Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0773/13
Data do Acordão:09/11/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA
Sumário:I - Nos termos do artigo 279.º do Código de Processo Civil, aplicável ao processo judicial tributário ex vi da alínea e) do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, o tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa esteja dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.
II - A necessária e oficiosa reposição da legalidade em caso de procedência da pretensão anulatória da impugnação cuja suspensão foi decretada pelo despacho recorrido não afasta a justificação para a suspensão da instância decretada pelo tribunal “a quo” atendendo ao nexo de prejudicialidade que se verifica, não entre as acções, mas entre os actos tributários que dela são objecto (IRC de 2002 e de 2003).
Nº Convencional:JSTA00068350
Nº do Documento:SA2201309110773
Data de Entrada:05/03/2013
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A......, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF PORTO
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Legislação Nacional:CPC ART279
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

- Relatório -
1 – A Fazenda Pública recorre para este Supremo Tribunal do despacho da Meritíssima juíza “a quo” de fls. 1362 dos autos, que, no processo de impugnação judicial interposto por A……….., SA tendo por objecto a liquidação de IRC do exercício de 2003 relativo ao grupo de sociedades encabeçado pela impugnante, deferiu a requerida suspensão da instância até ao trânsito em julgado da decisão a proferir no processo de impugnação n.º 1007/07.2BEPRT, pendente no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, onde se discute a legalidade da liquidação do IRC do exercício de 2002.
A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

