Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0466/14
Data do Acordão:10/01/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:RECURSO JURISDICIONAL
FALTA DE OBJECTO
SENTENÇA
Sumário:I - O recurso jurisdicional tem como objecto a sentença recorrida e destina-se a anulá-la ou alterá-la com fundamento em vício de forma (nulidade) ou de fundo (erro de julgamento) que o recorrente entenda afectá-la.
II - Se o recorrente não ataca a sentença que julgou procedente a excepção do erro na forma de processo e se limita a invocar no recurso a prescrição da coima, apesar de se tratar de questão de conhecimento oficioso, este Tribunal não pode dela conhecer, pois, porque o recurso carece de objecto e a sentença recorrida transitou em julgado.
Nº Convencional:JSTA00068915
Nº do Documento:SA2201410010466
Data de Entrada:04/15/2014
Recorrente:A......
Recorrido 1:IMT-INST DA MOBILIDADE E DOS TRANSPORTES, I.P.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF AVEIRO
Decisão:NÃO TOMAR CONHECIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CPC13 ART676 N1.
CPPTRIB99 ART204 N1 I.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0408/08 DE 2008/10/01.
Referência a Doutrina:JORGE DE SOUSA - CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLIV PAG357.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A………., inconformado, recorreu da sentença datada de 12 de Dezembro de 2013, que julgou procedente a excepção de erro na forma de processo suscitada pelo INIR - Instituto de Infra-estruturas Rodoviárias IP, na contestação à oposição que aquele tinha deduzido à execução fiscal que o INIR instaurou contra si, absolvendo o INIR da instância.

