Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:062/21.7BALSB
Data do Acordão:11/24/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Sumário:Constitui jurisprudência recentemente consolidada, do Supremo Tribunal Administrativo, a afirmativa de que: “Nos termos do disposto no art. 23.º, n.º 2, do CIVA, conjugado com a alínea b) do seu n.º 3, a AT pode obrigar o sujeito passivo que efectua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a estruturar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações através da afectação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza ou possa conduzir a distorções significativas na tributação.”.
Nº Convencional:JSTA000P28576
Nº do Documento:SAP20211124062/21
Data de Entrada:05/18/2021
Recorrente:A............., S.A. - SUCURSAL EM PORTUGAL
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral: Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

# I.

A…………, S.A. – Sucursal em Portugal, …, ao abrigo do disposto, entre outros, no artigo (art.) 692.º n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC), reclama, para a conferência, da decisão de exame preliminar, emitida pelo relator (pág. 851 segs. (SITAF)), em que decidiu rejeitar este recurso para uniformização de jurisprudência.

Sustenta a reclamação, nas seguintes conclusões: «


Do recurso para uniformização de jurisprudência apresentado pela ora Reclamante

1.º A aqui Reclamante interpôs recurso, para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, da decisão arbitral proferida no processo n.º 278/2020-T do CAAD – “decisão recorrida” –, invocando a sua oposição, quanto à mesma questão fundamental de Direito, com a decisão arbitral proferida no processo n.º 11/2019-T – “decisão fundamento” (cf. Documento 2).
2.º A decisão recorrida julgou improcedente o Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pela ora Reclamante visando a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada com vista à contestação do acto tributário de (auto)liquidação de IVA, referente ao ano 2018.
3.º O recurso foi apresentado nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 25.º do RJAMT, seguindo assim o regime do recurso para uniformização de jurisprudência, conforme consagrado no artigo 152.º do CPTA.
4.º In casu, verifica-se, relativamente à mesma questão fundamental de direito, uma evidente contradição entre a decisão arbitral recorrida e a decisão fundamento.
5.º Desde logo, resulta evidente que, em ambos os arestos em confronto, a questão decidenda foi exactamente a mesma, i.e. saber se, na aplicação do método pro rata de dedução de imposto suportado nos “bens e serviços de utilização mista”, deve ser considerado no numerador e no denominador da fracção de cálculo, o valor total da renda e não apenas a parte correspondente aos juros, sempre que os gastos sejam incorridos sobretudo para a disponibilização das viaturas – cf. pag. 11 da decisão recorrida e pag. 14 da decisão fundamento.
6.º Existe, igualmente, uma identidade substancial das situações fácticas subjacentes a ambas as decisões. De facto, ambas as decisões versaram sobre a actividade de instituições de crédito abrangidas pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, configurando sujeitos passivos mistos para efeitos de IVA, na medida em que adquirem recursos que são afectos simultaneamente a operações de locação financeira mobiliária (tributadas e que conferem o direito de dedução do imposto) e operações de financiamento e concessão de crédito (isentas do imposto e que não permitem a dedução).
7.º E, e como não podia deixar de ser, na decisão recorrida e na decisão fundamento, foi dado como provado que ambas as entidades Requerentes, tendo verificado que, no âmbito da sua actividade de leasing, não estavam a exercer plenamente o direito à dedução de IVA que lhes assistia, procederam ao recálculo do seu pro rata de dedução (para os anos 2018 e 2014), passando a considerar, no numerador e no denominador da fracção de cálculo, os montantes relativos à parcela de capital que integram as rendas dos contratos de leasing (em vez de apenas o valor dos correspondentes juros). E que, na sequência daquele recálculo, ambas as entidades apuraram percentagens de dedução superiores às anteriormente apuradas, determinando a dedução de montantes adicionais de IVA.
8.º Em concreto, na decisão recorrida foi dado como provado que: “(…) A percentagem definitiva de dedução apurada pela Requerente, por aplicação do coeficiente de imputação específico previsto no ponto 9 do citado Ofício circulado, foi de 9%, correspondendo a IVA deduzido de € 551.413,85” sendo que “se a Requerente tivesse aplicado o pro rata de dedução previsto no artigo 23.º, n.º 4 do Código do IVA, a percentagem de IVA dedutível ascenderia a 16% e o correspondente IVA dedutível cifrar-se-ia em € 980.291,30, sendo a diferença, face à dedução efetuada, de € 428.877,44” (…) “Inconformada com a autoliquidação, por entender ter entregue prestação tributária em excesso derivada da ilegalidade do coeficiente de imputação específica, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa (parcial) da autoliquidação de IVA referente ao ano 2018, com fundamentos idênticos aos do presente pedido arbitral(…)” – cf. pontos S, T e U da matéria de facto da decisão recorrida.
9.º Na decisão recorrida, referente ao IVA de 2018, foi dado como provado que a maioria dos gastos respeitam à disponibilização das viaturas, tendo sido ali salientado que “[e]specificamente no que se refere à atividade de leasing, as rendas cobradas contêm duas componentes distintas, uma respeitante à amortização/reembolso do capital utilizado para adquirir o bem dado em locação e outra relativa à taxa de juro aplicada a esse capital adicionada de outros encargos que a Requerente estima incorrer na execução do contrato”.
10.º E ademais que “[a] Requerente, como proprietária da viatura locada, participa no processo de legalização da mesma, mas a viatura é diretamente entregue pelo fornecedor do bem ao locatário, que procede ao seu levantamento – provado pelo depoimento da segunda testemunha inquirida”.
