Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01214/16
Data do Acordão:06/27/2018
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
REQUISITOS
Sumário:A admissibilidade dos recursos por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto nos artigos 27.º, alínea b) do ETAF e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, depende de existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito, sendo que a oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade das questões suscitadas e resolvidas, perante quadro legal substancialmente idêntico e substancial identidade das situações fácticas.
Nº Convencional:JSTA000P23465
Nº do Documento:SAP2018062701214
Data de Entrada:11/02/2016
Recorrente:AT AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A........
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- Relatório -
1 – A Autoridade Tributária e Aduaneira – AT, não se conformando com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 14 de Abril de 2016, que concedeu provimento ao recurso interposto por A…….., com os sinais dos autos, da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgara improcedente a oposição por si deduzida à execução fiscal n.º 3611201101030825 e apensos, revogando a sentença recorrida e julgando procedente a oposição e extinta a execução, com fundamento na inexigibilidade da dívida, vem, nos termos do artigo 27.º, n.º 1, al. b) do ETAF e 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), interpor recurso para este Supremo Tribunal, por alegada oposição do decidido com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 12 de Dezembro de 2014, proferido no recurso n.º 00911/13.3BEBRG, transitado em julgado (cfr. certidão de fls. 315 dos autos).
A recorrente termina a suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
a) Tendo, o acórdão recorrido (de 14 de Abril de 2016, proferido no processo n.º 08403/15) e o acórdão fundamento (de 12 de Dezembro de 2014, proferido pelo TCA Norte no processo n.º 00911/13.3BEBRG), decidido em sentido oposto a mesma questão fundamental de direito com base situações fácticas idênticas, vem, a FP, pugnar pela aplicação, in casu, da solução jurídica adoptada acórdão fundamento.
b) se verifica a identidade de situações de facto, nos seus contornos essenciais, já que, em ambos os arestos (recorrido e fundamento), o contribuinte, ora oponente, enquanto devedor principal, realizou o pagamento voluntário da quantia exequenda em causa na oposição judicial.
c) Do mesmo modo, verifica-se também a identidade da questão de direito, uma vez que, em ambos os acórdãos, foi, em concreto, decidida a mesma questão de direito, ou seja, as consequências do pagamento total da quantia exequenda em causa no processo de oposição judicial, analisando a hipótese de declarar a oposição judicial extinta por inutilidade superveniente da lide.
d) No acórdão recorrido, foi entendido que apesar de o executado ter realizado o pagamento da divida exequenda, não fica precludido o direito de ser analisada a oposição judicial mesmo que esta não tenha como fundamento qualquer ilegalidade abstracta - alínea a) do n.º 1 do artigo 204.° do CPPT, e que se trate apenas da inexigibilidade da divida tributária.
e) Sendo que, para o acórdão fundamento, o facto de o executado ter realizado o pagamento da divida exequenda, pode não determinar a inutilidade superveniente da lide quando a oposição à execução fiscal tenha por objecto a impugnação do acto de liquidação e quando a lei não assegura meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação. E, ainda, nos casos em que se trate de um pagamento da divida realizado pelo responsável subsidiário para beneficiar da isenção de custas e multa e que se pretenda com a oposição discutir a legalidade da liquidação.
f) Assim, o acórdão fundamento, a contrario, determinou a inutilidade superveniente da lide para os casos em que o fundamento da oposição judicial se cinge a inexigibilidade da divida, ou, à sua legalidade nos casos em que a lei assegura meio impugnatório da decisão administrativa de que emerge a obrigação exequenda.
g) Porquanto, é importante saber qual o fundamento da oposição judicial para avaliar a consequência do pagamento da execução fiscal.
h) Neste caso verificamos que o executado, ora oponente, realizou o pagamento da execução fiscal ao abrigo do Dec. Lei 151-A/2013 de forma a evitar a realização da venda.
i) Assim, tendo em consideração que o fundamento da oposição judicial em causa se baseia na falta de exigibilidade da divida, o acórdão recorrido deveria ter concluído pela inutilidade da lide.
j) Analisando a situação à luz da jurisprudência assente, a resposta para o caso concreto não poderia ser outra que não fosse a inutilidade superveniente da lide por falta de fundamento para a análise da legalidade da liquidação.
k) Razão pela qual deverá o presente recurso proceder, com a consequente revogação do acórdão proferido pelo TCA Sul no processo n.º 08403/15.
I) Desta forma, deve ser proferido acórdão que decida a questão controvertida no sentido sustentado pela FP no presente recurso, ou seja, de acordo com o sentido decisório do acórdão fundamento.
Termos em que, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas deve ser dado provimento ao presente recurso, devendo ser proferido acórdão que decida no sentido preconizado no acórdão fundamento, assim se fazendo, por VOSSAS EXCELÊNCIAS, objectiva, JUSTIÇA.

