Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0915/18.0BELSB
Data do Acordão:02/11/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24202
Nº do Documento:SA1201902110915/18
Data de Entrada:02/01/2019
Recorrente:A...
Recorrido 1:MAI
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A…………… intentou, no TAC de Lisboa, contra o Ministério da Administração Interna, a presente providência cautelar pedindo a suspensão de eficácia do Despacho do respectivo Ministro, de 13.03.2018, que lhe aplicou a pena de demissão de agente da Polícia de Segurança Pública.

Aquele Tribunal deferiu a requerida medida cautelar.

Decisão que o Tribunal Central Administrativo Sul revogou.

É desse acórdão que o Requerente vem recorrer (artigo 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos se, in casu, se tais requisitos se verificam.

2. Colhe-se nos autos que o Requerente, à data dos factos, pertencia ao Comando Metropolitano de …….. da PSP e que, tendo sido condenado, como autor material e na forma consumada, por um crime de violência doméstica sobre sua mulher e seu filho na pena única de 3 anos de prisão, cuja execução foi suspensa, foi-lhe instaurado um processo disciplinar com base na factualidade provada no mencionado processo-crime. Tendo aí sido-lhe aplicada a pena de demissão por despacho do Sr. Ministro da Administração Interna, de 13.03.2018.
Inconformado, requereu a suspensão de eficácia daquela sanção.
E o TAC de Lisboa, onde o requerimento foi apresentado, deferiu esse pedido.
Decisão que foi fundamentada do seguinte modo:
“Considerar que alguém punido pelos factos censurados penalmente tem de ser demitido, sem mais, apenas com apelo a um juízo abstracto de indignidade por referência às exigências da função, sem considerar a multiplicidade de tarefas que poderão ser distribuídas, temporariamente, ao Agente que previnam aquilo que se alega prevenir com a pena aplicada – o não poder acolher de forma adequada vítimas de violência doméstica - nem a concreta capacidade de correcção que o indivíduo venha a revelar equivale a uma condenação automática e definitiva do mesmo, independentemente da avaliação concreta da culpa, à data da aplicação da sanção disciplinar, ou seja, a um erro manifesto de apreciação.
Não é, assim, manifesta a improcedência da ação principal. Tão pouco é manifesta a procedência, pois que não se sabe qual o resultado que adviria de se ter levado em consideração os aspectos omitidos.
...
Mais alega o A. que “Não basta que se diga que a manutenção da relação laboral está comprometida para que passe a ser uma verdade absoluta, deixando de se ter de questionar em que medida e porque razões se entende que há impossibilidade prática e objectiva da continuidade do elo contratual, o que mais estranho ainda se torna quando constatado que os factos, ou alegados factos remontam ao longínquo e alargado período compreendido entre 1995 e 2014, tendo sempre o ora Requerente, desde o dia do primeiro facto imputado, exercido as suas funções policiais de modo exemplar.” O tribunal interpreta esta alegação como sendo de imputação de vício de forma, por falta de fundamentação de facto no que se refere ao juízo de impossibilidade de manutenção da relação jurídico-funcional. E, na verdade, é muito provável a procedência deste vício, uma vez que não se extrai da fundamentação da decisão suspendenda, tais elementos de facto, mas tão só a referência abstracta às exigências da função. ...
Em face do que antecede é forçoso conclui que se mostra verificado o requisito do fumus boni juris.
Importa, agora, apreciar o periculum in mora.
.... Considera-se, pois, que face à matéria fáctica provada nos autos, a execução imediata da decisão suspendenda, põe em risco a satisfação de necessidades básicas do Requerente e dos seus filhos, sendo susceptível de lhe causar prejuízos de difícil reparação, pelo que se verifica o requisito do periculum in mora.
Da ponderação dos interesses em presença, em termos de proporcionalidade, resulta que a concessão da suspensão da eficácia do acto não constitui grave prejuízo para o interesse público e, muito menos, prejuízo superior ao que resultaria para o A. da recusa dessa suspensão, pelo que também se verifica o requisito do nº 2 do art.º 120º do CPTA.”

