Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0281/08.1BECTB 0383/18
Data do Acordão:07/13/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:PRESCRIÇÃO
Sumário:I - O artigo (art.) 3.º, do Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, empreendeu regular os efeitos do decurso do tempo, disponibilizado, às autoridades administrativas intervenientes, por um lado, para concluírem o procedimento de aplicação de medidas e/ou sanções administrativas, visando o cometimento de irregularidades no domínio do direito comunitário e, por outro, para, terminada essa fase, dentro do previsto prazo prescricional, darem início à execução da decisão, definitiva, que aplicou a concreta medida e/ou sanção administrativa; no caso dessa execução implicar o recebimento de quantias monetárias, instaurarem (com citação) a competente execução fiscal.
II - O prazo de execução da decisão (administrativa), de três anos, imposto pelo art. 3.º n.º 2 do Regulamento (primeiro parágrafo), começa a correr desde o dia em que tal decisão se torna definitiva, ou seja, insuscetível de recurso (por termo do prazo ou esgotamento das vias de recurso/impugnação administrativa).
III - A ultrapassagem do prazo inscrito no art. 3.º n.º 2 (primeiro parágrafo) do Regulamento, pode ser reconduzido ao, nominado, fundamento, de oposição à execução fiscal, da alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
Nº Convencional:JSTA000P29707
Nº do Documento:SA2202207130281/08
Data de Entrada:04/18/2018
Recorrente:A..........
Recorrido 1:IFAP – INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, I.P.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

# I.

A……….., na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de B…………., …, recorreu (Inicialmente, para o Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), que se julgou incompetente, em razão da hierarquia.) de sentença, proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Castelo Branco, em 26 de junho de 2017, que julgou parcialmente procedente oposição a execução fiscal, instaurada para cobrança coerciva de dívida ao Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas (IFADAP).

A recorrente (rte) formalizou alegação, terminada com o seguinte quadro conclusivo: «

6.1) - o prazo de prescrição do procedimento visando a restituição de ajudas comunitárias irregulares, no âmbito da política agrícola comum (como no caso vertente), é de quatro anos nos termos dos artigos 1.º e 3.º do Regulamento (CE/EURATOM) n.º 2988/95 do Conselho;

6.2) - não existindo, no direito interno um prazo especialmente previsto para tal finalidade, deve ser aplicado o referido prazo, em detrimento do prazo geral da prescrição de vinte anos, previsto no artigo 309.º do Código Civil e do prazo de cinco anos, previsto no n.º 1 do artigo 40.º do DL n.º 155/92;

6.3) - o que transposto para o caso vertente significa, salvo o devido respeito e melhor opinião, que aqui se verifica a prescrição da obrigação exequenda, por isso que deve ser extinta a execução fiscal (a resolução do contrato data de 29/06/1998; a certidão de dívida data de 18/12/1998; a citação para os termos da execução fiscal data de 15/01/2007);

6.4) - a sentença revidenda violou, entre outras, as normas dos arts. 1.º e 3.º do Regulamento (CE/EURATOM) n.º 2988/95 do Conselho; artigo 249.º, parágrafo 2.º CE e art. 8.º n.º 3 da CRP;


Termos em que, e nos melhores de direito cujo suprimento antecipadamente se pede, deve ser a sentença revidenda substituída por outra decisão que contemple tudo o que vem de alegar-se, assim se fazendo Justiça. »

*

O IFADAP, atualmente, Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P. (IFAP, I.P.), na qualidade de recorrido (rdo), contra-alegou e concluiu: «

A. O presente recurso vem interposto de sentença proferida em 26/6/2017, através da qual foi julgada improcedente a oposição à execução fiscal interposta por A…………….., na qualidade de cabeça de casal da herança de B………, no entendimento que há prescrição da obrigação exequenda, por violação dos Art°s 1° e 3° do Reg. (CE/EURATOM) n° 2988/95, do Conselho.

B. Salvo melhor entendimento, não assiste qualquer razão à ora recorrente, pois inexiste qualquer tipo de prescrição quer do procedimento administrativo quer da dívida.

