Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01680/15
Data do Acordão:01/20/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:CONTAGEM DE PRAZO
PRESUNÇÃO DE NOTIFICAÇÃO
ILISÃO DE PRESUNÇÃO
NOTIFICAÇÃO A ADVOGADO
Sumário:I - Quando um interessado processual constituiu mandatário para se fazer representar no processo/procedimento tributário, ao abrigo do disposto no art.º 40.º, n.º 1 do Código de Processo e Procedimento Tributário todas as notificações a este interessado processual terão que ser efectuadas na pessoa do mandatário constituído e no escritório deste.
II - Como define o n.º 2 do art.º 40.º, quando a notificação tenha em vista a prática pelo interessado de acto pessoal, além da notificação ao mandatário, será enviada carta ao próprio interessado, indicando a data, o local e o motivo da comparência"
III - As notificações aos mandatários constituídos, consoante o n.º 3 do art.º 40.º do Código de Processo e Procedimento Tributário serão feitas por carta ou aviso registados, dirigidos para o domicílio ou escritório dos notificandos, ou pessoalmente pelo funcionário competente quando encontrados no edifício do serviço ou tribunal.
IV - Quando a notificação ao mandatário seja efectuada por carta registada com aviso de recepção, não assume qualquer relevo jurídico a data de assinatura do aviso, desde que anterior à data que resulta da presunção de notificação estabelecida no art. 254.°, n. 3 do antigo Código de Processo Civil.
V - A presunção estabelecida no n.º 3 apenas pode ser ilidida pelo mandatário notificado, se não for notificado ou for notificado mais tarde do que a data que resulta da presunção.
(elaborado nos termos do disposto no artº 663º, nº 7 do Código de Processo Civil)
Nº Convencional:JSTA00069519
Nº do Documento:SA22016012001680
Data de Entrada:12/18/2015
Recorrente:A............
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF ALMADA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CPC96 ART254.
CPPTRIB99 ART40 N1 N2 N3 ART39 N3.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA - CÓDIGO PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO VOLI PAG398.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso Jurisdicional
Decisão recorrida – Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada
. 23 de Outubro de 2015

Julgou procedente a excepção suscitada pela Fazenda Pública de intempestividade da reclamação e, em consequência, absolveu-a da instância

Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A………….,, veio interpor o presente recurso da sentença supra mencionada, proferida no Processo n° 380/14.OBEALM de Reclamação de actos do órgão de execução fiscal, praticado no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3530201101002520, que corre termos no Serviço de Finanças de Setúbal-2, que indeferiu o seu pedido de anulação de venda da fracção autónoma designada pela letra “D”, inscrita sob o artigo 1074 da freguesia de ………, concelho de Setúbal, penhorada naqueles autos, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:

a) A ora Apelante goza de garantia real sobre a fracção autónoma designada pela letra ”D” correspondente ao rés-do-chão direito, destinada a habitação, do prédio urbano sito na Rua ………, nº …, freguesia de ……… (………), concelho de Setúbal, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o n.° 906 e inscrito na matriz sob o artigo 1074, foi a ora Apelante citada no âmbito do Processo de Execução Fiscal n.º 3530201101002520, que corre termos pelo Serviço de Finanças de Setúbal 2, para reclamar os seus créditos, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 240.° do CPPT;

b) No âmbito do referido processo fiscal, e não obstante a ora Apelante ter constituído mandatários, para efeitos de patrocínio jurídico, estes não foram devidamente notificados da data designada para a venda — realizada a 25 de Setembro de 2013 - nem tão pouco do respectivo valor base e modalidade de venda, à revelia do disposto no art. 812.°, n.º 3 do CPC, aplicável ex vi do disposto na al. c) do n° 1 do art. 257° do CPPT e na al. c) do n° 1 do art. 839° do CPC.

c) Verificado o não cumprimento, dos pressupostos exigíveis para a venda de imóveis, nos termos do artigo 248.° e seguintes do CPPT, a ora Apelante requereu a respectiva nulidade susceptível de influenciar a decisão do processo, uma vez que o conhecimento de que havia sido ordenada a venda, permite, antes de mais, formular proposta de aquisição.

d) Sempre se dirá, que a existência de uma nulidade processual susceptível de afectar o acto da venda constitui uma causa de nulidade desta, nos termos do referido n.º 1 do art. 195.° e da alínea c) do n.° 1 do art. 839.° do CPC, aplicáveis por força do disposto na alínea c) do n.° 1 do art. 257.° do CPPT.