A) Vem o presente recurso interposto do douto despacho que determinou a suspensão da impugnação “sub judice” até ao trânsito em julgado da decisão a proferir no processo de impugnação que corre termos no Tribunal “a quo” sob o n.º 1007/07.BEPRT, nos termos do art. 279.º do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” art. 2.º al. e), do CPPT.
B) A subida imediata do recurso da decisão interlocutória sustenta-se no disposto no n.º 2 do art. 285.º do CPPT, porquanto a subida afinal comprometeria o efeito útil a obter com a reacção à suspensão da instância decretada por meio do despacho recorrido.
C) O douto despacho sob recurso padece de erro de julgamento quanto à matéria de direito, ao ponderar erroneamente que, no caso “sub judice” e perante a alegação de prejudicialidade da impugnação n.º 1007/07.2BEPRT em relação à impugnação em presença, esta justifica a suspensão da impugnação em referência, nos termos do art. 279.º n.º 1, do CPPT, até ao trânsito em julgado da decisão da impugnação n.º 1007/07.2BEPRT.
D) Para além destas questões atinentes às correcções na origem dos atos tributários impugnados, a impugnante, nos pontos 388 a 404 da PI e 476 a 492 das alegações apresentadas, argui, com importância para este recurso, especificamente nos pontos 399 a 404 da PI, repetidos nos pontos 488 a 492 das alegações apresentadas, que a Administração Tributária corrigiu o valor do prejuízo fiscal consolidado do grupo quanto ao exercício de 2002, evitando que o mesmo estivesse disponível para dedução ao lucro tributável consolidado do grupo em 2003, tendo deduzido impugnação judicial da liquidação em que se repercute aquela correcção, instaurara sob o n.º 1007/07.2BEPRT.
E) Cabe assinalar, antes de mais, que não obstante a Fazenda Pública não se ter oposto expressamente à pretendida suspensão da instância em contestação ou nas alegações nos termos do art. 120.º do CPPT, nem se ter pronunciado sobre tal pretensão, na sequência da notificação do despacho proferido em 23.10.2012,
F) tal silêncio não pode ser tido, sem mais, como anuência ou aceitação tácita da relação de prejudicialidade invocada para justificar essa suspensão, precludindo o direito de recurso ou desfavorecendo o exame do recurso que agora se interpõe.
G) O despacho proferido em 23.10.2012 não indicava qualquer efeito cominatório à falta de pronúncia, o que não se vê como poderia ter lugar, tanto mais que no âmbito das relações jurídico-tributárias vigora o princípio da indisponibilidade, aflorado no n.º 2 do art. 30.º da LGT, pelo que tal silêncio não pode ser interpretado como reserva, renúncia ou desistência da impugnação da requerida suspensão.
H) Acresce que os termos singelos em que a suspensão da instância foi requerida, sem qualquer argumentação desenvolvida em seu apoio, nem qualquer factualidade invocada que merecesse instrução ou sequer debate, só colocavam a questão em termos de direito, que em última análise compete ao tribunal aplicar.
I) Note-se que o silêncio só pode valer como declaração quando esse valor lhe seja atribuído por lei, no caso presente desconhece-se que exista lei adjectiva que atribua ao silêncio perante a notificação do despacho de 23.10.2012 qualquer efeito sobre a conduta ou atitude processual da Fazenda Pública, mormente considerando que a lei declara que, notificada a Fazenda pública para contestar a impugnação, a falta de contestação represente a confissão dos factos articulados pela impugnante.
J) Posto isto, e como parece evidente, com o devido respeito e sem embargo de melhor opinião, cumpre registar desde logo que, qualquer que seja o sentido decisório jurisdicional que se venha a consolidar na impugnação nº 1007/07.2BEPRT com resultado quanto ao valor dos prejuízos fiscais apurados em 2002, este projectará os seus efeitos devidos na liquidação de IRC de 2003 que estiver em vigor ao tempo da decisão da impugnação n.º 1007/07.2BEPRT.
K) Ademais, numa ótica substancial, não se vê como a fixação do quantitativo do prejuízo a reportar do ano de 2002 para 2003, segundo o que for decidido na impugnação n.º 1007/07.2BEPRT, tenha tal precedência lógica que qualquer das questões decidendas nesta impugnação tenha de aguardar, no plano factual ou jurídico, pela mera definição do quantum a reportar, consoante o sentido em que forem decididas as questões sobre que verse aquela impugnação n.º 1007/07.2BEPRT.
L) Ora, o quantitativo desses prejuízos não são ato ou facto tributário pressuposto necessário das questões em apreciação nesta impugnação, aquele é prejudicial em relação a esta, nem a decisão da causa dita prejudicial, em especial no que respeita ao quantitativo dos prejuízos a reportar, para mais ou para menos, irá modificar os termos em que as situações jurídicas inerentes à causa de pedir da impugnação “sub judice” terão de ser consideradas para decisão desta impugnação, não lhe retiram ou reforçam o fundamento ou a razão de ser.
M) Como tal, a decisão da presente impugnação não depende do julgamento definitivo da alegada causa prejudicial, no que concerne aos prejuízos a reportar do ano de 2002, porque tal reporte não forma caso julgado, com pertinência para a decisão das questões vertentes nesta impugnação, devendo assim o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que denegue a pretendida suspensão.
Termos em que, deve ser dado PROVIMENTO ao presente recurso da decisão de 08.01.2013 proferida na impugnação em apreço, com as legais consequências, revogando-se, por conseguinte, o despacho recorrido.

Por despacho de fls. 1373/1374 dos autos foi o recurso admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo nos termos dos artigos 280º e 285, n.º 2, todos do CPPT e artigo 691º-A, nº 1 alínea b) do CPC.

