Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0425/14.4BECBR
Data do Acordão:02/07/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:REVISÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL
MÉTODOS INDIRECTOS
IVA
NOTIFICAÇÃO
Sumário:I - A notificação do contribuinte, prevista no artigo 88.º, al. a) da Lei Geral Tributária impõe-se em todas as situações de inexistência de documentos, incluindo os de suporte à contabilidade cuja credibilidade se põe em causa.
II - Tendo a Administração Tributária recorrido a métodos indirectos para determinação da matéria tributável sem realizar essa notificação, há que concluir que foi preterida no procedimento inspectivo formalidade legal que inquina a validade do mesmo e se projecta nas liquidações impugnadas, as quais, em conformidade, devem ser anuladas.
Nº Convencional:JSTA000P31889
Nº do Documento:SA2202402070425/14
Recorrente:A..., LDA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO

1. RELATÓRIO

1.1. “A... Lda.”, interpôs recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou improcedente a Impugnação Judicial por si deduzida contra os actos de liquidação de IVA do ano de 2011 e respectivos juros compensatórios, no montante global de €13.109,77.

1.2. Com a interposição do recurso foram apresentadas alegações e formuladas as seguintes conclusões:

«i) A fundamentação é consubstanciada pelo discurso verbalizado pela administração como suporte constituinte da decisão administrativa. Nesta perspectiva, estamos perante uma externação formal das razões de facto e de direito que hão-de ser contemporâneas ou coetâneas da decisão administrativa e constituintes da mesma, não podendo considerar-se como legítimas todas aquelas que, ainda que porventura, com um propósito integrador do sentido da sua anterior declaração, apenas sejam produzidas e invocadas posteriormente.

ii) Deste modo, é forçoso reconhecer que, em todo o caso, para estarmos em face de um discurso normativo-racionalmente justificativo, este não poderá deixar de expressar, no mínimo exigível, os factos apreendidos, o modo como foi efectuada essa prognose, os critérios adoptados e as valorações efectuadas, devendo ser apenas tido como suficiente naqueles casos onde se revele uma sustentada aptidão comunicativa ou compreensividade para revelar inteiramente o juízo do autor do acto administrativo, de modo que possa permitir ao seu destinatário e ao tribunal o controlo da sua validade substancial, aceitando-o, reclamando, recorrendo hierarquicamente ou sindicando-o contenciosamente.

iii) O discurso da sentença sobre esta matéria não passa de ser um discurso de fundamentação jurisdicional meramente conjectural, pois o critério indicado não refere quais são os seus factores relevantes e qual a sua ponderação. Ora, não está o contribuinte obrigado legalmente a conhecer os termos do critério, os seus factores constitutivos ou relevantes e respectiva ponderação que constam da base de dados da DGCI.

iv) Cabia à AT expressar os parâmetros ou elementos do critério que constam da referida base de dados e fundamentar a idoneidade ou adequação da aplicação dos mesmos na situação concreta, bem como efectuar a ponderação dos factores concretos da avaliação tidos em conta.

v) Ora, a sentença recorrida entendeu não caber no dever de fundamentação da decisão de quantificação esses aspectos, chegando ao ponto de afirmar, suprindo a deficiência do discurso fundamentador da AT, que o tal rácio resulta “das declarações Mod. 22 de IRC dos sujeitos passivos que exercem a mesma actividade que a ora Impugnante e que têm o seu domicílio fiscal na mesma área territorial, rácio esse para o qual igualmente contribuiu a declaração fiscal entregue pela Impugnante por referência ao exercício de 2011”, ficando-se sem saber, por exemplo, se se tratam de empresas inspeccionadas ou não.

vi) Aliás é curiosa, esta posição, quando a AT no âmbito do Processo n.º 06854/13 do TCAS a propósito destes mesmos rácios deixou consagrado: “Como está bem de ver, e como realça a Fazenda Pública na contestação apresentada, “as diferenças de margens, a existirem, praticadas por diferentes sujeitos passivos, no mesmo sector de actividade, obtidas a partir de valores reais, têm que ser analisadas em consonância com todos os factores que nelas influem. As empresas não são todas iguais, não se comportam todas da mesma maneira e, o contexto onde se inserem, não obedece a requisitos padrão que as coloca em iguais circunstâncias, pelo que as margens que praticam não têm necessariamente que ser iguais”.

vii) Assim sendo, não está o contribuinte na posição de saber em que medida é que existe justaposição aos factores abstractos do critério dos factores concretos do caso, e determinar-se pela sua aceitação ou pela sua contestação, através dos meios graciosos e contenciosos.

viii) “Esta questão atinente à interpretação do disposto na convocada al. a) do art. 88º da LGT (saber se apenas estão abrangidas as irregularidades na organização ou execução da contabilidade ou, também, as restantes situações ali enunciadas) foi já expressamente apreciada no acórdão desta Secção do STA, proferido em 03/12/2014, no proc. nº 01262/13, onde se concluiu que «[e]mbora a letra da alínea a) do artigo 88º da LGT não seja inequívoca, pois tanto permite sustentar que a condição nela ínsita - “quando não supridas no prazo legal” – se aplica a todas as situações nela previstas (assim, ANTÓNIO LIMA GUERREIRO, Lei Geral Tributária Anotada, Rei dos Livros, 2000, pp. 371/372 – nota 3 ao art. 88º da LGT), como apenas às situações de falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução (como parecem entender DIOGO LEITE DE CAMPOS/BENJAMIM SILVA RODRIGUES/JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4ª ed., 2012, p. 765 – nota 2 ao art. 88º da LGT), a interpretação acolhida na sentença recorrida - a mais abrangente -, é a que melhor se ajusta à natureza subsidiária, de ultima ratio, da avaliação indireta (artigo 87º, nº 1 da LGT), atento a que o legislador prevê expressamente a notificação para regularização da situação tanto nas situações de inexistência de escrita como nas de atraso na execução desta e em ambos os casos “independentemente do procedimento para a aplicação da coima prevista nos números anteriores” (cfr. os artigos 120º nº 2 e 121º, nº 2 do RGIT) – Acórdão do STA de 13.9.2017, Processo n.º 1316/16.

ix) A possibilidade de o contribuinte suprir as deficiências da escrita, após notificação, evitando a utilização de métodos indiretos, decorre, no âmbito do IRC do artigo 57º do CIRC, que remete para os artigos 87.º (e, por conseguinte, para o artigo 88.º) e 89.º da LGT.

x) A tal possibilidade se referem, igualmente, os artigos 120º e 121º do RGIT, evidenciando-se «a preocupação do legislador em reservar a avaliação indireta para aquelas situações irremediáveis em que já não é possível, como base na contabilidade ou nos elementos dos contribuintes, determinar o valor tributável real por avaliação direta» (LGT Comentada e anotada, Almedina, 2015, [José Maria Fernandes Pires (Coordenador), Gonçalo Bulcão, José Ramos Vidal e Maria João Menezes], Comentário nº 4 ao art. 88º, pp. 911 e 912.).

xi) E, no caso, tendo a ATA procedido à correção, por métodos indiretos, da matéria tributável da impugnante, ao abrigo do disposto na al. b) do artigo 87° e da al. a) do artigo 88°, ambos da LGT, impunha-se a prévia notificação daquela para suprir a irregularidade.

