Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0258/11
Data do Acordão:04/06/2011
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:RECLAMAÇÃO DE ACTO PRATICADO PELO ÓRGÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
PRAZO DE RECLAMAÇÃO
SUSPENSÃO DE PRAZO
FÉRIAS JUDICIAIS
PROCESSO URGENTE
Sumário:I - A reclamação judicial de acto praticado na execução fiscal constitui uma verdadeira acção impugnatória incidental da execução fiscal, formulada no curso de execução pendente, tendo por objecto determinado acto que nela foi praticado pelo órgão da execução e por finalidade a apreciação da validade desse acto.
II - Não sendo a execução fiscal um processo urgente, é-lhe inaplicável o disposto n.º 5 do artigo 144.º do CPC e a regra da continuidade dos prazos que este implica, o que acarreta a suspensão do prazo para a prática de todos os actos processuais entre 15 de Julho e 31 de Agosto, designadamente do prazo para nela reclamar de actos praticados pelo órgão da execução.
III - A reclamação só pode adquirir a natureza de processo urgente após a sua introdução em juízo, pelo que a regra da continuidade prevista no n.º 5 do artigo 144.º só se aplica aos prazos surgidos durante a sua tramitação processual.
Nº Convencional:JSTA00066914
Nº do Documento:SA2201104060258
Data de Entrada:03/17/2011
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF COIMBRA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CPPTRIB99 ART20 ART276 ART277 ART278 N5.
LGT98 ART103.
CPC96 ART143 ART144.
DL 35/2010 DE 2010/04/15.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC1077/09 DE 2010/01/20.; AC STA PROC655/10 DE 2010/10/20.; AC STA PROC656/10 DE 2010/11/17.; AC STA PROC762/08 DE 2008/10/22.; AC STA PROC991/10 DE 2011/01/19.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A…, com os demais sinais dos autos, não se conformando com sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou intempestiva a reclamação que interpôs contra a decisão do Chefe do Serviço de Finanças de Figueira da Foz-1 proferida no âmbito da execução fiscal com o n° 074420030150207.7 e apensos, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.
Terminou a sua alegação de recurso enunciando as seguintes conclusões:
A) O Chefe do Serviço de Finanças de Figueira da Foz-1 proferiu em 22.06.2010 o despacho que deu origem à reclamação dos autos, apresentada nos termos do artigo 276.° do CPPT, o qual foi notificado ao reclamante em 16.07.2010 e ao mandatário em 15.07.2010.
B) A reclamação contra o referido despacho foi apresentada em 10.09.2010, com os fundamentos na mesma exarados e para os quais se remete para efeitos de apreciação.
C) O douto tribunal a quo entendeu que a reclamação havia sido intempestivamente apresentada por se tratar de um processo urgente e, como tal, correr em férias,
D) O n° 5 do artigo 278.° do CPPT tem de ser interpretado restritivamente, dado que uma interpretação literal do mesmo implicaria que a reclamação dos actos praticados no processo executivo fosse sempre um processo urgente.
E) No entanto, exceptuadas as situações previstas no n° 3 daquela mesma norma, estas reclamações nunca têm carácter urgente, o qual somente se verificará quando for invocada e provada a existência de um prejuízo irreparável, causado por qualquer uma das ilegalidades elencadas naquele n° 3.
F) Ora o recorrente não invocou – nem podia invocar, porque inexistente no caso sub judice – qualquer prejuízo irreparável que pudesse motivar a subida da reclamação nos termos do n° 4 do referido artigo 278°, visto que o processo de execução fiscal já havia sido declarado extinto.
G) O único pedido que o reclamante pretendia ver satisfeito prendia-se com o reconhecimento do direito e com a restituição das quantias pagas após a ocorrência da prescrição da divida exequenda.
H) O processo foi efectivamente remetido a final, pelo que jamais se poderá falar in caso de uma subida imediata que determinaria, como parece entender o douto tribunal recorrido, a atribuição de natureza urgente à reclamação.
I) Não sendo esta reclamação um processo urgente, o prazo para a sua apresentação não corre em férias, sendo manifesto a sua tempestividade, face ao disposto no n° 1 do artigo 144.° do Código de Processo Civil, aplicável por força do n° 2 do artigo 20.° do CPPT.
