Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01916/13
Data do Acordão:03/12/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:AUTOLIQUIDAÇÃO
RECLAMAÇÃO NECESSÁRIA
Sumário:I - De acordo com o disposto no nº 1 do artº 131º do CPPT “Em caso de erro de autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa dirigida ao dirigente do órgão periférico regional da administração tributária, no prazo de dois anos após a apresentação da declaração”.
II - Por sua vez, estabelece o nº 3 do mesmo artigo que é dispensada tal reclamação quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do nº 1 do artigo 102º.
III - Significa isto que tal reclamação é dispensada quando ocorrer qualquer dos requisitos enunciados neste nº 3, não sendo os mesmos cumulativos.
IV - Tendo a recorrente invocado como fundamento da impugnação a inconstitucionalidade orgânica da taxa autoliquidada, a reclamação constituiria ato inútil por nunca poder ser julgada procedente, em virtude de a AT estar sujeita ao princípio da legalidade (cfr. artº. 266.º, n.º 2, da CRP e artº. 55.º da LGT) e não poder deixar de aplicar uma norma com fundamento em inconstitucionalidade, a menos que o TC já tenha declarada a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral (cfr. artº. 281.º da CRP) ou se esteja perante o desrespeito por normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (cfr. artº. 18.º, n.º 1, da CRP), o que não é o caso.
Nº Convencional:JSTA00068623
Nº do Documento:SA22014031201916
Data de Entrada:12/16/2013
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:DGAV - DG DE ALIMENTAÇÃO E VETERINÁRIA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PENAFIEL
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART131 N1 N3.
DL 19/2011 DE 2011/02/07.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0481/13 DE 2014/02/26.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A……………., S.A., com os sinais dos autos, recorre para este Supremo Tribunal da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, de 7 de Outubro de 2013, que, por falta de acto impugnável, julgou improcedente a impugnação por si deduzida contra autoliquidações de “taxas para financiamento do sistema de recolha de Cadáveres de Animais Mortos nas Explorações” (taxas SIRCA), relativas aos meses de Janeiro, Março e Abril de 2013, devidas à Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária, apresentando para tal as seguintes conclusões:
A). Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, na parte em que considerou inimpugnáveis diretamente as autoliquidações efetuadas pela Recorrente, na medida em que deveriam ter sido precedidas de reclamação graciosa, nos termos do artigo 131.º CPPT;
B). Sendo a autoliquidação efetuada pelo próprio contribuinte, apenas se deverá permitir que esta seja diretamente impugnável, quando aquela (elaborada pelo contribuinte) corresponda à liquidação que a própria Administração Tributária faria (caso fosse sobre esta que recaísse o ónus da liquidação), por isso se impondo o recurso à Reclamação graciosa prévia;
C). Porém, nos casos em que a autoliquidação impugnada não seja susceptível de emenda ou rectificação pela Administração Tributária, a mesma deverá ser diretamente impugnável: Carece de sentido fazer intervir a Administração Tributária quando o acto, ainda que liquidado ou praticado pelo particular, está de acordo com as suas instruções, ou seja, é idêntico àquele que teria sido praticado pela Administração Tributária caso lhe competisse a respetiva liquidação;
D). Estando em causa a autoliquidação de uma (suposta taxa) e não de impostos liquidados pela Administração fiscal propriamente dita, a impugnação não tem por objeto um acto tributário, pelo que o n.° 1 do artigo 131º do CPPT será inaplicável ao caso concreto;
E). A sentença em crise fez errada interpretação e aplicação do artigo 131º do CPPT.
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente Recurso ser admitido e, posteriormente, ser dado provimento ao mesmo, ordenando-se a baixa do processo para aferição do mérito da causa.
Decidindo-se assim, far-se-á, tão-somente JUSTIÇA!

2- Não foram apresentadas contra-alegações.

3- O Excelentíssimo Procurador-Geral adjunto junto deste Tribunal emitiu o parecer de fls. 120 e 121 dos autos, concluindo no sentido de que o recurso merece provimento porquanto sendo o fundamento da impugnação exclusivamente de direito, traduzindo-se na alegada inconstitucionalidade orgânica da taxa SIRCA, nos termos do estatuído nos artigos 103.º/2 e 165.º/1/i) da CRP (…) a reclamação constituiria um acto inútil por nunca poder ser julgada procedente a reclamação, em virtude da AT estar sujeita ao princípio da legalidade (artigo 266.º/2 da CRP e 55.º da LGT) e não poder deixar de aplicar uma norma com fundamento em inconstitucionalidade, a não ser que o Tribunal Constitucional já tenha declarado a inconstitucionalidade com força obrigatória geral (artigo 281.º da CRP) ou se esteja perante o desrespeito de normas constitucionais directamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (artigo 18.º/1 CRP), o que não acontece no caso em apreciação.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

- Fundamentação -
4 – Questões a decidir
É a de saber se bem andou a sentença recorrida ao julgar improcedente a impugnação deduzida por falta de acto impugnável, no entendimento segundo o qual, estando em causa autoliquidações de taxas, a impugnação das autoliquidações tinha necessariamente de ser precedida de reclamação graciosa, ex vi do disposto no n.º 1 do artigo 131.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), cabendo à impugnante provocar o acto tributário com a reclamação, o que não fez.

5 – Matéria de facto
Constam do probatório fixado na sentença recorrida os seguintes factos:
1º) - A ora impugnante liquidou à Direção-Geral de Alimentação e Veterinária a denominada “Taxa para Financiamento do Sistema de Recolha de Cadáveres de Animais Mortos nas Explorações”, no montante global de 45.072,49 €.
2º) - Mediante as seguintes autoliquidações:
a) Declaração Mensal da Taxa SIRCA, conforme modelo 1015/DGAV, do mês de Janeiro de 2013, no valor de 13.494,97 €, pagos em 30 de Abril de 2013 - cf. doc.1, junto aos autos pela impugnante.
b) Declaração Mensal da Taxa SIRCA, conforme modelo 1015/DGAV, do mês de Março de 2013, no valor de 17.087,64€, pagos em 6 de Junho de 2013- cf. doc. 2, junto aos autos pela impugnante.
c) Declaração Mensal da Taxa SIRCA, conforme modelo 1015/DGAV, do mês de Abril de 2013, no valor de 14.489,88 €, pagos em 28 de Junho de 2013 - cf. doc. 3, junto aos autos pela impugnante.


6 – Apreciando
6.1 Da julgada falta de acto tributário impugnável
A sentença recorrida, a fls. 79 a 87 dos autos, julgou improcedente a impugnação oportunamente deduzida pela ora recorrente contra autoliquidações de “taxas para financiamento do Sistema de Recolha de Cadáveres de Animais Mortos nas Explorações”, devidas à Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV, liquidadas ao abrigo do Decreto-Lei n.º 19/2011, de 7 de Fevereiro, por falta de acto tributário impugnável (cfr. sentença recorrida, a fls. 87 dos autos), no entendimento de que estando em causa a impugnação de autoliquidações, competia à ora impugnante provocar o acto tributário com a reclamação (idem), porquanto a impugnação de autoliquidações depende de prévia reclamação graciosa, salvo nos casos previstos no n.º 3 do artigo 131.º do CPPT e naqueles em que o fundamento da impugnação seja exclusivamente a inconstitucionalidade da norma em que se fundou a autoliquidação por violação do princípio da irretroatividade da lei fiscal (cfr. sentença recorrida a fls. 86 dos autos).
Discorda do decidido a recorrente, alegando que a sentença em crise fez errada interpretação e aplicação do artigo 131º do CPPT, porquanto as autoliquidações em causa não tinham de ser precedidas de prévia reclamação graciosa como condição da sua impugnabilidade.
O Excelentíssimo Procurador-Geral adjunto junto deste Supremo tribunal no seu parecer junto aos autos defende que o recurso merece provimento, pois em casos como o dos autos em que o fundamento da impugnação é exclusivamente de direito, traduzindo-se na alegada inconstitucionalidade orgânica da taxa SIRCA, a reclamação prévia necessária constituiria um acto inútil, daí que deva entender-se equiparável às situações previstas no n.º 3 do artigo 131.º do CPPT em que a prévia reclamação graciosa não é pressuposto da impugnação das autoliquidações.
Vejamos.
Questão idêntica à que é objecto do presente recurso foi decidida no recente Acórdão deste STA do passado dia 26 de Fevereiro, proferido no recurso n.º 481/13, interposto pela mesma recorrente, mediante alegações idênticas às apresentadas nos presentes autos e em reacção a decisão de idêntico teor ao da sentença aqui recorrida.
Aí se decidiu conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e ordenando a baixa dos autos ao TAF de Penafiel para que prossigam para conhecimento da impugnação, porquanto, ao contrário do decidido, a prévia reclamação graciosa dos actos de autoliquidação a que alude o n.º 1 do artigo 131.º do CPPT se deve ter como dispensada, nos termos do n.º 3 do artigo 131.º do CPPT, verificado que seja qualquer dos requisitos previstos nesse artigo – a saber: quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e quando a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária – bem como nos casos em que o fundamento da impugnação é a inconstitucionalidade da norma ao abrigo da qual foi efectuada a autoliquidação, por idêntica ratio decidendi daqueles expressamente previstos no n.º 3 do artigo 131.º do CPPT, porquanto também neste caso a reclamação prévia necessária constituiria um acto inútil por nunca poder ser julgada procedente.
É este julgamento que aqui se reitera.
Também no caso dos autos a recorrente invocou como fundamento exclusivo da sua impugnação a inconstitucionalidade orgânica do diploma ao abrigo do qual foram autoliquidadas as “taxas” impugnadas, não havendo pois justificação para sujeitar a impugnação das autoliquidações a prévia reclamação graciosa (artigo 131.º n.º 3 do CPPT), menos ainda para considerar, como fez a sentença recorrida, não haver no caso dos autos acto tributário impugnável.

O recurso merece provimento.
- Decisão -

7 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, ordenando-se a baixa os autos ao tribunal “a quo” para que aí prossigam para conhecimento da impugnação.

Sem custas.

Lisboa, 12 de Março de 2014. - Isabel Marques da Silva (relatora) – Pedro Delgado – Ascensão Lopes.