Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0834/15.1BEVIS
Data do Acordão:03/21/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
ACTO
CLASSIFICAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:Justifica-se admitir a revista onde se discute a questão, divergentemente decidida pelas instâncias, da densificação exigida para a fundamentação dos actos de conteúdo classificatório e valorativo quando a solução jurídica que veio a ser perfilhada pelo acórdão recorrido suscita legítimas dúvidas quanto ao seu acerto.
Nº Convencional:JSTA000P32037
Nº do Documento:SA1202403210834/15
Recorrente:AA
Recorrido 1:INSTITUTO DO EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL, IP
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:


1. AA, intentou, no TAC, acção administrativa especial, contra o INSTITUTO DO EMPREGO E FORMAÇÃO PROFISSIONAL, I.P. e em que eram contra-interessados BB, CC, DD, EE, FF, GG e HH, para impugnação da deliberação n.º ...15, de ../../2015, do Conselho Directivo desse Instituto, que nomeara o referido GG como Coordenador de Núcleo do Núcleo de Gestão Administrativa e Financeira do Centro de Emprego e Formação Profissional de ... da Delegação Regional do Centro, pedindo que se declare a sua nulidade ou anulação e que se condene a entidade demandada a graduá-la em primeiro lugar.
Foi proferida sentença que julgou procedente a acção e anulou o acto impugnado.
A entidade demandada apelou para o TCA-Norte, o qual, por acórdão de 3/11/2023, concedeu provimento ao recurso, revogou a sentença e julgou improcedente a acção.
Invocando que este tribunal incorrera “em mero lapso material” quando não conheceu dos restantes vícios que alegara, A. apresentou requerimento onde solicitou que os autos fossem remetidos ao TAF para essa apreciação.
O TCA-Norte, por acórdão datado de 15/12/2023, deferiu esse requerimento, determinando a baixa dos autos ao TAF para que aí se conhecessem os demais vícios não apreciados pela sentença, referindo:
“Este acórdão considera-se complemento e faz parte integrante do proferido em 03/11/2023 que concedendo provimento ao recurso, revogou a decisão recorrida e julgou improcedente a acção”.
A A. interpôs recurso de revista do aludido acórdão de 3/11/2023.

2. Tem-se em atenção a matéria de facto considerada pelo acórdão recorrido.

3. A sentença, depois de entender que não se verificava o vício de preterição da formalidade de audiência prévia dos interessados, julgou procedente o vício de forma por falta de fundamentação e, invocando a “falta de elementos indispensáveis para o efeito”, considerou prejudicada a apreciação dos restantes vícios arguidos pela A. bem como do pedido condenatório por esta formulado.
Decidindo a apelação – onde apenas se impugnava a verificação do vício de forma por falta de fundamentação –, o TCA-Norte concedeu-lhe provimento, revogando a sentença, mas enquanto inicialmente considerou logo a acção improcedente, posteriormente, em acórdão complementar, determinou a remessa dos autos ao TAF para que aí fossem conhecidos os demais vícios alegados cuja apreciação fora considerada prejudicada pela sentença.
Parece, assim, ter-se entendido, embora sem afirmação expressa, que o aludido acórdão complementar se limitou a rectificar o erro material de que padecia o acórdão do TCA-Norte de 3/11/2023 quando julgou logo a acção improcedente.
Nada tendo as partes alegado quanto à aludida rectificação (cf. art.º 614.º, n.º 2, do CPC) e independentemente da sua correcção, cumpre analisar da verificação dos requisitos da admissão da revista quanto ao acórdão de 3/11/2023 complementado pelo acórdão de 15/12/2023.
A A. justifica essa admissão com a relevância jurídica e social do direito de acesso à função pública através de um procedimento concursal justo de que o direito à fundamentação é verdadeira condição “sine qua non”, alegando estar em causa uma questão com indesmentível capacidade de replicação em casos futuros e que determina a realização de operações de complexidade muito acima da média, bem como com a necessidade de se proceder a uma melhor aplicação do direito, imputando ao acórdão recorrido a nulidade de omissão de pronúncia, por não se ter conhecido dos restantes vícios que arguira e de erro de julgamento, por os fundamentos utilizados serem vagos, genéricos e conclusivos, como é claramente demonstrado por a fundamentação ser exactamente igual à que foi usada noutros distintos procedimentos concursais.
A questão da densificação exigida para a fundamentação dos actos de conteúdo classificatório e valorativo é assunto que se repete com frequência na jurisdição administrativa e que, face à flexibilidade da forma de concretização em que o dever de fundamentar se traduz e à utilização de expressões vagas e genéricas, com recurso a juízos conclusivos, reveste alguma complexidade.
A utilização desse tipo de expressões e juízos na situação em apreço determinou que as instâncias divergissem no entendimento que vieram a adoptar, sendo que a solução jurídica que veio a ser perfilhada pelo acórdão recorrido suscita legítimas dúvidas quanto ao seu acerto.
Justifica-se, pois, a intervenção do Supremo para uma melhor indagação e, eventualmente, uma melhor decisão numa matéria que suscita interrogações jurídicas e que, tendo potencialidade de repetição, reclama uma clarificação de directrizes.

4. Pelo exposto, acordam em admitir a revista.
Sem custas.

Lisboa, 21 de Março de 2024. – Fonseca da Paz (relator) – Teresa de Sousa – José Veloso.