xii) Impõe-se, pois, concluir que, não tendo a ATA notificado a Impugnante para suprir as irregularidades detetadas, o procedimento de determinação da matéria coletável com recurso a métodos indiciários fica necessariamente inquinado, com vício que se transmite às liquidações que tiveram na sua base a matéria coletável assim fixada.
xiii) Não se aceita que a inexistência de uma norma em concreto para o IVA, possa afastara notificação em causa, resultando aquele da aplicação de uma taxa à base tributável apurada para efeitos de IRC, acrescendo que entendimento diverso colocaria em causa o princípio da unidade do sistema jurídico que é factor decisivo na interpretação e aplicação da lei -arts. 9º e 10ºdo Cód. Civil-, imposto, até e desde logo, pela própria coerência valorativa ou axiológico da ordem jurídica.
xiv) Por outro lado, na aplicação da legalidade, tanto pela Administração como pelos tribunais, não pode ser encarada isoladamente cada norma que enquadra uma determinada actuação da Administração, antes terá de se atender à globalidade do sistema jurídico, como impõe o princípio da unidade do sistema jurídico, que é o elemento primacial da interpretação jurídica (art. 9.º, n.º 1, do CC).
xv) Ao afirmar não haver qualquer interesse a concessão de prazo para regularização da contabilidade e que a notificação não seria apta a viabilizar no caso concreto, de modo evidente, o apuramento da matéria tributável por via directa, a sentença recorrida incorreu num grave vício de presciência sobre o valor do resultado que essa notificação poderia aportar.
xvi) Tratando-se de uma notificação administrativa para o contribuinte praticar determinados actos ou apresentar determinados documentos, sob pena de se abrir um procedimento de avaliação indirecta, tal notificação ao contribuinte constitui o primeiro acto do procedimento administrativo que autoriza a abertura do procedimento próprio da avaliação indirecta.
xvii) Toda a actividade subsequente da investigação administrativa tem de partir da posição tomada pelo contribuinte. A atitude tomada pelo contribuinte durante a inspecção ou até no pedido de revisão não têm o escopo ou fim legal da primeira notificação que é a de fazer as declarações que entender e podem até gozar de presunção de veracidade. Aqui é à administração que cabe negar ou aceitar o declarado pelo contribuinte e os documentos que o mesmo apresente.
xviii) Normas jurídicas violadas: 77º, 88º e 90º da LGT; 9º e 10º do CC.
1.3. A Recorrida não apresentou contra-alegações.

1.4. Admitido o recurso e remetidos os autos a este Supremo Tribunal Administrativo, foram os mesmos com vista ao Excelentíssimo Procurador-Geral-Adjunto que emitiu parecer perfilhando o entendimento de que a possibilidade de suprimento, no prazo legal, contemplada na al. a) do artigo 88º da LGT, se impõe em todas as situações ali previstas, e não apenas nas situações de falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução, pelo que, a sentença, que assim o não entendeu, padece de erro de julgamento de direito, devendo, em conformidade, ser revogada.

1.5. Colhidos os vistos dos Excelentíssimos Juízes Conselheiros Adjuntos, submetem-se agora os autos à Conferência para julgamento.

2. OBJECTO DO RECURSO

2.1 Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva oficiosamente conhecer, o âmbito de intervenção do tribunal de recurso é determinado pelo teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)].

Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, numa vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte da decisão de mérito proferida quanto a questões por si suscitadas, desta forma impedindo que essas questões voltem a ser reapreciadas pelo Tribunal de recurso (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC). Numa vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas situações de recurso directo para o Supremo Tribunal Administrativo, como é o caso, constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida nos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

2.2. No caso concreto, face à delimitação que a Recorrente faz nas suas alegações de recurso, são duas as questões que nos são colocadas: (i) saber se há, como defende a Recorrente, no caso, falta de fundamentação do critério de quantificação adoptado pela Administração Tributária; (ii) saber se a notificação prevista no artigo 88.º, al. a), da Lei Geral Tributária (LGT) é exigível nas situações como a dos autos e, em caso afirmativo, quais as consequências da sua omissão por parte da Administração Tributária.

3. FUNDAMENTAÇÃO

3.1. Fundamentação de facto

Do julgamento vertido na sentença recorrida constam os seguintes factos provados:

1. Em cumprimento da ordem de serviço n.º ..., emitida em .../.../2013, foi a ora Impugnante sujeita a procedimento de inspecção externa, de âmbito parcial, em sede de IRC e IVA, quanto ao ano de 2011, pelos Serviços de Inspecção Tributária afectos à Direcção de Finanças de Coimbra;

Cfr. ordem de serviço a fls. 1 do processo administrativo tributário (PAT) em apenso.

2. Após notificação à ora Impugnante do projecto de correcções, para efeitos de exercício do direito de audição prévia, e não tendo sido exercido tal direito, foi elaborado Relatório Final de Inspecção, em que se propunham correcções com recurso a métodos indirectos em sede de IRC e de IVA, nos valores de €53.400,00 e €12.282,00, respectivamente, e que mereceu a concordância do Chefe da Divisão de Inspecção Tributária II, por despacho de 23.10.2013, no exercício de poderes delegados pelo Director de Finanças de Coimbra;

Cfr. projecto de relatório, ofício de notificação e relatório final de inspecção (RFI), a fls. 6-22, 23 e 24 e ss., respectivamente, do PAT em apenso.

3. Sendo que em tal Relatório Final de Inspecção consta, além do mais, o seguinte:

«I.-1. DESCRIÇÃO SUCINTA DAS CONCLUSÕES DA ACÇÃO DE INSPECÇÃO

I. — 1.1. Correcções com Recurso a Métodos Indirectos (IVA e IRC)

Em resultado da acção de inspecção, concluiu-se pela existência de faltas, omissões e inexactidões, que dão lugar às seguintes correcções com recurso a métodos indirectos:

Exercício Fiscal de 2011

Vendas presumidas que dão lugar a IVA liquidado presumido no montante de 12.282,00€, adstritos ao período 11 12T;

Propõe-se a fixação de Matéria Colectável no montante de 0€, com base no seguinte quadro:

Matéria Colectável
Montante
Declarada - 58245,46 €
2 Correcção c/ recurso a Mét. Indirectos (Cap. v - ponto 2.) 53.400,00 €
3 Corrigida (1+2) - 4 845,46 €
4 A fixar (por força do n°2 do artigo 47° do CIRC) 0,00€

(…)

II - 3. Outras situações Enquadramento e caracterização do sujeito passivo e da actividade desenvolvida.

II - 3.1. Objecto Social — Actividade Exercida

O sujeito passivo iniciou a sua actividade em 2002.10.01, tendo-se enquadrado no CAE 023703 Fabricação de artigos de granito e de rochas, n.e.

(...)

II 3.3. Comportamento Fiscal

O sujeito passivo evidencia prejuízos fiscais sucessivos, manifestando, com especial incidência no exercício fiscal de 2011, uma rentabilidade fiscal das vendas inferior à média do sector. A este respeito vide quadro comparativo que seguidamente se apresenta:

[IMAGEM]

(…)

CAPÍTULO IV - MOTIVOS E EXPOSIÇÕES DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS.

IV. 1. Fundamentação da aplicação de métodos indirectos

Dispõe o artigo 88° da Lei Geral Tributária, que a "impossibilidade de comprovação e quantificação directa da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indirectos, resulta de anomalias e incorrecções que inviabilizam o apuramento da matéria tributável, entre os quais a inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade. Pelo que importará, no caso em concreto, circunstanciar os factos que presidem à insuficiência de elementos que permitam um correcto apuramento da matéria colectável.

IV. 1.1. Incongruências na classificação e relevo contabilístico de documentos

O sujeito passivo procedeu, no decurso do exercício fiscal de 2011, à contabilização de um conjunto de depósitos na conta à ordem n° ...79, domiciliada na Banco 1... balcão de ..., por contrapartida da conta ...01 — Suprimentos — AA.

