Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0452/20.2BEALM
Data do Acordão:09/23/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
CONCURSO
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
HABILITAÇÃO
Sumário:É de admitir revistas sobre questão atinente ao sentido e alcance, num concurso público, do instituto de habilitação legal previsto pelo art. 81º do CCP e pelo disposto no art. 2º, nº 2 da Portaria nº 327/2017, de 14/12, sobre a qual não há uma jurisprudência suficientemente consolidada.
Nº Convencional:JSTA000P28188
Nº do Documento:SA1202109230452/20
Data de Entrada:09/07/2021
Recorrente:INFRAESTRUTURAS DE PORTUGAL, SA E OUTROS
Recorrido 1:ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA PARA A NORMALIZAÇÃO E CERTIFICAÇÃO FERROVIÁRIA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo

1. Relatório
Infraestruturas De Portugal; SA (IP), Ré nos autos, e A………… – Sociedade Unipessoal, Lda, contra-interessada (CI) interpõem revistas, nos termos do art. 150º, nº 1 do CPTA, do acórdão do TCA Sul, de 07.07.2021, que negou provimento aos recursos por elas interpostos, mantendo as decisões do TAF de Almada.
Fundamentam a admissibilidade das revistas na relevância jurídica fundamental das questões e na necessidade de uma melhor aplicação do direito.

Em contra-alegações a Autora/Recorrida defende que as revistas não devem ser admitidas ou deverão improceder.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

Na presente revista a Recorrente CI pretende discutir duas questões: i) Saber se a caducidade da adjudicação por falta de comprovação de habilitação do concorrente opera “ope legis”, ou se necessita de ser declarada, com efeitos constitutivos, pela entidade adjudicante, ou seja se depende de acto administrativo [sendo que a resposta a esta questão tem implicações na contagem do prazo de caducidade da acção de contencioso pré-contratual, previsto no art. 101º do CPTA]; ii) Saber em que momento deve o adjudicatário apresentar as habilitações de subcontratados, nos termos do art. 2º, nº 2 da Portaria 372/2017, se no momento de apresentação da candidatura, ou se após a adjudicação.
A Recorrente IP pretende igualmente discutir o sentido e alcance, num concurso público, do instituto de habilitação legal previsto pelo art. 81º do CCP e pelo disposto no art. 2º, nº 2 da Portaria nº 327/2017, de 14/12.

A APNCF – Associação Portuguesa para a Normalização e Certificação Ferroviária intentou no TAF de Almada a presente acção relativa a contencioso pré-contratual contra a Infraestruturas de Portugal, SA, sendo CI A………… – Sociedade Unipessoal, Lda, pedindo no âmbito do procedimento concursal para a “Aquisição de Serviços para a verificação CE, por um organismo Notificado, do subsistema ENE (Energia) nos troços Tunes-Lagos e Faro-Vila Real de Santo António da Linha do Algarve, nas fases de projecto e empreitada”, que a Ré fosse condenada a declarar a caducidade da adjudicação feita a favor da CI e a proferir novo acto de adjudicação, agora a seu favor, abrindo-se prazo para a correspondente e necessária apresentação dos documentos de habilitação.

O TAF de Almada proferiu despacho saneador, em 09.10.2020 no qual apreciou a invocada caducidade do direito de acção, excepção que foi julgada improcedente.
Por sentença de 10.03.2021 foi a acção julgada procedente, e a entidade demandada condenada a declarar a caducidade do acto de adjudicação, por falta de habilitação da contra-interessada, com a consequente anulação do contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a CI, e a adjudicação da proposta da A., nos termos do art. 86º, nº 4 do CCP.

Por sua vez o acórdão recorrido apreciando a invocada caducidade da adjudicação por se facto que opera “ope legis”, concluiu que: “A decisão que julgou a acção tempestiva procedeu a uma correta análise, não tendo violado os artºs 51º, 53º, 59º e 69º do CPTA”.
Quanto à alegada violação do art. 2º da Portaria nº 372/2017 e dos arts. 77º e 81º, ambos do CCP, entendeu que não se verificava tendo considerado, nomeadamente, o seguinte: “A habilitação traduz-se, na sua essencialidade, numa atividade certificativa da aptidão profissional e da idoneidade do concorrente adjudicatário.
Os requisitos da habilitação têm de existir desde o momento da apresentação da proposta, sendo portanto exigíveis a todos os concorrentes (…)”.
Não tendo a Contrainteressada, os requisitos de habilitação exigidos para a prestação de serviços cuja aquisição constitui o objeto do procedimento e não tendo oportunamente, com a apresentação da proposta, apresentado o compromisso de terceiro a subcontratar, não lhe pode efetivamente, nos termos explicitados na sentença recorrida, ser adjudicado o contrato, impondo-se a caducidade da adjudicação.
Assim, concluiu que o despacho saneador e a sentença deviam manter-se, negando provimento aos recursos.

Ora, apesar de as instâncias terem decidido de forma consonante, as questões que as Recorrentes pretendem ver tratadas nas revistas justificam a sua admissão por parecer, em juízo sumário, que têm relevância jurídica, principalmente a atinente ao sentido e alcance, num concurso público, do instituto de habilitação legal previsto pelo art. 81º do CCP e pelo disposto no art. 2º, nº 2 da Portaria nº 327/2017, de 14/12, sobre a qual não haverá uma jurisprudência suficientemente consolidada [pese embora este STA já haver apreciado o momento em que é exigível a apresentação de documentos de habilitação – cfr. ac. deste STA de 04.11.2010, Proc. nº 795/10 e de 30.01.2013, Proc. nº 0846/12, indicados nas alegações da CI].
Assim, entende-se que as questões merecem ser apreciadas por este Supremo Tribunal para a sua melhor dilucidação e por serem repetíveis num número indeterminado de casos em processos relacionados com a contratação pública, pelo que se justifica a admissão das revistas.

4. Decisão
Pelo exposto, acordam em admitir as revistas.
Sem custas.

Nos termos e para os efeitos do art. 15º-A do DL nº 10-A/2020, de 13/3, a relatora atesta que os Exmos Juízes Adjuntos - Conselheiros José Fonseca da Paz e José Veloso -, têm voto de conformidade.


Lisboa, 23 de Setembro de 2021

Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa