Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:053/20.5BALSB
Data do Acordão:09/22/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
RECURSO DE DECISÃO ARBITRAL
ADMISSIBILIDADE
Sumário:I - Nos termos do disposto no artº.25, nº.2, do R.J.A.T., só as decisões que se tenham pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e posto termo ao processo arbitral são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo.
II - Esta opção legislativa de restringir a possibilidade de recurso relativamente às decisões que conheçam do mérito da pretensão deduzida e ponham termo ao processo, resulta inequívoca da letra da lei, a qual constitui o princípio e o limite da tarefa hermenêutica que incumbe ao seu aplicador, nos termos do artº.9, nº.2, do C.Civil.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P28162
Nº do Documento:SAP20210922053/20
Data de Entrada:06/18/2020
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A................., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA deduziu recurso para uniformização de jurisprudência, dirigido ao Pleno da Secção de Contencioso Tributário do S.T.A., visando o aresto arbitral proferido no âmbito do processo nº. 214/2019-T, datado de 22/04/2020, o qual foi rectificado, no que diz respeito à responsabilidade pelo pagamento das custas e quantificação do respectivo montante, em correlação com o valor da causa no âmbito do mesmo processo, por despacho do Exº. Árbitro Presidente, lavrado no pretérito dia 18/05/2020, tudo em sede do pedido de pronúncia arbitral deduzido pela sociedade recorrida, "A……………………, L.da.", tendo por objecto liquidação adicional de I.R.C., relativa ao ano de 2014 e que apurou um prejuízo fiscal no valor de € 128.508,31.

A recorrente invoca oposição com o acórdão arbitral proferido no âmbito do processo nº.70/2014-T, integrado pela decisão de rectificação exarada no pretérito dia 27/11/2014 e que correu termos no CAAD, já tendo transitado em julgado (cfr. cópia junta a fls.66 a 89 do processo físico; teor de certidão junta a fls.142 do processo físico).

X
Para sustentar a oposição entre a decisão arbitral recorrida e o aresto fundamento, a entidade recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.4 a 18 do processo físico), formulando as seguintes Conclusões:
1-Por via do presente Recurso vem a Recorrente reagir contra a decisão, proferida a 2020-04-22 e retificada a 2020-05-18, pelo Tribunal Arbitral Coletivo constituído no CAAD, circunscrito à determinação do valor da causa e à fixação da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais;
2-O despacho de retificação – que é parte integrante do acórdão arbitral (artigo 617.º/2 do CPC) – incorreu em erro de julgamento quanto a questão fundamental de direito, pelo que é objeto do presente recurso o acórdão arbitral de 2020-04-22 e o integrado despacho arbitral de 2020-05-18;
3-Tal despacho de retificação colide frontalmente com o despacho de retificação (que igualmente integra o respetivo acórdão arbitral) proferido a 2014-11-27, no âmbito do processo 70/2014-T já transitado em julgado, o qual, por conseguinte, constitui o “acórdão fundamento”;
4-No caso vertente, verifica-se uma patente e inarredável contradição quanto à mesma questão fundamental de direito – saber se a revogação parcial do ato tributário efectivada entre a apresentação do pedido de pronúncia arbitral e antes da constituição do tribunal arbitral (dentro do período previsto no artigo 13.º/1 do RJAT) reflete-se, ou não, no valor do processo e/ou na responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais;
5-No caso concreto, encontram-se reunidos todos os supra elencados requisitos para que se tenha por verificada a alegada oposição de acórdãos;
6-A oposição de soluções jurídicas pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas, entendida não como uma total identidade dos factos, mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais, conforme preconiza a jurisprudência e a doutrina;
7-Subjacente às decisões arbitrais recorridas encontrava-se a seguinte factualidade: (a) Um sujeito passivo (a Recorrida) foi destinatário de uma liquidação de imposto; (b) A Recorrida deduziu pedido de constituição de tribunal arbitral junto do CAAD; (c) A Recorrente foi notificada pelo CAAD da dedução daquele pedido de constituição; (d) A Recorrente revogou parcialmente a liquidação de imposto no montante de € 200.000,00; (e) A Recorrente comunicou ao CAAD a revogação parcial; (f) Posteriormente, o CAAD declarou constituído o tribunal arbitral coletivo; (g) O tribunal arbitral coletivo proferiu acórdão arbitral parcialmente favorável à Recorrente; (h) Foi requerida a retificação do acórdão arbitral; (i) Foi proferido despacho de retificação a preconizar que, não obstante a revogação parcial efetivada antes da constituição do próprio tribunal, o valor dessa revogação não tem qualquer repercussão na alteração do valor do processo e na repartição das custas;
8-Subjacente ao “acórdão fundamento” encontrava-se a seguinte factualidade: (a) Um sujeito passivo foi destinatário de uma liquidação de imposto; (b) Esse sujeito passivo deduziu pedido de constituição de tribunal arbitral junto do CAAD; (c) A Recorrente foi notificada pelo CAAD da dedução daquele pedido de constituição; (d) A Recorrente revogou parcialmente a liquidação de imposto no montante de € 285.644,85; (f) A Recorrente comunicou ao CAAD a revogação parcial; (g) Posteriormente, o CAAD declarou constituído o tribunal arbitral coletivo; (h) O tribunal arbitral coletivo proferiu acórdão arbitral parcialmente favorável ao sujeito passivo; (i) Foi requerida a retificação do acórdão arbitral; (j) Foi proferido despacho de retificação a preconizar que a revogação parcial efetivada antes da constituição do próprio tribunal tem repercussão na alteração do valor do processo;
9-Há uma identidade de situações de facto entre as decisões recorridas e o “acórdão fundamento”;
10-É ainda necessário que as decisões em confronto se pronunciem sobre a mesma questão fundamental de direito, ou seja, importa que as soluções opostas tenham sido perfilhadas relativamente ao mesmo fundamento de direito;
11-Subjacente à decisão arbitral recorrida está o entendimento de que a revogação parcial efetivada antes da constituição do próprio tribunal: (a) Não influi no valor que inicialmente fixado no pedido de pronúncia arbitral; (b) Não tem repercussão na repartição das custas;
12-No “acórdão fundamento” foi suscitada igualmente esta questão, no entanto, considerou o tribunal arbitral coletivo constituído no âmbito do processo n.º 70/2014-T que a revogação parcial efetivada antes da constituição do próprio tribunal influi no valor que inicialmente fixado no pedido de pronúncia arbitral;
13-Verifica-se que entre as decisões recorridas e o “acórdão fundamento” há uma identidade da questão fundamental de direito, já que em ambos os casos é apreciada a questão de saber se a revogação parcial do ato tributário efetivada entre a apresentação do pedido de pronúncia arbitral e antes da constituição do tribunal arbitral (i.e., dentro do período previsto no artigo 13.º/1 do RJAT) reflete-se, ou não, no valor do processo e/ou na responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais;
14-Para que haja oposição de acórdãos é ainda necessário que os acórdãos em confronto hajam perfilhado soluções opostas de forma expressa sobre a mesma questão fundamental de direito, isto é, que tenham adotado, sobre a mesma questão de direito, soluções juridicamente divergentes em idênticas situações de facto;
15-Quer nas decisões arbitrais recorridas quer no “acórdão fundamento”, a questão de direito em análise prende-se com a problemática da repercussão, ou não, de uma revogação parcial prévia à constituição do tribunal arbitral na fixação do valor do processo e na consequente responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais;
16-Entre as decisões recorridas e o “acórdão fundamento” existe uma patente e inarredável contradição sobre a mesma questão fundamental de direito, que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação das decisões recorridas, com substituição das mesmas por novo acórdão que, definitivamente, decida a questão controvertida;
17-Resulta claro e evidente que a oposição entre as decisões recorridas e o “acórdão fundamento” decorre de decisões expressas e não apenas implícitas, como uniformemente vem sendo exigido pela Jurisprudência e pela Doutrina;
18-No caso vertente também se encontra reunido a exigência de não alteração substancial na regulamentação jurídica;
19-A infração concretamente imputada à decisão recorrida consiste num manifesto erro de julgamento expresso na decisão recorrida, na medida em que o Tribunal Arbitral Coletivo adotou uma interpretação em patente desconformidade com a CRP, o quadro jurídico vigente, as decisões proferidas em sede do próprio centro de arbitragem e a jurisprudência dos Tribunais estatais;
20-A Recorrida pugnou que, na fixação do valor do decaimento, deveria ser incluído o montante de € 200.000,00, respeitante à revogação parcial efetivada pela Recorrente antes da constituição do Tribunal Arbitral Coletivo, o que, a 2020-05-18, veio efetivamente a ser acolhida por este último no (segundo) despacho de retificação por ele proferido;
21-Tal entendimento é contrário à lei, designadamente à lei fundamental do país;
22-A revogação parcial de € 200.000,00 ocorreu antes da constituição do tribunal arbitral, ou seja, numa fase estritamente procedimental (comummente apelidada por “fase de arrependimento”);
23-A Recorrente não só requereu a consideração daquela revogação para efeitos da fixação do valor da causa aquando da comunicação do artigo 13.º do RJAT (i.e., na fase procedimental), como igualmente o reiterou na sua Resposta (i.e., na fase processual);
24-Até ao termo do prazo a que alude o artigo 13.º/1 do RJAT não existe, ainda, um processo arbitral, mas tão-só um pedido de constituição de tribunal arbitral, conforme dispõe inequivocamente o artigo 15.º do RJAT;
25-Ocorrendo uma revogação (in casu, parcial) dentro daquele prazo, a parte em que o mesmo se mostra revogado deixa de constituir objeto do processo arbitral que se veio a constituir e, por conseguinte, tal revogação deixa de ser objeto de pronúncia, por ser matéria que deixou de ser submetida ao tribunal arbitral;