Analisada a substância material dos documentos que constituem base de suporte à contabilização dos referidos depósitos, constata-se a presença de 10 (dez) cheques emitidos por entidades terceiras, sem qualquer relação societária com a firma A..., Lda (a este respeito vide quadro relevado em Anexo II ao presente Relatório de Inspecção).

Analisados os documentos, verifica-se que a contabilização inicialmente prevista seria o débito da conta de depósitos à ordem supra referida (12103) por contrapartida da conta caixa (111), situação que não se veio a consumar no relevo contabilístico final (vide fotocópia de depósitos bancários relevados no Anexo III ao presente Relatório de Inspecção).

Analisadas as identificações das entidades terceiras, verifica-se que as mesmas assumiram no exercício fiscal de 2011, relação comerciais com a firma A..., Lda, na qualidade de clientes.

As incongruências na classificação e relevo contabilístico dos documentos supra identificados constituem infracção ao preceituado pelo n° 3 do artigo 17° do CIRC, pondo em causa uma imagem verdadeira e apropriada das demonstrações financeiras apresentadas e declaradas pelo sujeito passivo.

IV. 1.2. Incongruências manifestadas no saldo contabilístico de conta de disponibilidades

Analisados os extractos bancários da conta à ordem n° ...79, domiciliada na Banco 1... balcão de ..., constatou-se que à data de 31.12.2011, o saldo apresentava o valor de 9.102,77 €, quando na contabilidade apresentada pelo sujeito passivo a importância que se encontra espelhada assume o montante de 3.150,90 € (vide Anexo I ao presente Relatório de Inspecção).

A incongruência supra identificada constitui infracção ao preceituado pelo n° 3 do artigo 17° do CIRC, pondo em causa uma imagem verdadeira e apropriada das demonstrações financeiras apresentadas e declaradas pelo sujeito passivo.

IV. 1.3. Incongruências detectadas no decurso dos testes de corte efectuados às matérias-primas adquiridas, em inventário e consumos facturados

Para efeitos da realização do teste de corte às quantidades de matérias-primas e produtos adquiridos, em inventário e consumidos (consumos facturados) foi efectuado o levantamento exaustivo das quantidades de matérias primas e produtos comprados pelo sujeito passivo no decurso do exercício fiscal de 2011, conforme melhor consta da relação apresentada no Anexo IV ao presente Relatório de Inspecção.

Foi igualmente efectuado o levantamento exaustivo das quantidades de matérias-primas e produtos consumidos que se encontram incluídas na facturação emitida pelo sujeito passivo no decurso do exercício fiscal de 2011, conforme melhor consta da relação relevada no Anexo V ao presente Relatório de Inspecção.

Foram recolhidos os inventários finais de matérias-primas às datas de 31.12.2010 e 31.12.2011, tendo-se analisado as quantidades e referências de matérias-primas neles elencados (vide em Anexo VI ao presente Relatório de Inspecção, fotocópia dos referidos inventários).

Da análise efectuada às compras do período, verificou-se que existe um conjunto de produtos adquiridos que, não foram facturados nem se encontram relevados no inventário final reportado a 31.12.2011, a saber:

[IMAGEM]

Da análise efectuada aos inventários, verificou-se a existência de um conjunto de produtos constantes do inventário inicial do exercício (31.12.2010) que não foram facturados nem se encontram relevados no inventário final reportado a 31.12.2011, a saber:

[IMAGEM]

Da análise efectuada aos inventários, verificou-se a existência de um conjunto de produtos constantes do inventário final (31.12.2011) que não foram objecto de registo nas compras do exercício nem se encontram relevados no inventário inicial reportado a 31.12.2010, a saber:

[IMAGEM]

No decorrer da análise efectuada aos elementos de facturação e aos produtos e matérias primas compradas e em inventário inicial que se encontram omissos (não constam em inventário final), constata-se que existem unicamente cinco campas susceptíveis de terem sido objecto da sua incorporação, subsistindo também, apenas oitenta letras facturadas.

[IMAGEM]

A evidência supra corrobora e é demonstrativa da existência de omissão de vendas de produtos, na medida em que, existem compras e existências que não surgem no inventário final reportado a 31.12.2011, não constando da facturação como vendidas.

IV. 1.4. Indícios fundados de omissões de vendas

No decurso da análise efectuada aos elementos contabilísticos apresentados pelo sujeito passivo, foram detectados indícios fundados de omissões de vendas, os quais se descrevem nos pontos que se seguem:

IV. 1.4.1. Pagamentos de Clientes depositados nas contas da firma A..., Lda, sem a emissão do respectivo documento de venda

O sujeito passivo procedeu, no decurso do exercício fiscal de 2011, à contabilização de um conjunto de depósitos na conta à ordem n° ...79, domiciliada na Banco 1... balcão de ..., por contrapartida da conta ...01 Suprimentos AA.

Analisada a substância material dos documentos que constituem base de suporte à contabilização dos referidos depósitos, constata-se a presença de 10 (dez) cheques emitidos por entidades terceiras, sem qualquer relação societária com a firma A..., Lda (a este respeito vide quadro relevado em Anexo II ao presente Relatório de Inspecção).

Analisadas as identificações das entidades terceiras, verifica-se que as mesmas assumiram no exercício fiscal de 2011, relação comerciais com a firma A..., Lda, na qualidade de clientes, constatando-se que relativamente a seis das entidades não se encontram facturados os valores recebidos (a este respeito vide as "observações" relevadas na última coluna do quadro relevado em Anexo II ao presente Relatório de Inspecção).

A respeito da análise supra, importa ressalvar que o sujeito passivo não evidencia na sua contabilidade quaisquer obras ou trabalhos em curso, transitadas do exercício fiscal de 2010, ou transitadas para o exercício fiscal de 2011.

IV. 1.4.2. Incongruências detectadas nos testes de corte efectuados às guias de remessa e facturas/vendas a dinheiro emitidas pelo sujeito passivo A..., Lda

No decorrer dos testes de corte efectuados às guias de remessa e facturas/vendas a dinheiro emitidas pelo sujeito passivo A..., Lda no decurso do exercício fiscal de 2011, foram detectadas 8 (oito) guias de remessa (n° ...7, ...9, ...0, ...1, ...3, ...4, ...68 e ...79), cujo teor não foi susceptível de fazer corresponder com as facturas emitidas nesse período.

Confrontado o sujeito passivo, com esses factos, a sua Gerência veio referir que:

A) A guia de remessa n°...7, emitida em .../.../2011, deu lugar à emissão da factura n°...3, com a mesma data;

B) As guias de remessa n°s ...9, ...0, ...1, emitidas em 2011/…/…, e a guia de remessa n°...3, emitida em .../.../2011, deram lugar à emissão da factura n°...2, com data de 2011.04.21;

C) A guia de remessa n°...4, emitida em .../.../2011, deu lugar à emissão da Venda a Dinheiro n°31, com data de 2011.06.17;

D) As guias de remessa n°s ...68 e ...79, emitidas em 2011/…/… e 2011/…/…, respectivamente, deram lugar à emissão da factura n°...50, com data de 2011.12.18.