e) Em face do supra exposto, apenas em 08.11.2013, tomou conhecimento a mandatária da ora Apelante, da realização da venda do imóvel penhorado através da notificação expedida pela AT da junção da decisão de Verificação e Graduação de Créditos e respectiva liquidação.

f) Pelo que, não restou senão outra alternativa à mandatária da ora Apelante, do que apresentar o respectivo pedido de anulação da venda, com base na nulidade ora referida.

g) Sucede assim, que por despacho da Direcção de Finanças de Setúbal, datado de 21.01.2014, a Divisão de Justiça Tributária, da Direcção de Finanças de Setúbal, decidiu que “ (...) o pedido de anulação tem de improceder, por extemporaneidade”.

h) Neste sentido, e perante uma decisão desfavorável, a ora Apelante, diligenciou nos termos do previsto no artigo 276.° do CPPT.

i) Dispõe o referido preceito legal que, “As decisões proferidas pelo órgão da execução fiscal e outras autoridades da administração tributária que no processo afectem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro são susceptíveis de reclamação para o tribunal tributário de 1ª instância”.

j) Resulta assim evidente, que a ora Apelante, no uso do mecanismo legal supra referido, detinha total legitimidade para apresentar a respectiva Reclamação, junto da Unidade Orgânica 2 do tribunal à quo.

k) Daí resulta, a efectiva apresentação da Reclamação de decisão do órgão em análise, à data de 26.02.2014.

l) Tendo a referida cópia da Reclamação, sido remetida ao cuidado da ora Apelante, à data de 27.02.2015, com o n.° de entrada - E000754241.

m) Por sentença, datada de Outubro de 2015, decidiu o douto tribunal que “ (...) Assim sendo, a presente reclamação é intempestiva, porque só apresentada em 26.02.2014, sendo, pois, procedente a excepção suscitada pelo ERFP.”

n) Compulsada a douta sentença verifica-se que “(...) a ora Requerente foi efectivamente notificada em 14.02.2014 do acto de indeferimento do seu pedido de anulação de venda, decisão essa que constitui o objecto da presente Reclamação, ficando dessa forma afastada a presunção de notificação a que se refere o artigo 249.º n°1 do CPC”.

o) Refere ainda que, “Assim, sendo, face às normas anteriormente citadas, a presente reclamação deveria ter dado entrada no prazo de 10 dias a partir dessa data, ou seja, até ao dia 24.02.2014.”

p) Acontece que, a notificação ocorreu no dia 17.02.2014 pelo que atendendo ao términus do prazo (10 dias), 27.02.2014 a apresentação da reclamação pela ora Apelante, no dia 26.02.2014, não só é tempestiva, como não se encontra sujeita ao pagamento de qualquer quantia adicional, a título de multa, prevista no n.° 5 do artigo 139.º do C.P.C..

q) Nesta medida, a Sentença de que ora se recorre, escusa-se da análise do teor da reclamação apresentada, como base numa excepção peremptória, relativa à tempestividade da referida da reclamação.

r) A fls... refere a douta sentença:
a. “ (...) De acordo com o disposto no n.° 1 do art. 277° do CPPT, no caso de decisões do órgão de execução fiscal, a reclamação deverá ser apresentada no prazo de 10 dias após a notificação da decisão.
b. Este prazo conta-se nos termos do art. ° 138 do CPC (por remissão do n. ° 2 do art.° 20º do CPPT (...)”.

s) Ora, de acordo com o disposto no artigo 20.° do CPPT:
a. “1 - Os prazos do procedimento tributário e de impugnação judicial contam-se nos termos do artigo 279.º Código Civil.
b. 2 - Os prazos para a prática de actos no processo judicial contam-se nos termos do Código de Processo Civil”.

t) Entende a ora Apelante que a douta sentença, carece de falta de fundamentação relativamente à questão da tempestividade, em virtude do disposto do n.° 1 do artigo 249.° do C.P.C..

u) No caso em apreço, e conforme resulta dos elementos presentes nos autos, de acordo com a referência RD384689007PT (referência essa, alocada pelos CTT do Bonfim — Setúbal), a referida missiva deu entrada nos CTT no dia 13.02.2014, às 10:59:59.