26-E tendo deixado de ser matéria suscetível de pronúncia, obviamente que o valor do processo nunca poderá contemplar a parte do(s) ato(s) já revogado(s) e que não é objeto de processo, devendo fixar-se o valor do processo expurgado de toda a parte já revogada, atendendo-se apenas ao valor passível de objeto de apreciação arbitral;
27-Tendo ocorrido uma revogação parcial numa fase em que ainda não havia, sequer, sido constituído o tribunal (e, por conseguinte, o próprio processo), naturalmente que são só não ocorreu qualquer decaimento por parte da AT, como também o valor referente àquela revogação pode ser imputado à Recorrente a título de custas;
28-É juridicamente incorreto afirmar, como fez a Recorrida, que esta também obteve vencimento de causa na parte respeitante aos € 200.000,00, uma vez que à altura da revogação não estava, sequer, constituído o tribunal nem arrancado o processo arbitral propriamente tido, mas apenas e só um pedido de pronúncia;
29-A apresentação do pedido de pronúncia arbitral não marca o início do processo arbitral;
30-O processo arbitral arranca, sim, a partir do momento em que um qualquer tribunal arbitral é declarado constituído, através de despacho do Conselho Deontológico do CAAD;
31-Logo por aqui falece o raciocínio de alguma jurisprudência arbitral, raciocínio este que confunde o início do processo arbitral com os requisitos de uma petição inicial;
32-A indicação do valor da causa é um requisito do pedido de pronúncia arbitral, mas a apresentação deste último ainda não é um processo, dado que esta transmutação do pedido de pronúncia arbitral em processo arbitral só ocorre com a constituição do tribunal arbitral;
33-Se o valor da causa indicado no pedido de pronúncia arbitral ficasse automática e definitivamente fixado com a apresentação daquele pedido na plataforma informática do CAAD, teríamos de chegar à inaceitável conclusão que a Recorrente nunca poderia colocar em causa o valor atribuído à causa, uma vez que, aquando da dedução da Resposta por parte Recorrente, já passaram, em regra, quase 2 meses sobre a apresentação do pedido de pronúncia;
34-Por outro lado, tal jurisprudência arbitral parece olvidar o disposto no artigo 299.º/4 do CPC, subsidiariamente aplicável, o qual estabelece que, quando a utilidade económica do pedido só se define na sequência da ação, o valor inicialmente aceite é corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários;
35-Tal jurisprudência arbitral, além de incorrer em erros de lógica que levam a resultados objetiva e juridicamente aberrantes, olvida os princípios subjacentes às custas;
36-O valor indicado no pedido é um elemento importante na determinação do valor da ação, mas não é o elemento decisivo;
37-Na fixação do valor de uma causa (seja ela feita num tribunal, seja num centro de arbitragem), devem operar juízos de lógica, razoabilidade, adequação e proporcionalidade;
38-Com a revogação de € 200.000,00 operada pela Recorrente e com a consequente retirada de uma discussão jurídica ao tribunal arbitral, obviamente que a determinação do valor da causa e a fixação da responsabilidade pelas custas não pode ser a mesma que seria determinada e fixada se a mesma discussão tivesse sido efetivamente apreciada pelo tribunal e decidida desfavoravelmente à Recorrente;
39-Estamos no domínio da pura lógica e proporcionalidade: se um tribunal arbitral não apreciou uma questão jurídica que ascendia a € 200.000,00 (porque foi atempadamente revogada antes da própria constituição do tribunal), naturalmente que não pode manter aquele montante no cálculo do valor do processo e, menos ainda, responsabilizar a Recorrente quanto a ele;
40-Sintomático disto é o próprio Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (artigo 3.º-A);
41-O princípio que daqui se retira é bem claro: o valor inicialmente atribuído à causa não é absoluto, nem é definitivo, e a uma revogação (seja ela total ou parcial) não pode deixar de ter consequências legais, nomeadamente ao nível das custas;
42-Defender o contrário é subverter a lei e, mais grave ainda, traduz-se num injustificável enriquecimento dos centros de resolução alternativa de litígios que tendo regulamentos de custas próprios e vendo nas custas a sua forma primordial (se não mesmo única) de financiamento, tendem a desconsiderar o interesse das partes em função do seu próprio interesse, para mais, quando no caso concreto, o tribunal arbitral constituído não teve (nem podia ter) labor, nem pronúncia relativamente à revogação parcial entretanto operada;
43-Tal como ensina Salvador da Costa no seu Regulamento das Custas Processuais Anotado, deve existir uma proporcionalidade entre a taxa de justiça devida e o labor jurisdicional;
44-Além de ofender a lei, o pedido de retificação formulado pela Recorrida e atendido pelo tribunal a quo ofende o princípio da proporcionalidade, pois, no fundo, acaba por pretender que na fixação da responsabilidade pelas custas entre na equação um montante (e uma discussão jurídica) sobre a qual o próprio tribunal não teve (nem podia) labor nem pronúncia, dado que tudo se passou antes de o mesmo estar, sequer, constituído;
45-Tal pedido de retificação, além de ilegal, é manifestamente inconstitucional, precisamente por violar o princípio da proporcionalidade.