11.º E “[n]a vigência dos contratos de locação financeira, a Requerente monitoriza os seguros das viaturas, nomeadamente a atualização do capital seguro e o cancelamento dos seguros por vicissitudes diversas – provado pelo depoimento da segunda testemunha inquirida”.
12.º Acrescentou-se ainda que “[a]s notificações para pagamento do IUC das viaturas financiadas em leasing antes de 2018 eram enviadas pela AT à Requerente ou, em 2018, esta última retirava as guias de pagamento do Portal das Finanças. Em ambos os casos, o IUC era debitado aos locatários, sendo-lhes remetida a certidão comprovativa do pagamento – provado pelo depoimento da segunda testemunha inquirida”.
13.º Assim, atenta a prova testemunhal produzida, considerou-se provado que “[n]o caso de infrações rodoviárias que envolvam viaturas locadas, a Requerente remete aos clientes as notificações das autoridades para identificação do condutor e uma carta à entidade autuante com a identificação do locatário. Este serviço prestado pela Requerente é remunerado por uma comissão específica – provado pelo depoimento da segunda testemunha inquirida e pelo preçário da Requerente”.
14.º E que “[a]s alterações dos contratos de locação financeira, situações de incumprimento, e/ou o termo desses contratos implicam interações entre diversas áreas/departamentos da Requerente”.
15.º Ademais, ficou provado que “[a] atividade do departamento específico do leasing, que é integrado por três colaboradores da Requerente, desenvolve-se com maior incidência, no sentido de que consome mais recursos, ao longo da vida dos contratos de leasing e não na fase de originação dos contratos até à disponibilização do bem ao locatário – provado pelo depoimento da segunda testemunha inquirida”.
16.º Neste âmbito, as “duas testemunhas inquiridas, ………………………., responsável da área de Contencioso e Grandes Riscos da Requerente, manifestaram conhecimento direto dos factos respeitantes à sua área de intervenção e responderam de forma objetiva e credível” [matéria de facto da Decisão recorrida, a final].
17.º E conclui-se que “(…) resultou claro que o principal consumo de recursos ocorre após a disponibilização da viatura, na fase de “gestão da carteira”, sendo de igual modo nessa fase que surge o incumprimento dos contratos que conduz à intervenção da área de contencioso”. [matéria de facto da Decisão recorrida, a final].
18.º Em suma, resulta que, na decisão recorrida o Tribunal Arbitral concluiu que, no contexto da actividade de leasing, a maioria dos recursos de utilização mista são alocados à fase de disponibilização de viaturas, i.e., após a entrega propriamente dita das viaturas, nos termos utilizados pelo Tribunal Arbitral.
19.º Em sentido idêntico, resulta da decisão fundamento que foi dado como provado que: “A testemunha inquirida referiu que a aquisição de viaturas aos stands automóveis pelo Banco e a concessão de crédito aos clientes para a sua aquisição constituem actividades distintas, implicando, por parte da instituição bancária, o contacto com os fornecedores dos veículos e a análise da documentação em vista à concessão de financiamento e à comunicação de entrega da viatura ao cliente. Acrescentou que existem 400 agências a que o cliente poderá dirigir-se para adquirir a viatura através de concessão de crédito, além de uma direcção de financiamento automóvel, com delegações no Porto, Golegã, Lisboa e Faro, além de um call center e bases de dados para simulação, registo da compra e venda das viaturas. A actividade de aquisição de veículos envolve a utilização de custos gerais, como seja, água, gás, eletricidade, sistema informático, telefones, fotocopiadoras e papel, que têm um peso relevante na atividade do banco. Não sendo fácil a afetação direta dos custos às diferentes atividades, sendo o exemplo paradigmático a situação os balcões” [matéria de facto da decisão fundamento, a final].
20.º Adiantando o Tribunal Arbitral que “Na situação do caso, a prova produzida em audiência aponta consistentemente no sentido de que a aquisição de viaturas aos stands pelo banco e a concessão de crédito aos clientes para a disponibilização da viatura correspondem a actividades distintas. Como foi referido, o cliente negoceia com o stand a aquisição da viatura e dirige-se à agência bancária, informando as condições da transacção, podendo ser utilizados dois procedimentos distintos com diferente regime de custos consoante o grau de urgência na aquisição do veículo. O banco examina a documentação e encaminha o expediente para a direcção de financiamento automóvel, que contrata com o fornecedor a aquisição da viatura por parte do banco e o autoriza a entregá-la viatura ao cliente. Existem cerca de 400 balcões do A... a que os clientes se podem dirigir para obter o financiamento, além de quatro delegações da direcção de financiamento automóvel, com sede no Porto, Golegã, Lisboa e Faro, bem como um call center e bases de dados para simulação, registo da compra e venda das viaturas, cujo o funcionamento implica custos gerais de serviços. Os custos imputáveis aos procedimentos de negociação da aquisição da viatura aos stands e a sua venda e disponibilização ao cliente têm um peso relevante nos custos gerais do banco, não sendo fácil a afectação directa dos custos às diferentes atividades de concessão de crédito e disponibilização de viaturas.
21.º E que deste modo, “um balcão poderá estar a realizar simultaneamente a actividade de preparação da aquisição, transmissão e disponibilização do veículo a um cliente e a actividade de preparação da concessão de crédito, não sendo possível determinar, com objectividade, o grau de utilização dos recursos em cada uma dessas actividades, e não sendo possível também recorrer, nesse condicionalismo, a um método de afectação real assente em critérios objectivos”.