v) Considerando o teor do artigo supra referido, a notificação da ora Apelante, presume-se efectuada no “3.° dia posterior ao da elaboração ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando o não seja”.

w) De acordo com o calendário gregoriano, sendo o dia 13.02.2014, uma quinta-feira, a notificação ocorreria eventualmente, no dia 16.02.2014, contudo, pelo facto de o mesmo corresponder a um domingo, a ora Apelante foi notificada no dia 17.02.2014, de acordo com o previsto n.° 1 do artigo 249.°, conjugado com o n.° 2 do artigo 138.°, ambos do C.P.C.

x) Salvo o devido respeito, que é muito, a eventual assinatura do Aviso de Recepção não releva para efeitos de notificação da ora Apelante, desde logo, porque a mesma foi notificada e não citada.

y) Da comunicação remetida à ora mandatária da Apelante, decorre que “Face ao pedido de anulação de venda n.° 3530. 2013.126 apresentada por A…………, NIPC ………, no processo executivo n.° 3530201101002520, em que é executado B…………, NIF ………, fica por este meio notificada do despacho (...)” (sublinhado e negrito nosso).

z) Dúvidas não restam, da aplicação ao caso em apreço, do regime da notificação prevista no disposto do artigo 249.° do C.P.C., por remissão do artigo 20.° do CPPT.

aa) Considerando, a fundamentação que serviu de base à Sentença em análise, considerou-se que a ora Apelante teria sido eventualmente notificada em 14.02.2014, tendo o prazo terminado no dia 24.02.2014, acrescido do prazo de três úteis, para apresentação com multa, nos termos do artigo 139.° do C.P.C..

bb) De facto, apenas em 17.02.2014, a ora Apelante teve pleno e efectivo conhecimento da missiva colocada nas instalações dos CTT, em 13.02.2014.

cc) Porquanto, o inicio do prazo só ocorreu a partir do dia 18.02.2014.

dd) A ora Apelante rejeita desde logo, a intempestividade enunciada, tendo por base a questão de direito em análise, nomeadamente, a aplicação que a Apelante, considera, salvo o devido respeito, incorrecta da norma legal prevista no n.° 1 do artigo 249.° do C.P.C..

ee) A este respeito, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09.04.2008, quando refere que “ (...) A lei processual civil estabeleceu um regime presumido de recepção das notificações por via postal registada e do modo como a presunção pode ser afastada; II. — O regime referido no item antecedente estrutura-se e desenvolve-se nos momentos seguintes:

a. Estabelecimento de uma dilação de três dias sobre a data do registo da carta, tempo que se considerou conferir uma margem de segurança suficiente para um eventual atraso nos serviços do correio
b. Constatado o facto-base — a expedição da carta sob registo dirigida ao notificando — fica assente, por presunção juris tantum, o facto desconhecido de a carta ter sido entregue ao notificando no terceiro dia posterior ao do registo ou no primeiro dia útil seguinte;
c. A presunção só pode ser ilidida pelo notificado pela prova de que a carta de notificação não lhe foi entregue ou o foi em dia posterior à presumida por razões que lhe não sejam imputáveis (...) “, disponível in www.dgsi.pt (sublinhados nossos).
ff) De acordo com o Acórdão supra referido, “(...) na lei processual civil a contagem do prazo se presume efectuada no terceiro dia posterior ao registo (...), (...) a presunção aí estabelecida só poderá ilidida a pedido do notificado e no seu interesse. (...) ”.

gg) Conforme se verifica, não cabe ao órgão de execução fiscal, ilidir que a referida missiva foi efectivamente recebida pela Apelante no dia 14.02.2014.

hh) Da análise dos normativos acabados de transcrever resulta evidente que no âmbito das notificações por via postal, a data que, por regra, se há-de considerar como da notificação é a que a lei presume e não a da efectiva notificação.

ii) A este respeito, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 05.05.2014, nos termos do qual “ (...) A notificação por carta registada presume-se consumada no terceiro dia útil posterior ao envio da carta (...)”, disponível in www.dgsi.pt (sublinhado e negrito nosso).