2 – Contra-alegou a recorrida, concluindo nos seguintes termos:
i. A Fazenda Pública entende que o Tribunal a quo ponderou erradamente o nexo de prejudicialidade entre os processos judiciais em causa – o que, inegavelmente, constitui matéria de facto, invocando ainda, os factos invocados pela Impugnante, ora Recorrida, “nos pontos 399 a 404 da PI, repetidos nos pontos 488 a 492 das alegações apresentadas” (cfr. conclusão D do recurso).
ii. Nos termos do disposto nos artigos 26.º c) do ETAF e 280º n.º 1 do CPPT, a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo conhece dos recursos exclusivamente fundados em matéria de direito – o que acarreta a incompetência absoluta do Tribunal” (Art. 16.º, n.º 1 do CPPT).
iii. Ainda que tivesse sido remetido ao Tribunal competente, o presente recurso sempre estaria votado ao insucesso, na medida em que, dependendo o conhecimento do seu objecto da análise de matéria de facto – como é o caso – afigura-se que a Fazenda Pública não identifica correctamente os pontos factuais ou os elementos constantes dos autos que, no seu entender, impunham uma diferente decisão, o que inviabiliza a intervenção do tribunal de recurso. (…).».
iv. Nos termos do n.º 2 do artigo 284.º do CPC, uma causa é prejudicial a outra quando a decisão daquela altera, total ou parcialmente, o fundamento desta – é o que sucede no caso dos autos, na medida em que a impugnante, ora Recorrida, entende que a aferição sobre a legalidade da correcção de prejuízos reportáveis, em causa do processo n.º 1007/07BEPRT, é temporal e funcionalmente anterior às correcções aqui discutidas, podendo o desfecho daquela impugnação determinar a absorção integral destas.
TERMOS EM QUE, com a improcedência do presente recurso, deve o Douto despacho recorrido ser mantido nos seus precisos termos, assim se cumprindo a Lei e se fazendo JUSTIÇA!

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral adjunto junto deste Supremo Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:

(…)
A recorrida, além do mais vem sustentar a incompetência, em razão da hierarquia, do STA, questão que merece imediata e prioritária apreciação, nos termos do disposto nos artigos 13.º do CPTA e 16.º/2 do CPPT.
Vejamos.
O STA é competente para conhecer dos recursos jurisdicionais interpostos de decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância se estiver apenas em causa matéria de direito, conforme estatuído nos artigos 26.º/b) e 38.º/a do ETAF e 280.º/1 do CPPT.
Como refere o ilustre Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa (Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6.ª edição, 2011, I volume, página 224), “A jurisprudência tradicional do STA quanto à delimitação da sua competência em relação à dos Tribunais Centrais Administrativos vinha sendo no sentido de ser efectuada com base nos fundamentos do recurso, devendo entender-se que o recurso não tem por fundamento exclusivamente matéria de direito sempre que nas conclusões das respectivas alegações, que fixam o objecto do recurso (art. 684.º, n.º 3, do CPC), o recorrente pede a alteração da matéria de fáctica fixada na decisão recorrida ou invoca, como fundamento da sua pretensão, factos que não têm suporte na decisão recorrida, independentemente da atendibilidade ou relevo desses factos para o julgamento da causa.”