C. Relativamente à questão da prescrição do procedimento administrativo, importa salientar que existiu uma evolução no entendimento jurisprudencial, pois em 9/4/2014 pelo Supremo Tribunal Administrativo foi proferido acórdão no âmbito do Processo n° 173/13, onde consta o entendimento que a prescrição do procedimento deve ser analisada nos termos do disposto no Art° 3° do Regulamento (CE, EURATOM, n° 2988/95).

D. O. Art° 3º do Regulamento n.º 2988/95, prevê como regra geral o prazo de 4 anos para a prescrição do procedimento administrativo.

E. Todavia, o mencionado Art° 3º do Regulamento n.° 2988/95, prevê diversas exceções a essa regra, nomeadamente, um duplo prazo de prescrição de 8 anos e que no âmbito das ajudas concedidas ao abrigo de programas plurianuais a prescrição ocorre com o encerramento definitivo do programa.

F. Na situação em apreço, importa ter em consideração que a ajuda que está na base da decisão final, são as Medidas Florestais na Agricultura, paga ao abrigo do Reg. (CEE) 2080/92, pelo que estamos perante um programa plurianual, pois como resulta expressamente da Cláusula 2 do contrato de atribuição de ajudas, este vigorava entre 1995 e 2014.

G. Ou seja, a execução do Projeto n° 94.21.4123.5 só terminava em 2014 (a este propósito, cita-se o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo do Norte, em 24/10/2014, no âmbito do Proc. n° 2068/10.2BEBRG, onde é analisada uma ajuda paga no âmbito de um programa plurianual).

H. Nos termos do Art° 106° do CPA (na redação anterior do CPA), o «procedimento extingue-se pela tomada da decisão final…”.

I. Na situação em apreço, não decorreram 4 anos entre o início e o fim do procedimento administrativo, nomeadamente entre 7/9/1994, data de celebração do contrato (documento anexo à certidão de dívida) e 29/6/1998 a prolação da decisão final.

J. Seguidamente, pelo recorrido foi instaurada uma ação executiva para cobrança da dívida, pelo que é aplicável o disposto no n° 1 do Art° 323° do CCiv., designadamente que “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente”.

K. Essa ação, no entanto foi extinta em 29/05/2001, pelo que nos termos do n°s 1 e 2 do Art° 326° do CCiv., a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sendo que a nova prescrição está sujeita ao prazo da prescrição primitiva.

L. Ou seja, com o trânsito em julgado da ação executiva (29/05/2001) começou a correr novo prazo de prescrição.

M. No entanto, o processo de execução fiscal n.° 1295200501000187 foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Vila Nova de Foz Côa, em 10/02/2005 (Ponto G da matéria de facto dada como provada), razão pela qual, verifica-se que entre 29/05/2001 e 10/2/2005, não decorreram 4 anos.

N. Verifica-se assim, que na situação em apreço, não só não decorreram os 4 anos, como não decorreram os 8 anos como nunca foi atingida a data do términus do contrato 2014, pois estamos no âmbito de um programa plurianual, pelo que inexiste qualquer tipo de prescrição do procedimento administrativo nos termos do Reg (CE/EURATOM) 2988/95.

O. Como se referiu, com a prolação da decisão final extingue-se o procedimento administrativo, pelo que, nos presentes autos, quanto muito, poderia existir prescrição para cobrança de dívida.

P. Mas também não é caso, pois tratando-se de uma ajuda comunitária, ao prazo de prescrição para cobrança de uma dívida, são aplicáveis as regras de prescrição do “estatuto substantivo” do crédito, ou seja, as normas emergentes do Código Civil (CCiv).

Q. E a este respeito, constitui jurisprudência pacífica que relativamente às ajudas/subsídios atribuídos pelo IFAP, I.P., que, nos termos do Art° 309° do CC, o prazo de prescrição é o de 20 anos contado nos termos da 2ª parte do n.° 1 do artigo 306° do mesmo Código (neste sentido vide acórdãos do STJ, proferido em 11/18/2004, no âmbito do Proc. n° 04B3066; do STA, de 06-11-02, proferido no Proc. nº 0727/02; e do STA de 03/29/2006, proferido no âmbito do Proc. n° 047/06; Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loures-2 - Processo n° 47/05.0BELRS - 16/06/2006; Decisões do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga - Processo n° 636/05.3 - 23/02/2007 e Processo n° 1152/05.9 - 02/04/2007).