jj) Efectuando um paralelismo, com a notificação por via electrónica, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16.04.2013, refere que “(...) Deste modo, conjugando o disposto nos citados arts. 254°, n° 5, do C.P.C. e 21°-A, n° 5, da Portaria n° 114/2008, haverá que presumir que a notificação por transmissão electrónica de dados se tem por feita na data da expedição, ou seja, no 3° dia posterior ao da sua elaboração. Já a notificação postal se presume feita no 3º dia posterior ao do registo (n° 3, do citado art. 254°).” disponível in www.dgsi.pt (sublinhado e negrito nosso).

kk) De acordo com o teor do Acórdão supra enunciado, “ (...) E como o art. 254º nº 3 e 5, regula casos análogos, atenta a identidade substancial dos fundamentos do que aí se estatui, consideramos que haverá que recorrer àquelas normas, precisamente porque reguladoras de casos análogos. (…) (...) Note-se que, como já se salientou, as presunções estabelecidas nos n°s 3 e 5, do art. 254°, só podem ser ilididas pelo notificado, mediante prova de que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida. (...) ” disponível in www.dgsi.pt (sublinhado nosso).

ll) Considerando a jurisprudência ora referida, dúvidas não restam, que tendo-se verificado o registo da carta no dia 13.02.2014 a notificação da ora Apelante, efectuou-se no terceiro dia posterior, isto é, à data de 17.02.2014.

mm) Nos termos do disposto do n.° 1 artigo do 651.° do C.P.C., e para efeitos de prova do registo da missiva em análise, junta a ora Apelante cópia da evidência do registo firmado pelos CTT do Bonfim, conforme Doc. 1 e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

nn) Considerar a ora Apelante notificada, com base na rubrica sobre um determinado aviso de recepção, consiste no desvirtuamento do regime jurídico em discussão, uma vez que considerar a Apelante notificada no dia 14.02.2014, seria transformar a notificação em apreço numa “virtual” Citação.

oo) Além do mais, e conforme o entendimento da jurisprudência maioritária, caberia apenas e tão só à mandatária da ora Apelante, ilidir a referida presunção, pelo que não se pode aceitar que seja a Ilustre representante da Fazenda Pública a fazê-lo por manifesta ilegitimidade.

pp) Resulta do supra exposto, que a presunção dos 3 (três) dias, só poderá de facto, ser ilidida a pedido do notificado e no seu interesse, pelo que carece de fundamento legal o afastamento em análise, uma vez que o mesmo não só não foi solicitado pela Apelante (notificada), como casuisticamente não é, nem se mostra de todo, do seu superior interesse.

qq) Neste sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19.01.2012, em que se refere “ (...) a presunção de notificação pode ser ilidida, mas sempre para alargamento do prazo e nunca para redução do mesmo pelo que a ilisão da presunção da notificação não poderá ser efectuada pelo critério da leitura da peça processual, não se encontrando, aliás, elencado tal desiderato no texto legal (…) ” disponível in www.dgsi.pt (sublinhado e negrito nossos).

rr) Acrescenta ainda o referido Acórdão, que “ (...) Sendo, pois, que a expedição na via electrónica beneficiará da mesma dilação correspondente à do registo na via postal 6ª - Face à alegada presunção de notificação, que somente o signatário notificado poderia ilidir a mesma considera-se feita em 21/12/2009, primeiro dia útil subsequente ao terceiro dia posterior ao da elaboração, visto que este terceiro dia coincidiu com um domingo (...) ” disponível in www.dgsi.pt (sublinhado e negrito nossos).

ss) Relativamente à eventual assinatura ou carimbo constantes do aviso de recepção, referido na douta sentença, não se retira do n.° 1 do artigo 249.° do C.P.C., qualquer formalidade que imponha ou admita o envio de notificações sob aviso de recepção e contemple as consequências em matéria de presunção de notificação decorrentes dessa formalidade, pelo que deve a mesma ser considerada formalmente inexistente e incapaz de afastar a presunção.

tt) Deste modo, estando consequentemente documentada nos autos, o envio da notificação, no dia 13.02.2014, pelos CTT, configuraria, pelo menos, como insólito substituir tal data, “real” e certificada, pela “ficção” decorrente do hipotético afastamento da presunção legal contida na norma em apreço, e considerar que no dia seguinte, no dia 14.02.2014, a ora Apelante teria sido efectivamente notificada, num claro desvirtuamento à racio legis do previsto no n.° 1 do artigo 249.° do C.P.C..

