Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01255/19.2BELRA
Data do Acordão:02/28/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:IRS
ACÇÃO
TÍTULOS DE CRÉDITO
MAIS VALIAS
Sumário:I - Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de "rendimento-acréscimo", segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva (cfr.nº.5 do preâmbulo do dec.lei 442-A/88, de 30/11, o qual aprovou o C.I.R.S.).
II - A acção, enquanto modalidade de título de crédito, pode definir-se como um título entregue ao subscritor de uma fracção do capital de uma sociedade para comprovar os seus direitos de associado/subscritor do capital social.
III - As mais-valias correspondem a ganhos ou rendimentos de carácter ocasional ou fortuito (acréscimo patrimonial na esfera do sujeito alienante), os quais não decorrem de uma actividade do sujeito passivo especificamente destinada à sua obtenção, mas relativamente aos quais o princípio da capacidade contributiva determina a sujeição a imposto e a consequente estruturação de normas de incidência objectiva.
IV - Do teor do artº.52, nº.1, do C.I.R.S., na versão em vigor em 2015, resultante da Lei 82-E/2014, de 31/12, de forma alguma pode o intérprete concluir que a Fazenda Pública, para fundamentar a existência de uma divergência de valores, no que se refere à determinação do valor da alienação de quota social não cotada em bolsa, não possa utilizar a presunção do valor resultante do último balanço, critério este consagrado pelo legislador nos nºs.2, al.b) e 3, do mesmo normativo
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P31967
Nº do Documento:SA22024022801255/19
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:AA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Leiria, exarada a fls.77 a 88-verso do processo, a qual julgou procedente a presente impugnação pelo recorrido, AA, intentada e tendo por objecto acto de liquidação adicional de I.R.S./demonstração de acerto de contas, referente ao ano de 2015 e no montante total de € 45.505,91.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.91 a 95 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
A - A ação de impugnação diz respeito a correções efetuadas pelos SIT ao anexo G da declaração Mod. 3 de IRS (mais-valias) referente ao ano de 2015, por aplicação do disposto nos n.ºs 1 e 2 al. b) do art. 52º do CIRS - divergência entre os valores declarados da alienação de participações sociais e os valores reais de venda.
B - O MM. Juiz do Tribunal ‘a quo’ julgou a impugnação judicial totalmente procedente, pois entendeu que “Verifica-se, assim, uma verdadeira violação do artigo 52.º, n.º 1, do CIRS, uma vez que não estão cumpridos os pressupostos aí previstos para que a Administração possa corrigir o valor de alienação de quota”.
C - Alicerçou a fundamentação de direito com base no acórdão do STA de 22-06-2022, proferido no âmbito do processo n.º 121/14.2BELRA.
D - A Fazenda Pública dissente da sentença, entende que os SIT fundamentaram de facto e de direito as correções fiscais em casa, cumprindo o disposto no n.º 1 do art.º 52.º do CIRS.
E - Tanto mais, que a lei fiscal não elenca os factos com base nas quais a AT pode fundar a sua convicção quanto à existência duma divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão, apresentando até uma formulação aberta neste particular aspeto.
F - A AT pode fundar a prova da divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão, tal como vem previsto no n.º 1 do art.º 52.º do CIRS, utilizando os valores apurados no último balanço, ou seja, utilizando o método da avaliação pela ótica patrimonial das empresas em causa.
G - Dito de outro modo, os critérios objetivos e técnicos a que a AT recorreu para fundar os indícios sérios de divergência entre os valores declarados e os valores reais de alienação das participações sociais, são legítimos e não ofendem qualquer norma legal.
H - A lei não individualiza os factos com base nos quais a AT deve fundar a sua convicção de que pode existir uma divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão.
I - Demonstrada a fundada divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão, a AT tem a faculdade de presumir o valor de alienação das ações com base na al. b) do n.º 2 do art.º 52.º do CIRS., invertendo-se o ónus da prova.
J - A sentença sob recurso não pode assim ser mantida, por desacertada interpretação e aplicação do art.º 52, nºs 1 e 2 al. b) do CIRS devendo ser substituída por outra que julgue improcedente a Impugnação Judicial interposta, mantendo a liquidação de IRS do ano de 2015 na esfera jurídica do Impugnante.
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Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo provimento do recurso (cfr.fls.101 a 106 do processo físico).
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Com dispensa de vistos legais (cfr.artº.657, nº.4, do C.P.Civil, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário), vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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Da sentença recorrida consta provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.78-verso a 85 do processo físico):
1 - A coberto da ordem de serviço n.º ...75, o Impugnante foi objeto de uma ação de inspeção de âmbito parcial ao IRS – cfr. fls. 23 dos autos;
2 - Em 17-05-2021, foi elaborado o RIT relativo à ação de inspeção mencionada no ponto antecedente, constando do mesmo, designadamente, o seguinte:
[Imagem]