2 – Contra-alegou o recorrido, concluindo nos seguintes termos:
45 – Assim, mesmo que, por mera hipótese de trabalho se admitisse a existência de oposição, entre os dois Acórdãos, em causa, o fundamento e o recorrido, o que, face a tudo quanto alegado se deixou, não se admite, nem se aceita, por não se verificar, nem a identidade de situações de facto, nem identidade de questões de Direito, esta razão, -oposição de julgados – não justifica a alteração ou anulação da decisão recorrida, porque ficou amplamente demonstrado que a decisão recorrida tomou a decisão correcta e está em sintonia com a Jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo e está em sintonia com a Lei, nomeadamente, com o n.º 3 do artigo 176.º do CPPT, introduzido pela Lei n.º 66-B/2012 de 31 de Dezembro.

Termos em que, e, nos melhores de Direito aplicáveis e, sempre, com o mui douto suprimento de V. Exªs, Venerandos Desembargadores, e, no entendimento do Recorrido, não se encontra preenchido o condicionalismo previsto, no n.º 3 do artigo 284.º do CPPT, deve o presente Recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a douta Decisão Recorrida, nos seus precisos termos, seguindo-se os demais termos, até final.
Assim decidindo, farão V. Exªs, Venerandos Desembargadores, a costumada Justiça.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal emitiu o douto parecer de fls. 302 a 304 dos autos, no sentido de ser reconhecida a oposição entre os arestos mas de ser negado provimento ao recurso, mantendo o acórdão recorrido na ordem jurídica.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

- Fundamentação -

4 – Questões a decidir
Importa averiguar previamente se, no caso dos autos, estão reunidos os requisitos de admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos, cuja não verificação impede o conhecimento do presente recurso.
Concluindo-se no sentido da verificação daqueles requisitos, haverá então que conhecer do seu mérito.

5 – Matéria de facto
5.1 É do seguinte teor o probatório fixado no acórdão recorrido:
A. Por dívidas fiscais, foram instaurados os processos de execução fiscal n.ºs 3611201201042530 (IRS-2010), 3611201201064126 (IMI-2011), e 3611201101030825, 3611201101060562, 36112012010163387 e 3611201201105167, relativos a coimas no total de €8.385,30 (cf. fls. 72 a 90 dos autos).
B. Pelo ofício n.º 1193 de 28.02.2014, o serviço de finanças de Amadora 3, informou o tribunal que o processo de execução fiscal n.º 3611201101030825 e Aps, se encontra findo por pagamento em 14.12.2013 ao abrigo do Dec. Lei 151-A/2013. (cf. fls. 94 dos autos).
C. Em 12.03.2014 o oponente deu entrada neste tribunal de um requerimento com o seguinte teor: "(…) A…………, Oponente, nos Autos, à margem referenciados, tendo sido notificado, para requerer a prestação da garantia., ou, a sua dispensa, no Órgão da Execução Fiscal competente, vem dar conhecimento a V. Ex.ª que tal pedido não é necessário, porque, conforme ofício remetido aos Autos, pelo Serviço de Finanças de Amadora 3, o Processo de Execução Fiscal n.º 3611201101030825 encontra-se findo, por pagamento, em 14.12.2013.
Entretanto, tendo agora o Oponente sido notificado, para se pronunciar sobre o referido ofício do Serviço de Finanças de Amadora 3, agora junto aos Autos, cumpre esclarecer que o Oponente, apesar da sua discordância, viu-se obrigado a proceder ao pagamento da quantia exequenda de € 8.076,17 que estava a ser exigida, no referido Processo de Execução Fiscal n.º 3611201101030825, para evitar a venda do imóvel penhorado.
Por isso, e, em defesa dos seus direitos, pretende que os presentes Autos de Oposição prossigam, até decisão final.
Quanto ao lapso verificado em relação ao número de documentos juntos com a P.I., efectivamente, os documentos a juntar são trinta e um.
Assim, requer-se a rectificação da P.I. no sentido de passar a constar que o Oponente junta 31 (trinta e um) documentos. (...)" (cf. fls. 104 dos autos).
D. Por informação do Serviço de Finanças de Amadora 3, a liquidação de IRS de 2010 foi efectuada, nos termos do art.º 76 n.º 1 al. b) e n.º2 e 3 do CIRS. (cf. fls. 61 dos autos).
E. Por meio de requerimentos datados de 10.10.2013, o mandatário do recorrente solicitou ao Chefe do Serviço de Finanças da Amadora 3, o pagamento dos processos executivos em referência, com vista a ser "decretada a imediata suspensão/anulação de venda" - fls. 52/53, do pef.
F. Em 01.03.2012, por meio dos ofícios n.º 742495 e 130681, dirigidos para o domicílio que consta do cadastro da DGCI, através de carta registada sem AR, o recorrente foi notificado da demonstração da liquidação de IRS/2010 - €6.511,45 - fls. 62/66, do pef.
G. A liquidação em causa corresponde a liquidação oficiosa por falta de apresentação da declaração de rendimentos.


