Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0989/17.0BESNT-R1 0735/18
Data do Acordão:02/07/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO JURISDICIONAL
ALEGAÇÕES DO RECORRIDO
ÓNUS DE CONCLUIR
Sumário:I - Fora do âmbito da situação prevista no n.º 4 do art. 146.º do CPTA a regra no contencioso administrativo após a alteração produzida naquele Código pelo DL n.º 214-G/2015 passou a ser a de que com o requerimento de interposição de recurso devem ser juntas as alegações e de que estas devem conter logo as respetivas conclusões, sendo que essas faltas ou ausências produzem o imediato indeferimento daquele requerimento [al. b) do n.º 2 do art. 145.º do CPTA].
II - O dever de proferir um despacho de aperfeiçoamento nos termos do n.º 4 do art. 146.º do CPTA apenas tem lugar na hipótese de, na alegação de recurso contra sentença proferida em processo impugnatório, o recorrente se tenha limitado a reafirmar os vícios imputados ao ato impugnado e, num tal contexto, haja omitido a síntese conclusiva nas suas alegações, ou que nestas não haja indicado as normas jurídicas tidas por violadas pela decisão judicial recorrida, ou ainda quais os concretos aspetos de facto tidos por incorretamente julgados.
Nº Convencional:JSTA00070876
Nº do Documento:SA1201902070989/17
Data de Entrada:11/05/2018
Recorrente:A..... E OUTROS
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE AMADORA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO DE REVISTA
Objecto:ACÓRDÃO DO TCA SUL
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:PROCESSO ADMINISTRATIVO
Legislação Nacional:n.º 4 do art. 146.º E al. b) do n.º 2 do art. 145.º do CPTA,
Aditamento:
Texto Integral:

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO
1. A………………….. e outros, devidamente identificados nos autos, instauram no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra [doravante «TAF/S»] providência cautelar contra o “MUNICÍPIO DA AMADORA” [abreviada e doravante «MdA»], peticionando a suspensão de eficácia da «decisão de desocupação e demolição da habitação» proferida em 25.05.2017.

2. O «TAF/S», por decisão de 14.11.2017 [inserta a fls. 38 a 60 dos autos - paginação «SITAF» tal como as referências posteriores a paginação salvo expressa indicação em contrário], veio a julgar totalmente improcedente a pretensão cautelar, mercê da não verificação do requisito do fumus boni iuris previsto no art. 120.º do CPTA [na redação introduzida pelo DL n.º 214-G/2015, de 02.10 - redação essa a que se reportarão todas as demais citações de normativos daquele Código sem expressa referência em contrário].

3. Inconformados, os requerentes cautelares interpuseram recurso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo Sul [«TCA/S»], sem que hajam formulado conclusões nas alegações produzidas, tendo, por despacho de 01.02.2018, não sido admitido tal recurso [fls. 02/03].

4. Deduzida pelos mesmos reclamação daquela decisão de não admissão do recurso [fls. 62/66], sobre a mesma recaiu acórdão daquele «TCA/S», de 24.05.2018, confirmando a decisão reclamada [cfr. fls. 91/99].

5. Invocando o disposto no art. 150.º do CPTA os aqui recorrentes, de novo inconformados, agora, com o acórdão proferido pelo «TCA/S», vieram interpor o presente recurso jurisdicional de revista [cfr. fls. 108/113], sem que hajam apresentado, igualmente, qualquer quadro conclusivo.

6. O aqui recorrido «MdA» contra-alegou [cfr. fls. 116/121], pugnando pela manutenção do julgado e suscitando, ainda, a questão da «extinção do processo cautelar dada a caducidade do direito de ação».

7. Pelo acórdão da formação de apreciação preliminar deste Supremo Tribunal, prevista no n.º 5 do art. 150.º do CPTA, datado de 08.10.2018, veio a ser admitido o recurso [cfr. fls. 133/134].

8. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 146.º, n.º 1, e 147.º, n.º 2, do CPTA, a Digna Magistrada do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal, emitiu parecer no sentido da não admissão e conhecimento do recurso de revista dada a ausência, também, de apresentação de conclusões [cfr. fls. 142/148], pronúncia essa que objeto de contraditório não mereceu qualquer resposta [cfr. fls. 151 e segs.].

9. Na sequência do convite constante do despacho do relator de fls. 154, e que tornou prejudicado/precludido o conhecimento da questão suscitada pelo MP, foram apresentadas pelos recorrentes alegações com as respetivas conclusões [cfr. fls. 156 e segs.], com o seguinte teor:
«
Para efeitos do disposto na parte final do n.º 1 do art. 150.º do CPTA, a admissão do presente recurso é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, uma vez que estamos perante omissões de atos processuais que invalidam todo o processado posterior.
Em concreto, não foi admitido por falta de conclusões o recurso contra o indeferimento da providência cautelar de suspensão de eficácia de decisão do Requerido.
De tal despacho reclamaram os Requerentes ao Tribunal Central Administrativo Sul, o qual nos termos do disposto no art. 643.º, n.º 4, do CPC (regime aplicável através de remissão do artigo 145.º, n.º 3, do CPTA), assim que distribuída a reclamação, deveria apresentá-la “ao relator, que, em 10 dias, profere decisão que admita o recurso ou o mande subir ou mantenha o despacho reclamado, a qual é suscetível de impugnação, nos termos previstos no n.º 3 do artigo 652.º.
Sucede que foi omitida tal decisão por parte da Veneranda Relatora do Tribunal a quo, tendo sido proferido o douto Acórdão de 24 de maio de 2018 que indeferiu a reclamação e manteve o despacho reclamado.
Tal omissão, do despacho da Veneranda Relatora, configura uma nulidade por influir tanto no exame (inquinado, desde logo, por não respeitar os trâmites processuais) como na decisão da causa, anulando-se os termos subsequentes que dele dependam absolutamente (o Douto Acórdão aqui em crise), conforme determinam os n.ºs 1 e 2 do art. 195.º do CPC.
Caso assim V. Ex.ªs não entendam, o que não se concede, mas por mero dever de patrocínio se equaciona, impugnam os Requerentes a decisão do Tribunal a quo ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 5 do artigo 652.º do CPC, fazendo suas, com a devida licença, as doutas palavras da Declaração de Voto do Venerando Desembargador.
Considera-se assim que no contencioso administrativo a regra do aperfeiçoamento das conclusões do requerimento de recurso se afasta do regime do processo civil, vigorando a norma do art. 146.º, n.º 4 do CPTA.
Apesar de estarmos perante um meio cautelar instrumental ao processo principal, neste último é formulado um pedido impugnatório, devendo conhecer-se tal vertente impugnatória no processo cautelar (fumus boni juris), ainda que sumariamente, o que integra ainda a “linha de controlo objetivo da legalidade”.
Sendo que no recurso são de novo apontados os vícios ao ato suspendendo.
Subscreve-se a este propósito a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo nos acórdãos de 11/02/2010, proc. n.º 829/09, e de 26/06/2014, proc. n.º 375/14, referindo-se neste último “(...) o n.º 4 do artigo 146.º do CPTA exige que o relator convide o recorrente a formular ‘conclusões’ nos casos em que se limitou a apresentar alegações discordando do sentido da sentença recorrida, ou seja, limitando-se a reafirmar os vícios imputados ao ato impugnado. E traduzindo-se tal norma num plus em relação ao que impunha o n.º 4 do artigo 690.º do CPC [versão vigente à data da entrada em vigor do CPTA]” …».

10. O aqui recorrido «MdA», notificado destas alegações, não tomou qualquer posição [cfr. fls. 162 e segs.].

11. Sem vistos, dado o disposto no art. 36.º, n.ºs 1, al. f), e 2, do CPTA, o processo foi submetido à Conferência, cumprindo apreciar e decidir.



