Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0178/14
Data do Acordão:10/01/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
INQUÉRITO CRIMINAL
Sumário:I – A contagem do prazo de caducidade do direito de liquidar tributos nos termos do art. 45º, nº 5, da LGT, só ocorre se o acto tributário de liquidação e a investigação criminal se referirem aos mesmos factos.
II – Não se encontrando fixados nos autos os concretos factos que motivaram a liquidação oficiosa impugnada, nem aqueles que são alvo da investigação criminal a que alude o probatório, detecta-se na sentença um deficit instrutório que importa colmatar para decidir a questão da caducidade da liquidação face ao que dispõe o art. 45º, nº 5, da LGT.
III – Não dispondo o STA de base factual para decidir o recurso jurisdicional, torna-se essencial que os autos baixem ao tribunal “a quo” para fixação do quadro factual suficiente para o julgamento da causa.
Nº Convencional:JSTA00068913
Nº do Documento:SA2201410010178
Data de Entrada:02/11/2014
Recorrente:A... LDA
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF LEIRIA
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
DIR FISC - IRC.
Legislação Nacional:LGT98 ART45 N1 N5 ART46.
CIRC01 ART93.
CPC13 ART682 N3.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A……………….., LDA, com os demais sinais dos autos, recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziu contra a liquidação oficiosa de IRC relativa ao exercício de 2003, no montante de € 55.225,05.
1.1. Terminou a sua alegação enunciando as seguintes conclusões:

a) - A recorrente reagiu contra o acto de liquidação de IRC relativo ao ano de 2003 mediante a instauração da impugnação judicial onde foi proferida a decisão ora recorrida, invocando, a caducidade do direito à liquidação do imposto. Efectivamente,

b) - A caducidade do direito à liquidação de imposto constituiu vício do acto tributário da liquidação gerador da anulabilidade e constitui fundamento de impugnação judicial por ilegalidade, nos termos do art. 99º do CPPT, razão pela qual veio a impugnante, ora recorrente, recorrer a tal procedimento requerendo que fosse reconhecido e declarado que na data em que a Administração Tributária procedeu à liquidação do imposto (IRC) relativo ao período em apreciação (2003), no montante de € 55,225,05, já há muito tinha ocorrido a caducidade do direito (mais concretamente em 31.12.2007), mostrando-se, pois, impossível proceder à notificação da recorrente no prazo consignado na lei (cfr. nº 1 do art. 45º e art. 46º do Decreto-Lei nº 398/98 de 17 de Dezembro (Lei Geral Tributária) e o art. 93º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas e, em consequência, que fosse declarada a anulação da liquidação de IRC de 2003, com os pertinentes efeitos de extinção relativamente à execução fiscal entretanto instaurada;

c) - Resulta do nº 1 do art. 45º do Decreto-Lei nº 398/98 de 17 de Dezembro (Lei Geral Tributária) que “O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, aquando a lei não fixar outro.”;

d) - Por seu turno, o art. 93º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas sob o título “Caducidade do direito à liquidação”, dispõe que A liquidação do IRC, ainda que adicional, só pode efectuar-se nos prazos e termos previstos nos artigos 45º e 46º da lei geral tributária.”;

e) - Considerando a remissão deste último normativo para os prazos da Lei Geral Tributária, interessa ter presente o disposto no nº 4 do art. 45º deste diploma, por ser o que aqui interessa: “O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu”.

f) - Contra a recorrente foi instaurado pela Direcção de Finanças de Lisboa - Inspecção Tributária, um processo de Inspecção Externa, que teve por objecto e nomeadamente, por ser o que aqui releva, o IRC do ano 2003, conforme decorre da Ordem de Serviço n.º 200801459 de 17-06-2009;

g) - O Relatório de Inspecção Tributária que determinou a liquidação de imposto, apenas em 11.11.2009 foi noticiado à impugnante, ora recorrente, nos termos que melhor decorrem da notificação que se juntou como Doc. nº 4 à petição inicial e que nesta sede se dá por integralmente reproduzido;

h) - Decorre do nº 1 do art. 46º da Lei Geral Tributária que “O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho ou despacho no início de acção de inspecção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação.”;

i) - Salvo melhor entendimento ou erro de contagem (que se admite por mera hipótese e sem conceder) o direito da Administração Tributária liquidar o tributo em causa (IRC/2004) caducou em 31.12.2007.