Alegou, tendo concluído como se segue:
A - O presente recurso vem interposto da decisão recorrida que valorou a excepção invocada pelo recorrido de erro na forma no processo, absolvendo-se em consequência o InIR da instância, não se pronunciando previamente sobre a excepção de prescrição invocada pelo recorrente, embora esta seja de conhecimento oficioso.
B - Em 19 de Outubro de 2011, o InIR instaurou contra o recorrente o processo de execução fiscal n.° 0027201101024892 para cobrança coerciva de dívidas no montante global de € 994,24, não restando ao recorrente outro meio de defesa que não a oposição à execução fiscal n.° 0027201101024892.
C - Na oposição deduzida, o recorrente invocou, em síntese, a nulidade insanável de citação, a falta de título executivo e a prescrição do procedimento, concluindo por pedir a sua absolvição da instância.
D - A excepção prescrição da divida exequenda, em sede de oposição, constitui um dos seus fundamentos e é de conhecimento oficioso nos termos do conjuntamente disposto nos artigos 204°, n.° 1, alínea d) e 175.° do CPPT.
E - À sentença recorrida cumpriria, antes de mais, conhecê-la, até porque, a proceder tal excepção invocada pelo recorrente, extinguia-se a execução e obstava à apreciação do mérito da oposição.
F - Infelizmente, a sentença recorrida não o fez.
G - Porque o instituto da prescrição reveste natureza substantiva, as normas a considerar são, desde logo, as vigentes à data da ocorrência da infracção que foi cominada com coima.
H - A infracção em causa ocorreu em 2008, pelo que “in casu” é aplicável o regime jurídico da Lei n.° 25/2006, de 30/6, na redacção anterior à que lhe foi conferida pela Lei n.° 55-A/2010, de 31/12 - cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido em 05/02/2013 no processo 26/11.9TAELV.E1.
I - O artigo 16.°-B da Lei n.° 25/2006, de 30/6, na redacção que lhe foi introduzida pela Lei nº 67-A/2007, de 31/12, dispõe que “As coimas e sanções acessórias previstas na presente lei prescrevem no prazo de dois anos.”. (negrito nosso).
J - O artigo 18.° da referida lei, na redacção aplicável à data, dispunha que o regime subsidiário aplicável era o regime do ilícito de mera ordenação social.
L - A decisão que aplicou a coima considera-se regularmente notificada ao ora recorrente três dias após a sua expedição, isto é, três dias após 25 de Novembro de 2009.
M - A coima não foi coercivamente executada, nem voluntariamente cumprida até à remessa dos presentes autos a juízo, pelo que a coima se encontra prescrita desde 28 de Novembro de 2011,
N - O que deveria ter sido declarado pela sentença recorrida nos termos dos artigos 18.° da supra citada lei n.° 25/2006, de 30/6, e dos artigos 30.° a contrario a 30°-A, n.° 1, ambos do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas (aplicável por remissão do referido artigo 18.° da Lei n.° 25/2006, de 30/6).
O - Entre o dia 28 de Novembro de 2009 (a data em que o recorrente se considera regularmente notificado da decisão administrativa) e o dia 28 de Novembro de 2011, nenhuma causa de interrupção ou de suspensão do prazo da prescrição da coima se verificou.
P - Desde o trânsito em julgado da decisão administrativa não foram realizados quaisquer actos executivos em sede de processo de execução fiscal.
Q - A execução material da coima não foi sequer iniciada, e, consequentemente, nunca os actos materiais de execução poderiam ter sido interrompidos, até porque o facto com aptidão para interromper o decurso do prazo prescricional é a execução material da coima e não a mera instauração do processo com essa finalidade, ou sequer os actos da tramitação executiva anteriores, contemporâneos ou posteriores a uma citação e os demais decorrentes da existência formal de um processo executivo.
R - Os artigos 30°, n.° 1 e 30.°-A, n.° 1 do Regime Geral das Contra-Ordenações referem-se a “execução da coima”, em sintonia com o que dispõem os artigos 125.° e 126.° do Código Penal.
S - Neste sentido, além de Jurisprudência pacifica dos Tribunais, cite-se ainda Manuel Simas Santos e Jorge Lopes de Sousa em “Contra-Ordenações - Anotações ao Regime Geral”, Vislis editores, 6.ª Edição, 2011, pág. 284), onde se pode ler que “O n.° 1 deste artigo 30.°-A do RGCO atribui efeito suspensivo da prescrição à “execução” da coima e não explicitamente à sua instauração, o que poderia sugerir que, enquanto se mantivesse a execução se manteria o efeito interruptivo. Porém, o facto de a alínea b) do artigo 30.° atribuir efeito suspensivo à interrupção da execução leva a concluir que o prazo de prescrição continua a correr na pendência da execução, pois só assim se compreende que se possa suspender.”. (negrito nosso).
T - Não se verificando quaisquer factos interruptivos ou suspensivos da prescrição, a divida exequenda se encontra prescrita desde 27 de Novembro de 2011, o que constitui causa de extinção da execução, nos termos do artigo 176°, n.° 1, alínea o) do CPPT,
U - Encontrando-se preenchido o fundamento de oposição a que se refere a alínea d), do n.° 1 do artigo 204.° do Código de Procedimento e Processo Tributário, pelo que a sentença recorrida deveria, sem mais, ter declarado prescrita a dívida exequenda, mais determinando a absolvição do aqui recorrente da instância executiva, o que se espera que V.ªs Ex.ªs decidam, fazendo a costumada JUSTIÇA!
Não foram produzidas contra-alegações.

O Ministério Público, notificado pronunciou-se pelo provimento do recurso, revogação da sentença recorrida, julgar-se a oposição judicial procedente e extinção do PEF. No essencial o Ministério Público pronunciou-se pelo provimento do recurso pois entendeu que tinha havido prescrição da coima e esta prescrição é de conhecimento oficioso.

