Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0623/11
Data do Acordão:09/14/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:VERIFICAÇÃO
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Sumário:I - Após as alterações introduzida no Código de Procedimento e de Processo Tributário pela Lei n.º 55-A/2010, de 31.12, os Tribunais Tributários continuam a ter competência para conhecer da matéria relativa à verificação e graduação de créditos, tendo ocorrido apenas uma alteração da via ou forma processual adequada ao seu conhecimento, que deixou de ser o processo judicial de verificação e graduação de créditos, para ser o processo judicial de reclamação da decisão proferida pelo órgão da execução sobre a matéria, passando, assim, esta reclamação a constituir a forma processual de exercer a tutela jurisdicional no que toca à verificação e graduação de créditos.
II - Quanto à aplicação no tempo da lei processual civil e tributária, a regra é a mesma que vale na teoria geral do direito: a lei nova é de aplicação imediata aos processos pendentes, mas não possui eficácia retroactiva - artigo 12.º, n.º do C.Civil e artigo 12.º, n.º 3 da LGT. Porém, da submissão a esta regra geral exceptua-se o caso de a lei nova ser acompanhada de normas de direito transitório ou de para ela valer uma norma especial, como é o caso da norma contida no n.º 2 do artigo 142º do CPC, que determina que a forma de processo aplicável se determina pela lei vigente à data em que a acção é proposta.
III - Por força dessa norma contida no n.º 2 do artigo 142.º do CPPT, que é subsidiariamente aplicável ao contencioso tributário por força do artigo 2.º, alínea e) do CPPT, a nova lei não pode ser aplicada aos processos de verificação e graduação de créditos pendentes nos Tribunais Administrativos e Fiscais em 1 de Janeiro de 2011, os quais continuam a seguir a forma processual vigente à data da sua instauração.
IV - À mesma conclusão se chegaria pela aplicação da norma contida no n.º 3 do artigo 12.º da LGT, na medida em que a aplicação imediata da lei nova aos processos pendentes é susceptível de afectar os direitos e interesses legítimos anteriormente constituídos das partes.
Nº Convencional:JSTA000P13227
Nº do Documento:SA2201109140623
Recorrente:MINISTÉRIO PÚBLICO
Recorrido 1:FAZENDA PUBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I – O Exmº Magistrado do Ministério Público recorre para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, de 29 de Março de 2011, proferida nos autos de verificação e graduação de créditos n.º 18/11.8BEBRG, que, por aplicação do artigo 64º do Código de Processo Civil determinou que, após trânsito em julgado do despacho, deviam os autos ser remetidos ao órgão de execução fiscal para aí serem tramitados.
Termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
1 - A nova redacção dos artigos 97, n.º 1, o), 151, n.º 1, 245, números 2, 3 e 4 e 247, n.º 1, todos do CPPT, em vigor desde 1-1-2011, somente é aplicável aos processos de verificação de créditos instaurados após aquela data, atento o preceituado no art.º 5.º, n.º 1, do ETAF, dado tratar-se de uma modificação posterior de direito, nessa medida irrelevante.
2 - Como é, outrossim, irrelevante que tal modificação se traduza na atribuição da competência material a uma outra entidade, que não a um diferente tribunal.
3 - Decidindo ao arrepio, infringiu a sentença em crise o preceituado nos referidos comandos legais e, ainda, no art.º 64 do C. de Processo Civil.
4 - Deve, portanto, ser revogada e substituída por outra que proceda à graduação de créditos.
Não foram apresentadas contra-alegações.
O processo de verificação e graduação de créditos foi autuado em 21 de Dezembro de 2010 (cf. fls. 3).
É o seguinte o teor do despacho recorrido (fls. 60 e segs.):
«A fls. 42/47 dos autos foi proferido despacho, manifestando entendimento de que "(...) será de ordenar a remessa dos presentes autos ao órgão de execução fiscal, afim de que este, nos termos do actual artigo 245. °/2 do Código de Procedimento e Processo Tributário, proceda à verificação e graduação dos créditos reclamados com os créditos exequendos (...)"