k) - Em 05-11-2009, foi exarado o Parecer no Relatório de Inspecção aludido em D) dos factos provados, no qual, confirmando-se as correcções propostas, em sede de IVA e IRC relativas aos exercícios de 2003 e 2004, de natureza meramente aritmética resultante de imposição legal conforme consta dos capítulos III e IX do Relatório de Inspecção Tributária (…), concluiu que as infracções cometidas indiciavam a prática dos crimes de fraude qualificada e abuso de confiança previstos nos artigos 104.º e 105.º ambos do Regime Geral das Infracções Tributárias e de contra ordenações fiscais punidas pelo artigo 114.º do mesmo diploma legal.

j) - Em 09-11-2009 foi exarado o Despacho do Chefe de Divisão (por delegação do Director de Finanças) no Relatório de Inspecção Tributária, dando concordância ao parecer e determinou a adopção de procedimentos subsequentes adequados (cfr. alínea E) dos factos provados)

l) - Na ausência de outros elementos de prova produzidos pela Dgmª Representante da Fazenda Pública sobre a data precisa a partir da qual, os factos tributários objecto da impugnação judicial passaram a ser directamente investigados no âmbito dos autos de inquérito, uma vez que, estes comportam várias dezenas de intervenientes enquanto alegados suspeitos de utilização de “facturação falsa”, é forçoso concluir que tal data remonta a 17.06.2009, data Ordem de Serviço nº 200801459, que determinou o inicio da acção inspectiva desencadeado à recorrente.

m) - E, na data do início da investigação/inspecção destes factos tributários já tinha ocorrido a caducidade do direito à liquidação do imposto.

n) - A infirmação, de forma inequívoca da conclusão de que a investigação dos factos tributários em causa nos presentes autos teve o seu início, no aludido processo de inquérito, e no que à recorrente concerne, quando já tinha ocorrido a caducidade do acto de liquidação do imposto, caberia à Dgmª Representante da Fazenda Pública, pelo que, e não tendo esta procedido a tal demonstração, não obstante a recorrente o ter expressamente requerido, em sede da impugnação judicial, deveria o tribunal a quo retirar as pertinentes consequências, reconhecendo a verificação da alegada caducidade

o) - Até porque, a ora recorrente, só viria a ser constituída arguida no âmbito daqueles autos de inquérito, muito tempo depois de ocorrido a caducidade do direito à liquidação do imposto.

O tribunal a quo ao decidir como decidiu e ao não reconhecer verificada a arguida caducidade do direito à liquidação do IRC de 2003, fez uma errada interpretação e aplicação dos nº 1 do art. 45º e art. 46º do Decreto-Lei N° 396/98 de 17 de Dezembro (Lei Geral Tributária), e o art. 93º do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, aos factos, impondo-se a sua revogação, com o que será feita, JUSTIÇA!


1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.3. O Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal emitiu douto parecer no sentido de que a sentença recorrida devia ser revogada e os autos deviam baixar à 1ª instância para ampliação da matéria de facto, argumentando o seguinte:

«1. Vem o presente recurso interposto da sentença de fls. 95 e seguintes, que julgou improcedente o pedido de anulação da liquidação adicional de IRC do ano de 2003, com base na caducidade do direito de liquidação, invocando a Recorrente erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação das disposições dos artigos 45º, nº 1, e 46º da Lei Geral Tributária, e 93º do CIRC.

Para o efeito alega a Recorrente que à data do início da acção inspetiva já havia caducado o direito de liquidação, por o mesmo ter ocorrido em 31/12/2007, já que no decurso do prazo de quatro anos previsto no nº 1 do artigo 45º da LGT não ocorreu qualquer facto interruptivo ou suspensivo.