uu) O eventual afastamento da referida presunção em apreço, só pode ser requerido pelo avisado ou notificado, isto é, pela Apelante, pois a presunção só pode operar em seu benefício.

vv) Conforme aliás, é sustentado pela jurisprudência dos acórdãos da Relação de Lisboa de 23 de Outubro de 2012, proc. n° 408/09.6TFLDB.L1-5, relatado por Ana Sebastião, da Relação de Coimbra de 12 de Julho de 2006, proc n° 496/01.3TACBR-A.C1, relatado por Orlando Gonçalves; e da Relação de Évora de 10 de maio de 2011, proc. n° 2419/10.0TASTB.E1, relatado por António João Latas, todos in www.dgsi.pt.

ww) Sempre se dirá, que nos termos do n.° 1 do artigo 350.° do Código Civil, tendo a seu favor uma presunção legal, escusa a ora Apelante, de provar o facto a que ela conduz.

xx) Nestes termos, carece de fundamentação legal, a douta sentença, quando considera a presente reclamação intempestiva, considerando que o envio da referida reclamação, por parte da ora Apelante, ocorreu no decorrer do prazo previsto no n.° 1 do artigo 277.° do CPPT.

yy) Nestes termos, entende a ora Apelante, que a reclamação apresentada, tempestivamente, em 26.02.2014, deverá ser apreciada pela Unidade Orgânica 2 do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada.

Pelo que, e em prol da certeza e segurança jurídica, bem como das legítimas expectativas das partes, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que aceite a reclamação efectuada junto dos autos à margem melhor identificados, assim fazendo V. Exas, Senhores Conselheiros, o que é de inteira JUSTIÇA!

Foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso.

A decisão recorrida fixou os seguintes factos relevantes para a decisão:

a. Em 12.01.2011, foi instaurado contra B…………, no Serviço de Finanças de Setúbal-2, o processo de execução fiscal n°3530201101002520 por dívidas de IRS e respectivos juros compensatórios do ano de 2007, no montante de € 17.916,87 (cfr. fls. 1-lv. do processo de execução fiscal apenso);

b. Em 21.03.2011, foi registada a penhora sobre a fracção autónoma designada pela letra “D”, do prédio sito na Rua ………, n° …, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ………, concelho de Setúbal, sob o artigo n° 1074 (cfr. fls. 21 v. do processo apenso);

c. Em 21.05.2013 foi a ora Reclamante citada como credora com garantia real para reclamar créditos (cfr. fls. 30-30 v. do processo apenso);

d. Em 06.06.2013, a aqui Reclamante reclamou os seus créditos, juntando procuração designando a sua mandatária (cfr fls. 66-70 do processo apenso);

e. Em 19.06.2013, a Chefe do Serviço de Finanças de Setúbal-2 proferiu despacho no qual determinou proceder à venda do imóvel penhorado, referido na alínea b) supra, fixando o valor base da mesma, assim como as respectivas modalidades (cfr. fls. 33-33 v. do processo apenso);

f. Em 24.06.2013 foi a ora Reclamante notificada pessoalmente do despacho referido na alínea anterior (cfr. fls. 37 v.-38 do processo apenso);

g. Em 25.09.2013, o bem foi adjudicado à proposta apresentada por C…………, pelo valor de € 25.172,88 (cfr. fls. 42 do processo apenso);

h. Em 28.10.2013, a mandatária da ora Reclamante foi notificada, nos termos do art° 245°, n° 2, do CPPT, da decisão de verificação e graduação de créditos e respectiva liquidação (cfr. fls. 71 v. do processo apenso);

i. Em 08.11.2013, a Reclamante apresentou pedido de anulação de venda (cfr. carimbo do correio a fls. 56 e fls. 55 a 62 do processo apenso);

j. Por despacho da Directora de Finanças de Setúbal, datado de 31.01.2014 o pedido de anulação de venda referido na alínea anterior foi indeferido, com base na sua extemporaneidade e por falta de fundamento (cfr. fls. L48-153 v. do processo apenso);

k. Em 14.02.2014, a Reclamante foi notificada, na pessoa da sua mandatária, do despacho de indeferimento referido na alínea anterior, enviado por correio registado com data de emissão de 13.02.2014 (cfr. confissão-artigo 32° da petição inicial; fls. 154 e Aviso de Recepção assinado, de fls. l54 v. do processo apenso);

