Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01297/17
Data do Acordão:01/24/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
Sumário:Atenta a natureza excepcional do recurso de revista previsto no art. 150º do CPTA, (quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito), não se verificam os respectivos pressupostos se as questões suscitadas não revestem tal relevância e tais características e se, além disso, o alegado se reconduz à invocação de erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa.
Nº Convencional:JSTA000P22811
Nº do Documento:SA22018012401297
Data de Entrada:11/17/2017
Recorrente:A.......
Recorrido 1:FAZENDA PUBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, na formação a que se refere o actual nº 6 do art. 150º do CPTA:

RELATÓRIO
1.1. A………, com os demais sinais dos autos, vem interpor recurso de revista excepcional, nos termos do art. 150º do CPTA, do acórdão que, proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 09/03/2017 (no posterior acórdão de 12/7/2017 – a fls. 825/832 – foram apreciadas as nulidades invocadas relativamente àquele), no processo que aí correu termos sob o nº 05458/12 e sendo objecto do recurso a sentença proferida em 6/12/2011, no TAF do Funchal, na impugnação judicial do indeferimento tácito da Reclamação Graciosa deduzida contra a liquidação adicional nº 2007 8310015796 (IRC) datada de 29/08/2007, relativa ao exercício de 2004, no valor de € 614.085,13, incluindo juros compensatórios,
(i) - negou provimento ao recurso por si interposto da sentença proferida em 6/12/2011 no TAF do Funchal.
(ii) - deu provimento ao recurso que também fora interposto pela Fazenda Pública, quanto à parte em que a mesma sentença julgara parcialmente procedente aquela impugnação judicial (anulando a liquidação na parte que acresceu à matéria tributável os montantes de € 1.859.206,37 e de € 790,97; anulando a liquidação de juros compensatórios no montante de € 39.155,34 e anulando a liquidação de juros moratórios, no montante de € 359,88).

1.2. No âmbito do recurso de revista excepcional (interposto a fls. 768) o recorrente alegou e formulou, a final, as Conclusões seguintes:
A. O presente recurso vem interposto do Acórdão de 19 de Março de 2017, que revogou a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, na parte respeitante à correcção relativa aos custos não aceites com a aquisição de direitos de imagem.
B. Com o devido respeito, o citado Acórdão fez uma errada interpretação e aplicação do artigo 23º do Código do IRC aos factos pois que não reconheceu como custo a despesa incorrida pela Recorrente, no valor de € 1.859.206,37, referente aos contratos sobre direitos de imagem, pelo que não se deve manter.
- Idoneidade do meio processual
C. Sendo legalmente exigido o preenchimento dos pressupostos legalmente previstos para admissão do presente recurso, este é apresentado por existir uma manifesta necessidade de melhor aplicação do Direito.
D. Nos termos do disposto no artigo 23º do CIRC, bem como nos termos em que se pronuncia a Doutrina e de acordo com a Jurisprudência consolidada, é manifesto que os custos com direitos de imagem são custos dedutíveis para efeitos de IRC.
E. Tendo sido provados, os custos em que incorreu a ora Recorrente, bem como sendo evidente e plenamente demonstrado, a relação com a actividade por si desenvolvida, terá de ser revogada a decisão que os considera “dispensáveis”, por não corresponder à correcta aplicação do Direito.
F. A indispensabilidade dos custos deve ser aferida à luz da “mínima adequação” com a actividade do sujeito passivo, como defende a própria Autoridade Tributária na Circular nº 17/2011).
G. Como resultou da prova documental e testemunhal produzida, a mera possibilidade de utilização dos direitos de imagem é uma vantagem na negociação de patrocínios, obtenção de novos patrocinadores e fidelização dos existentes, essenciais à obtenção de proveitos pela Recorrente.
H. Tal como defendido na Doutrina e na Jurisprudência, a indispensabilidade dos gastos à luz de critérios económicos é um assunto da competência dos órgãos de gestão do sujeito passivo.
I. Como tal, o custo correctamente contabilizado e não contestado, deve ser aceite como dedutível para efeitos fiscais (Cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29/03/2006).
J. Sendo necessária a melhor aplicação do direito, corrigindo-se o erro manifesto em que incorre o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo do Sul e considerar que não foi demonstrada a indispensabilidade dos custos com direitos de imagem incorridos pela Recorrente.

- Da violação de Lei Substantiva
K. Não se negando a existência do custo, haveria apenas que considerar se o mesmo foi incorrido no interesse colectivo da empresa, nos termos do artigo 23º do CIRC.
L. Entendeu o Tribunal Central, ao contrário da 1ª instância, que o contribuinte não comprovou a indispensabilidade de suportar os custos, pois após ter adquirido os direitos de imagem não procedeu à sua comercialização.
M. Ora, ficou provado, como se reproduziu nas Alegações acima, que é indispensável à actividade da Recorrente a mera possibilidade de poder dispor dos direitos de imagem que foram comercializados pelos jogadores e técnicos com uma entidade terceira.
N. Ainda que assim não fosse, existe um erro na avaliação do nexo causal de indispensabilidade, entre os custos e a obtenção de proveitos.
O. A Recorrente obteve, indirectamente, por via dos patrocínios, o retorno financeiro desejado, contudo tal não pode ser exigido como requisito de reconhecimento da dedutibilidade de um custo.