“Mais recentemente o STA, por razões pragmáticas, passou a adoptar um entendimento de que, perante as conclusões das alegações de recurso que não estejam suportadas em factos estabelecidos no probatório fixado na sentença recorrida, haverá que ponderar se tais conclusões se traduzem efectivamente em novos factos que contrariam os fixados ou em novas ilações de facto deles retiradas (caso em que se verifica excepção dilatória de incompetência do STA para conhecimento do recurso) ou se, pelo contrário, estão em causa factos, em abstracto, irrelevantes para a decisão da questão decidenda ou meras ilações jurídicas retiradas dos factos fixados, caso, em que o STA será ainda competente para conhecer do recurso.”
“Por outro lado, não devem considerar-se como invocação da matéria de facto, as referências a peças que constem do processo, pois todas as ocorrências processuais são de conhecimento oficioso.” (Obra citada, páginas 225/226).
Alega a recorrida que a recorrente sustenta que o tribunal recorrido ponderou erradamente o nexo de prejudicialidade entre os processos judiciais em causa e que invoca os factos alegados pela recorrida/impugnante nos pontos 399 a 404 da PI, repetidos nos pontos 488 a 492 das alegações apresentadas, o que tudo constituirá matéria de facto.
Salvo melhor juízo, não se nos afigura que assim seja.
De facto, saber se existe nexo de prejudicialidade entre duas acções tendo em vista a suspensão prevista no artigo 279.º do CPC, fazendo-se referência a peças constantes do processo, donde se extraem as causas de pedir/pedido de ambas as acções, constitui claramente matéria de direito.
Efectivamente, como já se referiu, as referências a peças que constam do processo, dado que todas as ocorrências processuais são de conhecimento oficioso, não integra matéria de facto.
Portanto, em nosso entendimento o STA é competente para conhecer do presente recurso.
Quanto ao mérito do recurso entendemos que a recorrente tem plena razão, conforme conclusões de recurso, cujo discurso fundamentador se subscreve, por inteiro.
Uma causa é prejudicial em relação a outra quando a decisão daquela pode prejudicar a decisão desta, isto é, quando a procedência da primeira tira razão de ser à existência da segunda (Alberto dos Reis, Com., 3.º- 206).
Ora, parece manifesto que a procedência da acção onde se discute a liquidação de IRC de 2002, em que se impugnam as correcções que a AT fez no que concerne aos prejuízos fiscais não tira razão de ser à presente acção, cuja causa de pedir consta da respectiva PI.
Na verdade, qualquer que venha a ser a decisão que venha a ser proferida na acção onde se discute o IRC de 2002, com resultado quanto ao valor dos prejuízos fiscais, esta projectará os seus efeitos na liquidação de IRC em discussão nestes autos, independentemente do sentido da decisão a proferir.
Efectivamente, a decisão a proferir na acção relativa ao IRC de 2002, tendo como consequência eventual a fixação dos prejuízos a reportar para exercícios futuros, levará a que, consoante o quantitativo fixado, este tenha reflexo no IRC de 2003, tendo como consequência a estruturação de liquidação correctiva, no âmbito da execução oficiosa do julgado por banda da AT.
Não se verifica, pois nexo de prejudicialidade entre as duas acções.
A decisão recorrida, merece, assim censura.
Termos em que deve dar-se provimento ao recurso, revogar-se a decisão recorrida, baixando os autos à 1.ª instância para prosseguirem os seus regulares termos.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

