Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:050/19.3BALSB
Data do Acordão:09/18/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24872
Nº do Documento:SA220190918050/19
Data de Entrada:06/06/2019
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. A Autoridade Tributária e Aduaneira interpõe recurso de revista excepcional, ao abrigo do disposto no artigo 150º do CPTA, da decisão arbitral proferida no processo que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) sob o nº 572/2018-T e que julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral que A………… apresentou com vista à anulação parcial de acto de liquidação de Imposto Sobre Veículos (ISV), no montante de 417,80 Euros.

1.1. Aduziu alegações que rematou com o seguinte quadro conclusivo:

Quanto à suscetibilidade de interposição de recurso de revista previsto no artigo 150º do CPTA
1. Os tribunais arbitrais tributários desempenham uma função de elevado relevo em sede de justiça tributária, pelo que as suas decisões, tendo caráter jurisdicional, têm um impacto no âmbito do sistema de justiça equivalente ao de uma decisão proferida pelos tribunais administrativos e fiscais.
2. O CPTA é subsidiariamente aplicável ao processo arbitral tributário, conforme estatui a alínea c), do nº 1, do artigo 29º do RJAT.
3. A falta de previsão expressa, no artigo 150º do CPTA, da possibilidade de interposição de recurso de revista da decisão arbitral, não impede que, com base numa interpretação extensiva da mesma norma, essa hipótese deva considerar-se contemplada.
4. Assim sendo, entendemos que uma decisão arbitral proferida junto do Centro de Arbitragem Administrativa, na economia do sistema de justiça tributária, deverá ser equiparada, para efeitos de interposição do recurso de revista, previsto no artigo 150º do CPTA, a uma decisão proferida no âmbito de um Tribunal Central Administrativo, assegurando-se, deste modo, o direito à tutela jurisdicional efetiva, conforme previsto no artigo 20º nº 4 da CRP.
5. Há que salientar que a decisão arbitral recorrida se debruça inovadoramente sobre matéria de elevada complexidade jurídica e relevância social sobre a qual os tribunais administrativos nunca se pronunciaram.
6. Sendo indubitável que, no caso concreto, está em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica e social, se reveste de importância fundamental, sendo certo também que a admissão do recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
7. Efetivamente, a matéria em questão extravasa largamente a esfera jurídica do requerente, ora recorrido, na medida em que o que está em causa não se cinge à mera liquidação e anulação de um tributo, mas a questões mais complexas, que têm na sua génese preocupações de ordem ambiental.
8. Entende, pois, a recorrente que se encontram reunidos os pressupostos para a admissão do presente recurso de revista ao abrigo do artigo 150º do CPTA.

Quanto à decisão arbitral recorrida
9. A decisão arbitral recorrida assentou numa errada interpretação do Direito Comunitário, pois se na interpretação do disposto no artigo 110º do TFUE tivesse sido tomado em consideração o disposto no artigo 191º do mesmo tratado, como devia, teria concluído que o modelo de tributação automóvel português, ao fazer incidir sobre os veículos ligeiros de passageiros, novos e usados, a componente ambiental, não tributa de modo divergente os veículos nacionais e os veículos admitidos, antes visando influenciar as escolhas dos consumidores, levando-os a optar pela compra de veículos com menores emissões de dióxido de carbono, tendo por fim último a proteção do ambiente, no estrito cumprimento dos princípios consagrados no artigo 191º do TFUE.

10. O acórdão do TJUE, proferido no Proc. C-200/15, invocado na decisão arbitral em abono da decisão recorrida, não se pronuncia, em concreto, sobre a matéria em análise, designadamente, quanto ao cerne da questão tratada no processo arbitral, que é a da redução de ISV aplicável a veículo usado admitido da UE, incidir apenas sobre o elemento específico de tributação (cilindrada), e não sobre a componente ambiental do ISV.
11. Não podendo, por conseguinte, inferir-se, sem mais, do acórdão do TJUE, a declaração de violação do artigo 110º do TFUE no que tange à atual norma do artigo 11º do CISV, matéria que não foi objeto de análise no âmbito do acórdão suprarreferido.
12. Ao anular a liquidação de ISV, na parte da componente ambiental, a decisão arbitral recorrida violou o estabelecido no artigo 66º da CRP, que consagra o direito de todos a um ambiente de vida humano sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender.
13. Na verdade, o direito ao ambiente configura um direito constitucional fundamental, assumindo uma vertente negativa ao impor proibições ou deveres de abstenção de ações ambientalmente nocivas e uma vertente positiva impondo ao Estado a defesa do ambiente mediante obrigações políticas, legislativas, administrativas e penais.
14. A alínea h), do nº 2 do artigo 66º da CRP aponta para um direito fiscal do ambiente que utilize os impostos, taxas, benefícios fiscais como instrumentos formais que propiciem a proteção do ambiente.