P. Corresponde à melhor interpretação do Direito considerar um custo como indispensável não como uma relação de causalidade necessária, uma verdadeira conditio sine qua non ou de resultados concretos obtidos com um acto, mas antes tendo em conta as normais circunstâncias do mercado, em termos de adequação económica do acto à finalidade da obtenção maximizada de resultados.
Q. Tanto que, perante todo o exposto pela Fazenda Pública, o próprio Tribunal Central Administrativo do Sul refere:
“Este Tribunal não ceita correcções baseadas em meros juízos de valor sobre a bondade da gestão, nem tão pouco uma relação causal directa entre um custo incorrido e um determinado proveito (pense-se, por exemplo, nas despesas de publicidade que, por qualquer razão não têm um retorno ou não o têm imediatamente), a verdade é que, face às dúvidas sustentadas sobre a indispensabilidade de um custo de € 1.855.816,10, cabia ao sujeito passivo disponibilizar prova, minimamente consistente, da dita «congruência económica» dos custos com a aquisição de direitos de imagem, durante o exercício em causa, o que, em nossa opinião, não foi feito.”
R. Não se pode concordar mais com a primeira parte das palavras do Tribunal Central, não se compreendendo, no entanto, a consequência a que chega.
S. Foram considerados provados os custos incorridos, a não disponibilidade na esfera do clube dos direitos de imagem dos jogadores/técnicos, a essencialidade das receitas provenientes dos patrocinadores, como uma das principais fontes de rendimento do clube e a participação dos jogadores e técnicos em inúmeros eventos que promove quer o clube quer os patrocinadores.
T. Assim, não poderá ser de aceitar que se tomem em considerações “dúvidas”, muito menos com fundamento no valor dos custos envolvidos.
U. O juízo de legalidade não se compadece com tais “pré-conceitos”, mas apenas aos factos e ao Direito.
V. Mais, diga-se que, fundamentando-se a decisão na alegada falta de prova da indispensabilidade dos custos, o ónus da prova da indispensabilidade do custo passa ao lado da presunção de veracidade da escrita correctamente organizada (cf. artigos 75º do CPPT e 75º da LGT), pois não se questiona a veracidade da despesa, assim caberia à Autoridade Tributária ter ilidido a presunção de veracidade, demonstrando que os factos não são verdadeiros, o que não fez.
W. Só podem ser desconsiderados para efeitos fiscais custos que não se possam considerar compatíveis com as finalidades a prosseguir pela empresa (C J. L. Saldanha Sanches, Os Limites do Planeamento Fiscal, pág. 21).
X. Se a Recorrente avança com uma explicação económica e a demonstra, a relevância fiscal não pode ser posta em causa.
Y. Tanto que a ora Recorrente motivou esses custos à luz do contrato celebrado com a B………. e demonstrou que a aquisição a imagem dos jogadores/técnicos visa garantir a intervenção designadamente em eventos sociais e em sessões fotográficas, rádio, internet, promovendo bens e serviços em cumprimento de contratos celebrados com os seus patrocinadores, que não seriam garantidos apenas com a celebração do contrato de trabalho.
Z. Assim não só se provou que os custos existiram, que também decorrem da actividade exercida, proporcionando a obtenção de proveitos, termos em que corresponde à melhor aplicação do Direito considerar que está comprovada a indispensabilidade exigida para o reconhecimento da dedutibilidade dos custos.
Termina pedindo o provimento do recurso e seja revogado o acórdão recorrido, a substituir por decisão que considere improcedente o recurso da Fazenda Pública apresentado perante o TCAS.

1.3. A Fazenda Pública contra-alegou, tendo no final formulado as conclusões seguintes:
104º. Não se encontram preenchidos os requisitos necessários à admissibilidade do recurso excecional de revista, porquanto não se mostra o mesmo necessário à melhor aplicação do direito.
105º. Na verdade, não é possível inferir da decisão proferida no acórdão recorrido que se tenha verificado qualquer violação de lei substantiva ou processual, porquanto o acórdão em questão contém uma interpretação perfeitamente plausível das normas, não interpretando o direito de modo ostensivamente errado ou juridicamente insustentável, não sendo possível considerar-se que assim é, por mera discordância das conclusões a que o douto Tribunal chega.
106º. Mais, não nos esqueçamos que não deve o recurso de revista servir para controlo do erro na apreciação das provas ou fixação dos factos, que, aliás, não nos parece sequer ter ocorrido, mas nos parece ser pretendido.
107º. A DSIT procedeu à correcção do montante de € 1.855.816,76, acrescendo este montante ao lucro tributável da impugnante referente à aquisição dos direitos de imagem dos jogadoras da equipa profissional de futebol, por entender que estes custos não seriam comprovadamente indispensáveis para a realização dos seus proveitos, atento o disposto no artigo 23º do Código do IRC.
108º. Da análise efectuada pela DSIT aos elementos contabilísticos da A……….., sujeito passivo agora Impugnante, verificou a contabilização do montante acima referido relativamente à aquisição, junto de uma entidade residente no Reino Unido, a B………., pela utilização do nome e imagem dos jogadores e técnicos do seu plantel.
109º. Crucial para a averiguação do acerto desta correcção é fazer a correlação entre o custo - o pagamento de € 1,855,816,76 à empresa “B………..” pela utilização do nome e imagem dos jogadores - e os proveitos gerados inerentes a esse custo.