22.º E concluindo que “Havendo de concluir-se, face à prova produzida, que os custos gerais se reportam a bens e serviços utilizados para efectuar tanto operações que conferem direito à dedução como operações que não conferem direito à dedução, deve ser estabelecido um pro rata de dedução, em conformidade com as disposições relevantes da Directiva IVA, na linha do entendimento expresso no acórdão Volkswagen Financial Services (UK) Ltd. E, nesse sentido, é de entender que os custos gerais relativos às operações de locação financeira de bens móveis devem ser considerados, para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado, como um elemento constitutivo do preço da disponibilização dos veículos, não podendo ser aplicado um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é susceptível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios”.
23.º Assim, em suma, ficaram provados em ambas as decisões em causa os seguintes factos essenciais: i) a “aquisição de viaturas” e a “concessão de crédito aos clientes para a disponibilização da viatura” constituem actividades distintas desenvolvidas por ambas as entidades; ii) é após a “disponibilização” de viaturas que se verifica o principal consumo dos múltiplos recursos inerentes à actividade de leasing [cf. pag. 16 da decisão recorrida e pag. 25 da decisão fundamento]; iii) não é possível recorrer a um método de afectação real assente em critérios objectivos, i.e., a afectação directa destes custos a qualquer uma das actividades realizadas) [cf. pag. 27 da decisão recorrida e pag. 25 da decisão fundamento].
24.º Em face do exposto, resulta evidente que a factologia relevante é totalmente coincidente nas decisões arbitrais aqui em confronto. De facto, tal não podia deixar de ser dado estar em causa, em ambos os processos, a mesma tipologia de sujeito passivo e a mesma actividade de leasing e a mesma natureza de recursos afectos à actividade em causa.
25.º Ademais, conforme decorre das decisões arbitrais em confronto, o normativo legal em juízo, em ambos os processos, respeita, essencialmente, às normas comunitárias e nacionais que consagram o regime do direito à dedução do IVA – i.e., artigos 167.º a 192.º da Directiva IVA e artigos 19.º a 25.º, ambos do Código do IVA.
26.º E, em paralelo, os Tribunais Arbitrais convocam o Ofício-Circulado n.º 30108, que veio introduzir “o coeficiente específico que permite calcular a percentagem de dedução apenas com base no montante anual de juros”, em especial os respectivos pontos 8 e 9 – cf. pag. 19 e 20 da decisão recorrida e pag. 19 e 20 da decisão fundamento. A par com as regras que consagram o direito à dedução do IVA, as Decisões arbitrais em confronto assentam ainda na aplicação e interpretação da regra consagrada no artigo 74.º da LGT, a respeito do ónus da prova das “distorções significativas de tributação” alegadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira, Requerida naqueles processos arbitrais e aqui Recorrida – cf. pag 20 da decisão recorrida e pag. 22 da decisão fundamento.
27.º Contudo, não obstante as decisões arbitrais aqui em confronto terem decidido sobre a mesma questão fundamental de direito, assentando em iguais pressupostos de facto e aplicando o mesmo normativo legal, resultam das mesmas soluções jurídicas totalmente opostas.
28.º Deste modo, na decisão recorrida, foi alegado e dado como provado que, no âmbito da actividade de leasing desenvolvida pela Reclamante, existem efectivamente “despesas afectas à disponibilização dos veículos”, nada referindo quanto aos gastos com financiamento ou gestão dos contratos e que, ademais, as despesas incorridas pela Reclamante no âmbito desta actividade se destinam, em parte (não quantificável) a esta disponibilização, sendo que as mesmas são consumidas em maior volume após a disponibilização da viatura, “sendo de igual modo nessa fase que surge o incumprimento dos contratos que conduz à intervenção da área de Contencioso”.
29.º Assim, e apesar de através dos depoimentos se conseguir circunstanciar e dar como provada a existência daquelas “despesas afectas à disponibilização dos veículos”, clarificando que “o principal consumo de recursos ocorre após a disponibilização da viatura”, o Tribunal Arbitral recorrido veio decidir pela ausência de prova quanto à preponderância dos gastos na componente da disponibilização de veículos e pela impossibilidade de aplicação do pro rata de dedução nos termos apurados pela ora Reclamante.
30.º Diferentemente, na decisão fundamento, o Tribunal Arbitral conclui que “Os custos imputáveis aos procedimentos de negociação da aquisição da viatura aos stands e a sua venda e disponibilização ao cliente têm um peso relevante nos custos gerais do banco, não sendo fácil a afectação directa dos custos às diferentes atividades de concessão de crédito e disponibilização de viaturas”, concluindo que “é de entender que os custos gerais relativos às operações de locação financeira de bens móveis devem ser considerados, para efeitos de imposto sobre o valor acrescentado, como um elemento constitutivo do preço da disponibilização dos veículos, não podendo ser aplicado um método de repartição que não tenha em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega, uma vez que esse método não é susceptível de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios”.
31.º Assim, se a decisão recorrida conduziu à manutenção na ordem jurídica da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada pela ora Reclamante com vista à contestação do acto tributário de (auto)liquidação de IVA referente ao ano 2018 e, dessa forma, impediu a dedução do respectivo imposto pela Reclamante; a Decisão fundamento fez exactamente o contrário e, por conseguinte, permitiu a dedução do imposto entregue em excesso pelo sujeito passivo ali Requerente.
32.º De facto, se a decisão recorrida seguisse os termos da decisão fundamento, assistiria à ora Reclamante a possibilidade de aplicação do método pro rata de dedução de imposto suportado nos bens e serviços de utilização mista, podendo ser considerados no numerador e no denominador da fracção de cálculo o valor total da renda e não apenas a parte correspondente aos juros.
33.º Nestes termos, não sendo possível coexistirem, na ordem jurídica portuguesa, duas decisões judiciais que, versando sobre situações fácticas iguais, são totalmente antagónicas entre si, a Reclamante interpôs o necessário recurso para o STA tendo demonstrado, aquando da interposição do referido recurso, o cumprimento dos requisitos legais aplicáveis.