A Entidade demandada recorreu para o TCA Sul e este, concedendo provimento ao recurso, julgou improcedente o pedido cautelar pelas razões que se destacam:
“3.1.2 O recorrente defende que distintamente do entendido na sentença recorrida não se encontra verificado o requisito do fumus boni iuris, seja por não ocorrer erro manifesto na decisão disciplinar punitiva, seja por ela não padecer de vício de falta de fundamentação quanto à impossibilidade de manutenção da relação jurídico-funcional.
....
3.1.10 A fundamentação do ato disciplinar punitivo haverá de ser encontrada, no caso, no próprio despacho que aplicou ao recorrido a pena disciplinar de demissão, mas também no relatório final do processo disciplinar, em que se suportou, bem como no Parecer do Conselho de Deontologia e Disciplina da PSP. Pelo que importa que revisitemos o seu conteúdo.
.....
3.1.12 Surgem, assim, ali amplamente enunciadas as razões pelas quais, no entender do instrutor do processo disciplinar, o recorrido deveria ser sancionado com uma pena disciplinar expulsiva, fosse a aposentação compulsiva fosse a demissão, cumprindo-se, assim, a exigência de fundamentação.
3.1.13 E o Conselho de Deontologia e Disciplina da PSP, no seu Parecer, entendeu também que as infrações disciplinares praticadas pelo recorrido inviabilizavam a manutenção da relação funcional, emitindo parecer no sentido da aplicação da pena disciplinar de demissão. ....
3.1.14 Se o relatório do processo disciplinar o respetivo instrutor e o subsequente Parecer, em que a decisão disciplinar se fundou, explicitam as razões pelas quais, deve o trabalhador ser sancionado com uma pena disciplinar expulsiva, é dado cumprimento ao dever legal de fundamentação, na exata medida em que externando os motivos pelos quais deve ser aplicada a sanção disciplinar, dê simultaneamente a conhecer as razões pelas quais considera ser inviável a manutenção da sua relação funcional.
3.1.15 E no caso mostram-se claramente explicitadas essas razões.
....
3.1.23 Pelo que não pode subscrever-se o apelo feito na sentença recorrida a circunstâncias que, no entender do Tribunal a quo não justificariam a aplicação da pena disciplinar de demissão, designadamente a circunstância de os atos pelos quais o recorrido foi criminalmente condenado e que consubstanciam o crime de violência doméstica, configuram «atos da sua vida privada» que possam ainda vir a ser reconhecidos e integrados pelo recorrido, e que este «tem revelado estrutura psíquico-emocional capaz de ancorar um desempenho profissional meritório». Como também não se pode subscrever o entendimento feito na sentença recorrida de que a decisão disciplinar não considerou, como devia a multiplicidade de tarefas «que poderão ser distribuídas, temporariamente, ao Agente, que previnam aquilo que se alega prevenir com a pena aplicada – o não poder acolher de forma adequada vítimas de violência doméstica - nem a concreta capacidade de correção que o indivíduo venha a revelar equivale a uma condenação automática e definitiva do mesmo, independentemente da avaliação concreta da culpa, à data da aplicação da sanção disciplinar».
3.1.24 É que a ponderação da gravidade dos factos praticados, com relevância para os deveres funcionais do agente, e da sua culpa concreta foi feita. Como o foram as consequências para o desempenho das suas funções no âmbito da corporação que constitui a PSP, com as respetivas atribuições e competências.
3.1.25 Ora, o juízo de se estar perante infrações disciplinares que inviabilizam a manutenção da relação funcional, a que o artigo 47º nº 1 do ED/PSP (Lei nº 7/90) se refere, constitui tarefa primária do órgão disciplinar decisor.
....
3.1.29 Mostrando-se a decisão tomada pelo órgão disciplinar dentro dos parâmetros que balizam e justificam a aplicação de uma pena disciplinar de demissão, como foi o caso, não pode manter-se o juízo que foi feito pelo Tribunal a quo, também neste aspeto, quanto ao preenchimento do requisito fumus boni iuris.
3.1.30 Assim, por tudo o exposto, assiste razão ao recorrente,

3. Como se acaba de ver a questão que se suscita nesta revista é a de saber se o Acórdão recorrido fez correcto julgamento quando, revogando a decisão do TAC, considerou que não ocorria o fumus boni iuris e, com esse fundamento, indeferiu o pedido de suspensão de eficácia do acto ora em causa.

A jurisprudência desta Formação tem adoptado um critério restritivo no tocante à admissão de revistas em matéria de providências cautelares por entender que se está perante a regulação provisória de uma situação, destinada a vigorar apenas durante a pendência do processo principal, e que, sendo assim, a admissão de um recurso excepcional não era conforme com a precariedade da definição jurídica daquela situação.
Entendimento que é de manter sem embargo de se reconhecer que essa jurisprudência tem de ser afeiçoada ao caso concreto e ter em conta as razões esgrimidas pelo Recorrente e isto porque, por um lado, o art.º 150.º do CPTA não inviabiliza a possibilidade da revista ser admitida nas providências cautelares e, por outro, por a intensidade das razões invocadas poder justificar a admissão da revista. – vd. por todos o Acórdão de 4/11/2009 (rec. 961/09).
Ora, no caso, não está em causa uma situação que justifique a alteração desse entendimento.
Com efeito, a presente providência foi indeferida por o TCA ter concluído que se não verificava o fumus boni iurisjá que, por um lado, era manifesto que o acto suspendendo estava fundamentado e, por outro, o mesmo foi proferido dentro do espaço conferido pelos normativos legais à autoridade administrativa - conclusão que tudo indica não merecer a censura que lhe é dirigida uma vez que a mesma decorreu de uma desenvolvida e plausível fundamentação jurídica, com invocação de jurisprudência atinente. Deste modo, a admissão do recurso não é necessária para uma melhor aplicação do direito.
Sendo que, por outro lado, não está em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental.

DECISÃO

Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pelo Recorrente.
Porto, 11 de Fevereiro de 2019. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.