3 - Em junho de 2019, com base na fundamentação constante no RIT a que respeita o ponto antecedente, foi emitida a liquidação de IRS n.º ...54 e juros compensatórios, relativa ao ano de 2015, e a demonstração de acerto de contas n.º ...10, onde foi apurado o montante a pagar de 45.505,91 EUR – cfr. documentos a fls. 17 e 18 dos autos;
4 - Em 22-07-2019, o Impugnante procedeu ao pagamento do montante a pagar mencionado no ponto antecedente – cfr. documentos a fls. 74 dos autos.
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: "…Não existem factos a dar como não provados com interesse para a decisão a proferir…".
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos constantes dos autos e do PAT apenso, conforme discriminado em cada um dos pontos do probatório…".
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida julgou procedente a presente impugnação, concluindo que se verifica um erro sobre os pressupostos de direito em sede de aplicação do artº.52, do C.I.R.S. ao caso concreto, em consequência do que anulou o acto de liquidação de I.R.S. e juros compensatórios objecto do processo (cfr.nº.3 do probatório supra), igualmente determinando o reembolso do valor indevidamente pago e que ascende a € 45.505,91, acrescido de juros indemnizatórios, contados desde a data do pagamento, 22/07/2019, e até à data do efectivo e integral reembolso. Por último, a sentença recorrida julgou prejudicado o conhecimento das demais questões de legalidade suscitadas pelas partes.
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Relembre-se que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese, que a lei fiscal não elenca os factos com base nos quais a A. Fiscal pode fundar a sua convicção quanto à existência duma divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão das acções em causa nos presentes autos. Que a Fazenda Pública pode fundar a prova da divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão, tal como vem previsto no artº.52, nº.1, do C.I.R.S., utilizando os valores apurados no último balanço. Que sendo demonstrada a fundada divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão, a A. Fiscal tem a faculdade de presumir o valor de alienação das acções com base no artº.52, nº.2, al.b), do C.I.R.S., invertendo-se o ónus da prova. Que a sentença sob recurso não pode assim ser mantida, por desacertada interpretação e aplicação do artº.52, nºs.1 e 2, al.b), do C.I.R.S. (cfr.conclusões A) a J) do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Deve fazer-se, em primeiro lugar, uma breve menção ao conceito de acção, enquanto modalidade de título de crédito cuja alienação está em causa nos presentes autos (cfr. nºs.3 e 4 do probatório supra).
A acção, enquanto modalidade de título de crédito, pode definir-se como um título entregue ao subscritor de uma fracção do capital de uma sociedade para comprovar os seus direitos de associado/subscritor do capital social (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/03/2022, rec.2493/15.2BESNT; António Menezes Cordeiro e Outros, Código das Sociedades Comerciais Anotado, 3ª. Edição revista e atualizada, Almedina, 2020, pág.1051, em anotação ao artº.298).
Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de "rendimento-acréscimo", segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva (cfr.nº.5 do preâmbulo do dec.lei 442-A/88, de 30/11, o qual aprovou o C.I.R.S.; Paulo de Pitta e Cunha, A Fiscalidade dos Anos 90, O Novo Sistema de Tributação do Rendimento, Almedina, 1996, pág.20; José Guilherme Xavier de Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.379; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª. Edição, Coimbra Editora, 2007, pág.221 e seg.).
Avancemos.
"In casu", a questão posta à apreciação deste Tribunal é a de saber se a sentença recorrida padece de erro de julgamento, na parte em que procedeu à interpretação e aplicação do artº.52, nºs.1 e 2, al.b), do C.I.R.S., ao caso dos autos.
E, deve vincar-se, em sede de direito transitório, que a redacção da citada norma aplicável ao caso "sub iudice" é a resultante da Lei 82-E/2014, de 31/12 (a qual entrou em vigor em 2015), que não a versão anterior, derivada do dec.lei 198/2001, de 3/07.
As mais-valias correspondem a ganhos ou rendimentos de carácter ocasional ou fortuito (acréscimo patrimonial na esfera do sujeito alienante), os quais não decorrem de uma actividade do sujeito passivo especificamente destinada à sua obtenção, mas relativamente aos quais o princípio da capacidade contributiva determina a sujeição a imposto e a consequente estruturação de normas de incidência objectiva (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/03/2022, rec.2493/15.2BESNT; Paula Rosado Pereira, Estudos Sobre IRS: Rendimentos de Capitais e Mais-Valias, Cadernos IDEFF, nº.2, Almedina, 2018, pág.88 e seg.).
A mais-valia deve definir-se, em princípio, pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, especialmente quando o facto gerador do imposto se descreve como uma alienação onerosa, como sejam os valores mobiliários, assim estando sujeita ao princípio da realização (cfr.artºs.10, nº.1, al.b), e 44, do C.I.R.S.; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.443 e seg.).
Concretamente, está em causa no presente processo, sendo objecto do recurso deduzido para este Tribunal, a dissensão entre o valor declarado e o valor real da transmissão de quotas sociais não cotadas em bolsa de valores, para efeitos de cálculo de mais-valias (rendimentos de categoria G), da qual resultou a estruturação de liquidação adicional de I.R.S., relativa ao ano de 2015 (cfr.nº.3 da matéria de facto supra exarada).
De acordo com a lei, havendo divergência de valores, a determinação do valor da alienação da quota social, no caso concreto, devia levar em consideração o regime consagrado no artº.52, do C.I.R.S., na versão em vigor em 2015, resultante da Lei 82-E/2014, de 31/12, norma que ostenta a seguinte previsão e estatuição:

