Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0126/14
Data do Acordão:02/19/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:RECLAMAÇÃO DE ACTO PRATICADO PELO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:Haverá omissão de pronúncia, susceptível de demandar a nulidade de sentença (artsº 125º do Código de Procedimento e Processo Tributário e 615º n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil) sempre que o tribunal não tome posição sobre qualquer questão que devesse conhecer e que se não mostre prejudicada pelo conhecimento e decisão porventura dado a outras, nomeadamente não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento.
Nº Convencional:JSTA000P17093
Nº do Documento:SA2201402190126
Data de Entrada:02/03/2014
Recorrente:A... E OUTRA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – A……………….. e B………………., melhor identificados nos autos, vêm recorrer para este Tribunal da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que indeferiu a reclamação por eles deduzida, na qual pediram a anulação da decisão de penhora de créditos, no âmbito do processo de execução fiscal nº 1104200901045792, instaurada contra a sociedade método C………………. Ldª.

Terminam as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:
«1. A douta sentença em recurso enferma do vicio de omissão de pronuncia sobre questão que lhe foi apresentada em violação do artigo 615° n.°1 al. d) do NCPC.
A douta sentença não se pronunciou sobre os factos alegados em 27, 28, 29 e 30 e ainda em VIII das conclusões do requerimento de reclamação dos actos cometidos pelo órgão de execução fiscal.
3. A douta sentença não levou em consideração que havia sido deduzida oposição à execução fiscal correndo os seus termos sob o processo n.º 50/12.4BELLE aguardando prolação da sentença onde a penhora foi ordenada e que a execução havia de se considerar suspensa e por isso o acto de penhora ser anulado por violação do artigo 169º n°1 e 2 do CPPT.
4. A douta sentença não levou em consideração que foi requerida a nulidade da decisão da AT proferida no âmbito da requerida suspensão da execução, com a omissão de a pronuncia sobre a respectiva nulidade ou que sobre esta tivesse passado o prazo de recurso, e antes deste foi decidido pela AT a penhora em causa.
5. A AT de facto e em concreto não usou do mecanismo legal ínsito no artigo 220º do CPPT no acto e decisão de penhorar.
6. A douta sentença fez errada interpretação e integração aos factos do disposto no artigo 220º do CPPT para a AT usar do disposto no artigo 220° do CPPT haveria de ter citado também e concomitantemente o cônjuge B……………. para requerer a separação judicial dos bens, o que a AT não fez, e que é condição de uso e aplicabilidade do respectivo dispositivo na penhora de bens comuns.
7. A recomendação da meritíssima Juiz “A quo” para o cumprimento da citação a que refere o artigo 220º do CPPT, aos factos em concreto, não torna legal a ilegalidade já cometida que viciou em definitivo o acto e a penhora de créditos já ordenada dos créditos sem que a citação da cônjuge do responsável tributário e devedor tivesse sido efectuada determinando acto consolidado que na AT teve oportunidade de reparar ou revogar nos 10 dias subsequentes à apresentação da reclamação no órgão de execução fiscal nos termos do artigo 277° n.° 2 do CPPT.
8. A admitir, o que se rejeita, o acto de penhora com base e procedimento no disposto do artigo 220° do CPPT, sempre viola e por isso torna-se ilegal, as normas substantivas dos artigos 1692° al. b) e 1724° al. a) do CC que condiciona e determina a integralidade do produto do trabalho dos cônjuges na comunhão destes e a imperatividade da exclusividade da responsabilidade do cônjuge devedor nas dividas provenientes de crimes, indemnizações, restituições custas ou multas por factos a si imputáveis, a que corresponde o caso em apreço.»

2 – A Fazenda Pública não contra alegou.