Analisadas as correspondências apresentadas pelo sujeito passivo, constou-se a presença das seguintes incongruências (vide Anexo VII ao presente Relatório):

A) Na guia de remessa n°...7, emitida em .../.../2011, o cliente encontra-se identificado pelo nome BB, NIF: ...34, com morada em ... Avenue ... ..., ..., enquanto na factura n°...3, surge a identificação "consumidor final", com local de descarga em Rua ... .... Por outro lado, os produtos elencados na guia de remessa em nada coincidem com os enumerados na factura n°...3;

B) Nas guias de remessa n°s ...9, ...0, ...1, emitidas em 2011.04.15, e a guia de remessa n°...3, emitida em .../.../2011, o cliente encontra-se identificado pelo nome CC, enquanto na factura n°...2, surge a identificação "consumidor final", com local de descarga na Rua ... ..., .... Por outro lado, os produtos elencados nas guias de remessa em nada coincidem com os enumerados na factura. Acresce referir que a guia de remessa n°...3, foi emitida em data posterior à data da emissão da factura n°...2;

C) Na guia de remessa n°...4, emitida em .../.../2011, o cliente encontra-se identificado pelo nome DD, enquanto na Venda a Dinheiro n° 31, surge a identificação "consumidor final", com local de descarga na Rua ..., .... Por outro lado, apenas um, de um total de onze produtos elencados na referida guia, se encontra relevado na Venda a Dinheiro emitida;

D) Nas guias de remessa n°s ...68 e ...79, emitidas em 2011/…/… e 2011/…/…, respectivamente, o cliente encontra-se identificado pelo nome B..., Unipessoal, Lda, enquanto na factura n° ...50, surge a identificação "EE", com local de descarga na Rua ..., .... Por outro lado, existe uma elevada quantidade de produtos que não coincidem com os elencados na factura e nas guias emitidas.

Face às evidências, conclui-se que as correspondências oferecidas pela Gerência não são susceptíveis de serem consideradas válidas, constituindo um indício de omissão de vendas.

A respeito dos testes de corte supra referidos, importa mais uma vez ressalvar que o sujeito passivo não evidencia na sua contabilidade quaisquer obras ou trabalhos em curso, transitadas do exercício fiscal de 2010, ou transitadas para o exercício fiscal de 2011.

IV. 2. Em resumo

Face aos factos supra referidos, o sujeito passivo evidencia no exercício fiscal de 2011, fortes e continuados indícios de omissão de vendas de produtos fabricados, circunstâncias que, colocando em causa a imagem verdadeira e apropriada das demonstrações financeiras apresentadas se solidifica em:

• Incongruências na classificação e relevo contabilístico de documentos;

• Incongruências manifestadas no saldo contabilístico de conta de disponibilidades;

• Incongruências detectadas no decurso dos testes de corte efectuados às matérias-primas adquiridas e correspondentes consumos facturados;

• Indícios fundados de omissões de vendas.

Concluindo-se por esta via, que o sujeito passivo não dispõe de uma contabilidade que possibilite à Administração Fiscal o apuramento, o controlo e a fiscalização clara e inequívoca do IVA e do IRC, tal como se encontra definido na alínea g) do n° 1 do artigo 29°, e no artigo 44°, todos do CIVA e nos termos e para os efeitos do n°3 do artigo 17° e do n°1 e 3 do artigo 115°, ambos do CIRC.

Deste modo, a determinação da matéria colectável em sede de IRC e o apuramento do IVA, reportado ao exercício fiscal de 2011, irá efectuar-se com o recurso à aplicação de métodos indirectos em resultado do seu enquadramento no disposto da alínea b) do artigo 87° da Lei Geral Tributária, ou seja, "Impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria colectável".

CAPÍTULO V - CRITÉRIOS E CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRECTOS

V. —1. Critérios de quantificação

Dada a impossibilidade de comprovação directa e exacta da matéria colectável, a sua determinação far-se-á por aplicação de métodos indirectos, tendo em consideração os critérios definidos nos termos das alíneas a) e h) do artigo 90.º da Lei Geral Tributária.

O critério de quantificação das omissões efectuado com recurso a métodos indirectos processa-se, pois, da seguinte forma:

• Determinação da Rentabilidade Fiscal das Vendas declarada pelo sujeito passivo;

• Apuramento do Resultado Fiscal Corrigido e das Vendas Omissas, tendo em consideração a média da Rentabilidade Fiscal das Vendas para a Unidade Orgânica (DF1 de Coimbra) a que pertence o sujeito passivo (vide em Anexo VIII, print com rácios recolhido do sistema informático MGIT);

• Ao valor de Vendas Omisso será imputada a taxa normal de IVA obtendo-se por esta via o IVA liquidado presumido a imputar no último mês do exercício fiscal em discussão.

V. 2. Quantificação da Matéria Colectável e do IVA Liquidado Presumido

A quantificação das omissões efectuada com recurso a métodos indirectos processa-se com base nos seguintes dois quadros de apoio:

[IMAGEM]

(…)

V. — 4. Quadros Resumo do IVA corrigido

Para efeitos do preenchimento do respectivo documento de correcção em sede de IVA apresenta-se o seguinte quadro:

[IMAGEM]

(…)»;

Cfr. doc. de fls. 24 e ss. do PAT em apenso - Relatório Final de Inspecção (RFI).

4. Em 27.11.2013 a ora Impugnante enviou por carta registada dirigida à Direcção de Finanças de Coimbra pedido de revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos na sequência do visado procedimento inspectivo, não tendo sido possível acordo entre as respectivas peritas;

Cfr. requerimento a fls. 73 e ss. do PAT em apenso e acta n.° ...22... a fls. 99-102 do PAT em apenso.

5. Em 04.02.2014 a Directora de Finanças Adjunta de Coimbra, no uso de poderes delegados pelo Director de Finanças de Coimbra, lavrou o despacho de fixação da matéria tributável da ora Impugnante referente ao IRC e ao IVA do exercício de 2011, no qual se pode ler, entre o mais, o seguinte:

«(...) Assim, compete-nos decidir, após apreciação das posições tomadas pelos peritos da administração tributária e do contribuinte.

As informações prestadas no relatório da inspeção tributária nomeadamente no capítulo IV, de folhas 3 a 9, e respetivos anexos, que nos termos do n.° 1 do art. 76° da LGT, "fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objectivos" - que é o caso presente - descrevem e demonstram a existência de deficiências na contabilidade do sujeito passivo que inviabilizam a comprovação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável, não tendo o sujeito passivo declarado todos os resultados efetivamente obtidos, concluindo a inspeção tributária, a folhas 9 do relatório "que o sujeito passivo não dispõe de uma contabilidade que possibilite à Administração Fiscal o apuramento, o controlo e a fiscalização clara e inequívoca do IVA e do IRC, tal como se encontra definido na alínea g) do n°1 do artigo 29°, e no artigo 44°, todos do CIVA e nos termos e para os efeitos do n°3 do artigo 17° e do n°1 e 3 do artigo 115°, ambos do CIRC. Nomeadamente, foram verificadas na contabilidade do sujeito passivo:

- Incongruências na classificação e relevo contabilístico de documentos (ponto IV.1.1 a folhas 3 e 4 do relatório);

- Incongruências manifestadas no saldo contabilístico de conta de disponibilidades (ponto IV.1.2 a folhas 4 do relatório);

- Incongruências detetadas no decurso dos testes de corte efetuados às matérias-primas adquiridas e correspondentes consumos faturados (ponto IV.1.3 de folhas 4 a 6 do relatório); - Indícios fundados de omissões de vendas (ponto IV.1.4 de folhas 6 a 8 do relatório).

Devido a estas irregularidades e anomalias, enumeradas ao longo do relatório e provadas nos respetivos anexos, confirma-se que a contabilidade da empresa não revelou todas as operações realizadas e os resultados efetivamente alcançados, nos exercícios inspecionados, nem reflete a sua real situação patrimonial, de harmonia com o art. 29.° do Código Comercial, impossibilitando a comprovação e a quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à determinação da matéria coletável bem como do imposto em falta estando assim reunidos os pressupostos legais para determinação da matéria tributável com recurso a métodos indiretos de acordo com o estipulado pela al. b) do n.° 1 do art. 87.° e al. a) do art. 88.°, ambos da LGT.