Da decisão sumária do Juiz Relator

34.º Contudo, na sequência da interposição do referido recurso, o Juiz Relator da Secção de Contencioso Tributário do STA determinou, através do despacho aqui reclamado, que «[…] a circunstância, específica, de a orientação perfilhada na decisão impugnada (recorrida) estar de acordo com a jurisprudência, mais recentemente consolidada, do Supremo Tribunal Administrativo […] é causa de não admissão do presente apelo, por imposição, expressa, do art. 688.º n.º 3 e 692.º n.º 1, in fine, do CPC» (…).

Das razões da Reclamante

35.º Salvo o devido respeito, entende a ora Reclamante que não existe razão válida para a rejeição do recurso interposto, uma vez que a jurisprudência do STA sobre a temática em litígio vai no sentido de que a Autoridade Tributária e Aduaneira só pode impor a utilização do coeficiente de imputação específico consagrado no ponto 9 do Ofício-circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, caso a utilização de “recursos de utilização mista” seja sobretudo determinada pela gestão e financiamento dos contratos.
36.º Assim, nos termos da jurisprudência do STA, caso os “bens ou serviços de utilização mista” sejam sobretudo determinados pela disponibilização das viaturas, como sucede in casu (e, aliás, foi demonstrado nos autos e resulta mesmo da decisão recorrida), não pode ser imposta a utilização daquele coeficiente, sob pena de manifesto conflito com a jurisprudência vertida pelo STA.
37.º Tendo sido suscitado, no despacho aqui reclamado, o alegado incumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 152.º do CPTA, importa nesta sede atender à jurisprudência proferida pelo STA com referência à temática aqui em apreço, i.e. a questão de saber se, na aplicação do método pro rata de dedução de imposto incorrido nos bens e serviços de utilização mista, deve ser considerado, no numerador e no denominador da fracção de cálculo, o valor total da renda e não apenas a parte correspondente aos juros que constitui o rendimento do locador, sempre que os gastos sejam incorridos sobretudo para a disponibilização das viaturas.
38.º Bem se sabe que o STA já decidiu sobre a presente temática em diversas ocasiões. No entanto, tais decisões versaram sobre situações de facto manifestamente distintas daquela que está em causa na decisão recorrida.
39.º Neste âmbito, traz-se à colação o Acórdão de 4 de Março de 2015, proferido no Processo n.º 1017/12, no âmbito do qual foi formulado o pedido de reenvio prejudicial que originou a pronúncia do TJUE no caso Banco Mais e no qual o STA conclui o seguinte: “o Tribunal de Justiça da União Europeia, no processo C-183/13 esclareceu que, se houver elementos que permitam concluir que as operações que conferem direito à dedução de imposto representam uma parte mais que proporcional dos custos comuns originados pelos bens e serviços de utilização mista – como aconteceria se a utilização desses bens e serviços de utilização mista fosse sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos de locação financeira (actividade que não confere direito à dedução do Imposto sobre o valor acrescentado) a significar que «esses custos comuns» se reportavam essencialmente às operações bancárias isentas, - é possível calcular o pro rata da forma excluindo do numerador e do denominador a parte das rendas que corresponde à amortização financeira” (…).
40.º A mesma orientação foi seguida, pelo STA, em diversas decisões (…) e, de resto, confirmada pelo Acórdão para uniformização de jurisprudência de 4 de Março de 2020, proferido no Processo n.º 7/19.
41.º Ao interpretar as normas supra referidas, o TJUE, no Acórdão proferido no caso Banco Mais, tomou em consideração que “no caso em apreço, o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva dispõe que um Estado-Membro pode autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução do IVA com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços e pode prever um regime de dedução que tenha em conta a afectação especial da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços em causa. Sendo que, na inexistência de qualquer outra indicação na Sexta Directiva quanto às regras que podem ser utilizadas nesta situação, incumbe aos Estados-Membros estabelecê-las (v. parágrafos 21 a 24)”.
42.º E, na decorrência deste entendimento do TJUE, entendeu este Supremo Tribunal no Acórdão para uniformização de jurisprudência proferido no Processo n.º 7/19, que a norma do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA (…), ao permitir que a Autoridade Tributária e Aduaneira imponha condições especiais no caso de se verificarem “distorções significativas na tributação”, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA – alínea c) do terceiro parágrafo do n.º 5 do artigo 17.º da Sexta Directiva -, quando ali se estabelece que, «todavia, os Estados-membros podem: autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços».
43.º Como tal, ao abrigo da legislação europeia transposta para o n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA (…), concluiu este Supremo Tribunal que o legislador nacional pode estabelecer condições especiais para o cálculo pro rata do imposto sempre que se verifiquem “distorções significativas na tributação.
(…).
44.º Ora, entende a Reclamante que este acórdão uniformizador de jurisprudência em nada contende com a decisão recorrida nos presentes autos, uma vez que a situação de facto aqui em causa é totalmente distinta daquela ali abordada.
45.º De facto, verifica-se que este STA foi ali chamado a uniformizar jurisprudência a respeito da determinação do pro rata de dedução por instituições financeiras em situações em que apenas foram alegados e demonstrados (e controvertidos) custos incorridos com referência às actividades de financiamento e gestão de contratos no âmbito da locação financeira, não existindo qualquer referência aos gastos inerentes à actividade de disponibilização de veículos no âmbito dos contratos de leasing.
46.º Conforme resulta do probatório do acórdão fundamento naquele processo de uniformização de jurisprudência (o Acórdão deste STA de 15 de Novembro de 2017, proferido no processo n.º 0485/17), não se considerou provado que “os custos mencionados em 13) [i.e., os custos de utilização mista adquiridos pela entidade, afectos indiscriminadamente às suas operações que conferem o direito à dedução do IVA incorrido e às suas operações que não conferem este direito] respeitam em parte à disponibilização, por parte da impugnante, dos veículos objeto dos contratos de locação referidos entre 3) e 5)”.
