmativa, emergiria uma outra dificuldade, correspondente à potencial impossibilidade de cobrar a dívida exequenda, decorrente de se ter de extinguir a execução fiscal contra a executada inicial/oponente/rte e se mostrar inviável, por força do alcance limitado das decisões jurisdicionais possíveis no processo de oposição à execução fiscal, a emissão de novo título executivo, capaz de proporcionar à AT, se necessário, a cobrança coerciva da dívida do IRS devido, isto é, de um crédito tributário indisponível (E, nos termos do art. 30.º n.º 3 da LGT, a indisponibilidade do crédito tributário prevalece sobre regra diferente, estabelecida em qualquer legislação especial (sem prejuízo dos privilégios creditórios dos trabalhadores previstos no Código do Trabalho).). Na verdade, ao invés do que parece sugerir a rte (conclusão 3ª), a resolução do problema, que coloca, não seria alcançável com a mera notificação do administrador da insolvência para proceder ao pagamento da dívida exequenda, o qual sempre poderia rejeitar essa responsabilidade, com a invocação, além do mais, da falta de título executivo contra a massa insolvente (Aliás, na situação presente, o administrador da insolvência assumiu comportamento de enjeitamento dessa responsabilidade – ponto 4. dos factos provados.).

Desenhada e estabelecida, para nós, a inviabilidade da questão, despoletada pela rte, constituir fundamento possível e válido desta oposição, resta efetuar dois apontamentos.

Não se podendo, como o julgamento da matéria deste recurso patenteia, esconder a existência de zonas de, eventual e potencial, incompatibilidade entre normas (substantivas e/ou processuais) do direito da insolvência e do direito tributário, entendemos que o legislador dá sinais de que os conflitos terão de ser solucionados, por regra, com preferência pela defesa, salvaguarda, dos interesses conexos com o recebimento de todos os créditos tributários; nesta linha, desde logo, o disposto nos arts. 30.º n.º 3 da LGT e 180.º n.º 6 do CPPT (Por exemplo, a execução visada por esta oposição pode prosseguir os seus termos normais, contra a oponente, a coberto desta última norma (o crédito de IRS, em cobrança coerciva, venceu-se após a declaração de insolvência).).

Em relação à concreta pretensão da rte, registe-se que o sentido do veredicto seguinte não inibe, à partida, sem prejuízo da concreta/contemporânea situação processual da insolvência, a possibilidade de, aí, diligenciar (e conseguir), o reconhecimento da versada dívida, de IRS, como crédito sobre a massa insolvente e passar a ser, portanto, uma credora da mesma.

Rematando, a decisão de julgar improcedente esta oposição à execução fiscal, assumida pelo tribunal recorrido, ainda que, com os ajustes decorrentes da anterior exposição de motivos, é de manter.


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# III.

Pelo congregado destes fundamentos, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos negar provimento ao recurso.


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Custas pela recorrente; sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.

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[texto redigido em meio informático e revisto]

Lisboa, 18 de maio de 2022. – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.