1.2. O recorrido apresentou contra-alegações para sustentar a inadmissibilidade do recurso.

1.4. O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido da inadmissibilidade do recurso, esgrimindo com a seguinte argumentação:

«Resulta do preâmbulo do DL 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o RJAT, a regra geral da irrecorribilidade das decisões arbitrais.
Tal regra decorre da própria Lei de autorização legislativa (artigo 124º/h) da Lei 3-B/2010, de 20 de Abril).
Não obstante, de jure condito, da decisão arbitral cabe recurso para o TC ou STA nos termos do estatuído no artigo 25º do RJAT.
Cabe, ainda, impugnação da decisão arbitral nos termos do disposto nos artigos 27º e 28º do RJAT.
No caso em que o Tribunal Arbitral seja a última instância de decisão de litígios tributários, a decisão é suscetível de reenvio prejudicial em cumprimento do estatuído no artigo 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
É este o regime dos recursos das decisões arbitrais em matéria tributária.
Como refere Carla Castelo Trindade, em Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, anotado, 2016, página 472 "O legislador deu ao contribuinte duas hipóteses de escolha: ou intenta ação pelos meios tradicionais, ou recorre à arbitragem. Se o contribuinte opta por esta segunda via, sabe de antemão que não terá possibilidade de recorrer ou impugnar a decisão arbitral - exceto nos casos previstos nos artigos 25º e 27º - e aceita os riscos inerentes à escolha que tomou.
Por estas razões, não se vislumbra qualquer tipo de violação constitucional na regra da irrecorribilidade, nem sequer de injustiça ou desigualdade. E, aliás, como constata LOPES DE SOUSA, contra si advogando a regra da irrecorribilidade é «abstratamente neutra, pois tanto priva dele o contribuinte como a Fazenda Pública» e «de forma semelhante, o défice de imparcialidade, se, eventualmente, vier a ocorrer, tanto pode ser desfavorável ao contribuinte como à Administração Tributária».
O Pleno da SCT do STA já se pronunciou no sentido de as decisões do CAAD, em matéria tributária, não serem recorríveis, nomeadamente através do recurso por oposição de acórdãos regulado no artigo 284º do CPPT (acórdão do PLENO da SCT do STA, de 25/01/2017-P. 0862/16, disponível em www.dgsi.pt).
Pode ler-se nesse aresto o seguinte: «Na verdade, a possibilidade de impugnação das decisões do CAAD esgota-se nos meios previstos naqueles artigos 25º e 27º e 28º, não sendo admissível a utilização dos meios processuais recursivos previstos no CPPT para as decisões dos tribunais tributários proferidas no âmbito do processo judicial tributário, nomeadamente, o recurso previsto no artigo 284º do CPPT. Aliás, e como bem se percebe da leitura do disposto nos artigos 25º e 27º acima referidos o recurso previsto para o STA, e a impugnação que for dirigida ao TCA, encontram a sua regulamentação nestes preceitos legais e ainda nas regras do CPTA referentes ao recurso de uniformização de jurisprudência e ao recurso de apelação, e já não nas regras dos recursos previstos no CPPT.
De igual modo já este Supremo Tribunal ponderou no acórdão datado de 27.05.2015, recurso nº 01033/14, a inadmissibilidade legal de outras espécies de recursos além daqueles que se encontram taxativamente previstos nas normas em apreço.
Sendo, por natureza, as decisões do CAAD em matéria tributária irrecorríveis e inimpugnáveis, tal como se lê do preâmbulo do referido DL nº 10/2011, tendo em conta a razão de ser da sua criação, exceto nos casos especialmente previstos, cfr. arts. 25º e 27º do RJAT, não faria qualquer sentido que se abrisse a porta ao uso dos recursos expressamente previstos para os processos judiciais tributários, uma vez que, nesse caso, estar-se-ia a permitir uma segunda instância de recurso/impugnação, assim se defraudando a razão de ser que justifica a existência da arbitragem tributária.».
Não é admissível recurso por oposição de acórdãos de acórdão do TCAS, que se pronunciou sobre decisão arbitral tributária nos termos do estatuído nos artigos 27º e 28º do RJAT.
Tal como não é admissível o recurso excecional de revista, previsto no artigo 150º do CPTA, de decisão arbitral em matéria tributária.
De facto, o referido normativo, apenas prevê a possibilidade de interposição de recurso de revista de decisões proferidas pelo TCA em segundo grau de jurisdição, admitindo, assim, um duplo grau de recurso no contencioso administrativo/tributário português.
Como se pode ler no sumário do acórdão do STA, de 07/11/2018-P, nº 9BALSB, disponível em www.dgsi.pt "Decorre expressa e inequivocamente do nº 1 do artigo 150º do CPTA que o objeto do recurso excecional de revista são decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo, e não outras, designadamente decisões arbitrais, que nem são proferidas em segunda instância, nem o são pelo TCA, ainda que possam ser colegiais e que delas não caiba, em regra, recurso ordinário"».