Artigo 52.º
Divergência de valores
1 - Quando a Autoridade Tributária e Aduaneira considere fundadamente que possa existir divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão, tem a faculdade de proceder à respetiva determinação.
2 - Se a divergência referida no número anterior recair sobre o valor de alienação de ações ou outros valores mobiliários, presume-se que:
a) Estando cotados em bolsa de valores, o valor de alienação é o da respetiva cotação à data da transmissão ou, em caso de desconhecimento desta, o da maior cotação no ano a que a mesma se reporta;
b) Não estando cotados em bolsa de valores, o valor de alienação é o que lhe corresponder, apurado com base no último balanço.
3 - Quando se trate de quotas, presume-se que o valor de alienação é o que àquelas corresponda, apurado com base no último balanço.

É hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.artº.9, do C.Civil; artº.11, da L.G. Tributária; José de Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, Editorial Verbo, 4ª. Edição, 1987, pág.335 e seg.; J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1989, pág.181 e seg.; Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de C.T.Fiscal, nº.174, 1996, pág.363 e seg.).
E recorde-se que o intérprete e aplicador da lei deve presumir que o legislador consagrou as soluções mais acertadas, como também que soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Pelo que, na exegese da norma não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. Portanto, o limite da interpretação encontra-se na letra ou no texto da norma, o qual condiciona todos os vectores de interpretação reconhecidos pela doutrina, como sejam os elementos histórico, sistemático ou teleológico (cfr.artº.9, nºs.2 e 3, do C.Civil).
O nº.1 do preceito sob exegese prevê expressamente "Quando a Autoridade Tributária e Aduaneira considere fundadamente que possa existir divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão, tem a faculdade de proceder à respetiva determinação".
Ora, este trecho da norma, de forma alguma pode levar a que o intérprete conclua que a Fazenda Pública, para fundamentar a existência de uma divergência de valores, no que se refere à determinação do valor da alienação de quota social não cotada em bolsa, não possa socorrer-se da presunção legal (valor de alienação resultante do último balanço), consagrada pelo legislador nos nºs.2, al.b) e 3, do mesmo normativo. Deve salientar-se que a norma constante do nº.1, do preceito, se basta com a demonstração de que "pode existir" divergência entre os valores, declarado e real, o que não se confunde com a efectiva existência dessa divergência. Como é fácil de perceber, a "possibilidade de existir" e a "efectiva existência" são coisas bem distintas, tal como também o é o peso do encargo probatório necessário à demonstração de uma e de outra.
Por outras palavras, a aplicação do artº.52, nº.1, do C.I.R.S., não é estanque, sendo que o nº.3, do mesmo preceito, normativo que consagra uma presunção (presume-se que o valor de alienação das quotas sociais é o que corresponda ao apurado com base no último balanço), deve poder ser aplicado pela A. Fiscal para fazer activar a previsão do nº.1 da norma, sendo que a exegese da norma a essa conclusão leva, porquanto, a utilização da presunção pela A. Fiscal somente pode funcionar no momento inicial de cálculo da matéria colectável, que não em qualquer momento posterior do respectivo procedimento.