DAS QUESTÕES SUSCITADAS

12. Mostram-se suscitadas em sede de recurso, por um lado, a questão da extinção do processo cautelar dada a caducidade do direito de ação [cfr. arts. 58.º, n.º 2, al. b), 59.º, e 123.º, todos do CPTA], e, por outro lado, a arguida nulidade processual quanto à tramitação havida em sede de autos de reclamação [omissão/inexistência de despacho do Juiz Relator pronunciando-se sobre a reclamação - cfr. arts. 195.º e 643.º, n.º 4, do CPC (na redação introduzida pela Lei n.º 41/2013 - redação essa a que se reportarão todas as demais citações de normativos daquele Código sem expressa referência em contrário)] e, bem assim, o erro de julgamento apontado pelos recorrentes ao decidido pelo «TCA/S» nos mesmos autos [falta de convite pelo julgador ao suprimento da omissão de inclusão das conclusões nas alegações de recurso jurisdicional apresentadas - cfr. art. 146.º, n.º 4, do CPTA] [cfr. alegações e demais conclusões supra reproduzidas].


FUNDAMENTAÇÃO
DE FACTO
13. Para a apreciação das questões que constituem objeto do presente recurso resulta como apurado o seguinte quadro factual:
I) Os recorrentes interpuseram recurso jurisdicional para o «TCA/S», sem que hajam formulado conclusões nas alegações produzidas [cfr. fls. 18 e segs. dos presentes autos de reclamação];
II) O recorrido nas suas contra-alegações veio sustentar que tal recurso não deveria ser admitido por falta de apresentação de conclusões [cfr. fls. 05 e segs. dos presentes autos de reclamação];
III) No «TAF/S», por despacho de 01.02.2018, não foi admitido tal recurso [fls. 02/03 dos presentes autos de reclamação].
IV) Deduzida pelos aqui recorrentes reclamação da decisão de não admissão do recurso [fls. 62/66 dos presentes autos de reclamação] referida em III), sobre a mesma, após despacho ordenando a inscrição do processo em tabela, recaiu acórdão daquele «TCA/S», de 24.05.2018, confirmando a decisão reclamada [cfr. fls. 91/99 dos mesmos autos].
V) O aqui recorrido, em 08.03.2018, deduziu requerimento nos autos de suspensão de eficácia com o n.º 989/17.0BESNT, que correm termos no «TAF/S» e de que os presentes autos constituem apenso, peticionando que «se decrete a caducidade da providência cautelar, alegando, em suma, que a ação principal da qual depende este processo cautelar ainda não foi intentada» [cfr. fls. 209/210 dos autos de suspensão de eficácia em referência].
VI) Após contraditório foi proferida decisão pelo «TAF/S», em 15.06.2018, indeferindo o requerido em V), decisão essa que não foi objeto de qualquer impugnação [cfr. fls. 216/224, 232 e 233 e segs. dos mesmos autos de suspensão de eficácia].


«*»


DE DIREITO
Presente o quadro factual antecedente passemos, então, à apreciação das questões supra enunciadas e que ainda constituem objeto de análise.

14. Refira-se, desde logo, que quanto à questão suscitada pelo aqui recorrido da extinção do processo cautelar mercê da caducidade do direito de ação temos que o conhecimento da mesma se mostra precludido, porquanto, presente a factualidade inserta sob os nºs V) e VI), da mesma se extrai que idêntica pretensão havia pelo mesmo já sido deduzida nos autos cautelares de suspensão de eficácia, autos de que os presentes autos constituem apenso, e sobre tal pretensão recaiu, entretanto, decisão do «TAF/S» de indeferimento da mesma, datada de 15.06.2018, decisão essa que se mostra transitada em julgado.