Quanto aos critérios utilizados pela inspeção tributária para a determinação da matéria coletável por métodos indiretos, tal como se encontra espelhado ao longo do capítulo V do relatório, e é afirmado a folhas 10 do mesmo, para o apuramento da matéria tributável foram utilizados os critérios estipulados nas al.s a) e h) do n° 1 do art. 90.° da LGT.

Em devido tempo foi o contribuinte notificado do Projeto de Relatório de Inspeção Tributária, não tendo exercido o direito de audição previsto no art. 60.° da LGT e art. 60.° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT), como se encontra informado no capitulo IX do relatório, a folhas 13.

Justificada a determinação da matéria tributária por métodos indiretos, cabe, por sua vez, ao contribuinte, o ónus da prova do excesso na respetiva quantificação, de acordo com o disposto no n.° 3 do art. 74.° da LGT.

Contudo, tal não se apresenta conseguido, pois os factos descritos no relatório, não foram rebatidos nem justificados, ao longo do procedimento de revisão, pelo contribuinte no pedido de revisão, nem pelo seu perito no debate contraditório, tal como se confirma na Ata n.° ...22....

Efetivamente, no debate contraditório, reduzido a escrito na Ata n°. ...22..., encontram-se expostos, em 7 pontos, a folhas 1 e 2 da referida ata, os argumentos apresentados pelo perito do contribuinte.

No entanto, o perito da administração tributária, de folhas 4 a 6 da ata, refutou convenientemente a posição do perito do sujeito passivo, tendo confirmado que se encontra devidamente fundamentado o recurso à aplicação de métodos indiretos, nomeadamente, defende que no "que concerne aos argumentos produzidos no pontos 6, entende o perito da Administração Tributária, que os mesmos não são válidos, uma vez que a insuficiência de elementos na contabilidade do sujeito passivo, encontra-se devidamente demonstrada no ponto IV do relatório. São disso exemplo: a existência de um conjunto de produtos constantes do inventário inicial do exercício (31.12.2010) que não foram faturados nem se encontram relevados no inventário final reportado a 31.12.2011; o facto de um conjunto de produtos constantes do inventário final (31.12.2011), que não foram objeto de registo nas compras do exercício, nem se encontram relevados no inventário inicial reportado; a omissão de vendas de produtos, na medida em que, existem compras e existências que não surgem no inventário final reportado a 31.12.2011, não constando da faturação como vendidas." (folhas 3 da ata).

Assim, encontra-se devidamente provado ao longo do capítulo IV do relatório e confirmado pelo perito da administração na ata, a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável, tendo-se verificado que, a partir dos elementos disponibilizados pelo sujeito passivo se vislumbraram factos através dos quais se concluiu pela insuficiência de elementos de contabilidade, fundamentos estes elencados na al. b) do n° 1 do art. 87.°, e al. a) do art. 88.° ambos da LGT.

Pelo que se encontra sobejamente demonstrado, quer ao longo do relatório e respetivos anexo quer na posição defendida pelo perito da administração fiscal, na Ata ...22..., a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável, competindo ao perito do sujeito passivo, demonstrar o exagero da quantificação da matéria tributável no relatório de inspeção, se fosse o caso, conforme obriga o n.° 3 do art. 74.° da LGT, contudo, tal não se apresenta conseguido. Ficando evidente, pela ata do procedimento de revisão, que o perito do contribuinte não contestou os factos provados no relatório nem trouxe ao debate contraditório dados que pusessem em causa as bases com que foi calculada a matéria tributável e o imposto em falta, no sentido de os retificar de alguma incorreção, ou apresentar outra proposta alternativa credível à que foi utilizada no relatório, desperdiçando-se assim o fórum próprio para o aperfeiçoamento da quantificação dos impostos em causa, que é o debate contraditório entre os dois peritos (do contribuinte e da administração tributária).

Do exposto se conclui que não foi apresentada a contabilidade devidamente organizada, nem foram trazidos ao presente processo elementos que permitissem pôr em dúvida fundada os montantes apurados pela inspeção tributária, sendo que a possível incerteza da quantificação da matéria tributável mais não é do que a normal consequência do próprio método presuntivo ou indiciário desta quantificação, que lhe é inerente, surgindo como única forma de apuramento da matéria tributável, que, por responsabilidade do contribuinte, não foi apurada através da forma normal, que é a sua escrita comercial, mercê das deficiências que apresenta. A inspeção tributária apurou os valores que considera reais [Conforme refere Xavier de Basto "Estamos,' porém, sempre dentro da tributação do rendimento real, que nestes casos, não pode ser o rendimento real efectivo à míngua de elementos credíveis fornecidos pelo sujeito passivo e passa a ser um rendimento presumido, posto que real ele também.". Vide "O princípio da tributação do rendimento real e a Lei Geral Tributária" in Boletim do Conselho Distrital de Coimbra da Ordem dos Advogados, Ano VI n 10, Março de 2001, pág.s 26, 27.] podendo o contribuinte provar o contrário. No entanto, ao longo do procedimento de revisão, não foram apresentados elementos que levassem à quantificação de outros valores, nem foram contestados os valores quantificados no relatório.

É certo que a Administração Fiscal deve, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias ao interesse público e à descoberta da verdade material, não estando subordinada à iniciativa do autor do pedido conforme de resto estipula o art. 58.° da LGT. Só que isso foi feito pela inspeção tributária que, mercê das falhas detetadas nos elementos facultados pelo contribuinte, se viu obrigada a fazer a tributação por métodos indiretos não tendo sido possível apurar todas as operações realizadas e os resultados efetivamente alcançados, no exercício inspecionados, e bem assim, necessariamente, apurar a sua real situação patrimonial, de harmonia com o art. 29° do Código Comercial. Não tendo sido possível apurar com exatidão quais os valores reais das atividades desenvolvidas pelo sujeito passivo, resta só à administração fiscal retirar as ilações, que constam do relatório aqui já referido e respetivos anexos, tiradas de factos conhecidos para firmar um facto desconhecido, tal como estipula o art. 349° do Código Civil.

Deste modo

Determina, o acima exposto, a nossa total adesão aos fundamentos e quantificações constantes do relatório da inspeção tributável e seus anexos - cujos cálculos e fundamentos aqui damos por integralmente reproduzidos - e às expendidas pelo perito da Administração Fiscal - os quais aqui damos também por integralmente reproduzidos - o que vale por não aceitarmos a pretensão do contribuinte, por não provado, o excesso na quantificação da matéria tributável, mantendo-se os pressupostos para tributação por métodos indiretos, tal como determina a alínea b) do n.° 1 do art. 87.° e alínea a) do art. 88.°, ambos da LGT.

Pela legalidade do uso do critério operado na quantificação, porquanto, se baseia nas alíneas a) e h) do n.° 1 do art. 90.° da LGT.

Pelo que:

mantenho os valores inicialmente fixado de IRC, de 0,00 (zero euros e zero cêntimos), para o exercício de 2011; quanto ao valor do IVA considerado em falta e mantendo a imputação ao último mês do exercício fiscal em discussão, como é afirmado no ponto V. - 1. do relatório, e que corresponde ao período 1112 T, como é referido no ponto I. - 1.1. do referido relatório, no ano de 2011 é fixado o montante de € 12.282,00 (doze mil duzentos e oitenta e dois euros e zero cêntimos).