l. Com data de registo de 26.02.2014, deu entrada na Direcção de Finanças de Setúbal a presente reclamação (cfr. informação de fls. 57 dos autos);

m. Por ofício da Unidade Orgânica 2 deste Tribunal, datado de 16.04.2014, e com cópia do despacho de fls. 75 dos autos, foi a Reclamante notificada para, no prazo de 10 dias, pagar multa de 0,5 UC, acrescida de 25%, nos termos do disposto nos n°s 5 e 6 do art° 139° do CPC, sob pena de não se considerar válido o acto processual extemporaneamente praticado (cfr. fls. 75-76 dos autos);

n. A Reclamante foi notificada do ofício referido na alínea anterior em 17.04.2014, conforme informação da página dos CTT de fls. 137 dos autos.

o. A reclamante não procedeu ao pagamento da multa referida em n) supra (cfr. fls. 78 dos autos).

Questões objecto de recurso

1- Falta de fundamentação relativamente à questão da tempestividade.
2- Aplicação ao processo tributário da norma legal prevista no n.° 1 do artigo 254.° do C.P.C..
a. regime presumido de recepção das notificações a mandatários por via postal registada;
b. modo como tal presunção pode ser afastada.

Para melhor enquadramento do objecto do recurso, antes da decisão façamos um breve percurso sobre os trâmites processuais mais relevantes que conduziram ao presente recurso.
Assim, nos presentes autos a reclamante/recorrente, credor reclamante, que constituiu mandatário, formulou perante o órgão de execução fiscal pedido de anulação da venda do imóvel sobre que detinha garantia real, com os fundamentos que aqui não importa dilucidar.
Tal pedido foi inferido, por despacho da Direcção de Finanças de Setúbal, datado de 21.01.2014, onde se disse: “ (...) o pedido de anulação tem de improceder, por extemporaneidade”. Perante tal decisão desfavorável, a ora Apelante, diligenciou nos termos do previsto no artigo 276.° do Código de Processo e Procedimento Tributário e apresentou a respectiva Reclamação, junto da Unidade Orgânica 2 do tribunal à quo em 26.02.2014, como se refere na decisão proferida sobre a matéria de facto.
A sentença recorrida considerou que tal reclamação é intempestiva, porque só apresentada em 26.02.2014, sendo, pois, procedente a excepção de intempestividade da apresentação da reclamação, absolvendo da instância a Fazenda Pública.

1- Falta de fundamentação relativamente à questão da tempestividade.

A sentença recorrida pronunciou-se sobre a questão da tempestividade e, tanto o fez que a recorrente discorda do sentido e fundamentos da decisão.
Tal fundamentação recolhe-se, essencialmente das seguintes passagens que passamos a transcrever:
«(…)De acordo com o disposto no n° 1 do art° 277° do CPPT, no caso de decisões do órgão da execução fiscal, a reclamação deverá ser apresentada no prazo de 10 dias após a notificação da decisão.
Este prazo conta-se nos termos do art° 138° do CPC (por remissão do n° 2 do art° 20° do CPPT e atenta a natureza judicial do processo de execução fiscal, conforme resulta do art.º 103°, n° 1 da LGT), tratando-se, pois, de um prazo contínuo e que, salvo nos processos de natureza urgente, se suspende em período de férias judiciais.
Resulta dos autos - tanto da confissão de tal facto no artigo 32° da petição inicial, como da assinatura e carimbo constantes do Aviso de - Recepção de fls. 130 verso do processo de execução fiscal apenso - que a ora Requerente foi efectivamente notificada em 14.02.2014 do acto de indeferimento do seu pedido de anulação de venda, decisão essa que constitui o objecto da presente Reclamação, ficando dessa forma afastada a presunção de notificação a que se refere o art° 249°, n.º 1, do CPC.
Assim, sendo, face às normas anteriormente citadas, a presente reclamação deveria ter dado entrada no prazo de 10 dias a partir dessa data, ou seja, até o dia 24.02.20 14.
Tendo sido apresentada, porém, em 26.02.2014, dentro, portanto, dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo daquele prazo, foi a ora Reclamante notificada, por ofício deste Tribunal, de 16.04.2014 (a fls. 76), para proceder ao pagamento de multa, nos termos do artigo 139°, n°s. 5 e 6 do CPC, sendo que tal ofício foi recebido em 17.04.2014 (conforme informação de fls. 137 dos autos), sem que, no entanto, a Reclamante tenha procedido ao pagamento da multa em causa.
Assim sendo, a presente reclamação é intempestiva, porque só apresentada em 26.02.20 14, sendo, pois, procedente a excepção suscitada pelo ERFP.»
Improcede, pois, tal fundamento do recurso por a sentença recorrida não se apresentar ferida de nulidade por falta de fundamentação nos termos constantes do artº 615º, n.º 1, b) do Código de Processo Civil, aqui aplicável por força do disposto no art.º 2º do Código de Processo e Procedimento Tributário.

