Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01622/15
Data do Acordão:01/11/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:RENDIMENTO
EMPRESA
ALIENAÇÃO DE BENS
IMÓVEIS
GESTÃO DE PATRIMÓNIO PRIVADO
RENDIMENTOS EMPRESARIAIS
Sumário:I - A inclusão de rendimentos empresariais na categoria B do IRS exige o afastamento da possibilidade de englobamento noutras categorias de rendimentos. Mas os rendimentos empresariais, para existirem, nos termos do disposto no art. 4., n.º 1 CIRS respeitam ao exercício de verdadeiras actividades pelo que não podem constituir rendimentos de natureza comercial ou industrial os actos de gestão de um património privado.
II - A interpretação do art.º 3.º do CIRS tem como limite estarmos ou, não, perante uma actividade empresarial e profissional, para efeitos de tributação em sede de IRS, nas diversas vertentes em que a mesma pode desdobrar-se, como definido no n.º 1 do art.º a que acrescem as realidades jurídicas mencionadas no n.º 2, todas inscritas e originadas igualmente na mesma actividade empresarial e profissional.
III - Na situação sub judice temos três negócios jurídicos de alienação de 3 imóveis praticados em três anos diferentes por uma pessoa singular que é, de profissão, trabalhador por conta de outrém sem exercer qualquer actividade empresarial pelo que os rendimentos com esses actos de disposição auferidos devem ser tributados como a venda de qualquer imóvel por qualquer pessoa singular, caso se apurem mais-valias nesse negócio.
IV - Falece o pressuposto de estarmos perante uma actividade empresarial e profissional, e inexistindo esta, como a matéria de facto provada nos permite afirmar inexistir, nenhum sentido faz apurar se há um ou 3 actos de comércio isolados, se eles são ou não resultantes de uma prática previsível ou reiterada.
V - O CIRS não permite ficcionar o exercício de uma actividade empresarial onde ela não existe. Os rendimentos das actividades empresariais serão tributados como tal e os rendimentos que se não enquadrem aqui, por inexistir actividade empresarial serão tributados na sede própria, aqui, como mais-valias.
Nº Convencional:JSTA00069964
Nº do Documento:SA22017011101622
Data de Entrada:12/03/2015
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LEIRIA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIS FISC - IRS.
Legislação Nacional:CIRS ART3 ART4.
CCOM ART2 ART13.
Referência a Doutrina:FERNANDO OLAVO - DIREITO COMERCIAL VOLI 2ED PAG401-405.
Aditamento:
Texto Integral:
Jurisdicional
Decisão recorrida – Tribunal Tributário de Leiria
. 08 de Maio de 2015


Julgou improcedente a impugnação.

Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A……………………, veio interpor o presente recurso da sentença supra mencionada, proferida no processo de impugnação n.° Proc. 589/07.3BELRA, deduzido para anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) dos anos de 2002, 2003 e 2004, no valor de 63.151,96 €, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:
1. A matéria assente na douta decisão recorrida não leva às consequências jurídicas plasmadas na mesma, nomeadamente, no que diz respeito à conclusão de que o Recorrente praticou uma actividade comercial e industrial continuada, previsível ou reiterada.

2. O Recorrente não exerce, nem nunca exerceu, em Portugal, qualquer actividade comercial ou industrial, ligada à construção civil, pelo que, não podemos concluir que tenha praticado quaisquer actos de comércio de forma reiterada e previsível.

3. Da matéria assente não resulta a intenção do recorrente em exercer uma actividade de natureza comercial, com o móbil de obter um ganho, um proveito, um lucro.

4. Os proveitos efectivamente obtidos no território do continente, bem como as despesas efectuadas, com a construção, aquisição e venda das fracções constam das respectivas declarações de rendimentos apresentadas e constituem, em cada um dos anos de 2002, 2003 e 2004, um acto isolado, único, devendo ser tributados como tal, e não tributados no sistema do Regime Simplificado, como pretende a Administração.