Notifique-se.»;

Cfr. despacho n.° ...14, a fls. 103 e ss. do PAT em apenso.

6. Tendo consequentemente sido emitida em nome da ora Impugnante a liquidação de I.V.A. n.° ...33 no valor de €12.282,00, e de respectivos juros compensatórios n.° ...44, por referência ao exercício de 2011, ambas com data limite de pagamento em 24.04.2014;

Cfr. demonstração de acerto de contas referentes ao IVA e aos JC, juntos pela Impugnante, presentes a fls. 51-52 dos autos.

7. Em 17.06.2014 foi enviada para o presente Tribunal, por carta registada, a p.i. de Impugnação que deu origem aos presentes autos;

Cfr. etiqueta de registo postal aposta no envelope de fls. 53 dos autos e p.i. de fls. 3 e ss. dos autos.

Mais se provou que:

8. Os desperdícios que ocorrem nas empresas do mesmo sector de actividade da ora Impugnante são idênticos, e referem-se aos cortes nas pedras para as medidas exactas em que são aplicadas nas obras dos clientes, às eventuais quebras das pedras no processo de corte e de transporte, e à oxidação de algumas pedras com a luz que impedem a utilização no mesmo local da mesma pedra ao fim de alguns meses face à diferente tonalidade;

Cfr. declarações de parte e prova testemunhal - factualidade que constitui complemento ou concretização do que a Impugnante alegou e que resultou da instrução da causa, cfr. al. b) do n.° 2 do artigo 5.° do Código de Processo Civil (aplicável ex vi art.° 2.°, al. e) do CPPT).

9. O excedente da pedra que resulta do corte e das eventuais quebras é guardado pela Impugnante para utilização futura noutro local/obra, se possível, e em último caso para produção de brita.

Cfr. declarações de parte e prova testemunhal - factualidade instrumental que resultou da instrução da causa, cfr. al. a) do n.° 2 do artigo 5.° do Código de Processo Civil (aplicável ex vi art.° 2.°, al. e) do CPPT).

3.2. Fundamentação de direito

3.2.1. A ora Recorrente deduziu Impugnação Judicial na sequência das liquidações de IVA do ano de 2011 e respectivos juros compensatórios emitidas pela Administração Tributária, por recurso a métodos indirectos, na sequência do procedimento inspectivo que lhe foi dirigido.

3.2.2. A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, após julgar não verificados os vícios de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, de falta de fundamentação dos actos e de preterição de formalidades legais, julgou a acção totalmente improcedente.

3.2.3. A esta decisão imputa a Recorrente dois erros de julgamento. O primeiro relativo ao método e critério de quantificação e ao julgamento de que se encontram devidamente fundamentados. O segundo, conexo com o julgamento de que, no caso, não era exigível a notificação da Recorrente nos termos do artigo 88.º al. a) da LGT.

3.2.4. Vejamos, então, se lhe assiste razão.

3.2.4.1. Da falta de fundamentação do método e do critério de quantificação

A Recorrente não invoca em recurso, quanto à substanciação deste erro de julgamento, argumentos distintos dos que invocou na petição inicial, que, no essencial, se traduzem na alegação de que a Administração Tributária não justificou substancialmente o critério indicado para efeitos de quantificação, não refere quais são os factores relevantes e qual a ponderação que lhes atribuiu e que o contribuinte não está legalmente obrigado a conhecer o critério, os seus factores constitutivos ou mais relevantes e a respectiva ponderação que constam da base de dados da DGCI, para a qual é remetido na fundamentação.

Em suma, segundo a Recorrente, cabe à Administração Tributária expressar os parâmetros ou elementos do critério que constam da referida base de dados e fundamentar a idoneidade ou adequação da aplicação dos mesmos na situação concreta, bem como efectuar a ponderação dos factores concretos da avaliação tidos em conta. Não o tendo feito, ficou o Recorrente sem saber em que medida é que existe justaposição aos factores abstractos do critério dos factores concretos do caso e impossibilitado de se determinar pela sua aceitação ou pela sua contestação através dos meios graciosos e contenciosos.

Tudo para concluir que a sentença recorrida, ao julgar que esses aspectos não cabem no dever de fundamentação da decisão de quantificação e ao afirmar que o tal rácio resulta “das declarações Mod. 22 de IRC dos sujeitos passivos que exercem a mesma actividade que a ora Impugnante e que têm o seu domicílio fiscal na mesma área territorial, rácio esse para o qual igualmente contribuiu a declaração fiscal entregue pela Impugnante por referência ao exercício de 2011”, constitui uma tentativa de suprir as insuficiências de fundamentação do acto de liquidação no que respeita ao método e critérios da quantificação, de todo o modo inconcludente na medida em que se fica igualmente sem saber, por exemplo, se se tratam de empresas inspeccionadas ou não.

Vejamos, então, começando desde já por sublinhar que não corresponde à realidade que a sentença recorrida tenha afirmado que a decisão de quantificação não tenha que ser fundamentada, designadamente quanto aos critérios ou elementos utilizados para efeitos de quantificação. E que também não resulta do seu discurso, nessa parte, que tenha tentado “ suprir deficiências de fundamentação” do acto, constituindo o discurso da julgadora, particularmente a referência às declarações Mod. 22 do IRC, tão só um exemplo utilizado pelo julgador (no contexto de todo o seu discurso fundamentador) para demonstrar que no caso concreto não se colocava ao destinatário qualquer dificuldade em compreender e controlar a fundamentação do acto de liquidação.

Aliás, o raciocínio fáctico-jurídico exarado na sentença sob recurso no que respeita à questão em apreço é bem demonstrativo do que vimos dizendo, o qual, transcrevendo, acompanhamos:

«Invoca ainda a Impugnante o vício de violação de lei, por a Administração Tributária ter fixado a matéria tributável sem aplicar o elenco taxativo dos critérios previstos no artigo 90.° da LGT.

Sobre os critérios de determinação da matéria tributável por recurso a métodos indirectos rege o artigo 90.° da LGT, cujas várias alíneas do seu n.° 1 mais não são que parâmetros a aplicar ao caso concreto quando o fundamento for a impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria colectável. A ratio legis deste normativo é tão somente «a redução da discricionariedade na aplicação dos métodos indirectos e a intenção de imprimir clareza e transparência às decisões da administração fiscal» .

Reza o n.° 1 do referido artigo 90.° da LGT, o seguinte:

“1 - Em caso de impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável, a determinação da matéria tributável por métodos indirectos poderá ter em conta os seguintes elementos:

a) As margens médias do lucro líquido sobre as vendas e prestações de serviços ou compras e fornecimentos de serviços de terceiros;

b) As taxas médias de rentabilidade de capital investido;

c) O coeficiente técnico de consumos ou utilização de matérias-primas e outros custos directos;

d) Os elementos e informações declaradas à administração tributária, incluindo os relativos a outros impostos e, bem assim, os relativos a empresas ou entidades que tenham relações económicas com o contribuinte;

e) A localização e dimensão da actividade exercida;

f) Os custos presumidos em função das condições concretas do exercício da actividade;

g) A matéria tributável do ano ou anos mais próximos que se encontre determinada pela administração tributária.

h) O valor de mercado dos bens ou serviços tributados;

i) Uma relação congruente e justificada entre os factos apurados e a situação concreta do contribuinte.”.

Assim, no citado normativo legal não se preceitua uma enumeração exaustiva e fechada de critérios, evidenciando-se antes a utilização de uma técnica de elaboração legislativa através da indicação de exemplos-padrão de critérios idóneos a prosseguir o fim almejado pelo legislador, conforme denuncia a expressão "poderá”. No mesmo sentido defende CASALTA NABAIS que tal «lista de critérios (...) parece ir no sentido de a mesma não constituir uma lista taxativa. Uma ideia que, a nosso ver, se impõe, pois uma enumeração exaustiva é incompatível com o carácter subsidiário da avaliação por métodos indirectos.» .