Levando em consideração esta perspectiva interpretativa da norma, e dado que, no caso concreto (conforme resulta do probatório, a Fazenda Pública assenta a alegada divergência de valores/fundadas dúvidas sobre o valor declarado da transmissão, e consequente aplicação do regime previsto no artº.52, do C.I.R.S., na longa actividade da empresa e no valor das acções em causa resultante do último balanço fiscal da sociedade - cfr.nº.2 do probatório supra). , as quotas sociais foram alienadas por valor inferior ao resultante do último balanço fiscal, tal situação consubstancia fundamento válido para a A. Fiscal invocar a existência de divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão, assim fazendo funcionar os nºs.1 e 3 do preceito. Pelo que, contrariamente ao decidido na sentença recorrida, a Fazenda Pública cumpriu o ónus que sobre si impendia de fundamentar a existência de divergência de valores.
Em síntese, a A. Fiscal pode fundar a prova da divergência entre o valor declarado e o valor real da transmissão, na diferença de valores entre aquele e o resultante do último balanço, nada na lei (cfr.artº.52, do C.I.R.S., na versão em vigor em 2015) impedindo a utilização da identificada presunção, a qual é ilidível (cfr.artº.73, da L.G.T.; artº.64, do C.P.P.T.).
Cumprido o disposto no artº.52, nº.1, do C.I.R.S., passava a onerar o impugnante/recorrido a produção de prova de que a venda das partes sociais, pelo valor declarado no contrato promessa de compra e venda (cfr.nº.2 do probatório supra), corresponde ao preço efectivamente praticado na transacção, sem prejuízo da aplicação da presunção prevista no nº.3 do preceito.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, concede-se provimento ao presente recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, mais devendo o processo baixar ao T.A.F. de Leiria com vista ao exame dos restantes esteios da impugnação, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA e ordenar o regresso dos autos ao T.A.F. de Leiria, a fim de aí prosseguirem com o conhecimento dos restantes fundamentos da impugnação, se a tal nada mais obstar.
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Condena-se o recorrido em custas, porque vencido (cfr.artº.527, do C.P.Civil), nesta instância de recurso, mais o dispensando do pagamento da taxa de justiça, dado não ter produzido contra-alegações.
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Registe.
Notifique.

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Lisboa, 28 de Fevereiro de 2024. – Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) – Isabel Cristina Mota Marques da Silva (com voto de vencido que infra segue) – José Gomes Correia.

Vencida.

Negaria provimento ao recurso da AT porquanto, como se consignou no Acórdão deste STA de 22 de junho de 2022, proc. n.º 121/14.2BELRA, que subscrevi, a AT invoca o critério de correção previsto no n.º 3 do artigo 52.º, para justificar a divergência de valores. Porém, o valor do capital social inscrito no balanço só é chamado à colação, após a verificação de um pressuposto prévio, a fundada divergência. O disposto no n.º 3 do artigo 52.º do Código do IRS não serve para justificar a correção, na medida em que estabelece o critério para quantificar a correção, e não o pressuposto de atuação (correção) da AT. (…) De notar que a lei ao exigir à AT, no n.º 1 do artigo 52.º, a fundamentação da divergência de valores, não lhe impõe a prova do valor real da transmissão. Basta à AT alegar factos, indícios, que de acordo com as regras da experiência, permitam duvidar do valor declarado. Trata-se de uma dúvida fundada. Naturalmente, que a prova de tais factos/indícios cabe à AT, mas tal não se confunde com a prova do valor real da transação. O que não é legítimo é a AT sustentar a dúvida com o critério de correção fixado pelo legislador no n.º 3. //Na prática o entendimento acolhido na sentença recorrida levaria a que a AT estivesse sempre legitimada a corrigir o valor da transmissão da quota uma vez verificada a divergência do valor declarado com o valor resultante do último balanço, recaindo sobre o sujeito passivo o ónus da prova do valor real.
Ora, o sentido expresso no Acórdão sanciona este procedimento da AT, que se nos afigura ilegítimo.

Isabel Marques da Silva