5.2 Por sua vez, é do seguinte teor o probatório fixado no acórdão fundamento:

1 – Em 03.03.2013 foi instaurado pelos Serviços de Finanças de Braga – 1, contra a oponente, o processo de execução fiscal [PEF] nº 0361201301019872, referente a coimas fiscais no valor de € 137 646,57 fls 2 do Pef apenso.

2 – O PEF referido em 1) teve a sua génese na certidão de dívida extraída do Processo de Contra-Ordenação nº 0361201206044581, instaurado contra a oponente em 07.05.2012, por falta de pagamento de IMT, no prazo definido na lei.

3 – Por faxe enviado para o SF de Braga – 1, em 03.12.2012, a arguida, ora oponente, apresentou defesa escrita no âmbito do Processo de ContraOrdenação (cfr. fls. 15 e ss. do processo de C.O. em apenso); 4 – Por despacho notificado à arguida e ao seu Ilustre mandatário em 05.12.2012 (cfr. fls. 51 e 52 do apenso), foram desatendidos os pedidos formulados na defesa escrita;

5 – Em 13.12.2012, pelo registo nº RM900387788PT, o SF de Braga – 1 enviou carta registada com AR à oponente com o seguinte teor: (…) Cfr. fls. 35 a 38 dos autos;

6 - A carta referida em 5) veio devolvida ao remetente em 10.01.2012 - fls 39 e 40 dos autos, com indicação “Devolvido”, como a seguir se demonstra: (…)

7 – Em 10.01.2013 foi enviada nova carta registada com AR, tendo vindo devolvida com a menção “objecto não reclamado” – fls 41 a 45 461 a 63 do Pef apenso: (…)

8 – Em 21.02.2013, a oponente alterou a sua sede para a Av. …, Braga, conforme doc. nº 2 junto a fls. 49 e 50 dos autos;

9 - Em 14.03.2013 foi a oponente citada no âmbito do processo de execução fiscal nº 0361201206044581 – fls 3 do PEF apenso;

10 - A oposição foi remetida pelo correio a 16.04.2013. - fls 5 dos autos».

11. Por ofício n.º3924, de 28/05/2013, que constitui fls.170 dos autos, informa o Sr. Chefe de Finanças que a “…execução fiscal (PEF) n.º0361201301019872 instaurado contra a originária devedora S..., Lda. (…), foi extinto por pagamento voluntário em 2014.05.06”.