47.º E, conforme resultou confirmado pelo STA no Acórdão uniformizador de jurisprudência, a respeito da apreciação da identidade entre a situação de facto do acórdão fundamento e da decisão arbitral recorrida naquele processo, “(…) na matéria de facto que serviu de base à decisão arbitral recorrida não se encontra qualquer fixação concreta dos custos incorridos pela recorrida, designadamente no sentido de perceber se os mesmos são relativos ao financiamento e gestão dos contratos de locação financeira ou, também, relativos à disponibilização dos veículos, não se vislumbrando qualquer referência à existência de serviços de apoio aos clientes” (…).
48.º Assim, é certo que as duas decisões em confronto naquele processo de uniformização de jurisprudência convergiam nos factos, na medida em que não resultava do probatório de nenhuma delas que o sujeito passivo ali em causa incorria em custos relacionados com a actividade de disponibilização de veículos no âmbito dos contratos de leasing.
49.º Nesta esteira, entendeu o Tribunal que “sendo as hipóteses fácticas subsumíveis ao mesmo quadro substancial de regulamentação jurídica, os dois arestos divergem, contudo, quanto às soluções jurídicas propugnadas. A questão fundamental de direito num e noutro aresto era a mesma – a de saber se a Autoridade Tributária e Aduaneira pode impor a uma instituição de crédito que seja sujeito passivo misto em sede de IVA que, na determinação do pro rata dedutível para efeitos do cálculo deste imposto, considere apenas os juros, excluindo da fracção a parte referente à amortização das rendas dos contratos de locação financeira e os valores de alienação / abate por destruição dos bens locados (…)” houve lugar à prolação de duas decisões contraditórias.
50.º Já em sede de apreciação do mérito daquele recurso, decidiu o Supremo Tribunal: “ao abrigo da legislação europeia transposta para o artigo 23.º n.º 2 do Código do IVA, o legislador nacional pode estabelecer condições especiais para o cálculo pro rata do imposto sempre que se verifiquem distorções significativas na tributação o que determina, no caso dos autos, que para o cálculo do pro rata apenas sejam considerados os juros, ou seja, apenas seja considerada a parte da remuneração do locador incluída na renda e que é, afinal, o valor que traduz o seu interesse financeiro” e que “aquilo que importa é, portanto, que sobre a matéria de facto se formule um juízo de facto sobre se a utilização desses bens e serviços de utilização mista é, ou não, sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos. Porém, compulsado o probatório fixado na decisão arbitral em crise, não é possível descortinar se a utilização de bens ou serviços de utilização mista por parte da Recorrida foi sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes ou, ao invés, pela disponibilização dos veículos” (…), ordenando a baixa dos autos para a ampliação da matéria de facto.
51.º Ora, em sentido oposto, conforme acima já demonstrado, resulta do probatório da decisão recorrida nos presentes autos que: “o principal consumo de recursos ocorre após a disponibilização [entenda-se: entrega física] da viatura, na fase de “gestão de carteira”, sendo de igual modo nessa fase que surge o incumprimento dos contratos que conduz à intervenção da área de Contencioso” [cf. página 16 da decisão recorrida].
52.º De facto, tem sido entendimento reiterado do STA, bem como do TJUE, que esta fase que o Tribunal Arbitral designa por “gestão de carteira” corresponde exactamente à fase de disponibilização das viaturas (após a entrega das mesmas).
53.º Termos em que, face à evidente diferença entre a matéria de facto subjacente ao acórdão deste STA proferido no processo n.º 0485/17 (e confirmado no Acórdão uniformizador de jurisprudência) e a matéria de facto subjacente à decisão recorrida nos presentes autos, resulta evidente que as soluções jurídicas em causa não teriam de ser (e nunca deveriam ser) as mesmas.
54.º Em face do que ficou expendido, queda demonstrada a verificação in casu do requisito estatuído no n.º 3 do artigo 152.º do CPTA, porquanto o supra referido acórdão do STA uniformizador de jurisprudência não trata da mesma situação fáctica que nesta sede se discute.
55.º Nestes termos, o despacho aqui reclamado padece de manifesto erro – o mesmo erro em que incorreu o Tribunal Arbitral aquando da prolação da decisão aqui recorrida – ao sustentar que “as questões de direito suscitadas foram já aprofundadas e clarificadas pelo Tribunal de Justiça, no que respeita à interpretação do Direito da União Europeia, em concreto da Diretiva IVA, e pelo Supremo Tribunal Administrativo, em relação ao direito interno, destacando-se neste último caso dois importantes e recentes acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferidos nos processos n.ºs 084/19.8BALSB e 0101/19.1BALSB, de 24 de fevereiro de 2021 e de 20 de janeiro de 2021, respetivamente, todos no sentido da admissibilidade do coeficiente de imputação específica consagrado no n.º 9 do Ofício circulado n.º 30108, à luz do Direito da União Europeia e da legislação nacional(…)”e que, “Diversamente, a jurisprudência arbitral que se pronunciou inicialmente sobre esta matéria propendia para a inadmissibilidade do mencionado coeficiente de imputação específica, em linha com a argumentação da Requerente, por entender que se estaria perante um terceiro método, sem cabimento no artigo 23.º do Código do IVA, resultando, desse modo, violado o princípio da legalidade tributária”.
56.º Salvo o devido respeito, tal conclusão revela a indevida aplicação da conclusão do STA no acórdão uniformizador de jurisprudência ao processo arbitral aqui em causa, uma vez que, conforme expressamente afirmado pelo STA, e em sentido contrário à decisão recorrida, a sua conclusão naquele processo dependeu do facto de “(…) na matéria de facto que serviu de base à decisão arbitral recorrida não se encontra[r] qualquer fixação concreta dos custos incorridos pela recorrida, designadamente no sentido de perceber se os mesmos são relativos ao financiamento e gestão dos contratos de locação financeira ou, também, relativos à disponibilização dos veículos, não se vislumbrando qualquer referência à existência de serviços de apoio aos clientes” (…).
57.º Se o Tribunal Arbitral, na decisão recorrida, tivesse seguido o entendimento perfilhado pelo STA, não teria reputado como legítima a imposição do método de cálculo do pro rata imposto pela AT sabendo de antemão (em resultado do alegado e provado via prova testemunhal) que: “o principal consumo de recursos ocorre após a disponibilização [entenda-se: entrega física] da viatura, na fase de “gestão de carteira”, sendo de igual modo nessa fase que surge o incumprimento dos contratos que conduz à intervenção da área de Contencioso” [cf. página 16 da decisão recorrida].
58.º Nestes termos, deve o despacho ora reclamado ser prontamente revogado, devendo, em consequência, ser aceite e decidido o recurso interposto pela ora Reclamante.