2- Aplicação ao processo tributário da norma legal prevista no n.° 1 do artigo 254.° do C.P.C..
· regime presumido de recepção das notificações a mandatários por via postal registada;
· modo como tal presunção pode ser afastada.

Existindo, como existe, fundamentação de facto e de direito, importa passar à análise da verificação de erro de julgamento, esgrimido também como fundamento do presente recurso.
Não há dúvida que estamos perante um interessado processual, a recorrente, que constituiu mandatário para se fazer representar no processo tributário aqui em questão o que tem como consequência, ao abrigo do disposto no art.º 40.º, n.º 1 do Código de Processo e Procedimento Tributário que todas as notificações a este interessado processual serão efectuadas na pessoa do mandatário constituído e no escritório deste.
Como define o n.º 2 do art.º 40.º, quando a notificação tenha em vista a prática pelo interessado de acto pessoal, além da notificação ao mandatário, será enviada carta ao próprio interessado, indicando a data, o local e o motivo da comparência»
Tal significa que, neste caso, a que se refere o n.º 2 do preceito, aqui não em discussão, haverão de efectuar-se duas notificações, uma ao interessado e outra ao seu mandatário.
E, como devem fazer-se as notificações aos mandatários constituídos?
- Diz-nos o n.º 3 do art.º 40.º do Código de Processo e Procedimento Tributário que:
« 3 - As notificações serão feitas por carta ou aviso registados, dirigidos para o domicílio ou escritório dos notificandos, podendo estes ser notificados pelo funcionário competente quando encontrados no edifício do serviço ou tribunal.»
Na situação em análise, a Administração Tributária decidiu utilizar a carta registada, mas com aviso de recepção, lançando mão de uma formalidade não prevista na lei para esta situação e que, poderia mesmo assegurar de forma mais eficiente a levada de conhecimento do teor da notificação ao respectivo mandatário, dado que este tipo de missiva obtém um apoio redobrado dos serviços postais.
Assim, nenhuma inconveniência ou nulidade poderia decorrer da utilização de maior formalidade no envio da carta, desde que se tivesse ficado apenas pela prática dessa formalidade, sem dela extrair consequências, desfavoráveis ao contribuinte, não previstas na lei.
Diferente é a situação em que o mandatário é notificado pelo funcionário competente quando encontrado no edifício do serviço ou tribunal, pois, neste caso, é a própria lei que admite esta modalidade de notificação retirando dela as devidas consequências.
A sentença recorrida, como expressa, considerou que o mandatário foi notificado em 14.02.2014 do acto de indeferimento do seu pedido de anulação de venda. Fê-lo, com base - tanto da confissão de tal facto no artigo 32° da petição inicial, como da assinatura e carimbo constantes do Aviso de Recepção de fls. 130 verso do processo de execução fiscal apenso- .
Porém, tratando-se de notificação a mandatário, estava o Tribunal impedido de ter em conta a data que constasse do aviso de recepção, como impedida estava a Fazenda Pública de invocar tal data a seu favor.
Como é jurisprudência unânime do Supremo Tribunal de Justiça, de que se contam, entre outros os acórdãos referenciados nas alegações de recurso, mas também se mostra analisado e aceite em anotação ao artº 40.º do Código de Processo e Procedimento Tributário, no Código de Processo e Procedimento Tributário anotado pelo Sr. Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, pag. 398, vol. I,
«O artigo 40.°- do CPPT aplica-se às notificações a mandatários tanto no procedimento tributário como em processos judiciais tributários, como se conclui da epígrafe da Secção IV, «Dos actos procedimentais e processuais» em que a norma está inserida.
À notificação de mandatários nos processos judiciais aplica-se, no que não está expressamente regulado neste artigo, o regime previsto no art. 254.° do Código de Processo Civil.» e, «É de notar que, nos termos do n.° 6, a presunção estabelecida no n.º 3 só pode ser ilidida pelo mandatário, se não for notificado ou for notificado mais tarde do que a data que resulta da presunção, não podendo esta ser ilidida pela parte contrária demonstrando que a notificação foi efectuada antes do 3.° dia e não pela parte contrária . Isto é, se a notificação for efectuada antes da data que resulta da presunção, o destinatário beneficiará de um aumento do prazo para a prática do acto conexionado com a notificação».
Mesmo com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil a referência terá que continuar a fazer-se para o texto do anterior artº 254º, do Código de Processo Civil dado que, as alterações que sofreu este artigo, inerentes ao processamento electrónico dos autos, e à notificação electrónica dos mandatários deixou de ter aplicação ao processo tributário que não acompanhou tal evolução tecnológica.
O artº 254º, do Código de Processo Civil estabelece o seguinte:
Formalidades
1- Os mandatários são notificados por carta registada, dirigida para o seu escritório ou para o domicílio escolhido, podendo ser também notificados pessoalmente pelo funcionário quando se encontrem no edifício do tribunal.
2 - Os mandatários das partes que pratiquem actos processuais pelo meio previsto no n.° 1 do artigo 150.°, ou que se manifestem nesse sentido, são notificados nos termos definidos na portaria prevista no n .° 1 do artigo 138.°-A .
3 - A notificação postal presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.
4 -A notificação não deixa de produzir efeito pelo facto de o expediente ser devolvido, desde que a remessa tenha sido feita para o escritório do mandatário ou para o domicílio por ele escolhido; nesse caso, ou no de a carta não ter sido entregue por ausência do destinatário, juntar-se-á ao processo o sobrescrito, presumindo-se a notificação feita no dia a que se refere o número anterior.
5 - A notificação por transmissão electrónica de dados presume-se feita na data da expedição.
6 -As presunções estabelecidas nos números anteriores só podem ser ilididas pelo notificado provando que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não sejam imputáveis.».