J) Por conseguinte, foram violados os artigos 144.° do CPC, bem como o artigo 278.°, n.ºs 1, 3, 4 e 5 do CPPT, devendo estas normas ter sido interpretadas e aplicadas no sentido de atribuir carácter urgente à reclamação das decisões do órgão da execução fiscal somente em caso de invocação e verificação de prejuízo irreparável, causado por uma das ilegalidades elencadas no n° 3 do mencionado preceito.
1.2. A Recorrida – FAZENDA PÚBLICA – não apresentou contra-alegações.
1.3. O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer no sentido de que devia ser concedido provimento ao recurso, na medida em que a presente reclamação não se alicerça na existência de qualquer das ilegalidades previstas no n.º 3 do artigo 278.º do CPPT, nem nela é invocada a existência de prejuízo irreparável, não tendo, assim, carácter urgente, pelo que o prazo de 10 dias para a sua interposição se suspendeu em férias, de harmonia com o disposto no artigo 144.º do CPC, sendo-lhe inaplicável a regra da urgência contida no n.º 5 do artigo 278.º do CPPT.
1.4. Com dispensa dos vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, atenta a natureza urgente do processo, cumpre decidir.
2. Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte matéria de facto:
1 O reclamante, em 2010.09.10, apresentou por via electrónica, no processo de execução fiscal n° 074420030150207.7 e apensos a presente reclamação contra o despacho do Chefe do Serviço de Finanças, proferido em 2010.06.22, na qual arguiu a prescrição das dívidas naquele processo de execução fiscal, nos termos e pelos fundamentos ali melhor exarados.
2 Em 22.06.2010, o Chefe do Serviço de Finanças de Figueira da Foz-1 proferiu despacho nos seguintes termos: “concordo com a informação. Defiro parcialmente o pedido no sentido de ser restituído ao executado o montante de € 333,33 que foi indevidamente pago”.
3 O reclamante foi notificado do despacho referido em 2) através do ofício n° 3553, datado de 2010.07.14 e remetido por carta registada com a/r recebido por B…, em 16.07.2010.
4 O mandatário constituído pelo reclamante foi também notificado do ofício n° 3552, datado de 2010.07.14, remetido por carta registada com a/r e recebido (nome ilegível) em 15.07.2010.
3. Da leitura das conclusões de recurso, que delimitam o âmbito e objecto do recurso, resulta que a única questão colocada é a de saber se a decisão recorrida incorreu em erro ao julgar que a presente reclamação fora instaurada para além do prazo legal de 10 dias previsto no artigo 277.º do CPPT, por este prazo não se suspender durante o período de férias judiciais, correndo de forma contínua por se tratar de processo de natureza urgente.
Vejamos.
Segundo o disposto no artigo 277.º do CPPT, o prazo para apresentação da reclamação judicial a que se refere o artigo 276.º e seguintes é de 10 dias ou 30 dias, conforme se trate decisão do órgão da execução fiscal ou de outra entidade da administração tributária, e conta-se da data em que o interessado tiver sido notificado da decisão reclamada.
O que significa que esse prazo se aplica a todas as reclamações, independentemente de elas terem ou não a natureza urgente prevista no n.º 5 do artigo 278.° do CPPT.
Por outro lado, o artigo 20.º do CPPT prescreve do seguinte modo:
Artigo 20.º
Contagem dos prazos
1 - Os prazos do procedimento tributário e de impugnação judicial contam-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil.
2 - Os prazos para a prática de actos no processo judicial contam-se nos termos do Código de Processo Civil.
Quer isto dizer que os prazos substantivos se contam de acordo com o Código Civil e os prazos processuais de acordo com o Código de Processo Civil, isto é, que os primeiros correm durante as férias judiciais, ao contrário dos segundos que, em geral, se suspendem nesse período.
Ora, independentemente da adequada qualificação da reclamação judicial a que se refere o artigo 276.º e seguintes do CPPT – como incidente, como recurso ou como impugnação – matéria “em que o legislador não revela senão hesitações e incertezas reflectidas na variação terminológica que utiliza para designar este meio de defesa dos lesados perante decisões do órgão da execução fiscal praticados no processo de execução fiscal (Como se deixou afirmado no acórdão de 20/01/2010 deste Tribunal, proferido no processo n.º 1077/09.), é inquestionável a sua dependência estrutural em relação à execução fiscal na qual é praticado o acto reclamado. Como se deixou dito nesse acórdão do STA e noutros que se lhe seguiram (Cfr. acórdãos de 20/10/2010, no processo nº 655/10, e de17/11/2010, no processo n.º 656/10.), cuja doutrina sufragamos, «Desta estrutural dependência da “reclamação” relativamente à própria execução fiscal resulta que a instauração da “reclamação” não constitui propriamente a introdução em juízo de um processo novo».