2. Para se decidir pela improcedência da acção deram-se como assentes na sentença recorrida os seguintes factos com pertinência para apreciação da questão da caducidade do direito de liquidação: (…)

Perante tal factualidade, considerou o Mmº Juiz “a quo” que, atento o disposto no nº 5 do artigo 45º da Lei Geral Tributária, introduzido pela Lei nº 60-A/2005, de 30 de Dezembro, e aplicável ao prazo de caducidade relativo ao IRC de 2003 em curso, entendimento apoiado no acórdão do STA de 02/07/2008 (rec. nº 343/08), o prazo de caducidade ainda não havia decorrido à data da notificação da liquidação, uma vez que nessa altura o processo de inquérito ainda se encontrava pendente e o prazo só termina um ano após o seu arquivamento ou o trânsito em julgado da sentença.

Afigura-se-nos, contudo, que a sentença recorrida padece do vício de insuficiência da matéria de facto para concluir no sentido do não decurso do prazo de caducidade, por aplicação do disposto no nº 5 do artigo 45º da Lei Geral Tributária.

Com efeito, para tal ocorrer tem que haver uma correspondência entre os factos objecto de investigação no processo-crime e os factos que constituíram fundamento para as correcções que deram origem à liquidação adicional.

Ora, não se alcança da matéria dada como assente na sentença recorrida qual a factualidade subjacente às correcções realizadas pela Administração tributária, já que apenas consta do ponto d) do probatório que, no âmbito de uma acção inspectiva que abrangeu IVA e IRC dos anos de 2003 e 2004, foram efectuadas “correcções de natureza meramente aritmética resultante de imposição legal conforme consta dos capítulos III e IX do relatório de inspecção tributária”.

E por outro lado para aferir se tais correcções estão relacionadas com a matéria objecto de investigação no processo-crime importa igualmente precisar quais os factos em causa, o que não foi levado ao probatório, uma vez que do mesmo apenas consta que “estão a ser objecto de investigação factos relacionados com a utilização de facturação falsa”, o que temos que concluir é muito vago.

Entendemos, assim, que para se conhecer das questões suscitadas no recurso, mostra-se necessário ampliar a matéria de facto, motivo pelo qual entendemos que a sentença recorrida deve ser revogada e determinar-se a baixa do processo à 1ª instância para esse efeito.».


1.4. Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre decidir.

2. Na sentença recorrida julgaram-se como provados os seguintes factos:

A) Em 21-10-2003, foi instaurado o processo de inquérito nº 1596/03.OJFLSB, contra vários arguidos, entre os quais, a ora impugnante (facto que se extrai da informação de fls. 219/222 do processo administrativo em apenso);

B) A IMPUGNANTE, A………………, LDA, foi sujeita a uma Inspecção, conforme decorre da Ordem de Serviço nº 200801618 de
17-06-2009 (cf. fls. 9-a] do processo administrativo em apenso);

C) A inspecção identificada na alínea que antecede, teve o seu términus a
30-09-2009 (cf fls. 9.-b] do processo administrativo em apenso);

D) Em 5-11-2009, foi exarado o seguinte Parecer no Relatório de Inspecção:

“Visto. Confirmo as correcções propostas, em sede de IVA e IRC relativas aos exercícios de 2003 e 2004, de natureza meramente aritmética resultante de imposição legal conforme consta dos capítulos III e IX do Relatório de Inspecção Tributária (...)
As infracções cometidas indiciam a prática dos crimes de fraude qualificada e abuso de confiança previstos nos artigos 104º e 105º ambos do Regime Geral das Infracções Tributárias e de contra ordenações fiscais punidas pelo artigo 114º do mesmo diploma legal. (...)”- (cf. fls. 11 do processo administrativo em apenso).

E) Em 9-11-2009 foi exarado o Despacho do Chefe de Divisão (por delegação do Director de Finanças) no Relatório de Inspecção Tributária, com o seguinte conteúdo:

“Concordo.
Confirmo nos termos que vêm propostos à margem.
Procedimentos subsequentes adequados.” – (cf. fls. 11 do processo administrativo em apenso).