- Fundamentação -

4 – Questões a decidir
Importa previamente determinar se, como alegado pela ora recorrida, se verifica a excepção de incompetência em razão da hierarquia deste Supremo Tribunal para conhecimento do objecto do recurso.
Improcedendo a excepção de incompetência suscitada pela recorrida, importa apreciar o mérito do recurso consistindo a questão decidenda em saber se, como decidido, se justifica a suspensão da instância de impugnação - que tem por objecto IRC do exercício de 2003 -, ao abrigo do disposto no artigo 279.º do Código de Processo Civil (CPC), até ao trânsito em julgado da decisão a proferir no processo de impugnação pendente tendo por objecto o IRC relativo ao exercício de 2002.

Não há que cuidar do regime de subida do recurso, pois que não é controvertido que o presente recurso de despacho interlocutório devia ter subido imediatamente - como subiu - sob pena de perda do seu efeito útil (cfr. o n.º 2 do artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário – CPPT).


5 – Apreciando.

5.1 Questão prévia: Da alegada incompetência deste STA para conhecimento do objecto do recurso

Alega a recorrida - cfr. conclusões i) e ii) das suas contra-alegações de recurso – a excepção de incompetência absoluta deste Supremo Tribunal para conhecimento do objecto do recurso, porquanto nos termos do ETAF e do CPPT conhece apenas dos recursos exclusivamente fundados em matéria de direito e o entendimento da recorrente de que o Tribunal a quo ponderou erradamente o nexo de prejudicialidade entre os processos judiciais em causa (…) inegavelmente, constitui matéria de facto, invocando ainda, os factos invocados pela Impugnante, ora Recorrida, “nos pontos 399 a 404 da PI, repetidos nos pontos 488 a 492 das alegações apresentadas” (cfr. conclusão D do recurso).
Entende o Excelentíssimo Procurador-Geral adjunto junto deste Supremo Tribunal que tal excepção se não verifica, pois que saber se existe nexo de prejudicialidade entre duas acções tendo em vista a suspensão prevista no artigo 279.º do CPC, fazendo-se referência a peças constantes do processo, donde se extraem as causas de pedir/pedido de ambas as acções, constitui claramente matéria de direito, já que as referências a peças que constam do processo, dado que todas as ocorrências processuais são de conhecimento oficioso, não integra matéria de facto.
Notificadas as partes para, querendo, se pronunciarem sobre a alegada excepção de incompetência (cfr. fls. 1396 a 1398 dos autos), veio a recorrente, manifestando concordância com o parecer do Ministério Público, defender a improcedência de tal excepção e a competência do STA para o conhecimento do recurso, embora, à cautela, caso assim não se julgue, desde logo requeira o envio dos autos ao tribunal julgado competente (cfr. resposta da Fazenda Pública, a fls. 1405 e 1406 dos autos).
Vejamos.
Como é sabido, o objecto do recurso é a decisão recorrida e esta, ao contrário do que parece pressupor a recorrente e o Excelentíssimo Procurador Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal, não se fundamenta na existência de um nexo de prejudicialidade entre a presente acção, cuja suspensão foi determinada pelo despacho recorrido, e a que corre termos no TAF do Porto sob o n.º 1007/07.2BEPRT, antes na ocorrência de motivo justificado para tal suspensão.
De facto, é do seguinte teor o despacho recorrido seguintes (cfr. despacho recorrido, a fls. 1362 dos autos):
«Compulsados os autos verifico que a impetrante requereu a suspensão dos mesmos até decisão com trânsito em julgado a proferir nos autos que correm termos neste TAF com o n.º 1007/07.2BEPRT, com os fundamentos alegados na p.i. e alegações apresentadas
Notificada para se pronunciar, a Fazenda Pública nada disse.
Ouvido o Ministério Público, pelo mesmo também foi dito nada ter a opor.
De acordo com o 279.º do Código de Processo Civil (CPC), ex vi do art. 2.º al. e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), o Tribunal pode ordenar a suspensão quando ocorrer motivo justificado.
Ora, em face do requerido supra encontra-se justificada tal suspensão.
Pelo exposto, determino a suspensão da presente instância até trânsito em julgado da decisão a proferir no processo de impugnação que corre seus termos sob o n.º 1007/07.2BEPRT.
Dê conhecimento ao referido Processo.
Notifique.
(…)» (sublinhados nossos).

Importa, pois, averiguar apenas se, como decidido, em face dos fundamentos alegados na p.i. e alegações apresentadas, ocorre ou não motivo justificativo da suspensão da instância de impugnação que está na origem dos presentes autos, pois que foi esta a decisão recorrida, não podendo a recorrente pretender sindicar a decisão recorrida com uma fundamentação que não é a dela constante e não sindicando em concreto a que dela consta.
Ora, quer para averiguar se as alegações de recurso atacam a decisão recorrida nos termos em que foi proferida, quer mesmo para averiguar se ocorre ou não motivo justificativo da decretada suspensão da instância, não há que ponderar quaisquer factos, apenas e só que interpretar as peças processuais respectivas e a lei aplicável, procedendo à respectiva aplicação, o que constitui manifestamente matéria de direito, para cujo conhecimento este Supremo Tribunal é o competente.
Improcede, pois, a excepção de incompetência suscitada pela recorrida/impugnante.