A reclamação de acto praticado na execução fiscal constitui, pois, uma verdadeira acção impugnatória incidental da execução fiscal, formulada no curso de execução pendente, tendo por objecto determinado acto que nela foi praticado pelo órgão da execução fiscal e por finalidade a apreciação da validade desse acto.
Ora, tendo o processo de execução natureza judicial (mesmo na fase que corre perante o órgão da administração fiscal - artigo 103.º da LGT), o prazo para deduzir este incidente de reclamação não pode deixar de ter natureza processual, a que se aplicam as regras contidas no artigo 144.º do CPC, suspendendo-se durante as férias judiciais e durante o período compreendido entre 15 e 31 de Julho (cfr. Decreto-Lei n.º 35/2010, de 15 de Abril, que deu nova redacção aos artigos 143.º e 144.º do CPC).
É certo que o n.º 5 do artigo 144.º do CPC determina que a suspensão do prazo processual não é aplicável «quando se tratar de actos a praticar em processos que a lei considere urgentes, salvo se por despacho fundamentado, ouvidas as partes, o juiz a determine». Todavia, nem o processo de execução fiscal constitui um processo urgente, nem a reclamação judicial pode adquirir essa natureza antes da sua introdução em juízo.
Como se deixou explicado nos acórdãos proferidos por esta Secção de Contencioso Tributário nos acórdãos proferidos em 22/10/2008 e em 19/01/2011, nos processos nº 762/08 e n.º 991/10, respectivamente, “deve atentar-se, porém, em que as regras dos processos urgentes, segundo o sentido da lei, se aplicam à “tramitação” da reclamação e, evidentemente, não dizem respeito à “admissão”, ou ao “prazo” de admissão da reclamação. Na verdade, a normação relativa à urgência consta da “tramitação”, conforme ao artigo 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário. Se a normação relativa à urgência incluísse a própria propositura da reclamação, deveria constar logo do início da respectiva secção XI do mesmo Código de Procedimento e de Processo Tributário. E o que é certo, no entanto, é que o artigo 277.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário dispõe expressamente os prazos em que a reclamação deve ser apresentada: 10 ou 30 dias. Se o legislador tipificou os prazos de apresentação da reclamação é porque queria estes, e não outros resultantes da aplicação das regras de tramitação dos processos urgentes. Pelo que “as regras dos processos urgentes”, como a da redução do prazo e da não suspensão deste durante as férias judiciais, não lhes serão aplicáveis.”.
Em suma, não sendo possível qualificar a execução fiscal como um processo urgente, é-lhe inaplicável o disposto n.º 5 do artigo 144.º do CPC e a regra da continuidade dos prazos que este implica, com a inevitável suspensão do prazo para a prática de actos processuais entre 15 de Julho e 31 de Agosto, designadamente do prazo para reclamar dos actos que nela são praticados pelo órgão da execução. Por seu turno, o processo de reclamação judicial que tenha por objecto esses actos praticados na execução fiscal só adquire a natureza de urgente após a sua introdução em juízo, pelo que a regra da continuidade prevista no n.º 5 do artigo 144.º só se aplica aos prazos surgidos durante a sua tramitação processual.
Neste contexto, conclui-se que, independentemente de ter sido ou não pedida a tramitação como processo urgente da presente reclamação, era de 10 dias o prazo processual para a sua instauração, contados da data em que o executado foi notificado do acto reclamado (16/07/2010), prazo que se suspendeu desde essa data até 31/08/2010 por força do disposto no artigo 143.º, n.º 1, alíneas b) e c), e no artigo 144.º do CPC, transferindo-se para o primeiro dia útil subsequente.
Tendo a reclamação sido apresentada em 10/09/2010, a mesma é tempestiva, não podendo manter-se a decisão recorrida, que assim não entendeu.
4. Termos em que se acorda conceder provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida, a substituir por outra que não julgue a reclamação intempestiva.
Sem custas.
Lisboa, 6 de Abril de 2011. - Dulce Manuel Neto (relatora) - Valente Torrão - Brandão de Pinho.