X
Foi proferido despacho pelo Exº. Conselheiro relator a admitir liminarmente o recurso, mais ordenando a notificação da sociedade recorrida para produzir contra-alegações (cfr. despacho exarado a fls.160 do processo físico).
X
A sociedade recorrida produziu contra-alegações (cfr.fls.165 a 169-verso do processo físico), as quais encerra pugnando pela total improcedência do recurso, e consequente confirmação da decisão recorrida, embora sem estruturar um quadro conclusivo.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual conclui no sentido da procedência do presente recurso (cfr.fls.174 e 175 do processo físico).
X
Colhidos os vistos de todos os Exºs. Conselheiros Adjuntos, vêm os autos à conferência do Pleno da Secção para deliberação.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
O despacho rectificativo da autoria do Exº. Árbitro Presidente, lavrado no pretérito dia 18/05/2020, no âmbito do processo nº.214/2019-T, tem o seguinte teor (cfr.fls.23 a 25-verso do processo físico):
"(…)
1.A………………., LDA., Requerente no processo à margem referenciado, notificada da Decisão Arbitral supra mencionada, veio, ao abrigo do artigo 614.º, n.º1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º1, alínea c) do RJAT, pedir retificação daquela, com base em erro de cálculo da percentagem de decaimento das partes no que às custas diz respeito.
Alega a Requerente que, no segmento “VII. Custas”, pode ler-se:
“Nos termos do nº2 do artigo 12º e do nº4 do artigo 22º, ambos do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 13.464,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas no Processos de Arbitragem Tributária, repartidas em conformidade com o respectivo decaimento na percentagem de 18,25% à Requerida e de 81,75% á Requerente.” Assim sendo, argumenta a Requerente que “Sendo o valor do processo € 963.626,52,13 e tendo a Requerente, por um lado, obtido vencimento no montante de 375.875,64 (€ 200.000,00 + € 175.875,64), e, por outro lado, a Requerida obtido vencimento no montante de € 587.705,88 a repartição de custas correta é a seguinte: A requerente obteve vencimento em 39,01% e a Requerida em 60,99%.”
2.Por despacho de 23 de Abril foi o pedido deferido, no sentido do propugnado pela Requerente.
3.Ao ter conhecimento do despacho de retificação veio a Requerida arguir a sua nulidade por, entre o mais, violar o princípio do contraditório, pedindo a revogação do mesmo.
4.Não obstante se entender que o contraditório se mostrava claramente dispensável, por entre o mais, tratar-se, de manifesto lapso ou erro material quando se confronta o decidido no ponto

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5.Em exercício do contraditório vem agora a Requerida argumentar, entre o mais, que :
A ”revogação parcial de € 200.000,00 ocorreu antes da constituição do tribunal arbitral, ou seja, numa fase estritamente procedimental (comummente apelidada por “fase de arrependimento”).
Em segundo lugar, importa também recordar que a Requerida não só requereu a consideração daquela revogação para efeitos da fixação do valor da causa aquando da comunicação do artigo 13.º do RJAT (i.e., na fase procedimental), como igualmente o reiterou na sua Resposta (i.e., na fase processual), conforme resulta do artigo 6.º daquele articulado.
“Até ao termo do prazo a que alude o artigo 13.º/1 do RJAT não existe, ainda, um processo arbitral, mas tão-só um pedido de constituição de tribunal arbitral, conforme dispõe inequivocamente o artigo 15.º do RJAT. 11. Como tal, ocorrendo uma revogação (in casu, parcial) dentro daquele prazo, a parte em que o mesmo se mostra revogado deixa de constituir objeto do processo arbitral que se veio a constituir.
“Por conseguinte, tal revogação deixa de ser objeto de pronúncia, por ser matéria que deixou de ser submetida ao tribunal arbitral.