110º. A imagem da equipa enquanto colectivo pertence, por via legal, à Recorrente, ou ao Clube a que se encontra associada (v. nº 2 do artigo 10º da Lei nº 28/98, de 26 de Junho, que estabelece o Regime Jurídico do Contrato de Trabalho Desportivo a do Contrato de Formação Desportiva e nº 3 do artigo 38º do Contrato Colectivo de Trabalho entre a Liga Portuguesa de Futebol Profissional e o Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol).
111º. Opção legislativa diferente seria difícil de compreender por poder conduzir a que um determinado clube ou Sociedade Anónima Desportiva - SAD se encontrasse impedido de contratar com um sponsor, um patrocínio, uma transmissão televisiva por não possuir os direitos de imagem de um determinado jogador ou técnico da sua equipa de futebol profissional, devido a uma recusa de contratualização dos referidos direitos.
112º. Tendo sido pedido à Recorrente para comprovar da indispensabilidade destes custos para a obtenção dos seus proveitos, era pretendido que ficasse demonstrado que os encargos originados peles contratos com a B……….. tinham subjacente uma exploração EFECTIVA dos direitos de imagem INDIVIDUAIS, respeitantes a CADA um dos atletas e técnicos.
113º. Os argumentos da recorrente de que para fazer face aos seus sponsors, patrocínios, transmissões televisivas e publicidade seria indispensável a aquisição dos direitos de imagem individuais de cada um dos jogadores, para além do contrato de trabalho desportivo, parecem-nos incorrectos.
114º. A mera existência de contratos e faturação emitida não implica necessariamente a existência da exploração dos direitos de imagem adquiridos, pelo que as facturas emitidas pela B…………., de per si nada provam, quer no que respeita à existência das operações e dos benefícios retirados dos direitos adquiridos.
115º. Não foi apresentada qualquer prova que permitisse concluir pela exploração comercial por parte da recorrente da imagem de qualquer um dos jogadores individualmente considerado.
116º. Parece-nos que no caso de a Recorrente efectivamente explorar comercialmente os direitos de imagem dos jogadores ou técnicos individualmente considerados e alegadamente cedidos pela B………… em campanhas publicitárias, sessões fotográficas, entre outras, em que estes participassem, conseguiria de modo claro e objectivo apresentar documentos comprovativos da obtenção de proveitos na decorrência dessas actividades, conseguiria distinguir esses proveitos dos demais: haveria a emissão de facturas para as referidas actividades, o que não sucede.
117º. A posição da Administração Fiscal não é de rejeição liminar dos custos com publicidade das empresas. Não discutimos o facto, aliás também aceite jurisprudencialmente, como a Impugnante e bem demonstra, da que estes custos são aceites e considerados indispensáveis para a realização dos proveitos, em conformidade com o disposto no artigo 23º do Código do IRC.
118º. Defendemos, no entanto, que não basta uma despesa ser enquadrada como custo com publicidade para que esta automaticamente deva ser aceite como custo fiscal, resta ainda demonstrar que este custo conduziu efectivamente à obtenção de proveitos pela empresa.
119º. No caso vertente, o que se verificou através da análise dos elementos contabilísticos foi que as únicas receitas provenientes da publicidade respeitam a divulgação de nomes/marcas de clientes nas instalações desportivas e equipamento da equipa, não se discernindo proveitos decorrentes da exploração dos direitos de Imagem dos jogadores.
120º. Todos os argumentos sempre utilizados pela Recorrente para justificar a indispensabilidade deste custo para a manutenção da fonte produtora, tal como exigido pelo nº 1 do artigo 23º do Código do IRC, tal como o valor da imagem na sociedade em que vivemos, o facto de a imagem de uma empresa ser o seu cartão de visita, o facto de a imagem dos jogadores ser indispensável para a sua própria divulgação e expansão comercial, são aspectos vagos e difíceis de determinar.
121º. Não é apresentado um único valor, um número, um montante reflectido na contabilidade da Impugnante no exercício analisado que se tenha provado ter um nexo causal com a utilização da imagem de qualquer um dos jogadores do plantel individualmente considerados.
122º. Está aqui em causa o requisito para a aceitação fiscal do custo nos termos do artigo 23º do Código do IRC: a sua Indispensabilidade para a obtenção de proveitos ou manutenção da fonte produtora.
123º. Ora, o ónus de prova da indispensabilidade caberia à Recorrente que nunca o preencheu, porquanto não foi a necessária prova feita nem de modo documental nem testemunhal, porquanto o que sempre se fez foi afirmar princípios e teorias e não factos, números, valores monetários efectivamente recebidos.
124º. Ou seja, deveria a Recorrente indicar e provar a lógica empresarial que se encontra subjacente à aquisição dos direitos de imagem dos jogadores e técnicos do plantel do A………., que teria sempre que assentar na exploração meramente individual do direito ao nome e imagem que foi adquirido.
125º. Mais se acrescenta que, não logrou a SAD Recorrente comprovar a efectiva aquisição dos direitos de Imagem supostamente transacionados.
126º. Ora, é importante mencionar que já se encontra firmado que a administração tributária logrou ilidir a presunção de veracidade dos elementos contabilizados pelo sujeito passivo, por já se ter dito que o contrato celebrado entre a B………….. e a SAD não credibilizava a transmissão da imagem jogador/técnico.