A posição jurisprudencial e doutrinária acabada de enunciar faz, em nosso entender uma adequada interpretação do art.º 254º do Código de Processo Civil sem que se descortine qualquer razão para dela divergir, por a ela conduzirem a um tempo as regras de interpretação da lei, e a outro necessária unidade do sistema jurídico que impõe que o processo tributário só se afaste das regras processuais civis aqui aplicáveis subsidiariamente e da interpretação unânime que lhes vêm sendo dada ao longo dos anos pela doutrina e jurisprudência, quando a lei tributária, ou as particularidades da relação material jurídico tributária em questão, o impuser. Nada disso se verifica, na presente situação. Estamos face a uma notificação a mandatário constituído regida pelas normas de processo tributário que mais não são que a cópia das suas congéneres de Processo Civil, estas aplicáveis subsidiariamente a tudo quanto não expressamente regulamentado nas primeiras.
Nas leis tributárias a relevância da data constante do aviso de recepção apenas se regista no art.º 39.º, n.º 3 do Código de Processo e Procedimento Tributário que rege as regras de notificações aos contribuintes e, mesmo no Código de Processo e Procedimento Tributário, se mostram destacadas das regras aplicáveis às notificações aos mandatários constituídos no processo ou procedimento tributário.
Deste modo, tendo a missiva de notificação do mandatário da recorrente obtido registo nos CTT em 13.02.2014, às 10:59:59, o mandatário nos termos do disposto no art.º 40.º e 254.º do Código de Processo Civil (aqui subsidiariamente aplicável- art-º 2.º do Código de Processo e Procedimento Tributário) haverá que ter-se por notificado no dia 17.02.2014, por dia 16.02.2014 ter sido um domingo, sendo, pois, tempestiva a apresentação da reclamação no dia 26.02.2014.
Julga-se verificado o apontado erro de julgamento, a determinar a revogação da sentença recorrida que deverá proceder à análise das demais questões suscitadas nos autos.

Deliberação

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos ao Tribunal recorrido para que conheça dos fundamentos da reclamação se a tanto, nada mais obstar.

Sem custas.
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (art. 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).

Lisboa, 20 de Janeiro de 2016. – Ana Paula Lobo (relatora) – Casimiro GonçalvesAscensão Lopes.