R. Nestes termos e nos demais de direito, deve ser negado provimento ao presente recurso, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA! »


*

O Exmo. Procurador-geral-adjunto (Pga) emitiu parecer, no sentido de que deve dar-se provimento ao recurso e revogar-se a sentença recorrida, julgando-se procedente a oposição, com consequente extinção da execução fiscal.

Em abono, expendeu: «

(…).

É, pois, evidente que não ocorreu a prescrição do procedimento de reposição da ajuda.

Todavia, a nosso ver e ressalvado melhor juízo, ocorreu a prescrição do direito de execução da decisão, nos termos do artigo 3.°/2 do Regulamento.

Efetivamente, como resulta do probatório a decisão foi executada em 12/03/1999, por via de instauração de ação executiva, sendo que nos termos do disposto no artigo 323.°/1/2 do CC se interrompeu o prazo de prescrição.

Tal ação foi extinta por decisão transitada em 29/05/2001, pelo que nos termos do disposto nos artigos 326.°/1/2 e 237.° do CC, a interrupção da prescrição inutilizou todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo e idêntico prazo.

Sucede que, como resulta da alínea G do probatório, a execução fiscal só veio a ser instaurada 10/02/2005, ou seja, para além do prazo de 3 anos a que se reporta o artigo 3.°/2 do Regulamento, pelo que quando ocorreu a citação da executada, em 15/01/20(07)17, já se mostrava prescrito o direito de execução da decisão que determinou a restituição da ajuda comunitária. A sentença recorrida merece, assim censura. »


*

Cumpridas as formalidades legais, compete-nos decidir.

*******

# II.

Na sentença recorrida, em sede de julgamento factual, fez-se consignar: «

A) Com data de 29/06/1998, o IFADAP enviou carta dirigida a B…………….., sob o assunto «Projecto N.° 94.21.4123.5 Reg. 2080/92», a comunicar-lhe que «por deliberação do Conselho de Administração, o IFADAP rescindiu unilateralmente o contrato de atribuição de ajuda referente ao projecto acima mencionado, ao abrigo do Regulamento (CEE) n° 2080/92», bem como para proceder ao pagamento do montante da ajuda atribuída de 13.887.488$00, acrescida de juros de 4.407.518$00, até ao dia 14/07/1998 [cf. fls. 77 dos autos].

B) Em 18/12/1998, pelo IFADAP foi emitida certidão de dívida, que aqui se dá como reproduzida, na qual se atesta que B…………… é devedor ao IFADAP da importância de 20.197.981$00, correspondente a reembolsos de subsídio e de prémios no montante de 13.887.488$00, e de juros vencidos no montante de 6.310.493$00, acrescida de juros vincendos a partir de 18/12/1998, decorrentes do contrato de atribuição de ajuda, que faz parte projecto n.° 94.21.4123.5, celebrado em 07/09/1994 e aditado em 12/12/1995 [cf. fls. 154 a 157 dos autos].

C) Em 12/03/1999, para cobrança coerciva da dívida constante da certidão mencionada na alínea anterior, o IFADAP instaurou acção executiva, contra B………, dando origem ao Processo de Execução Ordinária n.° 165/1999, da 15.ª Vara Cível da Comarca de Lisboa [cf. fls. 150 a 171 dos autos].

D) B……………. veio a falecer em 01/02/2000 [cf. fls. 30 dos autos].

E) A acção executiva identificada em C) extinguiu-se, por motivo de deserção da instância, na sequência de despacho judicial a declarar interrompida a instância, transitado em julgado em 29/05/2001 [cf. fls. 150 e 182 dos autos].