6 – Apreciando.
6.1 Dos requisitos de admissibilidade do recurso por oposição de acórdãos
Importa, em primeiro lugar, verificar do preenchimento dos requisitos de admissibilidade do presente recurso por oposição de julgados.
O presente processo iniciou-se em 2014 – cfr. carimbo de fls. 1 dos autos -, pelo que lhe é aplicável o regime legal resultante do ETAF de 2002, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, e 4.º, n.º 2, da Lei n.º 13/2002 de 19 de Fevereiro, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 107-D/2003 de 31 de Dezembro.
Assim, a admissibilidade dos recursos por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto nos artigos 27.º, alínea b) do ETAF, 284.º do CPPT e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), depende de existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
No que ao primeiro requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno desta Secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detectar a existência de uma contradição, quais sejam:
- identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
- que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
- que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
- a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta (Acórdãos do Pleno desta Secção do STA de 26 de Setembro de 2007, 14 de Julho de 2008 e de 6 de Maio de 2009, recursos números 452/07, 616/07 e 617/08, respectivamente).
A alteração substancial da regulamentação jurídica relevante para afastar a existência de oposição de julgados verifica-se «sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base a diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica» (v. Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA de 19 de Junho de 1996 e de 18 de Maio de 2005, proferidos nos recursos números 19532 e 276/05, respectivamente).
Por outro lado, a oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, op. cit., p. 809 e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Abril de 1995, proferido no recurso n.º 87156).
Vejamos.
Alega a recorrente AT que entre os arestos em confronte existe oposição juridicamente relevante para o efeito de admitir o presente recurso por oposição de julgados quanto à questão de saber quais as consequências do pagamento da dívida exequenda sobre a oposição à execução fiscal quando o fundamento desta seja a inexibilidade da dívida exequenda, pois que o acórdão recorrido conheceu desse fundamento e julgou a oposição procedente, não obstante o pagamento, e o acórdão fundamento julgou haver nesses casos lugar à extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide, obstativa do conhecimento do mérito da oposição, alegando a recorrente ser este o entendimento correcto.
A posição da recorrente quanto à existência de oposição juridicamente relevante entre os arestos em confronto – que não quanto ao mérito do recurso – é secundada pelo Ministério Público junto deste STA no seu parecer junto aos autos e rejeitada pelo recorrido, nas sua contra-alegações.
Alega o recorrido que não há identidade de situações de facto e identidade da questão fundamental de direito, pois em relação à situação objecto de decisão no Acórdão fundamento, não é possível saber-se qual a situação de facto a decidir, quais os fundamentos da liquidação do imposto e legalidade da sua liquidação, se existia alguma penhora de bens e quais as razões que levaram o executado a proceder ao seu pagamento voluntário – cfr. os números 8 e 9 das contra-alegações, a fls. 288 dos autos.
Entendemos que assim é, efectivamente, que não há entre os arestos em confronto oposição juridicamente relevante que fundamente o presente recurso, uma vez que a divergente solução alcançada em cada um dos arestos resulta do juízo formulado sobre a concreta situação fáctica dada como provada em cada um dos casos, e que é distinta, ou seja, entre as duas decisões verifica-se uma disparidade ao nível da matéria de facto, apta a permitir a formulação de diferentes juízos sobre a prova produzida e a formulação de diferentes soluções jurídicas.

Com efeito, o acórdão fundamento foi proferido a respeito de um processo de execução fiscal instaurado para a cobrança coerciva de uma coima devida pela falta de pagamento do IMT no prazo definido na lei. A decisão de aplicação da coima não foi notificada à executada uma vez que foram enviadas duas cartas para a sua morada fiscal tendo sido, ambas, devolvidas. Instaurado o Processo de Execução Fiscal, a executada apresentou Oposição à Execução e procedeu ao pagamento voluntário da coima exequenda. O Tribunal a quo julgou a oposição improcedente. Inconformada com esta decisão, a Executada considera que não se verifica inutilidade superveniente da lide de oposição à execução fiscal por se estar perante uma situação em que se pretende impugnar pela primeira vez o acto de fixação da coima. A este respeito, concluiu o Acórdão fundamento pela extinção da “instância por impossibilidade superveniente da lide, ficando prejudicado o conhecimento das questões do recurso”. Para assim concluir, o Acórdão fundamento considerou que “não se está aqui perante uma situação enquadrável na alínea h) do n.º1 do art.º204.º, do CPPT. Isso porque, a lei assegura o recurso das decisões de aplicação das coimas (cf. art.º80.º, do RGIT). (…) A questão desloca-se pois para a da eventual inexigibilidade da dívida por falta de notificação. Mas esta situação – enquadrável na alínea i), não se integra em qualquer dos casos contados em que, no entendimento do STA, a extinção da execução por pagamento da dívida e acrescido não importam a extinção da instância de oposição por inutilidade superveniente da lide. Mantém-se pois válida, em vista da causa de pedir e dos fundamentos do recurso, a doutrina do Acórdão do STA, de 09/12/2009, proferido no proc.º0946/09 segundo a qual, “Quando tiver sido extinta a execução fiscal pelo pagamento da dívida exequenda e acrescido, haverá lugar à extinção da instância, (…)” (nosso sublinhado)