Ora, no caso concreto, a Administração Tributária invocou expressamente as alíneas a) e h) do artigo 90.° da LGT (cfr. capítulo V.-1 do RFI, cfr. facto provado sob o ponto 3.), determinando em primeiro lugar a rentabilidade fiscal das vendas declaradas pela Impugnante, nos negativos 36,13%. Para tanto, partiu do que foi declarado pela Impugnante ao nível das vendas (€161.211,36) e dos custos totais (€219.456,82), apurando o resultado fiscal nos negativos €58.245,46 (€161.211,36 - €219.456,82), o que, aplicando a fórmula indicada para apuramento da rentabilidade fiscal das vendas (valor do resultado fiscal a dividir pelo valor das vendas x 100), dá a referida percentagem negativa declarada de 36,13%. Depois, tendo em consideração a média da rentabilidade fiscal das vendas referente a sujeitos passivos com o mesmo CAE e por referência à unidade orgânica em que se insere a Impugnante (Direcção de Finanças de Coimbra) e ao ano de 2011, e que era de 2,26%, negativa, mais precisamente -2,25778% (ou seja, -0,0225778), apurou o valor das vendas corrigidas, que passou de €161.211,36 para €214.611,36, através de mera operação aritmética também explicitada no RFI, e que, no fundo, se resume à divisão do valor dos custos totais declarados (€219.456,82) por 1,0225778, o que dá o referido valor de €214.611,36 e, portanto, um valor da correcção nas vendas de €53.400,00 (a diferença entre as vendas declaradas e as corrigidas). Finalmente, a esse valor de vendas presumidas (não declaradas) de €53.400,00 aplicou a taxa normal de IVA de 23%, o que resultou no valor de IVA não entregue ao Estado de €12.282,00, ora liquidado e aqui impugnado.

Tudo devidamente explicitado no capítulo V do Relatório de Inspecção (cfr. facto provado sob o ponto 3.), com especial enfoque nos quadros aí constantes, e dos quais é possível reconstituir, sem dificuldade, as operações aritméticas de quantificação da matéria colectável e do IVA presumido em falta.

Pelo que surge evidente que os critérios utilizados pela Administração Tributária reconduzem-se aos critérios invocados, porquanto a utilização da média da rentabilidade fiscal das vendas referente a sujeitos passivos com o mesmo CAE e por referência à unidade orgânica em que se insere a Impugnante (Direcção de Finanças de Coimbra) e ao ano de 2011, insere-se no critério aludido na alínea a) do n.° 1 do artigo 90.° da LGT - “margens médias do lucro liquido sobras as vendas”, o que, por seu turno, é indissociável do “valor de mercado dos bens” (alínea h) do n.° 1 do artigo 90.° da LGT), uma vez que a média da rentabilidade fiscal das vendas resulta sempre da diferença entre o valor total das vendas, que não é mais que o valor praticado no mercado por um universo mais ou menos alargado de sujeitos passivos do mesmo sector de actividade, e dos respectivos custos.».

Em síntese, para o Tribunal a quo, a Administração Fiscal, demonstrada a necessidade do recurso a métodos indirectos na determinação da matéria tributável, recorreu, para esse efeito, isto é, para determinação da matéria tributável, aos critérios que o legislador institui como constituindo o meio privilegiado de proceder a essa determinação. Sendo evidente que da fundamentação atinente à determinação da matéria tributável constam não só os critérios a que recorreu como, outrossim, de forma impressiva, a forma como esses elementos, de que lançou mão, se deviam aplicar no caso concreto e que reflexos dessa aplicação deles resultavam em termos de quantificação.

Em conclusão, não é, face aos factos que ficaram apurados, que a Recorrente não pôs em causa neste recurso, discutível que a matéria tributável, em sede de IVA, do ano de 2011, cuja liquidação nos autos cuidamos de avaliar, foi fixada com recurso a métodos indirectos, nos termos do disposto na al. b), do nº 1 e al. a), do artigo 88º, ambos da LGT e determinada tendo em conta os elementos a que se referem as als. a) e h), do artigo 90º, da LGT. Isto é, que na sua determinação foi utilizado um dos critérios legalmente previstos e que a aplicação desse critério ao caso concreto está devidamente fundamentada nos diversos elementos que foram convocados para essa determinação.

Improcede, pois, nesta parte, o recurso jurisdicional interposto.

3.2.4.2. Da exigibilidade da notificação a que se reporta a al. a) do artigo 88.º al. a) da LGT e efeitos da sua missão sendo devida.

Insurge-se ainda a Recorrente quanto ao julgamento de 1ª instância na parte em que concluiu que não era exigível no caso concreto que o sujeito passivo tivesse sido notificado no procedimento inspectivo nos termos consagrados na al. a) do artigo 88.º da LGT.

Deste preceito consta, sob a epígrafe «Impossibilidade de determinação directa e exacta da matéria tributável», para o que ora releva que «A impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável para efeitos de aplicação de métodos indirectos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorrecções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável: a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais;».

O julgamento de improcedência deste vício vem sustentado na sentença recorrida em dois tipos de razões.

Por um lado, a insusceptibilidade, face à natureza da irregularidade detectada e à posição adoptada pelo contribuinte ao longo do procedimento inspectivo, de resultar dessa notificação, qualquer que fosse a sua actuação, ultrapassada a necessidade de recurso a métodos indirectos. Ou seja, se bem percebemos o raciocínio da Meritíssima Juíza, constituindo a “omissão de facturas” o fundamento da determinação da matéria tributável por recurso a métodos indirectos, não tendo o contribuinte aceite essa omissão ou disponibilizado a mesma ao longo do procedimento e não reunindo a sua contabilidade, pelos indícios colhidos, credibilidade para sustentar a quantificação por outro tipo de método, a formalidade de notificação prevista no artigo 88.º, al. a) da LGT traduzir-se-ia, no caso concreto, num acto inútil.

Por outro lado, e esta é a segunda ordem de razões, o Tribunal perfilhou o entendimento de que a notificação consagrados no artigo 88.º, al. a) da LGT só está prevista para duas situações: (i) “de erros e inexactidões na contabilidade das operações”, o que, diz-nos, pressupõe a evidenciação documental das operações, embora com erros e inexactidões; (ii) “falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução”, o que, volta a concluir, pressupõe a simples falta, atraso ou deficiente organização e execução da escrituração.

Em suma, para o Tribunal a quo a exigência de notificação que ora apreciamos não está prevista para as situações de apresentação de elementos documentais que suportem a escrituração.

Reforçando o seu julgamento, adianta ainda a Meritíssima Juíza que a exigibilidade desta notificação tem sempre que ser concatenada com outras normas, como é o caso das normas especiais que existem nos Códigos de IRS, IRC e RGIT, que prevêem, conjugadamente com a norma geral consagrada na al. a) do artigo 88.º da LGT, as situações ou procedimentos em que tal notificação é exigível. E que tal normativo especial não existe no caso do Código do IVA, pelo que, conclui, nos procedimentos inspectivos atinentes a IVA nunca há aplicação à notificação prevista no referido normativo legal geral.

Não acompanhamos este julgamento.