“E tendo deixado de ser matéria suscetível de pronúncia, obviamente que o valor do processo nunca poderá contemplar a parte do(s) ato(s) já revogado(s) e que não é objeto de processo, devendo fixar-se o valor do processo expurgado de toda a parte já revogada, atendendo-se apenas ao valor passível de objeto de apreciação arbitral. (…)”
A Requerida termina alegando que o “pedido de retificação, além de ilegal, é manifestamente inconstitucional (que desde já se suscita, para todos os efeitos legais), precisamente por violar o princípio da proporcionalidade, conforme decorre das linhas anteriores”, pelo que deve ser indeferido.

Vejamos.

6.Na Decisão Arbitral, proferida no âmbito do Processo n.º 2014/2019-T, pode ler-se que:
“Na determinação do valor da causa deve atender-se ao momento em que a ação é proposta, exceto quando haja reconvenção ou intervenção principal, como decorre do disposto no artigo 299.º, n.º 1, do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Como flui do estatuído no artigo 259.º, n.º 1, do CPC (aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT), a instância inicia-se pela propositura da ação e esta considera-se proposta, intentada ou pendente logo que seja recebida na secretaria a respetiva petição inicial, ou seja, no caso do processo arbitral tributário, logo que seja recebida na secretaria do CAAD o pedido de constituição do Tribunal Arbitral.
Destarte, como afirma Jorge Lopes de Sousa (Guia da Arbitragem Tributária, revisto e atualizado, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2017, p. 153), “são irrelevantes as modificações de valor que possam advir da revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada ou de desistência ou redução de pedidos.
Da mesma forma não implicarão alteração ao valor da causa, eventuais ampliações do pedido primitivo que se considerem admissíveis, por serem, desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo (artigo 265.º, n.º 2, do CPC), como, por exemplo aumento derivado de juros indemnizatórios ou de indemnização por garantia indevida.”
No caso concreto, foi indicado no pedido de pronúncia arbitral o montante de € 963.626,52 como sendo o valor da utilidade económica do pedido, termos em que o valor da causa é fixado € 963.626,52, sendo indeferida a pretensão da Requerida.”
Ante o exposto, verifica-se que, segundo a Requerida, ao contrário da orientação seguida pelo Tribunal coletivo, o momento processualmente relevante para determinação do valor da causa não é o seguido na Decisão Arbitral. Assim sendo, da argumentação exposta resulta que a Requerida pretende discutir os critérios seguidos pelo Tribunal Coletivo na Decisão Arbitral, quanto à fixação do valor da causa. Mas, a ser assim, verifica-se que estamos perante matéria que excede o pedido de retificação.
Com efeito, segundo o artigo 614.º do CPC a retificação apenas incide sobre erros materiais, indicando o preceito como tais, “se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas ou a algum dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607.º, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexactidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto…”
O que não é manifestamente o caso, improcedendo os argumentos da Requerida.
De qualquer modo, sempre se adiantará que a orientação seguida corresponde à jurisprudência mais recente daquela que é invocada pela Requerida.
Neste sentido, pode ler-se na Decisão Arbitral proferida no processo n.º 632/2018-T:
“Na fixação do valor da causa dos processos arbitrais tributários são aplicáveis as regras do CPPT, por remissão do artigo 6.º, alínea a), do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
Assim, quando são impugnadas liquidações, o valor da causa é o da importância cuja anulação se pretende [artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT].
A instância inicia-se pela proposição da acção e esta considera-se proposta, intentada ou pendente logo que seja recebida na secretaria a respectiva petição inicial [artigo 259.º, n.º 1, do CPC subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].
Na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta, excepto quando haja reconvenção ou intervenção principal (artigo 299.º, n.º 1, do CPC).
Assim, são irrelevantes as alterações com reflexo no valor da causa posteriores à propositura da acção.
( )
Por isso, o valor da causa é, o de € 1.822.740,09, indicado no pedido de pronúncia arbitral de harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
(…)” No mesmo sentido, cfr. a Decisão Arbitral proferida no processo nº 35/2018-T.
Repete-se, para além de o momento relevante para a determinação do valor da causa corresponder ao da aceitação do pedido arbitral, não existe na lei qualquer reflexo na repartição de custas no caso da revogação do pedido pela Requerida, nos termos do artigo 13.º do RJAT.
Termos em que o despacho de retificação, ao contrário do alegado pela Requerida, não enferma de ilegalidade nem tão pouco de qualquer inconstitucionalidade.
7.Respeitado o contraditório, o Tribunal entende que assiste razão à Requerente, procedendo-se à retificação da Decisão Arbitral, proferida no âmbito do Processo n.º 2014-T, nos termos que se seguem:
No processo à margem identificado, de acordo com o consignado no pedido arbitral, foi fixado o valor da causa em € 963.626,52 de harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 1 e 2 do CPC, no artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a), e n.º 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicáveis por força das alíneas a), c) e e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, com a fundamentação constante do ponto 6 supra do presente despacho.