127º. Assim, embora tendo contabilizado os encargos a título de aquisição destes direitos, uma vez não se provando que correspondem a aquisição de direitos de imagem dos jogadores/técnicos do plantel não se pode comprovar sequer que se está perante o consumo de um serviço na esfera empresarial da SAD e, consequentemente, que este corresponde a um custo indispensável da sua actividade.
128º. Por outro lado, como já se explicou supra, comprovou-se ainda que a Impugnante não procedeu à exploração dos direitos de imagem dos jogadores num plano meramente individual, não desenvolveu uma actividade com vista à sua exploração, não contabilizou qualquer proveito resultante dessa actividade.
129º. Ora, não havendo exploração dos direitos, como se pode falar em consumo dos direitos adquiridos na esfera empresarial da A……….?
130º. Repare-se que o custo constitui-se na esfera produtiva das empresas com o consumo de um bem ou serviço, que não se comprovou.
131º. De acordo outra conclusão não nos parece possível senão a de que esteve bem a Administração Fiscal ao proceder ao acréscimo do montante de € 1.855,816,76 ao lucro tributável da Impugnante referentes à aquisição dos direitos de imagem dos jogadores da equipa profissional de futebol, pelo que, nesta parte deverá a liquidação adicional ser mantida, não tendo havido qualquer erro de julgamento ou de aplicação do Direito por parte do Tribunal que o considerou.
Termina pedindo a improcedência do recurso, mantendo-se a liquidação adicional de IRC, na parte respeitante à não consideração dos custos com a aquisição dos direitos de imagem, sendo igualmente mantidas as correspondentes liquidações de juros compensatórios e de mora.


1.4. O Ministério Público emite Parecer, nos termos seguintes:
«Recurso interposto por A…………., sendo recorrida a representante da Fazenda Pública:
A admissibilidade do recurso interposto é de apreciar, nos termos do art. 150º nº 6 do C.P.T.A., subsidiariamente aplicável.
No entanto, uma vez que os autos foram mandados “ao Ministério Público”, vai-se acrescentar o seguinte:
Quanto à admissibilidade do dito recurso é de verificar) nos termos do nº 1 do art. 150º do C.P.T.A., subsidiariamente aplicável, se ocorre questão que “pela sua relevância jurídica ou social que se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Estes requisitos, com uma formulação restritiva, têm levado a considerar ser ainda necessária uma alegação específica a esse respeito - assim, acórdão do S.T.A. de 16-4-2012, proferido no recurso nº 01140/11.
Ora, a recorrente cumpriu tal ónus, conforme resulta das conclusões C a J.
Por outro lado, quanto às questões terem relevância jurídica ou social, é entendimento comummente aceite, que as mesmas devem ter sido decididas ao arrepio do entendimento uniforme da jurisprudência ou mesmo da doutrina (efeito reparador) ou, por se inserirem em nova legislação, ser de admitir como necessário que seja estabelecido qual o entendimento a dar, com repercussão em casos futuros (efeito preventivo) - neste sentido, Abrantes Geraldes, em Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, 2010, em anotação ao art. 721º-A do C.P.C., que corresponde ao atual 672º do novo C.P.C., disposição paralela do acima referido 150º do C.P.T.A., e Miguel Ângelo Oliveira Crespo, em O Recurso de Revista no Contencioso Administrativo, Almedina, 2007, p. 248 e ss., analisando vasta jurisprudência produzida a respeito do dito art. 150º do C.P.T.A.
No caso, está em causa a apreciação efetuada quanto à aplicação do art. 23º do C.I.R.C., em associação com a comprovação, ou justificação, dos respetivos custos.
Com efeito, remontando os factos a 2004, a recorrente não põe em causa a aplicação do previsto no art. 75º da L.G.T., em cujo nº 2 se prevê que o nº 1 seja afastado, nomeadamente existindo indícios fundados de que não se reflete ou está impedido o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo.
No entanto, alega ter suportado despesas com a aquisição de direitos de imagem de jogadores, conforme contabilizado foi, e tinha sido decidido pelos seus órgãos de gestão.
E tal foi desconsiderado no acórdão recorrido, aliás, na linha de outros todos do T.C.A. Sul (fls. 691), com fundamento em:
- não ter sido afastada a dúvida quanto à relação de determinada da despesa em causa —1.855.816,70 € - com a atividade do sujeito passivo;
- não terem sido comprovados custos, segundo um critério de “congruência económica”, aplicado quanto à matéria de facto, em que sobressaem as alíneas Q) a T), em termos de ser necessário estabelecer ainda uma exploração dos ditos direitos.
Assim, foi possível considerar como não preenchido o requisito de “indispensabilidade” previsto no dito art. 23º, na redação ao tempo vigente.
Acresce que os pagamentos foram efetuados a uma entidade, a B…………, domiciliada numa “off shore” e que, apesar da mesma não deter os direitos de exploração sobre a imagem dos atletas, os mesmos eram de uma outra empresa, a C………… Inc., constituídas nas Ilhas Virgens Britânicas, com sede num regime fiscal privilegiado.
Ainda assim, foi já decidido admitir-se a dita comprovação, com fundamento na existência de um contrato de investimento - cfr. neste sentido, o acórdão do C.A.A.D. de 16-9-2015, proferido no proc. 108/2015-T, na esteira do proferido no proc. nº 511/2014.
E é certo que o S.T.A. tem decidido não ser de afastar o dito requisito como preenchido segundo critérios de gestão.