5. Ao decidir-se como se decidiu na sentença recorrida, encontra-se violado o artigo 3º, nº3, do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.

6. Para tipificar uma prática reiterada, seria necessário que o Recorrente edificasse e vendesse no mesmo ano fiscal vários imóveis, e fizesse disso o seu modo de vida, o que não aconteceu.
Requereu que seja dado provimento ao recurso interposto pela recorrente e, em consequência, revogada a decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Leiria.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público considerando dever ser revogada a sentença recorrida dado que « (…)Não se tendo provado a prática de actos de comércio com natureza habitual, não poderia o tribunal confirmar a legalidade de actos tributários cujo fundamento radica em actividade continuada e previsível»


A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

A. O Impugnante encontra-se emigrado na Suíça desde 1988, trabalhando em cantinas, não tendo exercido neste país qualquer atividade no setor da construção civil;

B. Anteriormente a 1988, o Impugnante não exerceu qualquer atividade relacionada com a construção civil em Portugal;

C. Em 08.10.1999, o Impugnante adquiriu um prédio rústico, sito no ……………, freguesia de ………., concelho de Tomar, onde iniciou a construção de um prédio, composto pelas frações ……….., ao qual coube o artigo matricial n.º 3885, tendo no exercício de 2001 apresentado a respetiva declaração modelo 129 – cf. fls. 7 e 8 do PAT;

D. O Impugnante pretendia doar as frações A. e B. referidas no ponto B. que antecede aos seus dois filhos;

E. O Impugnante não acompanhou a edificação do prédio referido no ponto B. supra, por se encontrar a trabalhar e a residir na Suíça;

F. O Impugnante decidiu vender as duas frações referidas no ponto B. supra para reduzir os custos que já havia incorrido com a respetiva construção;

G. Em 17.05.2002, o Impugnante vendeu a fração A referida no ponto B. supra a B……………., com a condição, por esta imposta, de adquirir a fração … do prédio inscrito na matriz predial da freguesia de ………….., sob o artigo 3068, pertencente a sua mãe, C……………. - cf. fls. 20 a 22 do PAT;

H. Em 28.08.2002, o Impugnante adquiriu a fração …. do prédio inscrito na matriz predial da freguesia de …………, sob o artigo 3068, a C……………. – cf. fls. 23 e 24 do PAT;

I. Em 17.12.2003, o Impugnante vendeu a fração …. do prédio inscrito na matriz predial da freguesia de ……………, sob o artigo 3068 - cf. fls. 42 a 44 do PAT;

J. Em 30.12.2004, o Impugnante vendeu a fração …. referida no ponto B. supra - cf. fls. 68 e 69 do PAT;

K. O Impugnante não comprou, vendeu ou construiu prédios urbanos destinados a habitação nos anos anteriores ou posteriores ao período compreendido entre os anos de 2002 e 2004 – cf. depoimento das testemunhas inquiridas; cf. informação que consta dos autos e do PAT;
L. Os rendimentos brutos declarados pelo Impugnante na Suíça nos exercícios de 2002 a 2004 foram os seguintes:
- 2002: 50.180 Francos Suíços (cf. fls. 9 a 14 do PAT);
- 2003: 54.139 Francos Suíços (cf. fls. 25 a 36 do PAT);
- 2004: 47.960 Francos Suíços (cf. fls. 45 a 56 do PAT);

M. O Impugnante declarou nas declarações modelo 3 de IRS dos anos de 2002, 2003 e 2004 os rendimentos obtidos com a venda dos imóveis referidos nos pontos B. e I. supra como sendo provenientes de ato isolado decorrente de atividades “profissionais, comerciais e industriais” – cf. fls. 15 a 17, 37 a 39 e 62 a 64 do PAT;