Termos em que, à face dos fundamentos expostos, se requer a Vossas Excelências, Venerandos Juízes Conselheiros, a devida revogação da decisão do Relator nos presentes autos e, consequentemente, a aceitação e decisão sobre o recurso interposto. »

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A parte contrária não respondeu à reclamação.

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O Exmo. Procurador-geral-adjunto pronunciou-se e no sentido de “ser de desatender a presente reclamação para a conferência”, porque “não se encontra preenchido o requisito de admissão do recurso previsto no n.º 3 do artigo 152.º do CPTA, o que determina que dele não se conheça”.

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Cumpridas as formalidades legais, compete-nos decidir.

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# II.

A decisão reclamada, é do seguinte teor: «


A........., S.A. - Sucursal em Portugal, …, ao abrigo do disposto nos artigos (arts.) 25.º n.ºs 2 a 4 e 26.º do Decreto-Lei (DL.) n.º 10/2011 de 20 de janeiro, que estabeleceu o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAMT) e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), interpôs, para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário, do Supremo Tribunal Administrativo, recurso, destinado a uniformização de jurisprudência, da decisão (colegial) proferida, no âmbito do pedido de pronúncia arbitral, formulado no processo nº 278/2020-T, do Centro de Arbitragem Administrativa (caad), em que se decidiu “julgar a ação improcedente, com as legais consequências”.
Aponta-lhe contradição/oposição com o decidido na, também, decisão arbitral (colegial), datada de 18 de novembro de 2019, emitida no processo nº 11/2019-T, do caad.


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Neste momento, tendo por base os elementos documentais disponíveis nos autos, compete proceder a apreciação liminar, prevista no art. 692.º n.º 1 do Código de Processo Civil (e arts. 140.º n.º 3 e 152.º do CPTA), com as devidas adaptações.