Diversamente, o acórdão fundamento foi proferido no contexto de um processo de execução fiscal instaurado para cobrança coerciva de uma dívida de IRS, cuja matéria colectável foi fixada através de presunções. A liquidação adicional do imposto nunca foi notificada ao Executado, não existindo qualquer registo do envio da notificação por carta registada com Aviso de Recepção. Instaurado o Processo de Execução Fiscal, o executado procedeu ao pagamento da dívida exequenda e apresentou oposição à execução, a qual foi julgada improcedente pelo Tribunal a quo. No entanto, o Executado ficou inconformado com esta decisão por considerar que não se verifica inutilidade superveniente da lide, uma vez que a dívida não foi paga de forma voluntária, mas apenas como forma de evitar a venda de um imóvel penhorado no âmbito do processo de execução fiscal. Bem assim, o pagamento da dívida exequenda foi efectuado nos termos do regime constante do Decreto-Lei n.º 151-A/2013, de 31 de Janeiro [diploma que aprova um regime excepcional de regularização das dívidas fiscais] o que determinou, nos termos do n.º 1 do artigo 2.º desse diploma legal, “a dispensa dos juros de mora, dos juros compensatórios e das custas do processo de execução fiscal”. Face a este circunstancialismo, o Acórdão recorrido julgou “procedente a oposição e extinta a execução, com fundamento da inexigibilidade da dívida”. Para assim decidir, o Acórdão recorrido considerou que se verificava “a falta de notificação do acto de liquidação em apreço. A falta de notificação do acto de liquidação constitui fundamento de inexigibilidade da dívida, subsumível ao disposto na alínea i), do artigo 204.º/1, do CPPT. (…) A extinção da execução por pagamento, não preclude a necessidade do reconhecimento judicial da falta de exigibilidade da dívida, porquanto «[o] pagamento do imposto nos termos da lei que atribua benefícios ou vantagens no conjunto de certos encargos ou condições não preclude o direito de reclamação, impugnação ou recurso, não obstante a possibilidade de renúncia expressa, nos termos da lei» - artigo 9.º/3, da LGT. (…) É que, do ponto de vista do contribuinte, numa situação de preterição das garantias de defesa, por falta de notificação do acto tributário, não é indiferente que a extinção da execução seja determinada por efeito do pagamento ou por falta de exigibilidade da dívida. Uma vez extinta a execução, por falta de exigibilidade da dívida de IRS de 2010, a mesma não poderá voltar a ser exigida, pelo que a aferição da sua legalidade deixa de ter utilidade”.

Ora, não resulta que os dois arestos estejam em confronto quanto à interpretação e aplicação do direito face a uma mesma situação de facto, pois que, desde logo, as dívidas exequendas têm uma natureza distinta –coimas no caso do Acórdão-fundamento e IRS no caso do Acórdão recorrido –, verificando-se que a falta de notificação do acto tributário de determinação e fixação de cada uma destas dívidas é apta a produzir efeitos jurídicos distintos. Em rigor, a falta de notificação da decisão de aplicação de coima poderá conduzir à nulidade do processo de contra-ordenação (nos termos do artigo 63.º, n.º 1, alínea d) do RGIT e do Acórdão deste STA proferido a 17 de Junho de 2015, no âmbito do Processo n.º 0369/15) e à ausência de título executivo (Acórdão deste STA proferido a 3 de Dezembro de 2014, no âmbito do Processo n.º 0426/14), enquanto a falta de notificação da liquidação de IRS poderá determinar a ineficácia do acto tributário mas não a sua nulidade, conforme o disposto no artigo 36.º n.º 1 do CPPT.