F) A Liquidação de IRC do ano de 2003 foi emitida a 16-11-2009 e notificada à Impugnante a 14-12-2009 (conforme informação que se extrai de fls. 9-b] do Processo Administrativo em apenso e fls. 19 dos autos);

G) Em 15-3-2010 deu entrada a presente acção neste Tribunal (cf. fls. 1 dos autos);

H) Pela Direcção de Finanças de Lisboa, foi emitido um fax com o seguinte conteúdo “Conforme combinado telefonicamente, e em resposta ao V/Ofício nº 1835 de 30-08-2010 dirigido à Divisão de Processos Criminais Fiscais da DF de Lisboa, informa-se o seguinte:

1. A firma A……………… Lda, NIPC ……………. (na qualidade de Utilizadora de facturas presumivelmente falsas) e a firma B………………, Lda, NIPC ……………….. (na qualidade de emitente dessas mesmas facturas) fazem ambas parte do Processo de Inquérito nº 1596/03.OJFLSB da Polícia Judiciária, relativamente ao IRC e IVA dos anos de 2003 e 2004;
2. O referido Processo de Inquérito nº 1596/O3.OJFLSB da Polícia Judiciária - que inclui igualmente a firma C……………………, Lda, NIPC ……………….. (como emitente e utilizador de facturas presumivelmente falsas e/ou não correspondentes a transacções reais) foi instaurado em 21.10.2003, não se encontrando ainda concluído” – (cf. informação que se extrai de fls. 219/222 do processo administrativo em apenso);

I) Em 09-09-2011 foi emitido um fax pela Polícia Judiciária - Unidade Nacional de Combate à Corrupção dirigido à Direcção de Finanças de Santarém com o seguinte conteúdo:

“Em resposta ao V/ Ofício, informa-se que a A……………….., Lda é interveniente no processo em referência (NUIPC: 1596/03.OJFLSB), recaindo sobre a mesma suspeitas de utilização de “facturação falsa”, durante o período compreendido entre 2003 e 2004. Mais se informa que o inquérito em apreço foi instaurado no ano de 2003.” - (Cf fls. 66 dos autos).


3. Vem o presente recurso jurisdicional interposto da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial que a ora Recorrente deduziu contra o acto de liquidação oficiosa de IRC referente ao exercício de 2003, impugnação que teve por fundamento a falta de notificação dessa liquidação no prazo de caducidade.
A sentença recorrida julgou a impugnação improcedente com a seguinte argumentação:

«No caso em apreço, estamos perante um tributo de IRC do ano de 2003, que tratando-se de um imposto periódico, o prazo de caducidade da liquidação conta-se a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário, o que que significa que, é o dia 1-1-2004 que marca o início do prazo em apreço, o que acarreta desde logo concluir que a Administração Tributária tinha de proceder à sua liquidação e notifica-la até 31-12-2007, de acordo com o regime estabelecido no art. 45º nºs 1 e 4 da LGT (seguindo a jurisprudência, inter alia, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 30-10-2012, Proc. nº 03956/10).

Sucede porem que, conforme resulta do probatório, a referida liquidação só foi notificada à Impugnante a 14-12-2009, pelo que cumpre analisar se ocorreu alguma causa de suspensão ou interrupção do respectivo prazo de caducidade.

O sobredito art. 46º, nº 1, da LGT dispõe que o prazo de caducidade se suspende com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da acção de inspecção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo do seu início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação.

Efectivamente, resulta do recorte probatório, que a Impugnante foi inspecionada em 2009, depois de ter ocorrido o prazo limite de caducidade para a liquidação, que como se referiu ocorreu a 31-12-2007.

Acontece que, por força da Lei nº 60-A/2005, de 30-12-2005, que entrou em vigor a 1-1-2006, foi aditado um novo nº 5 ao citado artigo 45º da LGT, o qual dispõe, como se referiu, que sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o nº 1 desse normativo é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.