Por interposto de acordo com a lei [art. 25.º n.º 2 do RJAMT], dentro do prazo legal [art. 152.º n.º 1 do CPTA e 25.º n.º 3 do RJAMT], por quem tem legitimidade para o efeito [parte vencida, no processo arbitral] e comprovado o trânsito em julgado da decisão (arbitral) fundamento, encontram-se reunidas quatro das condições, legais, fixadas, de admissão do interposto, recurso (extraordinário) para uniformização de jurisprudência.

Verifica-se, contudo, in casu, a circunstância, específica, de a orientação perfilhada na decisão impugnada (recorrida) estar de acordo com a jurisprudência, mais recentemente consolidada, do Supremo Tribunal Administrativo, o que, só por si, é causa de não admissão do presente apelo, por imposição, expressa, do art. 688.º n.º 3 e 692.º n.º 1, in fine, do CPC.

Efetivamente, a decisão arbitral recorrida, ao julgar improcedente a ação/pedido de pronúncia arbitral, ainda que, por fundamentos jurídicos, que podem, não ser totalmente coincidentes, mas, em todo caso, afirmando, explicitamente, “… o coeficiente de imputação específico consagrado no ponto 9 do Ofício-circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009 te(m) suporte legal no artigo 23.º, n.ºs 3 e 2 do Código do IVA, não ocorrendo violação do princípio da legalidade, e ser conforme ao Direito da União Europeia, em concreto ao disposto no artigo 173.º, n.º 2, alínea c) da Diretiva IVA e ao princípio da neutralidade fiscal, concluindo-se pela manutenção da autoliquidação de IVA reportado ao ano 2018.”, produziu solução jurídica concordante com a jurisprudência firmada, por unanimidade, no acórdão, do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, do STA, em 24 de março de 2021, no processo n.º 87/20.0BALSB.
Naquela, como neste, versou-se a questão, grosso modo, do método/cálculo do pro rata, em cédula de IVA, estando, igualmente, presente o regime do Ofício-circulado n.º 30 108 de 30 de janeiro de 2009, quanto a atividade desenvolvida, entre outros, por bancos, a operar em Portugal, tendo o STA, após alongada discussão e tratamento, casuístico, da matéria, estabelecido, sem divergências, o entendimento de que “Nos termos do disposto no art. 23.º, n.º 2, do CIVA, conjugado com a alínea b) do seu n.º 3, a AT pode obrigar o sujeito passivo que efectua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a estruturar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações através da afectação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza ou possa conduzir a distorções significativas na tributação.”.
Sendo o sentido final do veredicto do acórdão arbitral recorrido sintónico, nos seus pontos essenciais, com a jurisprudência contemporânea e transversal (Posteriormente, já, por diversas vezes, reiterada.) a todos os Conselheiros, da Secção de Contencioso Tributário do STA, não está preenchida uma das condições, impostas por lei e cumulativas, de admissibilidade do apelo em avaliação.

Pelo exposto, sem mais, decido rejeitar este recurso para uniformização de jurisprudência.


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Custas a cargo do recorrente, com dispensa do remanescente da taxa de justiça devida, relativamente ao montante superior a € 275.000, em função, desde logo, de não se ir passar da fase liminar deste processo.
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Comunique-se ao caad.

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[texto redigido em meio informático e revisto]

Lisboa, 21 de junho de 2021 »

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A ponderação, circunstanciada, do conteúdo das conclusões, inicialmente, transcritas, permite-nos, com objetividade e segurança, retirar estas, de momento, relevantes, ideias:

- para a reclamante, a questão jurídica, versada nas decisões arbitrais, recorrida e fundamento, é a mesma, embora, numa formulação mais casuística, pormenorizada, que a coligida no despacho reclamado.

Efetivamente, como decorre da delimitação concretizada na conclusão 5.º, ambos os arestos, do tribunal arbitral, se debruçaram sobre a aplicação, em cada um dos casos concretos submetidos à arbitragem (com as necessárias particularidades), do método, conhecido por pro rata, de dedução do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e dos componentes (numerador e denominador) da fração de cálculo da percentagem que, em determinadas situações, é (pode ser) aplicável. Por outras palavras, como se assumiu no despacho sob crítica, a questão decidenda respeita, ao nível do direito, dos fundamentos jurídicos, à aplicação do disposto no art. 23.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), destacadamente, dos competentes n.ºs 2 e 3.

Acresce, de comum a todas as versadas decisões, a consideração/valoração do facto de a disputada aplicação do art. 23.º do CIVA se ter processado com o foco na existência e relevância do coeficiente de imputação específico, consagrado no ponto 9 do Ofício-circulado n.º 30 108 de 30 de janeiro de 2009.

A segunda ideia, elegível, corresponde à perceção de que, visto o teor e alcance das conclusões 35.º e segs., a reclamante não dispõe de argumentos (e, por isso, são insuficientes) capazes de sustentar a imputação, que faz, de erro (de julgamento/decisão) ao despacho reclamado.

Das que diz serem as suas razões, decorre, objetiva e óbvia, a confusão/desconhecimento sobre qual o sentido da jurisprudência, deste Supremo Tribunal, quanto à questão acima identificada e delimitada, consolidada nos tempos mais recentes.