Reclamante(s) e reclamado não se pronunciaram sobre a questão.
A Fazenda Pública, veio aos autos manifestar a sua adesão ao exposto no despacho supra.
O Ministério Público, no seu parecer, veio defender a permanência dos autos
neste Tribunal, com base, em suma, nos seguintes argumentos:
a) O disposto no artigo 5.° do ETAF;
b) Dois exemplos de situações análogas ocorridas nos tribunais da jurisdição comum, nas quais os processos pendentes ficaram no tribunal.
Em relação ao primeiro dos argumentos apontados pelo Ministério Público, mantém-se o entendimento explanado no despacho anteriormente proferido, ou seja, de que o artigo 5.° do ETAF limita-se a regular a distribuição de competência entre Tribunais, e não entre estes e órgãos da Administração Tributária.
No que diz respeito à falta de previsão expressa que determine a remessa imediata dos autos ao órgão de execução fiscal, entende-se não ser decisiva, tanto mais
que se verifica uma igual ausência de norma a determinar o contrário.
Ora, conforme se pode ler no Ac. do TRL de 15-02-2007, proferido no processo 370/2007-6, disponível em www.dgsi.pt: " ... o sentido da solução geral aplicável ao comum das leis processuais, sempre que não haja disposição transitória, especial ou sectorial, em contrário, é o do princípio da aplicação imediata da lei processual.
A este princípio, que não tem formulação expressa na lei, estão subjacentes, para a generalidade dos autores, o facto de o direito processual ser um ramo do direito público que se sobrepõe aos interesses particulares dos litigantes e a circunstância de se tratar de um ramo de direito adjectivo que apenas regula o modo como as partes podem exercer os seus direitos que a lei substantiva consagra.
No entanto, para os citados autores a solução passa por estender ao domínio do processo civil, com as necessárias adaptações, a doutrina estabelecida, em termos genéricos, no artigo Ir do Código Civil. Assim, a " ... ideia, proclamada neste artigo, de que a lei dispõe para o futuro significará, na área do direito processual, que a nova lei se aplica às acções futuras e também a actos futuramente praticados nas acções pendentes ", continuando a aferir-se a validade e regularidade dos actos processuais
anteriormente praticados pela lei processual antiga vigente ao tempo".
Deste modo, e desde logo, entende-se não ser beliscado o princípio de que a lei só rege para o futuro, antes pelo contrário. Com efeito, e de acordo com o acórdão transcrito e os autores ali citados (A. Varela, M. Bezerra e S. Nora, no seu Manual de Processo Civil, 2a ed., Coimbra Editora), a solução de aplicação imediata da lei processual nova é a única conforme com tal princípio.
Assim, dever-se-ão ter como de aplicação imediata as alterações processuais decorrentes da Lei que aprova o Orçamento Geral do Estado para o ano de 2011 (Lei n.º 55-A/2010 de 31-12), ora em causa.
Daí decorre, como já se havia apontado anteriormente que deixa de existir suporte normativo-processual para a tramitação de processos de verificação e graduação de créditos nos Tribunais Tributários, já que as normas que consagravam a existência de tal meio processual foram revogadas, sem qualquer regime transitório, sendo, como se vem de ver, tal revogação de aplicação imediata. Ou seja, por outras palavras, carece por completo de suporte legal a tramitação dos presentes autos, face à entrada em vigor da referida Lei n.º 55-A/2010 de 31-12.
É que esta lei, conforme já também referido, não se limita a transferir a competência para a tramitação de uma forma processual de um Tribunal para outro - motivo pelo qual não será de aplicar o artigo 5.° do ETAF. O que a lei em causa fez foi
extinguir um meio processual e criar um outro ex novo.