No que falta de notificação respeita o contexto dos arestos em confronto é também distinto, uma vez que no caso do acórdão-fundamento a Autoridade Tributária enviou duas cartas ao sujeito passivo que foram igualmente devolvidas e no caso do Acórdão recorrido existiu uma ausência total de notificação do Sujeito Passivo (i.e., não consta dos autos o envio de qualquer comunicação ao Sujeito Passivo). Esta divergência ao nível da actuação da Autoridade Tributária – mais expedita no caso do Acórdão fundamento e menos competente no caso do Acórdão recorrido – também se revela apta a suportar a existência de soluções divergentes, designadamente nos termos do artigo 39.º n.º 5 e 43.º n.º 2 do CPPT (relativamente à perfeição das notificações nos casos de devolução da carta enviada pela AT) e do Acórdão do STA proferido a 18 de Junho de 2013 no âmbito do Processo n.º 0595/13 (de acordo com o qual “As notificações das decisões cominatórias de coimas não se inserem no âmbito do estatuído no nº 1 do art. 38º do CPPT, razão por que não carecem de ser realizadas por via postal sob AR, no entanto, constitui jurisprudência deste Supremo Tribunal que a presunção do nº 2 do art. 39º do CPPT não se aplica caso a notificação tenha sido devolvida, quer na situação de carta registada quer na situação de carta registada com aviso de recepção”).

Também as circunstâncias do pagamento dos valores exequendos não são idênticas num e noutro aresto. Com efeito, se no caso do acórdão fundamento o sujeito passivo procedeu ao pagamento voluntário da dívida exequenda, no caso do acórdão recorrido esse pagamento foi efectuado no âmbito de um processo de regularização de dívidas e de forma a evitar a venda de um bem penhorado no contexto do processo de execução fiscal, não sendo de excluir que as diferentes motivações verificadas ao nível do pagamento das dívidas seriam também aptas a despoletar a formulação de diferentes juízos de censura e de gravidade por parte do julgador, com (eventuais) reflexos ao nível da análise da inutilidade superveniente da lide por efeito do pagamento.

Pelo exposto, conclui-se que inexiste oposição de julgados juridicamente relevante que justifique o presente recurso, já que não pode afirmar-se ter o acórdão recorrido adoptado entendimento oposto ao do acórdão fundamento no quadro de uma situação de facto similar. Em rigor, entre as duas decisões verifica-se uma disparidade ao nível da matéria de facto, apta a permitir a formulação de diferentes juízos sobre a prova produzida, a formulação de diferentes soluções jurídicas e, bem assim, a produção de diferentes efeitos ao nível dos processos que conduziram à instauração das execuções fiscais (pois um dos processos é motivado por uma contra-ordenação e o outro processo é motivado por uma liquidação adicional).

Como tal, não cumpre apreciar se o Acórdão recorrido – e, por via indirecta, se o Acórdão fundamento – fez ou não um correcto julgamento dos factos apresentados, uma vez que essa apreciação se situa já no âmbito do mérito do recurso e este, pelos motivos expostos, não passou o limiar da apreciação dos pressupostos processuais da sua admissibilidade.

É o que basta para que o presente recurso deva ser julgado findo.


- Decisão -
7 – Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em julgar findo o recurso

Custas pela recorrente.


Lisboa, 27 de Junho de 2018. - Isabel Cristina Mota Marques da Silva (relatora) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – Dulce Manuel da Conceição Neto – José da Ascensão Nunes Lopes – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Pedro Manuel Dias Delgado – Ana Paula da Fonseca Lobo (vencida de acordo com a declaração anexa)
Voto de vencida
Não acompanho a decisão que logrou vencimento, pelas razões que passo a indicar:
Pese embora a diversa factualidade em que assentam, está em causa, nos dois acórdãos, recorrido e fundamento a mesma questão jurídica – exigibilidade da dívida exequenda após pagamento efectuado pelo executado no processo executivo e sua relevância para a declaração de inutilidade superveniente da lide de oposição.
Em ambas as decisões, a legislação convocada diverge essencialmente quanto à origem da dívida exequenda – liquidação de IRS, IMI e coimas, no acórdão recorrido – e decisão que aplicou uma coima no acórdão fundamento. Em ambos os acórdãos é colocada a questão de inexigibilidade da dívida exequenda, por falta de notificação do acto de liquidação, no acórdão recorrido, e, da decisão que aplicou a coima, no acórdão fundamento.
Os acórdãos em confronto atingiram decisões diametralmente opostas na medida em que o acórdão recorrido não declarou a inutilidade superveniente da lide que foi declarada no acórdão fundamento.
Confirmaria, pois o acórdão recorrido que, em meu entender fez uma correcta interpretação da lei e aplicação aos factos provados.
Lisboa, 2018-06-27
Ana Paula da Fonseca Lobo.