15. Invocam os recorrentes que ocorreu nulidade processual com influência no exame da causa, e, por isso, geradora de nulidade do acórdão recorrido, porquanto a Juíza Relatora no «TCA/S» haver omitido, no quadro dos presentes autos de reclamação que têm por objeto a impugnação do despacho de não admissão do recurso jurisdicional de apelação interposto, a prolação da decisão prevista no art. 643.º, n.º 4, do CPC, visto sem proferir decisão deferindo ou indeferindo a reclamação, ter determinado a inscrição em tabela e, em conferência, haver sido proferido acórdão a desatender a reclamação.

16. Tem-se este fundamento de recurso como improcedente, já que do facto de na tramitação dos autos de reclamação no «TCA/S» não ter existido prolação da decisão em singular pela Juíza Relatora e não ter sido esta decisão objeto de impugnação através de reclamação para a Conferência, tal como previsto no n.º 4 do art. 643.º do CPC ex vi dos arts. 01.º e 140.º, n.º 3, do CPTA, não se descortina, nem ressalta, que, em concreto, ocorra nulidade processual, já que nem a lei comina expressamente tal omissão com um tal desvalor, nem os atos e a tramitação havidos e desenvolvidos nos autos aportam uma qualquer influência ou repercussão na decisão [cfr. art. 195.º do CPC], a ponto de se poder inferir e concluir de que a decisão da reclamação sub specie seria uma outra, com sentido oposto àquele que foi proferido, realidade que, aliás, não se mostra minimamente apurada, nem foi sequer concretizada pelos recorrentes.

17. Com efeito, não basta a mera alegação de que ocorreu uma tal influência no juízo firmado e radicar tal influência no simples facto de ter havido desrespeito dos trâmites processuais legalmente previstos, cientes de que só nos casos em que há prejuízo para a relação jurídica litigiosa é que resultam ou advém efeitos invalidantes.

18. Improcede, por conseguinte, a arguida nulidade processual.

19. Centrando, agora, a análise no erro de julgamento que se mostra acometido ao acórdão recorrido, por proferido, alegadamente, com incorreta interpretação e aplicação do disposto no n.º 4 do art. 146.º do CPTA, extrai-se do preceito em referência que «[q]uando o recorrente, na alegação de recurso contra sentença proferida em processo impugnatório, se tenha limitado a reafirmar os vícios imputados ao ato impugnado, sem formular conclusões ou sem que delas seja possível deduzir quais os concretos aspetos de facto que considera incorretamente julgados ou as normas jurídicas que considera terem sido violadas pelo tribunal recorrido, o relator deve convidá-lo a apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de não se conhecer do recurso na parte afetada».

20. Sustentou-se no acórdão recorrido que o «processo em causa não assume a natureza de processo impugnatório, não estando em causa ação em que se vise a impugnação de um ato administrativo, mas antes um processo cautelar de suspensão de eficácia de ato administrativo, que não tem como objeto a declaração de nulidade ou a anulação de um ato administrativo, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 50.º do CPTA», pelo que «não está preenchido o âmbito da factie specie da norma jurídica do n.º 4 do artigo 146.º do CPTA, que determine a sua aplicação ao caso configurado em juízo» e fazê-lo «seria proceder a uma interpretação extensiva, claramente para além da letra do preceito em causa e também, incontestadamente, ir para além do pensamento legislativo ou do espírito do regime».

21. Constitui objeto de dissídio determinar o âmbito de previsão do n.º 4 do art. 146.º do CPTA, aferindo da sua aplicabilidade in casu a providência cautelar de suspensão de eficácia de ato administrativo.

22. Este Supremo Tribunal já afirmou, em sede de recursos de revista proferidos no âmbito de providências cautelares de suspensão de eficácia de ato administrativo deduzidas no quadro do CPTA na redação anterior à introduzida pelo DL n.º 214-G/2015, que a falta de conclusões na alegação de recurso não implica, sem mais, a rejeição do recurso, porquanto o regime contido n.º 4 do art. 146.º do CPTA, quanto à falta de conclusões e ao dever de convite para suprir tal irregularidade, seria aplicável a todos os recursos jurisdicionais previstos no contencioso administrativo [cfr., entre outros, os Acs. de 06.01.2010 - Proc. n.º 0981/09, e de 11.02.2010 - Proc. n.º 0828/09 consultáveis in: «www.dgsi.pt/jsta» - sítio a que se reportarão todas as demais citações de acórdãos deste Tribunal sem expressa referência em contrário], sendo que este entendimento veio, ainda, a ser reiterado no acórdão deste mesmo Supremo de 26.06.2014 [Proc. n.º 0375/14], proferido ainda no mesmo quadro legal e no âmbito de ação administrativa urgente.