N. Através do ofício n.º 13186, de 14.11.2006, da Direção de Finanças de Santarém, foi o Impugnante notificado para, querendo, exercer no prazo de 10 dias o direito de audição quanto ao projeto de decisão no sentido de se proceder à alteração dos elementos constantes nas declarações modelo 3 de IRS dos anos de 2002 a 2004, sendo que da “Informação” subjacente ao mesmo consta, para além do mais, o seguinte:
“(…)
Perante os factos expostos e em face dos presentes normativos, verifica-se que os rendimentos em causa resultaram de uma actividade comercial/industrial continuada e como tal rendimentos de categoria B – Regime Simplificado, pelo que se propõe a alteração dos elementos constantes da declaração Mod.3 de IRS dos anos de 2002, 2003 e 2004, através da recolha de DC’s Únicos (…)” – cf. fls. 96 a 100 do PAT;

O. Através do ofício n.º 13536, de 04.12.2006, foi o Impugnante notificado do despacho de 30.11.2006 da Chefe de Divisão de Tributação e Cobrança da Direção de Finanças de Santarém no qual, para além do mais, consta o seguinte:
Considerando o teor da informação supra que fica a fazer parte integrante do presente despacho decisório, para a qual se remete a fundamentação das razões de facto e de direito, promova-se a alteração dos elementos declarados conforme proposto. (…)” – cf. fls. 100 e 101 do PAT;

P. Em 18.12.2006 e em 20.12.2006, foram emitidas pela AT liquidações adicionais de IRS relativas aos anos de 2002 a 2004, com fundamento no despacho de 30.11.2006 da Chefe de Divisão de Tributação e Cobrança da Direção de Finanças de Santarém, referido no ponto O. que antecede – cf. fls. 110 a 112 do PAT;

Q. O Impugnante apresentou reclamação graciosa contra as liquidações adicionais de IRS referidas no ponto P. que antecede – cf. fls. 113 e 1114 do PAT;

R. Por despacho de 14.05.2007, do Diretor Distrital de Finanças de Leiria, foi indeferida a reclamação graciosa apresentada pelo Impugnante referida no ponto Q. que antecede, sendo que da “INFORMAÇÃO” subjacente ao mesmo consta, além do mais, o seguinte:
“(…)
Ou seja, para que sejam tributados como actos isolados os rendimentos deverão ter natureza acessória, em relação aos restantes rendimentos.
Ora, os valores em causa não poderão de forma alguma serem considerados acessórios, tal é o peso relativo nos rendimentos dos reclamantes.
Alegam ainda os reclamantes que, pese embora o facto, de os rendimentos resultarem de uma actividade comercial industrial, essa actividade não foi continuada.
Porém, a actividade foi não só continuada, (aconteceu durante três exercícios seguidos), como também era previsível, uma vez que os reclamantes pretendiam alienar três imóveis.
Por outro lado, a Administração Fiscal estranha, e não compreende a declaração dos contribuintes quando afirmam no ponto 4 da petição, tendo em conta a idade dos dependentes em 2002, 9 e 4 anos respectivamente;
“4) Porém, como a vida dá muitas voltas, os filhos tomaram rumo diferente, e, ao pai, não restou senão a venda daquelas fracções. (…)” – cf. fls. 126 e 115 a 117 do PAT;