Colhidos os vistos cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A. Em 25 de Novembro de 2009, o Oponente foi notificado da decisão que o condenou a pagar ao InIR o montante global de € 962,10, que inclui os valores de € 44,60 de taxas de portagem, € 892,00 de coima e € 25,50 de custas (cf. fls. 24 a 25 verso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
B. Em 19 de Outubro de 2011, o InIR instaurou contra o Oponente o processo de execução fiscal n.° 0027201101024892 para cobrança coerciva de dívidas no montante global de €994,24 (cf. fl. 1, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
C. No mesmo dia 19 de Outubro de 2011, o InIR extraiu certidão de dívida contra o Oponente, que deu origem à instauração do processo de execução referido na letra anterior (cf, fls. 26 verso e 27, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
D. Ainda no mesmo dia 19 de Outubro de 2011, o InIR redigiu carta precatória, que remeteu ao Serviço de Finanças de Albergaria-a-Velha, fazendo saber que instaurou o processo de execução referido na letra B e solicitando que ordenasse as diligências necessárias à cobrança da dívida exequenda (cf. fl. 26, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
E. O Serviço de Finanças de Albergaria-a-Velha citou o Oponente em 5 de Novembro de 2011 (cf. fl. 30, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
F. A presente oposição à execução fiscal deu entrada no Serviço de Finanças de Albergaria-a-Velha em 6 de Dezembro de 2011 (cf. fl. 2, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
Nada mais se deu como provado.

Há agora que apreciar o recurso que nos vem dirigido.
No essencial o recorrente insurge-se contra a sentença recorrida porque não conheceu da excepção da prescrição invocada, que era, e é, de conhecimento oficioso, antes tendo concluído pela verificação do erro na forma de processo, conclusão A). As restantes conclusões das alegações do recurso que nos vem dirigido tratam da prescrição da coima, não atacando directamente o julgamento feito no tocante ao erro na forma de processo [Não sendo adequado o meio processual utilizado quanto a nenhum dos fundamentos invocados pelo Oponente na p. i., não é viável a convolação do processo para a forma adequada, ao abrigo do disposto no artigo 97.º, n.º 3, da LGT e no artigo 98.º, n.º 4, do CPPT].

Sobre o âmbito das alegações e respectivas conclusões, refere o Ministério Público no seu parecer de fls. 137 a 139:
O recorrente acima identificado vem sindicar a decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, exarada a fls. 102/108, em 12 de Dezembro de 2013, por não ter apreciado a prescrição das coimas exequendas, cujo conhecimento é oficioso, nos termos do disposto no artigo 175.° do CPPT.
A sentença recorrida absolveu o INIR da instância na oposição judicial deduzida contra o PEF que tem por escopo a cobrança coerciva de quantia atinente a coima e custos administrativos, no âmbito da Lei 25/2006, de 30 de Junho, no entendimento de que a recorrente não invocou nenhum facto susceptível de constituir fundamento de oposição fiscal.
A recorrente termina as suas alegações com as conclusões de fls. 125/127, que, como é sabido, ressalvadas questões de conhecimento oficioso, delimitam o objecto do recurso, nos termos do estatuído nos artigos 635.°/4 e 639.°/1 do CPC, e que aqui se dão por inteiramente reproduzidas…
Antes de mais diga-se em sede PI o recorrente não suscitou a questão do conhecimento da prescrição das coimas, mas sim do procedimento (artigo 20.° da PI), o que é, absolutamente, distinto.
Na verdade, como parece, meridianamente, claro, a questão da prescrição do procedimento contra-ordenacional, apenas pode ser suscitada no próprio processo de contra-ordenação, pois a verificação dessa excepção, apenas, pode determinar a extinção do procedimento contra-ordenacional - e consequente arquivamento do procedimento.
Na verdade, transitada em julgado ou fazendo caso decidido ou resolvido a decisão de aplicação da coima, e executada tal decisão, em sede de execução fiscal, apenas poderá ser inovada a prescrição da coima aplicada, nos termos do disposto no artigo 204.°/1/ d) do CPPT…”.

Da leitura conjugada da petição inicial e da sentença recorrida, podemos surpreender que a questão da prescrição tratada pelo Sr. Juiz a quo foi aquela que o recorrente alegou na sua petição inicial, ou seja, a prescrição do procedimento contra-ordenacional, cfr. artigo 20º da PI, invocando para o efeito o artigo 27º, al. c) do DL n.º 433/82, de 27/10, que trata precisamente da prescrição do procedimento por contra-ordenação.