23. Perante as alterações que foram introduzidas pelo DL n.º 214-G/2015 no CPTA em matéria de recursos, mormente, ao seu art. 145.º, importa aferir da valia da citada jurisprudência.

24. Ora extrai-se da atual redação do art. 145.º do CPTA, aplicável ao caso sub specie, sob epigrafe de «despacho sobre o requerimento», que «[f]indos os prazos concedidos às partes, o juiz ou relator aprecia os requerimentos apresentados e pronuncia-se sobre as nulidades arguidas e os pedidos de reforma, ordenando a subida do recurso se a tal nada obstar» [n.º 1], e de que «[o] requerimento é indeferido quando: a) Se entenda que a decisão não admite recurso, que este foi interposto fora do prazo ou que o requerente não tem as condições necessárias para recorrer; b) Não contenha ou junte a alegação do recorrente ou quando esta não tenha conclusões, sem prejuízo do disposto no n.º 4 do artigo 146.º» [n.º 2] [sublinhados nossos].

25. Presente esta concreta mudança que se mostra operada no regime dos recursos fixado no CPTA temos que a jurisprudência supra convocada deixou de gozar de atualidade e de valia à luz do quadro legal vigente.

26. Na reforma operada em 2015 através da publicação do DL n.º 214-G/2015 o legislador do contencioso administrativo sintonizou o CPTA com o CPC [cfr. seus arts. 639.º, n.º 3, e 641.º, n.º 2, al. b), do CPC], acolhendo-se no primeiro aquilo que havia sido a alteração produzida no segundo pelo DL n.º 303/2007 e que, nesse âmbito, foi mantido pela Lei n.º 41/2013, manifestando um propósito claro e inequívoco de mudança do quadro legal, e que nos conduz à necessária inflexão do entendimento jurisprudencial firmado.

27. Com efeito, fora do âmbito da situação prevista no n.º 4 do art. 146.º do CPTA a regra passou a ser a de que com o requerimento de interposição de recurso devem ser juntas as alegações e de que estas devem conter logo as respetivas conclusões, sendo que essas faltas ou ausências produzem o imediato indeferimento daquele requerimento [cfr. al. b) do n.º 2 do art. 145.º do CPTA].

28. A consequência fixada no preceito para os casos em que o requerimento de interposição de recurso não contenha ou não junte a alegação, ou a alegação não contenha conclusões, radica no incumprimento pelo recorrente do especifico ónus processual que lhe é imposto pelo n.º 2 do art. 144.º do CPTA, onde se determina que o «recurso é interposto mediante requerimento dirigido ao tribunal que proferiu a decisão, que inclui ou junta a respetiva alegação e no qual são enunciados os vícios imputados à decisão e formuladas conclusões» [sublinhados nossos].

29. A regra geral que ora se mostra consagrada comporta como única exceção a situação inserta no n.º 4 do art. 146.º do CPTA e relativa ao regime dos recursos deduzidos em processos impugnatórios, regime esse onde se admite a possibilidade de suprimento pelo recorrente da falta de conclusões nas alegações apresentadas pelo mesmo após convite que lhe seja dirigido pelo tribunal para esse efeito.

30. Num contexto, como é o presente, de falta de apresentação de conclusões com as alegações temos que a pretensão dos recorrentes, quanto à imposição de despacho convite ao suprimento da falta, só poderá obter acolhimento se a situação sub specie se enquadrar na previsão do n.º 4 do art. 146.º do CPTA.