S. Em 11.06.2007, a presente impugnação judicial deu entrada neste Tribunal – cf. Carimbo aposto a fls. 2 dos autos.


O objecto do recurso confina-se a definir se as três vendas das fracções autónomas estão inscritas numa prática previsível ou reiterada de actividade comercial/industrial que justifique a sua desconsideração como actos isolados de comércio (art.3º nºs 1 al. a), 2 al. h) e 3 CIRS).
Enquanto o recorrente entende que não exerceu qualquer actividade comercial/industrial e as vendas se circunscreverem a actos de gestão do seu património porque efectuadas apenas para fazer face às despesas com a construção das mesmas, a sentença recorrida considerou, à semelhança da Administração Tributária, que tais vendas configuravam a prática pelo sujeito passivo de uma actividade objectivamente comercial, sem prejuízo de a considerar ocasional.
A jurisprudência dos tribunais superiores tem reafirmado, como indica a sentença recorrida que «o conceito de atividade comercial ou industrial há-de ser determinado pelo conceito económico de actividade comercial ou industrial, que abrange actividades de mediação entre a oferta e a procura e actividade de incorporação de novas utilidades na matéria, em ambos os casos com fins especulativos, ou seja, com o objectivo de obtenção de lucros». Mas o código do IRS, no seu artigo terceiro não usa apenas o conceito de actividade comercial ou industrial, como antes fazia o Código de contribuição industrial utilizando também o conceito de rendimentos empresariais e profissionais dos quais, os obtidos no exercício de uma actividade comercial ou industrial, são uns dos possíveis a aí obter enquadramento.
A qualificação de actividade industrial levada a cabo pelo sujeito passivo é de arredar completamente dado ter-se provado que ele nunca se dedicou ou dedica à actividade de construção civil, tendo feito edificar os referidos imóveis através de um ou vários contratos de empreitada em que assumiu a qualidade de dono da obra, sem qualquer indício de exercício de actividade industrial de construção civil.
A motivação subjacente à realização dos referidos três actos de alienação de imóveis ocorridos em 3 anos sucessivos, tal como se expressa na matéria de facto provada foi a de fazer face às despesas que incorrera com a construção do imóvel. Pouco importa a este propósito que a Administração Tributária tenha sobre o assunto entendimento diverso dado que na definição da matéria provada, não logrou este obter expressão.
Também, tendo em conta a matéria de facto provada sabemos que o recorrente se encontra há anos emigrado na Suíça onde é trabalhador por conta de outrém, sem desenvolver qualquer actividade relacionada com a área da construção civil. Fez edificar o imóvel que integra as duas fracções autónomas que vendeu porque pretendia doar aos seus dois filhos um apartamento, assim o diz a matéria provada que não sofreu impugnação, sendo irrelevante que o haja feito quando os seus dois filhos eram ainda crianças de pouca idade.
No decurso da construção que, não acompanhou, viu-se confrontado com despesas de construção que excediam o previsto e, para as pagar, viu-se forçado a vender as duas fracções autónomas construídas. A terceira venda ocorreu porque o comprador de uma das fracções celebrou esse negócio com a condição de o recorrente adquiriu um imóvel que pertencia a um seu familiar, que o recorrente, depois, também alienou.
O principal preceito legal a ter em conta para esta decisão é o art.º 3.º do código do IRS na redacção vigente à data dos factos tributários cujo conteúdo é o seguinte:
Artigo 3º
Rendimentos da categoria B
1 - Consideram-se rendimentos empresariais e profissionais:
a) Os decorrentes do exercício de qualquer actividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária;
b) Os auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer actividade de prestação de serviços, incluindo as de carácter científico, artístico ou técnico, qualquer que seja a sua natureza, ainda que conexa com actividades mencionadas na alínea anterior; (1)
c) Os provenientes da propriedade intelectual ou industrial ou da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico, quando auferidos pelo seu titular originário.
2 - Consideram-se ainda rendimentos desta categoria:
a) Os rendimentos prediais imputáveis a actividades geradoras de rendimentos empresariais e profissionais;
b) Os rendimentos de capitais imputáveis a actividades geradoras de rendimentos empresariais e profissionais;
c) As mais-valias apuradas no âmbito das actividades geradoras de rendimentos empresariais e profissionais, definidas nos termos do artigo 46.º do Código do IRC, designadamente as resultantes da transferência para o património particular dos empresários de quaisquer bens afectos ao activo da empresa e, bem assim, os outros ganhos ou perdas que, não se encontrando nessas condições, decorram das operações referidas no n.º 1 do artigo 10.º, quando imputáveis a actividades geradoras de rendimentos empresariais e profissionais; (2)
d) As importâncias auferidas, a título de indemnização, conexas com a actividade exercida, nomeadamente a sua redução, suspensão e cessação, assim como pela mudança do local do respectivo exercício;
e) As importâncias relativas à cessão temporária de exploração de estabelecimento;
f) Os subsídios ou subvenções no âmbito do exercício de actividade abrangida na alínea a) do nº 1;
g) Os subsídios ou subvenções no âmbito do exercício de actividade abrangida na alínea b) do nº 1;
h) Os provenientes da prática de actos isolados referentes a actividade abrangida na alínea a) do nº 1;
i) Os provenientes da prática de actos isolados referentes a actividade abrangida na alínea b) do nº 1.