3 – O Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer a fls. 86/87 dos autos, pronunciando-se no sentido do provimento do recurso e sustentando que a sentença recorrida enferma de nulidade nos termos do estatuído no artigo 615.º/d) do CPC, por ser «manifestamente, omissa, em sede de facto e de direito, quanto à questão de haver sido arguida a nulidade da decisão de indeferimento da prestação de garantia e sobre a qual não teria sido proferida decisão, e, não obstante tal, ter sido ordenada a penhora».
4 – Com dispensa de vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.

5- Em sede factual apurou-se em primeira instância a seguinte matéria de facto:
A) Foi instaurada contra “D………………, Lda” processo de execução fiscal nº 1104200901045792 e apensos, por dívida de IVA (cfr. fls. 20 dos autos);
B) Foi proferido despacho de reversão contra o Reclamante no âmbito do processo de execução fiscal referido na alínea anterior (cfr. fls. 20 dos autos);
C) O Reclamante apresentou Oposição à execução fiscal que corre termos neste Tribunal sob o nº 50/12.4BELLE (por acordo);
D) O Reclamante, com a apresentação da Oposição identificada, pediu a suspensão da execução mediante prestação de garantia (cfr. fls. 20 dos autos);
E) Em 04/04/2012, a Chefe de Finanças de Olhão, elaborou “projecto decisão” relativamente ao pedido de isenção de garantia efectuado pelo Reclamante no âmbito do processo de execução fiscal nº 1104200901045792 (cfr. fls. 17 dos autos);
F) Em 15/05/2012, o Director de Finanças após o seguinte despacho “Concordo” (cfr. fls. 18 dos autos);
G) Em 21/05/2012 foi enviado ao Ilustre Mandatário dos Reclamantes, oficio no 1104/002659/2012 a informá-los dos despachos referidos nas alíneas anteriores (cfr. fls. 16 dos autos);
H) Em 14/09/2013, o Serviço de Finanças de Olhão emitiu “notificação de penhora de créditos” onde consta, nomeadamente: “Identificação do titular: A...................”; “Objecto e função da notificação: Nos termos do artigo 856° do Código do Processo Civil, fica notificado de que foi penhorado à ordem deste Serviço de Finanças o crédito do titular abaixo identificado à data da presente notificação, até ao montante de € 36.621, 11 (…) (cfr. fls. 13 dos autos);
I) Em 13/09/2013 a Reclamante assinou o aviso de recepção referente à notificação identificada na alínea anterior (cfr. fls. 35 dos autos).

6. Do mérito do recurso

As questões trazidas à apreciação deste Tribunal, tal como delimitadas pela alegação de recurso e respectivas conclusões (nos termos dos artigos 608º, nº 2 e 635, nºs 3 e 4, todos do Código de Processo Civil, ex vi, artigo 2, alínea e) e artigo 281º do Código de Procedimento e Processo Tributário) são as seguintes:
a) Saber se a sentença recorrida padece de nulidade por omissão de pronuncia, nos termos do nº2, do art.º 608º do novo Código de Processo Civil e do disposto no art.º 125º, nº1 do Código de Procedimento e Processo Tributário;
b) Saber se padece de erro de julgamento sentença recorrida na interpretação do disposto no artº 220º do CPPT.


6.1 Da invocada nulidade por omissão de pronúncia.
De harmonia com o disposto nos arts. 608º n.º 2 e 615º n.º 1 al. d) do Código de Processo Civil ( Redacção da Lei 41/2013 de 26 de Junho) ocorre omissão de pronúncia susceptível de demandar a nulidade de sentença ou acórdão, quando o Tribunal deixe de se pronunciar sobre questão submetida pelas partes à sua apreciação e decisão e que se não mostre prejudicada pelo conhecimento e decisão porventura dado a outras.
Resulta também do artº 125º do Código de Procedimento e Processo Tributário que constituem causas de nulidade da sentença a falta de assinatura do juiz, a não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, a oposição dos fundamentos com a decisão, a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar ou a pronúncia sobre questões que não deva conhecer.
Como este Supremo Tribunal Administrativo vem entendendo, haverá omissão de pronúncia sempre que o tribunal, pura e simplesmente, não tome posição sobre qualquer questão que devesse conhecer, inclusivamente, não decidindo explicitamente que não pode dela tomar conhecimento – cf. neste sentido Acórdãos de 09.04.2008, recurso 756/07, e de 23.04.2008, recurso 964/06, in www.dgsi.pt.