5.2 Do mérito do recurso
Alega a recorrente (cfr. conclusão C) das suas alegações de recurso) que o despacho sob recurso padece de erro de julgamento quanto à matéria de direito, ao ponderar erroneamente que, no caso “sub judice” e perante a alegação de prejudicialidade da impugnação n.º 1007/07.2BEPRT em relação à impugnação em presença, esta justifica a suspensão da impugnação em referência, nos termos do art. 279.º n.º 1, do CPPT, até ao trânsito em julgado da decisão da impugnação n.º 1007/07.2BEPRT, que numa ótica substancial, não se vê como a fixação do quantitativo do prejuízo a reportar do ano de 2002 para 2003, segundo o que for decidido na impugnação n.º 1007/07.2BEPRT, tenha tal precedência lógica que qualquer das questões decidendas nesta impugnação tenha de aguardar, no plano factual ou jurídico, pela mera definição do quantum a reportar, consoante o sentido em que forem decididas as questões sobre que verse aquela impugnação n.º 1007/07.2BEPRT, pois o quantitativo desses prejuízos não são ato ou facto tributário pressuposto necessário das questões em apreciação nesta impugnação, aquele é prejudicial em relação a esta, nem a decisão da causa dita prejudicial, em especial no que respeita ao quantitativo dos prejuízos a reportar, para mais ou para menos, irá modificar os termos em que as situações jurídicas inerentes à causa de pedir da impugnação “sub judice” terão de ser consideradas para decisão desta impugnação, não lhe retiram ou reforçam o fundamento ou a razão de ser e como tal a decisão da presente impugnação não depende do julgamento definitivo da alegada causa prejudicial, no que concerne aos prejuízos a reportar do ano de 2002, porque tal reporte não forma caso julgado, com pertinência para a decisão das questões vertentes nesta impugnação, devendo assim o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que denegue a pretendida suspensão (conclusões K) a M) das alegações de recurso).
Mais alega, em síntese, que a falta de pronúncia ou de oposição da Fazenda Pública à requerida suspensão da instância não pode ser tida como anuência ou aceitação tácita da relação de prejudicialidade invocada para justificar essa suspensão, precludindo o direito ao recurso ou desfavorecendo o exame do recurso que agora se interpõe (cfr. conclusões E) a I) das alegações de recurso), porquanto o despacho proferido em 23.10.2012 não indicava qualquer efeito cominatório à falta de pronúncia e a lei não comina tal efeito, para além de que no âmbito das relações jurídico-tributárias vigora o princípio da indisponibilidade, aflorado no n.º 2 do artigo 30.º da LGT.
Invoca ainda que qualquer que seja o sentido decisório jurisdicional que se venha a consolidar na impugnação nº 1007/07.2BEPRT com resultado quanto ao valor dos prejuízos fiscais apurados em 2002, este projectará os seus efeitos devidos na liquidação de IRC de 2003 que estiver em vigor ao tempo da decisão da impugnação n.º 1007/07.2BEPRT (cfr. alínea J) das alegações de recurso).
Vejamos.
Tem inteira razão a recorrente na sua alegação de que a falta de pronúncia ou de oposição da Fazenda Pública à requerida suspensão da instância não pode ser tida como anuência ou aceitação tácita da relação de prejudicialidade invocada para justificar essa suspensão, precludindo o direito ao recurso ou desfavorecendo o exame do recurso que agora se interpõe (cfr. conclusões E) a I) das alegações de recurso).
Embora o despacho recorrido, supra transcrito, refira que «Notificada para se pronunciar, a Fazenda Pública nada disse.», o que corresponde à verdade processual que se extrai dos autos, o recurso foi admitido, como não podia deixar de ser, e será apreciado tendo em conta apenas a respectiva motivação e o teor da decisão recorrida, sem que ao anterior silêncio seja atribuído qualquer relevo para a decisão da causa.

Nas demais alegações, porém, parece-nos não assistir razão à recorrente, porquanto, ao contrário do que parece resultar da sua alegação principal, nem a impugnante invocou a existência de prejudicialidade ou dependência entre as acções nem foi este o motivo invocado na decisão recorrida para decretar a suspensão da instância.