A propósito dessa mesma questão escreveu-se na sentença recorrida: “De outro lado, como sustenta o InIR na contestação, a prescrição do procedimento contra-ordenacional fica a coberto pelo trânsito em julgado da respectiva decisão de aplicação da coima, sendo que, a análise desta questão, porque tem a ver com a legalidade da respectiva dívida exequenda, não pode ser apreciada no processo de oposição à execução fiscal, conforme se depreende do artigo 204.°, n.º 1, alínea i), do CPPT (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 1 de Outubro de 2008, recurso n.º 0408/08, disponível em www.dgsi.pt e acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 27 de Setembro de 2011, recurso n.º 02070/09, igualmente disponível em www.dgsi.pt)”.

Lido atentamente este segmento da sentença recorrida podemos concluir que aí se decidiu, não só que a questão da prescrição do procedimento por contra-ordenação não podia ser conhecida no âmbito da oposição à execução, mas também que a mesma ficava a coberto “…pelo trânsito em julgado da respectiva decisão de aplicação da coima….” .
Ou seja, ao contrário do alegado pelo recorrente, na sentença recorrida não se deixou de conhecer da excepção da prescrição por si invocada, conheceu-se expressamente da mesma, mas com um enquadramento jurídico com o qual o recorrente não concorda. Esta discordância é que não vem invocada nas alegações do recurso que nos vem dirigido, antes se coloca aqui a questão de saber se a coima estará ou não prescrita, o que, como bem refere o Ministério Público, não se trata da mesma questão.

“O recurso jurisdicional tem como objecto a decisão judicial recorrida e pode ter por fundamento qualquer vício de forma ou de fundo que o recorrente entenda que afecta a decisão recorrida.
Em regra, não pode em sede de recurso conhecer-se de questão nova, ou seja, questão que não tenha sido objecto da sentença pois os recursos jurisdicionais destinam-se a reapreciar as decisões proferidas pelos tribunais inferiores e não a decidir questões novas, não colocadas a esses tribunais [cfr. art. 676.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC)], ficando, assim, vedado ao Tribunal de recurso conhecer de questões que podiam e deviam ter sido suscitadas antes e o não foram.
Mas há excepções, sendo uma delas a que permite ao tribunal ad quem apreciar as questões que sejam do conhecimento oficioso. E, sendo as questões do conhecimento oficioso, nada obsta a que as mesmas sejam suscitadas pelas partes em sede de recurso, pois, «se o tribunal pode delas conhecer sem que qualquer das partes as submeta à sua apreciação, também o poderá fazer quando a questão é colocada por uma das partes» (JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume IV, anotação 21 ao art. 279.º, pág. 357.).
(…)
No entanto, a ora Recorrente não atacou a sentença, à qual não assaca nulidade (Note-se que não constitui nulidade por omissão de pronúncia a falta de conhecimento na sentença de questões que, sendo do conhecimento oficioso, não tenham sido suscitadas por alguma das partes, pois aquela nulidade apenas ocorre quando haja violação do dever do tribunal em relação às partes, de se pronunciar sobre todas as questões por elas suscitadas. Neste sentido, ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 142.) ou erro de julgamento e, ao invés, como resulta da leitura das alegações de recurso e respectivas conclusões, limitou-se a invocar a nulidade do título executivo, o que nunca fizera antes.
Sucede, assim, que, na falta de ataque, o recurso carece de objecto e a sentença transitou em julgado. Consequentemente, não pode agora este Supremo Tribunal Administrativo, por para tanto não lhe assistir poder jurisdicional, conhecer de qualquer outra questão suscitada, ainda que do conhecimento oficioso.”, cfr. acórdão deste Supremo Tribunal, datado de 15/05/2013, recurso n.º 0508/13.

Aplicando esta doutrina ao nosso caso concreto, podemos concluir que aqui se passa exactamente a mesma situação, ou seja, o recorrente no seu recurso invoca uma questão, a da prescrição da coima, que não invocou em momento anterior ao da prolação da sentença recorrida, pelo que, agora, não pode este Supremo Tribunal dela conhecer, precisamente por lhe estar vedado esse conhecimento, faltando o poder jurisdicional para o efeito.

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, não tomar conhecimento do recurso.

Custas pelo Recorrente.
D.N.

Lisboa, 1 de Outubro de 2014. – Aragão Seia (relator) – Casimiro Gonçalves – Francisco Rothes.