No segmento “VII. Custas”, consta:
Nos termos do n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 13.464,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, repartidas em conformidade com o respetivo decaimento, na percentagem de 18,25% à Requerida e de 81,75% à Requerente.
Considerando que o momento relevante à determinação do valor da causa corresponde ao da aceitação do pedido no CAAD, por um lado, e, por outro lado, não estabelecendo o legislador qualquer repercussão na repartição de custas associado à revogação prevista no artigo 13.º do RJAT, a Requerente obteve vencimento no montante de € 375.875,64 (€ 200.00,00 decorrente de revogação parcial pela Requerida ao abrigo do artigo 13.º do RJAT)], + € 175.875,64) o que corresponde a 39,01%.
Por seu turno, a Requerida obteve vencimento em € 587,750,88, o que corresponde a 60,99%.
Assim sendo, o Tribunal, vem, a requerimento da Requerente proceder à retificação da Decisão Arbitral, explicitando que:
Onde se lê:
“VII. Custas”
Nos termos do n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 13.464,00, nos termos da Tabela I anexa ao regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, repartidas em conformidade com o respetivo decaimento, na percentagem de 18,25% à Requerida e de 81,75% à Requerente.
Se deve ler:
“VII. Custas”
Nos termos do n.º 2 do artigo 12.º e do n.º 4 do artigo 22.º, ambos do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 13.464,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, repartidas em conformidade com o respectivo decaimento, na percentagem de 39, 01% à Requerida e de 60, 99% à Requerente.
Notifique-se.
(…)".
X
A decisão arbitral rectificativa do acórdão fundamento, proferida em 27/11/2014, no âmbito do processo nº.70/2014-T, tem o seguinte teor (cfr.fls.88 a 89-verso do processo físico):
"(…)
1. A Autoridade Tributária e Aduaneira, na sequência da notificação do acórdão de 03-09-2014, veio requerer, através de mensagem de correio electrónico enviada em 25-09-2014:
- o suprimento da nulidade, com todas as legais consequências, designadamente quanto ao valor do processo e às custas processuais; ou, caso assim não se entenda,
- a reforma da sentença quanto ao valor fixado ao processo e à imputação de custas; ou, caso assim não se entenda,
- a rectificação do valor do processo nos termos do artigo 249.º do Código Civil para € 846.590,42.

Por despacho de 07-10-2014, foi notificada a Autoridade Tributária e Aduaneira para:

– juntar ao processo, documento comprovativo de que procedeu a rectificação e, em caso afirmativo, relativamente a que montantes, das liquidações de juros compensatórios n.ºs nº 13000879, 13000881, 13000883, 13000885, 13000887, 13000889, 13000891, 13000893, 13000095 13000897 e 13000899 (período de 10/01 a 10/10 e 10/12);
– juntar documento comprovativo de a eventual rectificação das liquidações de juros compensatórios ocorreu dentro do prazo previsto no artigo 13.º n.º 1, do RJAT;
– juntar ao processo documento comprovativo de que a Autoridade Tributária e Aduaneira notificou o Senhor Presidente do CAAD, nos termos do artigo 13.º, n.º 1, do RJAT, de que rectificou alguma ou algumas ou todas as referidas liquidações de juros compensatórios.

Na sequência desta notificação, a Autoridade Tributária e Aduaneira veio juntar ao processo um documento relativo à situação processual de um processo com o n.º 3247201301083570 e cópia de uma mensagem de correio electrónico datada de 11-03-2014.
Constata-se no sistema informático que o acórdão de 03-09-2014, foi notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 10-09-2014 e que em 15-10-2014 esta entidade veio comunicar que interpôs recurso do acórdão referido.
A Requerente da arbitragem nada veio dizer.

2. No que concerne à nulidade invocada, a Autoridade Tributária e Aduaneira enquadra-se na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC que estabelece que ocorrer nulidade quando «o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».
No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira entende que foi mal fixado o valor do processo, por ter sido revogado parcialmente o acto cuja declaração de ilegalidade foi pedida.
Não se vislumbra como é que um hipotético erro deste tipo, de determinação do valor do processo, pode enquadrar-se na referida alínea d), a questão da determinação do valor do processo é, manifestamente, uma questão de que o Tribunal Arbitral devia conhecer, por força do disposto no artigo 306.º, n.º s 1 e 2 do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e, do RJAT.
Assim, não ocorre a nulidade invocada, pelo que se indefere a arguição.

3. Subsidiariamente, a Autoridade Tributária e Aduaneira pede a reforma da do acórdão, nos termos e para os efeitos no disposto no artigo 616.º do Código de Processo Civil ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, por discordância quanto ao valor fixado ao processo e à imputação de custas.