O que a impugnante invocou, isso sim, na sua petição inicial de impugnação (cfr. os n.ºs 388 a 404 da PI, a fls. 36 e 37 dos autos) e nas alegações escritas apresentadas (cfr. os seus n.ºs 476 a 492, a fls. 1085 a 1088 dos autos) para fundamentar a suspensão da instância por si requerida foi a existência de uma relação de prejudicialidade, não entre a impugnações, mas entre a correcção do prejuízo fiscal do grupo, em 2002, e o valor do prejuízo fiscal consolidado disponível para dedução ao lucro tributável consolidado (corrigido) de 2003, ou seja, uma relação de prejudicialidade entre as liquidações de IRC impugnadas nas acções – mercê da possibilidade de reporte dos prejuízos fiscais apurados em 2002 no exercício de 2003 - , o que, na óptica da impugnante, e também do tribunal “a quo”, justificaria a suspensão da instância de impugnação que está na origem dos presentes autos, nos termos do artigo 279.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, até ao trânsito em julgado da decisão a proferir na impugnação pendente que tem por objecto o IRC do exercício precedente respeitante ao mesmo sujeito passivo.
Ora, é a própria Fazenda Pública nas suas alegações de recurso que reconhece que qualquer que seja o sentido decisório jurisdicional que se venha a consolidar na impugnação nº 1007/07.2BEPRT com resultado quanto ao valor dos prejuízos fiscais apurados em 2002, este projectará os seus efeitos devidos na liquidação de IRC de 2003 que estiver em vigor ao tempo da decisão da impugnação n.º 1007/07.2BEPRT (cfr. alínea J) das alegações de recurso), acrescentando o Ministério Público neste Supremo Tribunal no seu parecer supra transcrito que a decisão a proferir na acção relativa ao IRC de 2002, tendo como consequência eventual a fixação dos prejuízos a reportar para exercícios futuros, levará a que, consoante o quantitativo fixado, este tenha reflexo no IRC de 2003, tendo como consequência a estruturação de liquidação correctiva, no âmbito da execução oficiosa do julgado por banda da AT, donde resulta, parece-nos, o reconhecimento por ambos os intervenientes processuais de uma relação de dependência entre as liquidações de IRC objecto das acções que, ao impugnante, ao tribunal “a quo” e também a este Supremo Tribunal, adiante-se já, se apresenta como justificativa da decretada suspensão da instância.
Com efeito, dispõe o artigo 279.º do CPC, aplicável ao processo judicial tributário ex vi da alínea e) do artigo 2.º do CPPT:


Artigo 279.º - Suspensão por determinação do juiz

1. O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa esteja dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado.
2. Não obstante a pendência de causa prejudicial, não deve ser ordenada a suspensão se houver fundadas razões para crer que aquela foi intentada unicamente para se obter a suspensão ou se a causa dependente estiver tão adiantada que os prejuízos da suspensão superem as vantagens.
3. Quando a suspensão não tenha por fundamento a pendência de causa prejudicial, fixar-se-á no despacho o prazo durante o qual estará suspensa a instância.
4. As partes podem acordar na suspensão da instância por prazo não superior a seis meses.

Decorre de forma expressa do n.º 1 do citado artigo que o tribunal pode decretar a suspensão da instância não apenas nos casos em que a decisão da causa esteja dependente do julgamento de outra já proposta mas também quando ocorrer outro motivo justificado, sendo que, perante a invocação da existência de uma relação de prejudicialidade entre a correcção do prejuízo fiscal do grupo, em 2002, e o valor do prejuízo fiscal consolidado disponível para dedução ao lucro tributável consolidado (corrigido) de 2003, o tribunal “a quo” entendeu haver justificação para decretar a suspensão da instância.
O decidido não merece censura, pois que mercê do mecanismo do reporte de prejuízos fiscais do grupo a alteração ao montante destes tem reflexos no IRC do ano seguinte e, no caso dos autos, em caso de procedência da impugnação cuja suspensão foi decretada, alegadamente “absorvendo” todo o valor das correcções efectuadas ao IRC de 2003.
O facto de a decisão a proferir na acção relativa ao IRC de 2002, tendo como consequência eventual a fixação dos prejuízos a reportar para exercícios futuros, levará a que, consoante o quantitativo fixado, este tenha reflexo no IRC de 2003, tendo como consequência a estruturação de liquidação correctiva, no âmbito da execução oficiosa do julgado por banda da AT, não afasta a justificação para a suspensão da instância, pois que a necessária e oficiosa reposição da legalidade em caso de procedência das pretensões anulatórias dos contribuintes não demonstra que não se justifique a suspensão da instância em casos, como o dos autos, em que a prejudicialidade se verifica não entre as acções mas entre os actos tributários que dela são objecto.
Pelo exposto se conclui que o recurso não merece provimento.
– Decisão –

6 – Termos em que, face ao exposto, decidem os juízes deste Supremo Tribunal em negar provimento ao recurso, confirmando o despacho recorrido.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 11 de Setembro de 2013. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Pedro Delgado – Casimiro Gonçalves.