31. E avançando na análise da pretensão dos recorrentes importa concluir, desde já, pela sua total improcedência, porquanto a situação vertente não preenche a exceção inserta no preceito em referência.

32. O preceito tem um âmbito muito específico já que circunscrito apenas às situações em que o recorrente, na alegação de recurso contra sentença proferida em processo impugnatório, se tenha limitado a reafirmar os vícios imputados ao ato impugnado, sem formular conclusões ou sem que delas seja possível deduzir quais os concretos aspetos de facto que considera incorretamente julgados ou as normas jurídicas que considera terem sido violadas pelo tribunal recorrido.

33. O dever de proferir um despacho de aperfeiçoamento em decorrência do preceito apenas tem lugar na hipótese de, na alegação de recurso contra sentença proferida em processo impugnatório, o recorrente se tenha limitado a reafirmar os vícios imputados ao ato impugnado e, num tal contexto, haja omitido a síntese conclusiva nas suas alegações ou que nestas não haja indicado as normas jurídicas tidas por violadas pela decisão judicial recorrida, ou ainda quais os concretos aspetos de facto tidos por incorretamente julgados.

34. Na verdade, o n.º 4 do art. 146.º do CPTA mostra-se estruturado numa relação de antecedente e consequente, em que o verdadeiro antecedente da consequência [que é a do relator dever convidar o recorrente a «apresentar, completar ou esclarecer as conclusões formuladas»] é o facto do recorrente nas alegações produzidas se ter «limitado a reafirmar os vícios imputados ao ato impugnado» e de o ter feito sem que, paralelamente, existam conclusões que diretamente afrontem a sentença absolutória sob recurso.

35. Importa notar que a estatuição desta regra especial visou contrariar aquilo que era uma jurisprudência praticamente uniforme que considerava deverem ser julgados improcedentes os recursos jurisdicionais nos quais os recorrentes, em sede de alegações de recurso, se tivessem deixado ficar pela repetição ou pela reedição do que haviam alegado contra o ato impugnado na petição inicial, deixando, dessa forma, incólume a decisão judicial recorrida naquilo que foi o juízo absolutório nela firmado e que não resultaria assim contraditado.

36. Foi, pois, apenas nesta específica situação que, no preceito em questão, se introduziu tal regra, com natureza excecional frise-se, prevendo-se a admissão do despacho de aperfeiçoamento, nomeadamente, na própria situação de omissão de apresentação de conclusões.

37. Daí que sendo esse o fim prosseguido pelo legislador, a sua ratio essendi, e que, aliás, está em sintonia com a letra do próprio preceito, então temos que a regra não se mostra transponível para outros tipos de situações, visto não passível de extensão analógica, não se revelando como legítimo o alargamento do seu campo de previsão a outros processos que não apenas aos que ali se mostram referidos.

38. Em decorrência do acabado de concluir o preceito não é aplicável, nomeadamente, nos recursos deduzidos em processos cautelares ainda que dependentes de um «processo impugnatório».

39. Desde logo, porque o recurso em que se questione o indeferimento de uma providência pode ser alheio às ilegalidades acometidas ao ato, mormente se se centrar ou mostrar reconduzido ao juízo sobre os requisitos do «periculum in mora» ou da «ponderação de interesses».

40. E, por outro lado, a relação de dependência existente entre processo cautelar e a ação administrativa prova logo, ea ipsa, a falta de identidade entre os processos relacionados.

41. Assim, considerando tudo o atrás exposto, não assiste neste âmbito razão aos recorrentes nas críticas acometidas ao acórdão recorrido, impondo-se, por conseguinte, concluir pela improcedência do recurso jurisdicional.





DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional sub specie, e, em consequência, manter o acórdão recorrido.
Custas a cargo dos recorrentes, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam.

D.N..



Lisboa, 07 de fevereiro de 2019. – Carlos Luís Medeiros de Carvalho (relator) – Maria Benedita Malaquias Pires Urbano – Jorge Artur Madeira dos Santos.