Entende a Autoridade Tributária e Aduaneira que «o valor do processo não pode contemplar a parte do acto já revogado e que não é objecto de processo, devendo fixar-se o valor do processo expurgado de toda a parte já revogada (liquidação de imposto e juros compensatórios), atendendo apenas ao valor passível de objecto de apreciação arbitral» e que «também, nenhum valor quanto à parte anulada há que deva ser imputado à Requerida a título de custas, porquanto não se verificou, nessa parte, qualquer decaimento da AT».
O artigo 616.º, n.º 1, do CPC admite a reforma das decisões judiciais quanto a custas.
No caso em apreço, a Autoridade Tributária e Aduaneira pretende a alteração do valor das custas como efeito de uma alteração do valor do processo.
Verifica-se que, a Autoridade Tributária e Aduaneira dentro do prazo de 30 dias previsto no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT, que se iniciou com a comunicação efectuada em 30-01-2014, revogou parcialmente os actos cuja declaração de ilegalidade foi pedida, sendo a revogação no valor de € 285.644,85, mas expressamente manteve os actos no valor de € 850.695,16, conforme notificação que efectuou inserida no sistema informático em 12-3-2014.
Só depois desse prazo de 30 dias ter expirado, em 18-03-2014, a Autoridade Tributária e Aduaneira veio a efectuar uma revogação adicional, que comunicou por email de 31-03-2014, revogação esta que foi elevada para € 289.749,59 a que acrescem juros compensatórios.
O prazo de 30 dias para revogação terminou em 13-03-2014, pelo que a revogação efectuada em 18-03-2014 foi efectuada para além do prazo.
Considerando, porém, que o Tribunal Arbitral só veio a ficar constituído em 31-03-2014, nos termos do artigo 11.º, n.º 8, do RJAT, que com a constituição é que ocorre o início do processo (artigo 15.º do RJAT), e que o valor da causa é fixado no momento em que a acção é proposta (artigo 299.º, n.º 1, do CPC), que será o do início do processo, entende-se que será de atender a referida revogação extemporânea, por, apesar disso, ser anterior ao início do processo.
Assim, deverá descontar-se ao valor do processo de € 1.136.340,01, indicado pela Requerente da arbitragem, além, do valor de € 289.749,59, também o valor de € 25.487,69 de juros compensatórios.
Por isso, defere-se o pedido de reforma quanto a custas e fixa-se o valor do processo em € 821.102,73 e as custas em € 11.628,00.
(…)".
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
A Autoridade Tributária e Aduaneira veio, ao abrigo do disposto no artº.25, nº.2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (na redacção introduzida pela Lei 119/2019, de 18/09, a aplicável ao caso dos autos)., o qual foi consagrado pelo dec.lei 10/2011, de 20/01 (RJAT), interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida pelo CAAD no âmbito do processo nº.214/2019-T (datado de 22/04/2020, o qual foi rectificado, no que diz respeito à responsabilidade pelo pagamento das custas e quantificação do respectivo montante, em correlação com o valor da causa no âmbito do mesmo processo, por despacho do Exº. Árbitro Presidente, lavrado no pretérito dia 18/05/2020), invocando contradição entre essa decisão e o acórdão arbitral (fundamento), proferido no âmbito do processo nº.70/2014-T, integrado pela decisão de rectificação exarada no pretérito dia 27/11/2014 e que correu termos no CAAD, já tendo transitado em julgado. A oposição alegada é respeitante à questão que consiste na determinação do valor da causa e na fixação da responsabilidade pelo pagamento das custas por parte dos intervenientes no processo arbitral.
Para tanto e em síntese, argumenta que a decisão arbitral recorrida sofre de erro de julgamento, porquanto decidiu, em contradição com o acórdão arbitral fundamento, no sentido de o valor da causa contemplar a parte do acto tributário entretanto já revogado pela A. Fiscal, o qual não constitui objecto do processo arbitral, mais não sendo passível de apreciação pelo Tribunal Arbitral. Em consequência de tal postulado, também a repartição da responsabilidade pelo pagamento das custas arbitrais padece de erro de julgamento, devendo ser alterada, posição em que é secundada pelo Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal.
Pelo contrário, a sociedade recorrida defende a legalidade e bondade da decisão arbitral recorrida, nenhum relevo tendo a revogação parcial por parte da entidade recorrente, porque efectuada já depois de ser admitido o pedido de constituição do Tribunal Arbitral.
X
O regime de interposição do recurso de decisão arbitral para o S.T.A., ao abrigo do artº.25, nºs.2 e 3, do R.J.A.T., difere do regime do recurso previsto no artº.152, do C.P.T.A., na medida em que aquele tem de ser apresentado no prazo de 30 dias contado da notificação da decisão arbitral, enquanto neste o prazo se conta do trânsito em julgado do acórdão recorrido, como decorre do referido artº.152, nº.1 (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 4/03/2020, rec.8/19.2BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 20/05/2020, rec.72/19.4BALSB; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.230; Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária anotado, Almedina, 2016, pág.484).