3 - Para efeitos do disposto nas alíneas h) e i) do número anterior, consideram-se rendimentos provenientes de actos isolados os que, não representando mais de 50% dos restantes rendimentos do sujeito passivo, quando os houver, não resultem de uma prática previsível ou reiterada.(…)
O recorrente não dispõe da qualidade de comerciante na medida em que não exerce profissionalmente o comércio, art.º 13.º do Código Comercial visto ser uma pessoa singular que, tendo capacidade para praticar actos de comércio, não faz, dessa prática, profissão.
Em causa está a alienação de um imóvel e esta pode revestir a natureza de um contrato comercial, quando praticado por uma empresa, ou por um comerciante no exercício da sua actividade profissional de comerciante, se não tiver natureza exclusivamente civil e se o contrário do próprio acto não resultar, art.º 2.º do Código Comercial, ou um contrato de natureza civil, nas demais situações.
Ao conceito do exercício de uma actividade empresarial, não definido na legislação tributária, está necessariamente ligada a ideia de exercício estável ou habitual de uma actividade comercial como meio de vida, ainda que sem continuidade perfeita, como sucede com as actividades que, por sua própria natureza, só podem ser exercidas em épocas determinadas ou de tempos a tempos não deixando, por isso, de constituírem, ainda, um desempenho normal e regular de uma ou mais actividades comerciais ou industriais. Acresce, ainda, que o fim lucrativo deve estar directamente associado aos actos que qualificam ou identificam a profissão em causa, não bastando que tal fim lucrativo possa ser um fim meramente acessório dessa prática. O fim lucrativo é o móbil principal, se não mesmo exclusivo de toda a actividade empresarial e a sua ausência ou existência de forma meramente acessória permite antever não estarmos em face de uma actividade empresarial. Para além disso o fim lucrativo existe no exercício desta actividade mesmo quando os resultados obtidos hajam aportado exclusivamente prejuízos económicos. Como explica Fernando Olavo in Direito Comercial, I, 2ª edição, págs. 401 e 405, o fim lucrativo não se afere em relação a cada acto de “per si”, mas à actividade no seu conjunto, pois pode o comerciante ter decidido praticar certos actos com prejuízo, para, mais tarde, obter, pelo desenvolvimento da sua actividade, maiores proveitos, o que se insere na sua estratégia negocial, para este efeito, absolutamente indiferente para o direito.
Em si mesma a compra e venda de um imóvel não pode ser qualificada como actividade empresarial dado tratar-se de um negócio frequentemente celebrado por pessoas singulares sem qualquer actividade empresarial. Já a compra e venda celebrada por uma empresa será, por regra, a prática de um acto de comércio, dada a vocação preponderante das sociedades comerciais para exercerem se não exclusivamente, pelo menos, preponderantemente, actos comerciais.
Nesta medida não podemos proceder ao enquadramento dos negócios celebrados pelo recorrente como integradores ou não de uma actividade empresarial, na vertente de actividade comercial ou industrial, se não atentarmos nos objectivos por ele visados pelo negócio, tal como apurados pela matéria de facto. Nela verificamos ter o recorrente procedido à gestão do seu património pessoal procedendo à venda dos imóveis para fazer face às despesas que se viu obrigado a suportar com a respectiva construção. Este mesmo objectivo estende-se à venda do imóvel que adquiriu para poder vender uma das fracções, porque, mesmo este negócio aparece imerso no mesmo objectivo de pagar as despesas incorridas com a construção da casa que ele destinava a ser, mais tarde, a residência dos seus dois filhos. Como refere o Magistrado do Ministério Público no seu parecer, a motivação desta venda, tal como proclamada na matéria de facto provada, exclui o intuito principal de obtenção do lucro, essencial ao exercício de toda a actividade comercial, como já mencionamos. As fracções autónomas foram vendidas não para enriquecimento do sujeito passivo mas para saldar as dívidas que para a sua construção assumiu, pelo que se algum lucro obteve tal foi meramente acessório, colateral.