F) Em 30/09/2004, pelo IFADAP foi emitida certidão de dívida, que aqui se dá como reproduzido, e da qual se destaca o seguinte teor:

«………………, Directora-Coordenadora Jurídica do Instituto de Financiamento e Apoio ao Desenvolvimento da Agricultura e Pescas, IFADAP (...) CERTIFICA, para efeitos de cobrança através de processo de execução fiscal, que Herdeiros de B………………., (...) titular do projecto que neste Instituto recebeu o n.° 1994210041235, aprovado no âmbito do Reg. (CEE) 2080/92 — Medidas Florestais na Agricultura, são devedores a este Instituto da quantia de € 79.481,98 (...), referente ao subsídio e prémios, quantia esta que o beneficiário está obrigado a reembolsar por não reunir as condições previstas na legislação aplicável, determinando-se, em consequência, a reposição da quantia indevidamente recebida, o que não foi efectuado dentro do prazo legal, conforme notificações juntas como anexo II, pelo que auferiu, desde modo, de um enriquecimento ilegítimo.

À importância em dívida acrescem juros de mora vencidos, contabilizados à taxa legal aplicável, contados desde a data em que o montante supra mencionado foi colocado à disposição do beneficiário até à presente data, os quais ascendem a € 56.915,51 (...), conforme anexo III, e, bem assim, juros vincendos a partir desta data até ao efectivo e integral pagamento, perfazendo o capital e juros presentemente em dívida a quantia total de € 136.397,49 (...).

À referida importância acresce ainda o montante de € 7.948,20 (...) correspondente a 10% do montante das ajudas de custo recebidas, de acordo com o disposto no n.º 4 do art.° 7.° do Decreto-Lei n.° 31/94, de 5 de Fevereiro, ascendendo a dívida ao valor total de € 144.345,69 (...)».

[cf. fls. 29 dos autos dos autos].

G) Em 10/02/2005, com base na certidão de dívida mencionada na alínea anterior, o Serviço de Finanças de Vila Nova de Foz Côa instaurou, contra B…………… o processo de execução fiscal n.° 1295200501000187 [cf. informação de fls. 28 dos autos].

H) Em 04/01/2007, no âmbito do processo de execução fiscal n.° 1295200501000187, o Serviço de Finanças expediu, por correio registado com aviso de recepção, oficio dirigido a A…………………., com o seguinte teor:

«(...)

Fica V. Exa por este meio citada e na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de B……………………. e de conformidade no N.° 4 do art. 155º do C.P.P. Tributário.

Anexo: cópia da certidão de dívida.

Cópia do título executivo

(…)»

[cf. fls. 32-frente e verso dos autos].

I) O aviso de recepção mencionado na alínea anterior mostra-se assinado, em 15/01/2007 [cf. fls. 32 dos autos]. »


***

Este recurso, em que se discute a questão da, eventual, prescrição da dívida exequenda (Concretamente, “ajuda referente ao Projecto N.º 94.21.4123.5 Reg. 2080/92 (do IFADAP)”, atribuída “ao abrigo do Regulamento (CEE) n.º 2080/92”.), coloca-nos na necessidade de, primeira e obrigatoriamente, versar o regime jurídico, respeitante à “protecção dos interesses financeiros das Comunidades Europeias [da União]”, imposto («…, devido à sua própria natureza e à sua função no sistema das fontes do direito da União, as disposições de um regulamento produzem, regra geral, um efeito imediato nas ordens jurídicas nacionais, sem que seja necessário que as autoridades nacionais tomem medidas de aplicação (Acórdãos de 24 de junho de 2004, Handlbauer, C-278/02, EU:C:2004:388, n.º 25, e de 28 de outubro de 2010, SGS Belgium e o., C-367/09, EU:C:2010:648, n.º 32).») pelo Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, em vigor, no espaço da União Europeia, desde 26 de dezembro de 1995 (Publicado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias N.º I. 312/4 de 23.12.95.).

Do conjunto normativo deste Regulamento, sobressai, com potencial relevância no tratamento da problemática acima identificada, o disposto no seu artigo (art.) 3.º, cujo conteúdo, desmembrado, nos permite encontrar e isolar as figuras jurídicas seguintes:

- a previsão do prazo “de prescrição do procedimento”, estabelecido, por regra, em quatro anos (e, nunca, inferior a três anos) – cf. art. 3.º n.º 1;

- a imposição do prazo de três anos, como o “de execução da decisão que aplica a sanção administrativa” – art. 3.º n.º 2.

Com proximidade, regista-se, ainda, a outorga da possibilidade de os Estados-membros aplicarem prazos mais longos – art. 3.º n.º 3.