Concluindo:
Opina-se que o recurso é de admitir, nos termos do art. 150º nº 1, do C.P.T.A., com fundamento numa “melhor aplicação do direito” quanto à questão da indispensabilidade de custos, tal como previsto no art. 23º do C.I.R.C., na versão aplicável em 2004, em associação com a comprovação ou justificação dos mesmos.».

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Ao abrigo do disposto no nº 6 do artigo 663º do Código de Processo Civil dá-se por reproduzido, para todos os efeitos legais, o probatório constante do acórdão recorrido.

3.1. Como se referiu, da sentença proferida pelo TAF do Funchal recorreram quer a A…………., quer a Fazenda Pública.
E o acórdão recorrido começou por apreciar o recurso interposto pela A………….., enunciando como questões a decidir as de saber:
(i) - se o procedimento de inspecção tributário efectuado à Recorrente configurou materialmente um verdadeiro e próprio procedimento externo, porquanto (…) foram solicitados e inspeccionados balancetes, contas correntes, documentos de suporte, extractos, facturas, pagamentos, registos contabilísticos, cálculos, contratos etc. referentes ao IRC, IVA, PEC e Retenções na fonte de IR, que envolvem a verificação da contabilidade, livros de escrituração ou outros documentos relacionados com a actividade da Recorrente, que em conformidade com o disposto no art. 34º nº 1 do RCPIT devia realizar-se nas instalações ou dependências onde estejam ou devam legalmente estar localizados os elementos;
(ii) - se tal procedimento de inspecção foi ou não notificado com uma antecedência mínima de 5 dias, contendo os elementos mínimos de informação sobre a inspecção tributária e os direitos, deveres e garantias do contribuinte em conformidade com o disposto no art. 49º nº 1 do RCPIT;
(iii) – se o procedimento de inspecção tributário excedeu o âmbito e a extensão inicialmente considerados na comunicação de 09/03/2007 (limitado ao IRC/2004), sendo que a impugnante alega que para efeitos do Relatório da Inspecção e da liquidação impugnada abrangeu-se não apenas o IRC referente ao exercício de 2004, mas também o referente às Retenções na fonte e ao IVA de parte do exercício de 2003;
(iv) – se ocorre falta de fundamentação da liquidação adicional impugnada, bem como do relatório de inspecção;
(v) - se a Direcção de Serviços de Inspecção Tributária (DSIT) tinha competência para operar a presente inspecção à impugnante, bem como se o Director-geral dos Impostos tinha, no seguimento da dita inspecção, as competências necessárias em matéria fiscal para efectuar a respectiva liquidação de IRC (que é uma receita fiscal da Região Autónoma da Madeira, estando, por isso, as apontadas competências cometidas ao Director Regional dos Assuntos Fiscais);
(vi) – se a sentença errou ao não considerar a dedutibilidade dos custos respeitantes a multas aplicadas à recorrente pela Liga Portuguesa de Futebol e às amortizações dos valores de retenção na fonte relativamente aos montantes da contraprestação da contratação dos jogadores em questão;
(vii) – se há ilegalidade dos juros compensatórios e de mora, também liquidados.
E o acórdão recorrido, acabou por julgar improcedentes as ditas questões (mesmo reconhecendo a razão da impugnante, no que respeita à primeira questão, o acórdão acabou por considerar que ainda que o procedimento de inspecção houvesse sido erradamente qualificado como interno, quando o deveria ter sido como externo, esse erro não releva para a decisão a proferir, se não puder concluir-se ter sido preterida qualquer formalidade essencial imposta por esta última modalidade de inspecção; já quanto à questão atinente aos juros, o acórdão decidiu dela não tomar conhecimento).

3.2. Em seguida, o acórdão apreciou o recurso interposto pela Fazenda Pública, relativamente ao qual enunciou como única questão a decidir a de saber se a sentença errou na apreciação que fez relativamente à correcção efectuada ao lucro tributável na importância de € 1.855.816,76, respeitante à não aceitação, para efeitos fiscais, dos custos incorridos pela impugnante, com a aquisição do direito de exploração do nome e imagem de jogadores e técnicos da equipa de futebol.
E foi nesta perspectiva que o acórdão (considerando, desde logo, que nada havia a alterar na matéria de facto especificada na decisão de 1ª instância e considerando, igualmente, que, «ao contrário daquilo que se podia antever, o percurso argumentativo seguido pela AT – e as conclusões dele retiradas para fundamentar a correcção aqui em análise – acaba por não retirar qualquer consequência da apontada “simulação” dos contratos, antes operando uma inflexão na argumentação adoptada, o que a levou a considerar a existência dos custos incorridos mas a não aceitar a sua dedução para efeitos fiscais»), apreciou a legalidade desta correcção aos custos não aceites fiscalmente respeitantes aos direitos de imagem (pois que o fundamento que a AT considerou para não aceitar o valor corrigido de € 1.855.816,76, é o de que não se mostra provada a indispensabilidade de tais “custos para a obtenção de proveitos, ou ganhos sujeitos a impostos ou para a manutenção da fonte produtora de rendimentos, de acordo com o nº 1 do artigo 23º do CIRC”) e veio a dar, nesta parte, provimento ao recurso da Fazenda Pública (e a julgar, consequentemente, improcedente nessa mesma medida a impugnação) concluindo, no essencial, o seguinte:
«Tenhamos presente, desde já, o disposto no artigo 23º, nº 1 do CIRC (na redacção vigente à época), segundo o qual consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora, nomeadamente os que vêm exemplificados nas diversas alíneas desse número - como por exemplo, os encargos relativos à produção ou aquisição de quaisquer bens ou serviços, à distribuição e venda, os de natureza financeira, os de natureza administrativa, os relativos a análises, racionalização, investigação e consulta, os fiscais e parafiscais, as reintegrações e amortizações, as provisões, as menos-valias realizadas, as indemnizações resultantes de eventos cujo risco não seja segurável.