Não sabemos sequer se a venda foi lucrativa em termos de lhe permitir dispor de meios financeiros superiores àqueles que necessitaria para pagar as despesas de construção. Sabemos apenas que vendeu para obter meios para as pagar, e que não faz da compra e venda de bens imóveis, nem mesmo da construção de imóveis a sua profissão, nem mesmo em termos parcelares. Fez construiu o imóvel com o fim de doar uma habitação a cada um dos filhos, diz-nos a matéria provada. Depois, ou porque fez mal as contas, ou por não ter podido acompanhar a construção, ou por uma outra razão não desvendada, deparou-se com a situação frequente de a realidade ultrapassar o orçamento previsto, pelo que, gerindo o seu património, tomou a decisão de vender as ditas fracções.
A inclusão de rendimentos empresariais na categoria B do IRS exige o afastamento da possibilidade de englobamento noutras categorias de rendimentos. Mas os rendimentos empresariais, para existirem, nos termos do disposto no art. 4., n.º 1 CIRS respeitam ao exercício de verdadeiras actividades pelo que não podem constituir rendimentos de natureza comercial ou industrial os actos de gestão de um património privado.
A sentença recorrida considerou que estávamos perante da prática de actos isolados referentes a actividade empresarial ou profissional, a que se refere o n.º 2, h) do art.º 3.º do CIRS, resultantes de uma prática previsível ou reiterada. Cremos contudo que a interpretação do art.º 3.º do CIRS tem como limite estarmos ou, não, perante uma actividade empresarial e profissional, para efeitos de tributação em sede de IRS, nas diversas vertentes em que a mesma pode desdobrar-se, como definido no n.º 1 do art.º :
a) Os decorrentes do exercício de qualquer actividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária;
b) Os auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer actividade de prestação de serviços, incluindo as de carácter científico, artístico ou técnico, qualquer que seja a sua natureza, ainda que conexa com actividades mencionadas na alínea anterior; (1)
c) Os provenientes da propriedade intelectual ou industrial ou da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico, quando auferidos pelo seu titular originário.
A que acrescem as realidades jurídicas mencionadas no n.º 2, todas inscritas e originadas igualmente na mesma actividade empresarial e profissional quer assumam a forma de:
a) Os rendimentos prediais
b) Os rendimentos de capitais
c) As mais-valias
d) As importâncias auferidas, a título de indemnização
e) As importâncias relativas à cessão temporária de exploração de estabelecimento;
f) Os subsídios ou subvenções
h) Da prática de actos isolados.
Na situação sub judice falece o pressuposto de estarmos perante uma actividade empresarial e profissional, e inexistindo esta, como a matéria de facto provada nos permite afirmar inexistir, nenhum sentido faz apurar se há um ou 3 actos de comércio isolados, se eles são ou não resultantes de uma prática previsível ou reiterada.
Temos três negócios jurídicos de alienação de 3 imóveis praticados em três anos diferentes por uma pessoa singular que é, de profissão, trabalhador por conta de outrém sem exercer qualquer actividade empresarial pelo que os rendimentos com esses actos de disposição auferidos devem ser tributados como a venda de qualquer imóvel por qualquer pessoa singular, caso se apurem mais-valias nesse negócio.
O CIRS não permite ficcionar o exercício de uma actividade empresarial onde ela não existe. Os rendimentos das actividades empresariais serão tributados como tal e os rendimentos que se não enquadrem aqui, por inexistir actividade empresarial serão tributados na sede própria, aqui, como mais-valias.