Não obstante a, aparente, linearidade e objetividade dos aspetos pretendidos regulamentar, pelo legislador europeu, a interpretação do versado art. 3.º do Regulamento não pode prescindir das pronúncias produzidas pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), como é o caso, entre outras, da mais recente, vertida nos acórdãos de 7 de abril de 2022, proferidos nos processos C-447/20 e C-448/20 (No âmbito de pedidos de reenvio prejudicial, com origem nos processos, deste STA, n.ºs 53/16.0BEMDL e 3138/12.8BEPRT.).

Assim, a operância, na nossa ordem jurídica, do mesmo, sempre, terá de levar em linha de conta e conciliar-se com a declaração, pelo TJUE, de que: «

1) O artigo 3.º, n.º 1, do Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, relativo à proteção dos interesses financeiros [da União Europeia], deve ser interpretado no sentido de que, sob reserva do respeito dos princípios da equivalência e da efetividade, não se opõe a uma regulamentação nacional por força da qual, para efeitos de impugnação de uma decisão de cobrança de montantes indevidamente pagos, adotada após o decurso do prazo de prescrição do procedimento previsto nessa disposição, o seu destinatário é obrigado a invocar a irregularidade dessa decisão num determinado prazo perante o tribunal administrativo competente, sob pena de caducidade, e já não se pode opor à execução da referida decisão ao invocar a mesma irregularidade no âmbito do processo judicial de cobrança coerciva intentado contra si.

2) O artigo 3.º, n.º 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que tem efeito imediato nas ordens jurídicas nacionais, sem que seja necessário que as autoridades nacionais tomem medidas de aplicação. Daqui resulta que o destinatário de uma decisão de cobrança dos montantes indevidamente recebidos deve, em qualquer caso, poder invocar o termo do prazo de execução previsto no artigo 3.º, n.º 2, primeiro parágrafo, desse regulamento ou, se for caso disso, de um prazo de execução prolongado em aplicação do artigo 3.º, n.º 3, do referido regulamento, a fim de se opor à cobrança coerciva desses montantes.

3) O artigo 3.º, n.º 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que prevê que o prazo de execução que estabelece começa a correr a partir da adoção de uma decisão que impõe o reembolso dos montantes indevidamente recebidos, devendo esse prazo correr desde o dia em que essa decisão se torne definitiva, ou seja, do dia do termo dos prazos de recurso ou do esgotamento das vias de recurso.

4) O artigo 3.º, n.º 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional por força da qual o prazo de execução previsto no primeiro parágrafo deste número é interrompido pela citação para a cobrança coerciva da dívida objeto de uma decisão de cobrança. »

O conteúdo deste pronunciamento (complementado, necessariamente, com os pertinentes fundamentos), além de outras leituras que possa permitir, na nossa, é elucidativo e seguro de que:

- no n.º 1 do art. 3.º do Regulamento é concedido, aos operadores económicos, um prazo (de 4 ou 3 anos) em que podem invocar a prescrição dos procedimentos, administrativos, respeitantes a uma qualquer irregularidade (definida no art. 1.º n.º 2), a fim de se oporem à aplicação, contra si, de uma, qualquer, das medidas e/ou das sanções administrativas, previstas nos arts. 4.º e 5.º do mesmo Regulamento;

- a invocação desta prescrição (dos procedimentos administrativos), isto é, a alegação de que uma certa e determinada decisão (do órgão administrativo competente) de cobrança de montantes indevidamente pagos/recebidos foi adotada após o decurso dos aplicáveis 4 ou 3 anos, no ordenamento jurídico português, tem de ser feita, dentro do prazo processualmente previsto, perante o tribunal administrativo competente, não sendo, portanto, invocável no âmbito de um, possível, processo (judicial) de cobrança coerciva (dos montantes indevidamente pagos/recebidos), por norma, execução fiscal, contra o devedor, intentado;