Na consideração e preenchimento deste conceito indeterminado – indispensabilidade – impõe-se, no entendimento do Tribunal, que a análise de um concreto custo seja feita em função da actividade societária, ou seja, em função do seu objectivo no âmbito da actividade da empresa; os custos indispensáveis equivalerão aos gastos contraídos no interesse da empresa.
(...)
Quanto ao requisito da indispensabilidade de um custo, deve dizer-se que tem sido jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à AT actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo.
(...)
Por conseguinte, ainda que, em tese, o Tribunal perceba o alcance dos argumentos da SAD - ou seja, e como atrás dissemos, a necessidade dos custos incorridos passaria pela necessidade de obter patrocínios e pela realização de acções de marketing e publicidade, evidenciando-se, também, o interesse em garantir que os jogadores e técnicos ao seu serviço não explorem individualmente o seu nome e imagem, enquanto desportistas profissionais, promovendo bens e serviços de entidades concorrentes, distintos dos patrocinadores – a verdade é que nada disto, em concreto, se mostra evidenciado.
Sabendo nós que o contrato de trabalho desportivo não implica a aquisição do direito de explorar a imagem individual do atleta – direito este que pode, ou não, ser cedido por este – importava perceber em que medida, no caso concreto, o custo de aquisição de tais direitos de imagem é um custo afecto à exploração, ou seja, a sua relação causal com os proveitos da SAD, no sentido perceber a adequação económica do acto à finalidade da obtenção maximizada de resultados.
Ora, retomando o enquadramento jurídico que atrás deixámos feito, parece-nos claro, mesmo afastando a hipótese de a AT fazer juízos de valor sobre a bondade da gestão empresarial prosseguida, que se a mesma “atuando submetida ao princípio da legalidade, fundamentadamente, despoleta a dúvida sobre a relação justificada de uma determinada despesa com a atividade do sujeito passivo, necessária e logicamente, por se encontrar mais habilitado para o efeito, compete a este uma explicação sobre a “congruência económica” da operação, a qual não se cumpre com a alegação abstrata e conclusiva de que a despesa se insere no interesse societário e/ou da existência de relação justificada com a atividade desenvolvida, exigindo-se, sim, que o contribuinte alegue e comprove factos concretos, sindicáveis, capazes de demonstrar a realidade, veracidade, das atuações empresariais provocantes dos gastos registados, em ordem a que, entre o mais, não resulte inviabilizada a função fiscalizadora da AT” – vide, o acórdão do TCA Sul, de 27/03/12, no recurso nº 5312/12.
Ora, no caso, e salvo o devido respeito pela posição contrária, a dúvida sobre a relação de uma determinada despesa – os € 1.855.816,70 - com a actividade do sujeito passivo, a SAD, não vem minimamente afastada, nem a indispensabilidade dos custos se mostra justificada, em face dos ténues argumentos avançados.
Repete-se, dos elementos juntos, todos analisados, não se percebe em que medida os custos suportados com a aquisição do direito a explorar o nome e imagem de jogadores e técnicos, possa ser essencial, no caso, para a obtenção de proveitos e para a manutenção da fonte produtora. Em que medida – e independentemente do maior ou menor volume das comparticipações financeiras ao clube - os patrocínios ou a publicidade pressupõem e dependem destes direitos? Na verdade, nenhum dos elementos exibidos revela esta ligação, como atrás explicámos.
Retomando o que vínhamos de dizer, mesmo o argumento avançado no sentido de se pretender garantir que os membros da equipa não explorem a sua imagem através da promoção de bens e serviços de entidades concorrentes, distintos dos patrocinadores, é uma explicação que, pela sua generalidade, dificilmente se pode aceitar quando aplicada a todos os jogadores e a toda a equipa técnica (30 elementos).
Portanto, e a terminar, voltamos a repetir.
Embora este Tribunal não aceite correcções baseadas em meros juízos de valor sobre a bondade da gestão, nem tão pouco uma relação causal directa entre um custo incorrido e um determinado proveito (pense-se, por exemplo, nas despesas de publicidade que, por qualquer razão não têm um retorno ou não o têm imediatamente), a verdade é que, face às dúvidas sustentadas sobre a indispensabilidade de uma custo de €1.855.816,70, cabia ao sujeito passivo disponibilizar prova, minimamente consistente, da dita “congruência económica” dos custos com a aquisição dos direitos de imagem, durante o exercício em causa, o que, em nossa opinião, não foi feito.
E, assim sendo, como se entende ser, há que dar razão à Recorrente, reconhecendo a não dedutibilidade dos custos em causa, por não estar demonstrada a indispensabilidade dos mesmos, nos termos exigidos pelo artigo 23º do CIRC.