A fundamentação legal dos actos de liquidação impugnados, como refere a matéria provada foram que:
«(…) os rendimentos em causa resultaram de uma actividade comercial/industrial continuada e como tal rendimentos de categoria B – Regime Simplificado, vindo a Administração Tributária na reclamação graciosa a esclarecer ainda que:
« (…) para que sejam tributados como actos isolados os rendimentos deverão ter natureza acessória, em relação aos restantes rendimentos.
Ora, os valores em causa não poderão de forma alguma serem considerados acessórios, tal é o peso relativo nos rendimentos dos reclamantes.
Deste modo a Administração Tributária recusa que possam ser tidos como actos isolados de comércio por não terem natureza acessória, como resultaria do disposto no art. 3.º, n.º 3 do CIRS - «consideram-se rendimentos provenientes de actos isolados os que, não representando mais de 50% dos restantes rendimentos do sujeito passivo, quando os houver, não resultem de uma prática previsível ou reiterada». (…). Porém, no caso concreto tal preceito não é passível de aplicação. Com efeito nos seus precisos termos por se tratar de um sujeito passivo tributado em sede de imposto sobre o rendimento na Suíça, onde recebe o seu salário, não tendo a Administração Tributária demonstrado que ele é tributado em sede de IRS em Portugal, ou, ainda que fosse, não tendo indicado quais os rendimentos tributados do sujeito passivo não pode apurar-se se o valor de cada venda os excede em mais de 50%, resultando indemonstrada, pois a aplicação da primeira parte do preceito em análise. Por outro lado nada na matéria de facto aponta para uma prática previsível ou reiterada. Falece a previsibilidade porque se deu como provado que a construção foi efectuada para doar as fracções aos filhos, o que impede que se considere que foi efectuada para posterior venda. Além disso a venda ocorreu para cobrir as despesas de construção, que, naturalmente não estava previsto que atingissem o valor que atingiram dado que o objectivo da construção era doar aos filhos uma habitação e não um montante de dívidas.
Mas também a reiteração dos actos apenas se configura porque se analisam em conjunto dois anos seguidos de tributação sendo que a tributação é anual, a fundamentação de cada acto de liquidação é separada, e, em cada ano apenas ocorreu uma venda.
O sujeito passivo realizou a venda de cada uma das fracções autónomas que destinava a ser a habitação para os seus filhos, vindo a vendê-las para suportar os custos da sua construção o que o não converte nem num industrial, nem num comerciante, porque tal não configura o exercício de uma actividade empresarial mas meros actos de gestão, em termos de direito civil do seu património particular, à semelhança do que ocorre com os demais cidadãos quando se limitam a fazer construir a sua habitação e, num momento futuro, a acabam por a vender, porventura para a substituir por outra.
Deste modo, os actos de liquidação impugnados que se fundamentam no exercício de uma actividade comercial não demonstrada encontram-se feridos de ilegalidade por erro nos seus pressupostos de facto na medida que se suportam num facto tributário inexistente, a determinar a respectiva anulação. A sentença recorrida, consequentemente, na medida em que afirmou a legalidade dos referidos actos de liquidação de IRS enferma de erro de direito, impondo-se a sua revogação.

Deliberação

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida, julgar procedente a impugnação e anular os actos de liquidação impugnados.

Sem custas.

(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (art.º 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).

Lisboa, 11 de Janeiro de 2017. - Ana Paula Lobo (relatora) - Dulce Neto – Ascensão Lopes.