Ora, como se dá, expressa, nota, no despacho reclamado, o STA, após vários pronunciamentos, entre os quais, aqueles que a reclamante menciona nas conclusões 39.º a 43.º, em 24 de março de 2021, emitiu (No processo n.º 87/20.0BALSB.), através do Pleno da sua Secção de Contencioso Tributário, um aresto uniformizador de jurisprudência que, não obstante o, anteriormente, expendido sobre a matéria, estabilizou, por consenso de todos os Conselheiros integrantes desse Pleno (e que têm intervenção na presente pronúncia), o entendimento, no sentido sumulado e estrito, de que “Nos termos do disposto no art. 23.º, n.º 2, do CIVA, conjugado com a alínea b) do seu n.º 3, a AT pode obrigar o sujeito passivo que efectua operações que conferem o direito a dedução e operações que não conferem esse direito, a estruturar a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações através da afectação real de todos ou parte dos bens ou serviços, quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza ou possa conduzir a distorções significativas na tributação.”.

Portanto, a partir da prolação deste acórdão uniformizador, o STA, para todos os efeitos, sobretudo, por motivos de segurança jurídica, enquanto não encontrar fundamentos para infletir no sentido da reproduzida resposta em matéria de direito (sobre a “mesma questão fundamental de direito”, sustentáculo, universal, dos recursos para uniformização de jurisprudência), tem o ónus, em todas as situações enquadráveis na respetiva área de influência/abrangência, de sintonizar os veredictos futuros com a mesma (o que sucedeu em diversas situações antes da presente). E, um dos mecanismos, disponibilizados por lei (Arts. 152.º n.º 3 do CPTA, 688.º n.º 3 (692.º n.º 1) do CPC e [284.º n.º 3 do CPPT].), para operar este encargo, é, precisamente, o atuado no despacho visado nesta reclamação, com o objetivo de nem deixar os recursos abrangidos passarem de uma fase preliminar, dada a patente e manifesta inutilidade de qualquer, casuística, discussão futura/sequente, na medida em que a pronúncia, final, sobre a disputada questão jurídica nuclear, tem um sentido pré-existente, fixado.

Um apontamento derradeiro para afirmar que o apoio, invocado pela reclamante, da existência de uma “evidente diferença” entre as matérias de facto subjacentes à decisão arbitral, aqui, recorrida e o acórdão, do STA (de 15 de novembro de 2017), proferido no processo n.º 0485/17, não colhe, porquanto, essa variável, sempre, estaria, in casu, prejudicada, em virtude de este aresto ser alheio à discussão, essencial, em torno da questão fundamental de direito, alegadamente, decidida de forma contraditória pelo tribunal arbitral, acrescendo a circunstância de o entendido no mesmo não ter tradução, direta e imediata, no sentido da uniformização de jurisprudência concretizada no, determinante, acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, do STA, de 24 de março de 2021 (87/20.0BALSB).


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# III.

Face ao exposto, em conferência, no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos indeferir a reclamação e manter a decisão pretendida revogar.


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Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

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[texto redigido em meio informático e revisto]

Lisboa, 24 de novembro de 2021


Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (com declaração que junta) - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo.

Voto a decisão.

No acórdão que fez vencimento foi decidido que a orientação perfilhada na decisão arbitral recorrida está de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo e, em consequência, não admitiu o recurso.

Ora, é verdade que a decisão arbitral recorrida acompanhou a mais recente jurisprudência deste tribunal, tendo concluído no ponto 4.2., em sequência com o entendimento firmado na mesma jurisprudência, que a ali Requerente não tinha razão ao alegar que o coeficiente de imputação específico não tinha base legal.

Mas, na interpretação que faço do alegado, o recurso não versa sobre essa parte da decisão. Porque, como se extrai dos artigos 58.º e seguintes das alegações e das conclusões “S” e “T” do recurso, as partes que transcreve da decisão arbitral recorrida foram extraídas do seu ponto 4.4., onde se analisou a questão de saber se o consumo de recursos mistos foi sobretudo determinado pela disponibilização dos bens locados.

Assim sendo, a questão suscitada no presente recurso está a jusante da questão já abordada pelo Pleno.

O que sucede também é que, no caso da decisão arbitral recorrida, foi aí concluído (conclusão de facto) que a Requerente não conseguiu demonstrar que o consumo de recursos de utilização mista pela sua atividade de leasing foi sobretudo determinado pela disponibilização dos bens locados.

Já no caso da decisão arbitral fundamento foi concluído que os custos imputáveis aos procedimentos de negociação da aquisição da viatura aos stands e a sua venda e disponibilização ao cliente têm um «peso relevante» nos custos gerais do banco.

A questão de saber se a atribuição de «peso relevante» aos custos com a disponibilização dos bens locados chega para decidir pela ilegalidade do método de repartição utilizado, coloca-se na decisão arbitral fundamento, mas não se coloca na decisão arbitral recorrida, que não formulou semelhante juízo de facto.

Pelo que não é a mesma a situação de facto a subsumir à lei nos dois acórdãos em confronto.

E, com esse fundamento concluiria que não estão reunidos os pressupostos do conhecimento do mérito da decisão arbitral recorrida.

Nuno Bastos