Daí que não seja susceptível de se manter a tramitação dos presentes autos, correspondentes a uma forma processual que não existe no ordenamento jurídico vigente, com a consequente ausência de normas que sustentem tal tramitação.
Quanto aos exemplos elencados pelo Ministério Público, de situações que tem por análogas ocorridas na jurisdição comum, salvo o devido respeito, refuta-se tal analogia.
Com efeito, quanto ao caso do DL 272/2001, como o próprio Ministério Público o reconhece, a Lei salvaguardou a sua não aplicação aos processos pendentes, o que não ocorre no presente caso.
Quanto ao caso do DL 76-A/2006, o próprio Ministério Público reconhece que a disciplina de tal diploma é complementar da previamente existente, que não foi extinta, ao contrário, uma vez mais do que ocorre no caso sub iudice.
Deste modo, não se vislumbra nas situações expostas qualquer argumento para alterar a posição anteriormente exposta, que como tal se mantém. Por todo o acima exposto deverão, após trânsito em julgado do presente despacho, ser os presentes autos remetidos ao órgão de execução fiscal, para aí serem tramitados
Como se vê o Ministério Público no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga discorda deste entendimento e alega que o artº 5º do ETAF preceitua de forma inequívoca no seu nº 1, 2ª parte – e sem excepção alguma -, serem irrelevantes as modificações de facto e de direito ulteriores ao início da instância.
Conclui assim que a nova redacção dos artigos 97, n.º 1, o), 151, n.º 1, 245, números 2, 3 e 4 e 247, n.º 1, todos do CPPT, em vigor desde 1-1-2011, somente é aplicável aos processos de verificação de créditos instaurados após aquela data, atento o preceituado no art.º 5.º, n.º 1, do ETAF, dado tratar-se de uma modificação posterior de direito, nessa medida irrelevante.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
II Fundamentação
A questão a decidir consiste em saber se se a decisão recorrida enferma de erro de interpretação e aplicação do direito ao ter julgado que, face às alterações introduzidas no CPPT pela Lei nº 55-A/2010, de 31/12, os Tribunais Administrativos e Fiscais deixaram de ter competência para a apreciação e decisão dos processos judiciais de verificação e graduação de créditos e que, por isso, se impõe a remessa de todos os processos pendentes, desta espécie, ao órgão de execução para que este proceda à sua posterior tramitação e decisão.
Trata-se de questão idêntica à que constituiu objecto de diversos e recentes acórdãos deste Supremo Tribunal Administrativo, nomeadamente os proferidos nos recursos nºs. 362/11 e 384/11, de 6/7/2011, para cuja exaustiva fundamentação se remete e cuja decisão (no sentido de que as alterações legislativas decorrentes da Lei nº 55-A/2010 não são aplicáveis aos processos judiciais de verificação e graduação de créditos pendentes nos Tribunais Administrativos e Fiscais em 1 de Janeiro de 2011, os quais continuam a seguir a forma processual vigente à data da sua instauração), também aqui se acolhe, por com essas fundamentação e decisão concordarmos integralmente, o que conduz à procedência do presente recurso.
Jurisprudência, esta, que foi seguida por inúmeros outros arestos deste Supremo Tribunal Administrativo, dos quais destacamos, por mais recentes, os acórdãos 597/11, 510/11, 500/11, 393/11, 499/11, 361/11, 632/11, e 595/11, todos de 13.07.2011.
Daí que se entenda, remetendo para tal fundamentação, dar provimento ao presente recurso e revogar a decisão recorrida com a consequentemente baixa dos autos ao Tribunal “a quo” para aí prosseguirem os seus ulteriores termos, se a tanto nada mais obstar.
III. DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em, dando provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e, consequentemente, ordenar a baixa dos autos ao Tribunal “a quo” para aí prosseguirem os seus ulteriores termos, se a tanto nada mais obstar.
Sem custas.
Lisboa, 14 de Setembro de 2011. – Pedro Delgado (relator) – Casimiro Gonçalves – Ascensão Lopes.