1.5. Colhidos os vistos legais, cumpre proceder à apreciação liminar sumária a que se refere o nº 6 do artigo 150º do CPTA.

2. Segundo o disposto no nº 1 do artigo 150º do CPTA "das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito".
Por conseguinte, este recurso só é admissível se estivermos perante uma decisão proferida em 2.ª instância por um tribunal da jurisdição administrativa e fiscal, sempre com vista a obter a intervenção do STA na qualidade de órgão de cúpula da hierarquia dos tribunais desta jurisdição e aos quais compete o julgamento de litígios compreendidos pelo âmbito de jurisdição previsto no art.º 4º do ETA.
Deste modo, como muito bem refere o Exm.º Magistrado do Ministério Público no parecer acima transcrito, e como já decidido no acórdão de 7.11.2018, no proc. 083/15.9BALSB, prolatado pelo colectivo de Juízes Conselheiros que detém a competência para decidir sobre a admissibilidade deste tipo de recursos, decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do artigo 150º do CPTA que o objecto do recurso excepcional de revista são decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo, e não outras, designadamente decisões arbitrais, que nem são proferidas em segunda instância, nem o são pelo TCA, ainda que possam ser colegiais e que delas não caiba, em regra, recurso ordinário.
Como nele se deixou explicitado, não só a lei não contempla a possibilidade de interpor recurso de revista de decisões arbitrais, como não foi querida ou desejada tal possibilidade, já que «o legislador, expressa e inequivocamente acolheu como regra geral a irrecorribilidade da decisão proferida pelos tribunais arbitrais - cfr. o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, ao abrigo da autorização legislativa concedida pelo artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, cuja alínea h) do seu n.º 4 estabelece igualmente a consagração, como regra, da irrecorribilidade da sentença proferida pelo tribunal arbitral.
Perante a manifesta e inequívoca vontade do legislador de consagrar como regra a da irrecorribilidade da decisão arbitral, não se vê como curial, adequado ou sequer possível sem quebra da legalidade, que, por mera via jurisprudencial, em substituição do legislador, o STA possa admitir recurso de revista excepcional de decisões arbitrais, por mais que a recorrente invoque a necessidade da revista dada a "elevada relevância jurídica" da questão a decidir ou a necessidade do recurso "para melhor aplicação do direito".».
Por conseguinte, e como também tem sido destacado em arestos do Pleno desta Secção (cfr., entre outros, o acórdão de 28.11.2018, no proc. 0164/18.7BALSB e os acórdãos de 30.01.2019 no proc. 083/15.9BALSB e no proc. 0417/18.4BALSB), a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral só é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo, em conformidade com o disposto no nº 2 do art.º 25º do RJAT.
O presente recurso não pode, pois, ser admitido, por inadmissibilidade legal do seu objecto.
3. Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo que integram a formação referida no nº 5 do artigo 150º do CPTA, em não admitir o recurso.
Custas pela Recorrente.

Lisboa, 18 de Setembro de 2019. – Dulce Neto (relatora) – Ascensão Lopes – Isabel Marques da Silva.