Numa correcta abordagem da questão importa ainda ter presente, como também vem sublinhando de forma pacífica a jurisprudência, que esta obrigação não significa que o juiz tenha de conhecer todos os argumentos ou considerações que as partes hajam produzido. Uma coisa são as questões submetidas ao Tribunal e outra são os argumentos que se usam na sua defesa para fazer valer o seu ponto de vista.
O que importa é que o Tribunal decida a questão posta, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.
No caso em apreço os recorrentes invocaram desde logo no requerimento inicial de reclamação que o executado marido deduziu oposição judicial à execução fiscal, que se mostra pendente (processo 50/12.4 BELLE), tendo requerido a prestação de garantia com suspensão do processo de execução fiscal, que foi indeferida, mas de cuja decisão de indeferimento foi arguida nulidade.
E que tal arguição de nulidade ainda não tinha merecido pronúncia por parte da administração tributária, tendo sido, não obstante tal, ordenada a penhora (artigos 27 a 31 e conclusão VIII do requerimento inicial fls. 8 e 9 dos autos).
Por sua vez a sentença recorrida conheceu apenas dos outros vícios imputados ao acto reclamado – penhora de créditos – elencados nas petição inicial como constituindo violação do disposto nos arts. 1696º, nº 1, 1724º e 1725º do Código Civil, concluindo que não se verificavam e que era improcedente a sua arguição, indeferindo a reclamação.
Mas nada disse quanto ao alegado pedido de prestação de garantia e de suspensão da execução e também quanto à alegada arguição de nulidade do despacho de indeferimento do pedido de prestação de garantia.
Sendo certo que, como bem nota o Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo, a reclamação de actos do órgão de execução fiscal foi apresentada em 30 de Setembro de 2013 (fls. 3 dos autos) e na informação oficial de 7 de Outubro de 2013, lavrada a fls. 20/24 dos autos se faz referência à arguição de nulidade do despacho do Director de Finanças que indeferiu a prestação de garantia suspensão do processo de execução fiscal e que sobre tal arguição de nulidade foi estruturada decisão por banda da Administração Fiscal que teria sido notificada à mandatária dos recorrentes em 26 de Setembro de 2013.
Parece, pois, claro que, não obstante os recorrentes terem invocado nos pontos 27 a 31 e na conclusão VIII da sua reclamação (de actos do órgão de execução fiscal) que pediram a suspensão da execução mediante prestação de garantia e que aguardavam decisão da Administração Fiscal sobre a arguição de nulidade do despacho que indeferiu tais pedidos, o tribunal a quo, pura e simplesmente, não tomou posição sobre tal questão, que manifestamente não estava prejudicada pelo conhecimento dos demais vícios invocados, e, nomeadamente, não decidiu explicitamente que dela não podia tomar conhecimento.
A sentença recorrida enferma, pois, de nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos do estatuído no artigo 615.º, nº 1, al. d) do Código de Processo Civil, pelo que o recurso merece provimento, ficando prejudicado o conhecimento da segunda questão suscitada que respeita a alegado erro de julgamento na interpretação do artº 220º do CPPT.


7. Decisão:

Termos em que, face ao exposto, acordam o juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso e anular a sentença recorrida, ordenando a baixa os autos à 1.ª instância, nos termos do estatuído no artigo 684.º nº 2 do Código de Processo Civil.
Sem custas.

Lisboa, 19 de Fevereiro de 2014. – Pedro Delgado (relator) – Isabel Marques da Silva – Dulce Neto.