- uma vez sedimentada decisão (nacional) que aplique uma medida administrativa, como, por exemplo, a cobrança de ajudas (da União) indevidamente recebidas [ou uma sanção administrativa (Apesar de o art. 3.º n.º 2 do Regulamento mencionar “sanção administrativa”, segundo o TJUE, o mesmo “visa simultaneamente as sanções administrativas, na aceção do artigo 5.º, n.º 1, deste regulamento, e as medidas administrativas, na aceção do artigo 4.º, n.º 1, do referido regulamento, que podem ser adotadas com vista à proteção dos interesses financeiros da União”.)], o destinatário daquela, se decorrer o prazo de, no mínimo, 3 anos sem que o processo de cobrança coerciva (da dívida respetiva) seja instaurado, pode opor-se ao correspondente processo de execução (fiscal);

- acresce, segundo o TJUE, que “a eventual inexistência de fundamento de oposição previsto pelo direito de um Estado-Membro em tal caso não pode impedir o destinatário de uma decisão de cobrança dos montantes indevidamente recebidos de invocar o termo do prazo de execução previsto no artigo 3.º, n.º 2, primeiro parágrafo, do Regulamento n.º 2988/95”;

- o prazo aplicável de execução da decisão (administrativa), em princípio, de 3 anos, começa a correr desde o dia em que tal decisão se torna definitiva, ou seja, insuscetível de recurso (por termo do prazo ou esgotamento das vias de recurso/impugnação administrativa);

- a citação (nos moldes em que seja regulada pelas legislações nacionais) do executado, funciona, como causa interruptiva do prazo previsto no art. 3.º n.º 2 do Regulamento.

Posto isto, podemos, desde já, asseverar que o art. 3.º, do Regulamento (CE, Euratom) n.º 2988/95 do Conselho, de 18 de dezembro de 1995, sem reservas, empreendeu regular os efeitos do decurso do tempo, disponibilizado, às autoridades administrativas intervenientes, por um lado, para concluírem o procedimento de aplicação de medidas e/ou sanções administrativas, visando o cometimento de irregularidades no domínio do direito comunitário (“Constitui irregularidade qualquer violação de uma disposição de direito comunitário que resulte de um acto ou omissão de um agente económico que tenha ou possa ter por efeito lesar o orçamento geral das Comunidades ou orçamentos geridos pelas Comunidades, quer pela diminuição ou supressão de receitas provenientes de recursos próprios cobradas directamente por conta das Comunidades, quer por uma despesa indevida” – cf. art. 1.º n.º 2 do Regulamento.) e, por outro, para, terminada essa fase, dentro do previsto prazo prescricional, darem início à execução da decisão, definitiva, que aplicou a concreta medida e/ou sanção administrativa; no caso dessa execução implicar o recebimento de quantias monetárias, instaurarem (com citação) a competente execução fiscal.

Efetuado este enquadramento, abstrato, generalista, na situação julganda, além da crítica, dirigida pela rte, à sentença sob recurso, no sentido de haver violado, entre outras, “as normas dos arts. 1.º e 3.º do Regulamento (CE/EURATOM) n.º 2988/95 do Conselho” – conclusão 6.4), emerge, merecendo destaque, a posição assumida, pelo Exmo. Pga, no apontamento e defesa de que aquela é censurável, por não haver julgado ter sido ultrapassado o prazo previsto no art. 3.º n.º 2 do Regulamento.

Previamente a nos ocuparmos desta questão, importa consignar que, nos termos, conjugados, dos arts. 121.º n.º 1 e 211.º n.º 1 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), a mesma, enquanto, nítida, questão de legalidade (Não se olvide que, como supra vimos, tem de ser assumido como fundamento de oposição, necessário e incontornável, sob pena de violação do direito comunitário, o direito/faculdade do destinatário, da decisão de cobrança dos montantes indevidamente recebidos, de invocar o termo do prazo de execução previsto no artigo 3.º, n.º 2, primeiro parágrafo, do Regulamento.), porque objetiva a correta aplicação da lei vigente e cabida ao caso, podia ser, legítima e organicamente, suscitada, no âmbito da vista dada, no devir deste recurso jurisdicional, ao Ministério Público.