Já quanto ao acórdão fundamento, o recurso para uniformização de jurisprudência pressupõe o seu trânsito em julgado, como tem vindo a afirmar este Supremo Tribunal Administrativo, condição verificada no caso "sub judice".
Nos termos do citado artº.25, nºs.2 e 3, do R.J.A.T., normas que remetem, com as devidas adaptações, para o artº.152, do C.P.T.A., os requisitos de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, dirigido ao S.T.A. e visando decisão arbitral, são os seguintes:
1-Que a decisão arbitral se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral;
2-Que essa decisão arbitral esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo;
3-Que a orientação perfilhada pelo acórdão impugnado não esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do S.T.A.
No que ao segundo requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, é mester adoptar os critérios já firmados no domínio do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (E.T.A.F.) de 1984 e da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, para detectar a existência de uma contradição.
Estes critérios jurisprudenciais são:
a) haver identidade da questão de direito sobre que incidiram as decisões em oposição, que tem pressuposta a identidade das respectivas circunstâncias de facto;
b) a oposição deve emergir de decisões expressas, e não apenas implícitas;
c) não obsta ao reconhecimento da existência da contradição que os acórdãos sejam proferidos na vigência de diplomas legais diversos, se as normas aplicadas contiverem regulamentação essencialmente idêntica;
d) as normas diversamente aplicadas podem ser substantivas ou processuais;
e) em oposição ao acórdão recorrido podem ser invocados mais de um acórdão fundamento, desde que as questões sobre as quais existam soluções antagónicas sejam distintas (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 4/06/2014, rec.1447/13; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 25/02/2015, rec.964/14; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 4/03/2020, rec.8/19.2BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 20/05/2020, rec.72/19.4BALSB; Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 4ª. Edição, 2017, pág.1177 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.230 e seg.; Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária anotado, Almedina, 2016, pág.488 e seg.).
No caso concreto, desde logo, se não verifica que a decisão arbitral objecto do presente recurso (supra identificada) se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida pela sociedade ora recorrida e tenha posto termo ao processo arbitral, tudo como estatui o citado artº.25, nº.2, do R.J.A.T. (a necessidade de estarmos perante decisão arbitral de mérito e que ponha termo ao processo, já o legislador não prevê no mecanismo de impugnação das decisões arbitrais consagrado no artº.27, do R.J.A.T.). (cfr. Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária anotado, Almedina, 2016, pág.482; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.207).
Esta opção legislativa de restringir a possibilidade de recurso relativamente às decisões que conheçam do mérito da pretensão deduzida e ponham termo ao processo, resulta inequívoca da letra da lei, a qual constitui o princípio e o limite da tarefa hermenêutica que incumbe ao seu aplicador, nos termos do artº.9, nº.2, do C.Civil (cfr.artº.25, nº.2, do R.J.A.T.).
Concretizando, a decisão arbitral recorrida é meramente rectificativa de anterior acórdão arbitral, estruturando novo cálculo da percentagem de decaimento das partes no que à responsabilidade pelo pagamento das custas diz respeito, apesar de manter o valor da causa anteriormente fixado, tudo ao abrigo dos artºs.12, nº.2, e 22, nº.4, ambos do R.J.A.T. (cfr. probatório supra), assim não consubstanciando uma decisão que se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e posto termo ao processo arbitral.
Mais se deve relevar que a jurisprudência deste Tribunal é uniforme no sentido acabado de veicular (cfr.v.g.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 2/12/2015, rec.180/15; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 4/11/2020, rec.14/19.7BALSB).
Concluindo, não se mostram reunidos os requisitos do recurso para uniformização de jurisprudência previsto no artº.25, nº.2, do R.J.A.T., e no artº.152, do C.P.T.A., desde logo, porque não pode afirmar-se ter a decisão arbitral recorrida se pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e posto termo ao processo arbitral.
Não se verificam, portanto, os pressupostos de que depende a admissão do salvatério, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DO PLENO DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DESTE SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM REJEITAR O PRESENTE RECURSO.
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Condena-se o recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
Comunique ao CAAD.
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Lisboa, 22 de Setembro de 2021


Joaquim Manuel Charneca Condesso (Relator)

O Relator atesta, nos termos do artº.15-A, do Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de Março, o voto de conformidade dos Exº.mos Senhores Conselheiros Adjuntos: Isabel Cristina Mota Marques da Silva; Francisco António Pedrosa de Areal Rothes; Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia; José Gomes Correia; Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos; Aníbal Augusto Ruivo Ferraz; Gustavo André Simões Lopes Courinha; Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro; Pedro Nuno Pinto Vergueiro; Anabela Ferreira Alves e Russo.
Joaquim Manuel Charneca Condesso