A sentença recorrida, que, nesta parte, assim não decidiu, deverá, pois, ser revogada e, consequentemente, deve a impugnação ser julgada improcedente nessa exacta medida, mantendo-se a liquidação de imposto correspondente e que havia sido anulada em 1ª instância.
Julga-se, assim, procedente o recurso interposto pela Fazenda Pública, quanto à questão que vínhamos analisando

4.1. É do assim decidido pelo TCA Sul que a ora recorrente A………. interpõe o presente recurso de revista excepcional.
Havendo, então, que apreciar se o recurso é admissível face aos pressupostos de admissibilidade contidos no próprio art. 150º do CPTA, em cujos nºs. 1 e 5 se estabelece:
«1 - Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
(…)
5 - A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do nº 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Administrativo».

4.2. Interpretando este nº 1, o STA tem vindo a acentuar a excepcionalidade deste recurso (cfr., por exemplo o ac. de 29/6/2011, rec. nº 0569/11) no sentido de que o mesmo «quer pela sua estrutura, quer pelos requisitos que condicionam a sua admissibilidade quer, ainda e principalmente, pela nota de excepcionalidade expressamente estabelecida na lei, não deve ser entendido como um recurso generalizado de revista mas como um recurso que apenas poderá ser admitido num número limitado de casos previstos naquele preceito interpretado a uma luz fortemente restritiva», reconduzindo-se como o próprio legislador sublinha na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nº 92/VII e 93/VIII, a uma “válvula de segurança do sistema” a utilizar apenas e só nos estritos pressupostos que definiu: quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para a melhor aplicação do direito.
Na mesma linha de orientação Mário Aroso de Almeida pondera que «não se pretende generalizar o recurso de revista, com o óbvio inconveniente de dar causa a uma acrescida morosidade na resolução final dos litígios», cabendo ao STA «dosear a sua intervenção, por forma a permitir que esta via funcione como uma válvula de segurança do sistema». (Cfr. O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, 2ª ed., p. 323 e Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2005, p. 150 e ss..)
E no preenchimento dos conceitos indeterminados acolhidos no normativo em causa (relevância jurídica ou social de importância fundamental da questão suscitada e a clara necessidade da admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito (Sobre esta matéria, cfr. Miguel Ângelo Oliveira Crespo, O Recurso de Revista no Contencioso Administrativo, Almedina, 2007, pp. 248 a 296.), também a jurisprudência deste STA vem sublinhando que «…constitui questão jurídica de importância fundamental aquela – que tanto pode incidir sobre direito substantivo como adjectivo – que apresente especial complexidade, seja porque a sua solução envolva a aplicação e concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, seja porque o seu tratamento tenha suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou da doutrina.
E, tem-se considerado de relevância social fundamental questão que apresente contornos indiciadores de que a solução pode corresponder a um paradigma ou contribuir para a elaboração de um padrão de apreciação de casos similares, ou que tenha particular repercussão na comunidade.
A admissão para uma melhor aplicação do direito justifica-se quando questões relevantes sejam tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória, com recurso a interpretações insólitas, ou por aplicação de critérios que aparentem erro ostensivo, de tal modo que seja manifesto que a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa é reclamada para dissipar dúvidas acerca da determinação, interpretação ou aplicação do quadro legal que regula certa situação.» (ac. do STA - Secção do Contencioso Administrativo - de 9/10/2014, proc. nº 01013/14).
Ou seja,
- (i) só se verifica a dita relevância jurídica ou social quando a questão a apreciar for de complexidade superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de enquadramento normativo especialmente complexo, ou da necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio.
- e (ii) só ocorre clara necessidade da admissão deste recurso para a melhor aplicação do direito quando se verifique capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular, designadamente quando o caso concreto revele seguramente a possibilidade de ser visto como um tipo, contendo uma questão bem caracterizada, passível de se repetir em casos futuros e cuja decisão nas instâncias seja ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, ou suscite fundadas dúvidas, nomeadamente por se verificar divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais, gerando incerteza e instabilidade na resolução dos litígios.
Não se trata, portanto, de uma relevância teórica medida pelo exercício intelectual, mais ou menos complexo, que seja possível praticar sobre as normas discutidas, mas de uma relevância prática que deve ter como ponto obrigatório de referência, o interesse objectivo, isto é, a utilidade jurídica da revista e esta, em termos de capacidade de expansão da controvérsia de modo a ultrapassar os limites da situação singular (a «melhor aplicação do direito» deva resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros, em termos de garantia de uniformização do direito: «o que em primeira linha está em causa no recurso excepcional de revista não é a solução concreta do caso subjacente, não é a eliminação da nulidade ou do erro de julgamento em que porventura caíram as instâncias, de modo a que o direito ou interesse do recorrente obtenha adequada tutela jurisdicional. Para isso existem os demais recursos, ditos ordinários. Aqui, estamos no campo de um recurso excepcional, que só mediatamente serve para melhor tutelar os referidos direitos e interesses») - cfr. o ac. desta Secção do STA, de 16/6/2010, rec. nº 296/10, bem como, entre muitos outros, os acs. de 30/5/2007, rec. nº 0357/07; de 20/5/09, rec. nº 295/09, de 29/6/2011, rec. nº 0568/11, de 7/3/2012, rec. nº 1108/11, de 14/3/12, rec. nº 1110/11, de 21/3/12, rec. nº 84/12, e de 26/4/12, recs. nºs. 1140/11, 237/12 e 284/12.