Em função do entendido, pelo TJUE, de que o prazo de execução da decisão (administrativa), de três anos, imposto pelo art. 3.º n.º 2 do Regulamento (primeiro parágrafo), começa a correr desde o dia em que tal decisão se torna definitiva, ou seja, insuscetível de recurso (por termo do prazo ou esgotamento das vias de recurso/impugnação administrativa), aquilatada a matéria de facto provada nestes autos, podemos reputar seguro que esse determinante marco se fixou em data posterior a 29 de junho e anterior a 18 de dezembro de 1998 (alíneas A) e B)), comprovadamente, a (última) da emissão da primeira certidão de dívida (para efeitos executivos), pelo que, o disputado prazo não foi ultrapassado até 12 de março de 1999, dia da instauração da execução identificada no ponto C) dos factos provados.

Porém, não sendo este o processo executivo visado pela corrente oposição (Nem podia ser, por se tratar de uma execução comum/cível.), apresenta-se manifesta a violação do aplicável triénio, contado, no limite, máximo, desde 17 de dezembro de 1998, quando se tem de assumir, por comprovado, que a execução fiscal, dirigida à cobrança, junto dos herdeiros do devedor originário, da dívida correspondente à “ajuda referente ao Projecto N.º 94.21.4123.5 Reg. 2080/92 (do IFADAP)”, atribuída “ao abrigo do Regulamento (CEE) n.º 2080/92”, apenas, foi instaurada no dia 10 de fevereiro de 2005, acrescendo que a citação (da cabeça de casal) só se efetivou em 15 de janeiro de 2007 (alíneas G), H) e I)), data que fixa a, necessária, interrupção do prazo aplicável.

Mencione-se que este resultado, não obstante ser inquestionável estar, o prazo de que nos ocupamos, sujeito aos “casos de interrupção e suspensão” previstos pelas disposições pertinentes do direito nacional – cf. art. 3.º n.º 2 do Regulamento (segundo parágrafo), nenhum belisque merece, pela consideração da factualidade vertida nas alíneas C) a E). Efetivamente, os acontecimentos, aí, reportados, desde logo, nenhuma causa de interrupção e/ou suspensão, das positivadas nos arts. 318.º a 327.º do Código Civil (CC), são suscetíveis de integrar; destacando-se, não ter resultado provado que o devedor originário foi citado para os termos da primeira execução acionada pelo IFADAP/IFAP.

Aliás, mesmo que se considerasse (como hipótese académica) o entendimento sustentado, pelo rdo, nas conclusões J. a M. da sua contra-alegação, decorreram três anos entre 29 de maio de 2001 e 10 de fevereiro de 2005; decurso esse muito mais acentuado, evidente, se (como temos) se tivesse em conta a data de interrupção, do versado prazo, coincidente com o dia da consumação da citação da cabeça de casal, ou seja, 15 de janeiro de 2007.

Um apontamento final para aduzir que, sem prejuízo de ser, atualmente, viável, em função, sobretudo, dos propósitos/objetivos pretendidos alcançar pelos órgãos, executivo e judicial, da União Europeia, fixar, também, em 3 (três) anos, o prazo, normal, de prescrição da obrigação de restituição/pagamento dos montantes em dívida ou indevidamente recebidos, eventualmente, acrescidos de juros, em consequência da prática de atos lesivos dos seus interesses financeiros (Cf., acórdão, do STA, de 18 de maio de 2022 (2502/21.6BEPRT); disponível em www.dgsi.pt), face à pronúncia, do TJUE, no sentido de que “o destinatário de uma decisão de cobrança dos montantes indevidamente recebidos deve, em qualquer caso, poder invocar o termo do prazo de execução previsto no artigo 3.º, n.º 2, primeiro parágrafo, desse regulamento ou, se for caso disso, de um prazo de execução prolongado em aplicação do artigo 3.º, n.º 3, do referido regulamento, a fim de se opor à cobrança coerciva desses montantes”, sempre, podemos reconduzir a invocação, como neste caso, da, estrita, ultrapassagem do prazo inscrito no art. 3.º n.º 2 (primeiro parágrafo) do Regulamento, ao, nominado, fundamento, de oposição à execução fiscal, da alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT («Quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título. »).


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# III.

Destarte, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos:

- conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida, na parte objeto deste apelo;

- julgar extinta, in totum, a execução fiscal, identificada na alínea G) dos factos provados.


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Custas pelo recorrido.

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[texto redigido em meio informático e revisto]

Lisboa, 13 de julho de 2022. – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Isabel Cristina Mota Marques da Silva.