Desde logo, não o acompanhamos por não ter sido apenas na “ omissão de facturas” que a Administração sustentou a necessidade de recurso aos métodos indirectos, como resulta por demais evidente da fundamentação do relatório de inspecção e das “incongruências” e “ irregularidades” aí identificadas, parte das quais eram susceptíveis de ser ultrapassadas. E, por isso, na parte em que o julgador parte do parte do pressuposto de que o cumprimento da notificação prevista no artigo 88.º a) da LGT nunca poderia resultar no caso concreto qualquer efeito útil por estar em causa a “omissão de emissão de facturas” não merece a nossa concordância. Aliás, mesmo que fosse exclusivamente em “omissão de facturas” que o recurso a métodos indirectos no caso se fundara, nem assim a opção do Tribunal a quo merecia a nossa adesão. Porque essa omissão é suprível. E porque, suprível ou não, cabia ao contribuinte adoptar, notificado que fosse, o comportamento que bem entendesse e só após à Administração valorá-lo, designadamente concluindo que dessa actuação não ficavam ultrapassadas (ou suficientemente ultrapassados) os indícios e incongruências determinante do recurso a métodos indirectos. Ou seja, não é a probabilidade, ainda que elevada, de, dessa notificação, não resultar ultrapassada a necessidade de recurso a métodos indirectos que pode nortear a Administração Tributária no cumprimento de notificações legalmente impostas, cumprindo-lhe, sempre que exigíveis, observá-las e, posteriormente, na ausência total de suprimento da irregularidade detectada ou perante um comportamento insuficiente a afastar a necessidade de recurso a métodos indirectos, lançar mão deste mecanismo de determinação da matéria tributável.

Aliás, focando-nos no procedimento inspectivo em causa e nas normas que o regulam, especialmente nas apertadas exigências que o legislador consagrou para legitimar a opção (“ultima ratio”) de recurso a métodos indirectos consagradas nos artigos 87.º e seguintes da LGT, não podemos senão concluir que o âmbito de aplicação da exigência de notificação prevista na al. a) do artigo 88.º da LGT deve ser o mais amplo possível, assim se restringindo o mais possível as situações de determinação da matéria colectável por via indirecta e presuntiva, que, por natureza, asseguram de forma menos rigorosa um resultado de apuramento da matéria tributável correspondente à real capacidade contributiva.

Acresce que, salvo o devido respeito, não se compreende qual a razão que nos deve determinar a excluir de uma eventual regularização a regularização de vendas omitidas na declaração e/ou a apresentação de documentos em falta (que são o suporte da própria escrita e contabilidade), no caso, a apresentação de facturas. Nem se compreende que, na aferição do cumprimento ou não de uma notificação legalmente exigível para regularização (por falta de declaração ou de documentos de suporte), se releve a actuação procedimetal ou processual do contribuinte posteriormente ao momento em que tal notificação devia ter sido cumprida. Ou seja, a circunstância do contribuinte, nos actos ou diligências posteriores ao momento em que essa notificação devia ter ocorrido, nunca ter reconhecido a falta de declaração de vendas nem apresentado as facturas que a Administração Tributária entendia estarem em falta por terem sido omitidas as vendas) e ter defendido ao longo do procedimento que não se verificava qualquer omissão de facturação ou que não se verificavam os requisitos legalmente consagrados para que a sua matéria tributável fosse determinada por recurso a métodos indirectos não constituem factores suficientes para que se conclua pela absoluta inutilidade da sua notificação. Nem este juízo de inutilidade permite concluir que a formalidade consagrada no artigo 88.º, al. a) da LGT pode não ser observada, tanto mais que o legislador cuidou de autonomizar as situações em que essa notificação não é exigível (artigo 88.º, als. c) e d) 1ª parte da LGT) e em que a mesma notificação é exigível (als. a) e b) do mesmo preceito e diploma, onde se inclui a situação dos autos).

Por fim, salientamos ainda o seguinte. É verdade, como bem registou a Meritíssima Juíza, que as normas legais não devem ser interpretadas isoladamente e que o julgador, na interpretação de cada norma e para uma melhor aplicação do direito, deve tem presente a função que cada normativo ou instituto assumem no sistema jurídico globalmente considerado, cuja unidade interpretativa e sistemática se deseja. E é também pertinente a enunciação que a Meritíssima Juíza fez de um conjunto de normas, integradas em diversos diplomas (CIRS, CIRC e RGIT) e assertivo o argumento de que o legislador, querendo, podia ter consagrado no CIVA regime especial semelhante aos que consagrou no CIRS, CIRC e no RGIT, situação em que seria indiscutível que a notificação consagrada no artigo 89.º, al. a) da LGT era aplicável aos procedimentos de determinação da matéria tributável por recurso a métodos indirectos em matéria de IVA.

Acontece porém que, salvo o devido respeito, tal argumentação também não reúne força bastante para que se deva entender que a notificação do contribuinte nos termos do artigo 88.º da LGT não era exigível no caso concreto. Quer, porque, como dissemos já, não se encontra fundamento para afastar a inexistência de declaração de vendas e a apresentação de documentos, incluindo facturas do âmbito de aplicação da alínea a) do artigo 88.º da LGT. Quer, porque, da inexistência de uma norma especial no CIVA não deve extrair-se a conclusão de que a norma geral não tem aplicação a um procedimento de determinação da matéria tributável em que esteja em causa IVA, atenta a vocação de aplicação universal inerente às normas gerais. Ou seja, é precisamente por não existir uma norma especial que a norma geral se aplica ou pode ter aplicação e não o inverso [aliás, sendo o apuramento do IVA indissociável do próprio apuramento de IRC (que resulta da aplicação de uma taxa à base tributável apurada para efeitos de IRC) e sendo indiscutível, à luz da norma geral e da norma especial convocadas na sentença que a observação da formalidade-notificação é exigível, também se não logra compreender a exclusão dessa notificação nas situações em que o procedimento visou igualmente a determinação do IVA].

É esta interpretação abrangente do âmbito de aplicação da exigência de notificação consagrada no artigo 88.º, al. a) da LGT que reiteradamente vem sendo perfilhada por esta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo desde 2014, como nos é revelado pela leitura dos julgamentos proferidos a 3-12-2015, 13-9-2017, 18-11-2020 e 9-6-2021, proferidos, respectivamente, nos processos n.ºs 1262/13, 316/16, 2024/09.6BEPRT e 2577/09.6BEPRT, todos integralmente disponíveis em www.dgsi.pt, que aqui acolhemos.

Em suma: abarcando a notificação consagrada no artigo 88.º, al. a) da LGT as situações de inexistência de declaração e falta de documentos, incluindo os de suporte à contabilidade cuja credibilidade se põe em causa; não sendo impossível que o sujeito passivo apresente documentos, incluindo as facturas em falta capazes de regularizar as “incongruências” e “ irregularidades”; que é a este que compete, antes de mais, actuar em conformidade com a possibilidade de regularização e que o recurso a métodos indirectos para determinação da matéria tributável só é legitimo se posteriormente à referida notificação se mantiver a impossibilidade de quantificação da matéria tributável por outra via (avaliação directa), impõe-se concluir, não tendo ocorrido essa notificação, que foi preterida no procedimento inspectivo formalidade que inquina a validade do mesmo e se projecta nas liquidações impugnadas, as quais, em conformidade, não podem deixar de ser anuladas.

4. DECISÃO

Em face do exposto, os Juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, conceder provimento ao recurso e, em conformidade, anular as liquidações impugnadas.

Custas pela Recorrida, que não pagará taxa de justiça por não ter contra-alegado.

Registe e notifique.

Lisboa, 7 de Fevereiro de 2024 – Anabela Ferreira Alves e Russo (relatora) – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (voto a decisão em conformidade com o n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil) – Pedro Nuno Pinto Vergueiro.