Destarte, tendo em conta que o nº 5 do artigo 45º da LGT é aplicável aos prazos de caducidade em curso à data da entrada em vigor da Lei nº 60-A/2005 (neste particular, sufragamos o entendimento vertido no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de
2-7-2008, Proc. 343/08), e resultando dos autos que o processo de inquérito contra a ora Impugnante foi instaurado em
21-10-2003, e que em 2011 ainda não tinha tido desfecho (cf. decorre das alíneas H) e I) do probatório), é evidente que à data em que aquela liquidação foi emitida e notificada - 14-12-2009 - (cf. resulta da alínea F) do probatório) não tinha ocorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação do referido tributo, pelo simples facto de, a partir de 1-1-2006 (data da entrada em vigor do art. 45º, nº 5, da LGT), ter entrado em vigor uma causa de suspensão daquele prazo: a instauração de inquérito criminal.

(…)».

É contra o assim decidido que se insurge a Impugnante, ora Recorrente, defendendo que não se mostra averiguada e estabelecida a identidade entre os factos investigados no inquérito criminal referido nas alíneas H) e I) do probatório, e os factos que, na sequência do procedimento de inspecção, deram origem à liquidação impugnada, advogando que, nesta circunstância, em 14/12/2009 (data da sua notificação da liquidação), decorrera já o prazo de caducidade do direito de liquidar tal tributo, que se completara em 31/12/2007, Razão por que sustenta que a sentença incorreu em erro de julgamento na interpretação e aplicação das normas contidas nos arts. 45º nº 1 e 46º da LGT, bem como no art. 93º do CIRC.

Deste modo, a questão que cumpre analisar e decidir neste recurso consiste em saber se a sentença errou ao julgar que a notificação da liquidação oficiosa de IRC referente ao exercício de 2003 ocorreu antes do decurso do prazo de caducidade do direito de liquidar esse tributo, atenta a pendência do processo de inquérito n.º 1596/03.OJFLSB.

Ora, como muito bem deixou explicado o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto no douto parecer acima referido - cuja argumentação não resistimos a seguir e a transcrever em face da sua clareza, justeza e rigor - a contagem do prazo de caducidade nos termos do 45º, nº 5, da LGT só ocorre se a liquidação e a investigação criminal se referirem aos mesmos factos, e, no caso vertente, não se alcança da matéria dada como assente na sentença recorrida qual a factualidade subjacente às correcções realizadas pela administração tributária, já que apenas consta do ponto d) do probatório que, no âmbito de uma acção inspectiva que abrangeu IVA e IRC dos anos de 2003 e 2004, foram efectuadas “correcções de natureza meramente aritmética resultante de imposição legal conforme consta dos capítulos III e IX do relatório de inspecção tributária”, sendo que para aferir se tais correcções estão relacionadas com a matéria objecto de investigação no processo-crime importa igualmente precisar quais os factos em causa, o que não foi levado ao probatório, uma vez que do mesmo apenas consta que “estão a ser objecto de investigação factos relacionados com a utilização de facturação falsa”, o que é, claramente, muito vago.

Razão por que também não podemos deixar de concluir que, não se encontrando fixados nos autos os concretos factos que motivaram a liquidação oficiosa em causa, nem aqueles que são alvo da investigação criminal a que alude o probatório, se detecta na sentença recorrida um deficit instrutório que importa colmatar para enfrentar e decidir a enunciada questão da caducidade da liquidação, face ao que dispõe o art. 45º, nº 5, da LGT.

Neste contexto, e considerando que este Tribunal de recurso não dispõe de base factual para decidir o presente recurso jurisdicional – uma vez que ele pressupõe uma realidade de facto que não está pré-estabelecida nem aqui pode estabelecer-se por virtude de o STA, como tribunal de revista, carecer de poderes de cognição em sede de facto – torna-se essencial que o tribunal “a quo” amplie a matéria de facto de modo a fixar o quadro factual suficiente para o julgamento da causa.

Termos em que se impõe revogar, ao abrigo do disposto no nº 3 do art. 682º do CPC, a sentença impugnada, para ser substituída por outra que decida após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito, de acordo com o que se atrás se apontou, assim se concedendo provimento ao recurso.

4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos ao tribunal “a quo” para que decida a questão colocada após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito, de acordo com o que se atrás se apontou.

Sem custas.


Lisboa, 1 de Outubro de 2014. – Dulce Neto (relatora) – Ascensão LopesCasimiro Gonçalves.