E igualmente se vem entendendo caber, em princípio, ao recorrente alegar e intentar demonstrar a verificação dos ditos requisitos legais de admissibilidade da revista, alegação e demonstração a levar necessariamente ao requerimento inicial ou de interposição – cfr. arts. 627º, nº 2, 635º, nºs. 1 e 2, e 639º, nºs. 1 e 2 do novo CPC (Correspondentes aos arts. 676º, nº 2, 684º, nºs. 1 e 2, e 685º-A, nºs. 1 e 2, do anterior CPC.) - neste sentido, entre outros, os acórdãos do STA de 2/3/2006, 27/4/2006 e 30/4/2013, proferidos, respectivamente, nos processos nºs. 183/06, 333/06 e 0309/13.

4.3. No caso, afigura-se-nos que não estão verificados os apontados requisitos de admissibilidade do recurso de revista excepcional.
Com efeito, o que a recorrente pretende é, no essencial, ver reexaminado o próprio julgamento de facto operado no acórdão recorrido e com base no qual ali se concluiu que, embora não sendo de aceitar «correcções baseadas em meros juízos de valor sobre a bondade da gestão, nem tão pouco uma relação causal directa entre um custo incorrido e um determinado proveito (...), a verdade é que, face às dúvidas sustentadas sobre a indispensabilidade de uma custo de € 1.855.816,70, cabia ao sujeito passivo disponibilizar prova, minimamente consistente, da dita “congruência económica” dos custos com a aquisição dos direitos de imagem, durante o exercício em causa, o que, em nossa opinião, não foi feito.»
Sublinhando, aliás, o acórdão recorrido (como a recorrente também reconhece – cfr. as Conclusões Q e R), o entendimento no sentido de que, quanto ao conceito de indispensabilidade se impõe «que a análise de um concreto custo seja feita em função da actividade societária, ou seja, em função do seu objectivo no âmbito da actividade da empresa; os custos indispensáveis equivalerão aos gastos contraídos no interesse da empresa» (até porque este requisito da indispensabilidade de um custo tem sido «jurisprudencialmente interpretado como um conceito indeterminado de necessário preenchimento casuístico, em resultado de uma análise de perspectiva económica-empresarial, na percepção de uma relação de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objecto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à AT actuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo»).
Daí que não se acompanhe a posição do MP, por não ser com base no preenchimento de critérios de gestão que o acórdão recorrido afasta a indispensabilidade do questionado custo.
De todo o modo, apesar de invocar errada interpretação e aplicação do art. 23º do CIRC aos factos e de fundamentar a admissão da revista numa «manifesta necessidade de melhor aplicação do Direito», a recorrente acaba por consubstanciar tal fundamentação numa alegada discordância da valoração da prova feita no acórdão recorrido [conforme resulta da Conclusão E) e da respectiva alegação no sentido de que «Tendo sido provados, os custos em que incorreu a ora Recorrente, bem como sendo evidente e plenamente demonstrado, a relação com a actividade por si desenvolvida, terá de ser revogada a decisão que os considera “dispensáveis”, por não corresponder à correcta aplicação do Direito» (o sublinhado é nosso). Bem como das Conclusões F e G, segmento final da Conclusão J e das demais Conclusões seguintes].
Em suma, a questão que se pretende ver reapreciada acaba por se reconduzir à apreciação concreta da própria factualidade que o acórdão recorrido julgou provada: não se trata de apreciar a norma legal (nº 1 do art. 23º do CIRC) no campo apenas da estatuição relativa ao conceito da «comprovada indispensabilidade», mas, antes, de apreciar a prova efectuada e os juízos valorativos sobre ela produzidos no acórdão do TCAS, mas que não são sindicáveis pelo STA. A apreciação do recurso sempre haveria de requerer, portanto, a elaboração de um juízo sobre a forma como o TCA apreciou a matéria de facto, pelo que não pode deixar de concluir-se que as questões suscitadas na revista se traduzem em alegação de erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa: ou seja, trata-se de questões que caem, ainda, no âmbito da proibição constante do nº 4 do art. 150º do CPTA.
Estamos, em suma, perante situação singular e com contornos factuais específicos, o que basta para afastar a excepcionalidade e, por conseguinte, a admissibilidade, da requerida revista,
E por outro lado e como se deixou exarado no acórdão do STA, de 28/5/2014, proc. nº 067/14, «…nas questões decididas pelo TCA com fundamento em matéria de facto que compromete inexoravelmente a análise das questões de direito e o sentido da decisão, está ultrapassado o interesse na discussão das questões jurídicas intrinsecamente ligadas àquela matéria de facto» (cfr., no mesmo sentido, também o acórdão do STA, de 4/9/2013, proc. nº 0995/13).

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em não admitir o presente recurso, por se considerar que não estão preenchidos os pressupostos a que se refere o nº 1 do artigo 150º do CPTA.
Custas pela recorrente, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida pelo presente recurso excepcional de revista, ao abrigo do disposto no nº 7 do art. 6º do Regulamento das Custas Processuais, pois que a apreciação preliminar sumária dos pressupostos da sua admissibilidade se reveste de complexidade inferior à comum e a conduta processual das partes a tal não obsta.

Lisboa, 24 de Janeiro de 2018. – Casimiro Gonçalves (relator) – Dulce Neto – António Pimpão.