Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0120/22.0BALSB
Data do Acordão:10/25/2023
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE TRANSMISSÃO ONEROSA DE IMOVEIS
BENEFÍCIOS FISCAIS
ISENÇÃO
FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO
Sumário:I - Constitui pressuposto da apreciação do mérito do recurso a que alude o artigo 25.º, n.º 2 do RJAT a decisão arbitral recorrida esteja em oposição com outra decisão arbitral ou acórdão de tribunal superior quanto à «mesma questão fundamental de direito»;
II - Não há oposição quanto à mesma questão fundamental de direito se o acórdão arbitral recorrido apreciou a questão de saber se o benefício a que aludia o artigo, 49.º, n.º 1, do EBF, na redação da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro era aplicável a aquisições a fundos de investimento imobiliário constituídos antes da sua entrada em vigor e o acórdão arbitral fundamento apreciou a questão de saber se o mesmo benefício é aplicável a aquisições com isenção total de imposto que tenha caducado já depois de o referido dispositivo ter sido revogado.
Nº Convencional:JSTA000P31497
Nº do Documento:SAP202310250120/22
Data de Entrada:10/01/2022
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório

A..., S.A., com o número único de matrícula e de identificação fiscal ...88 e sede na Rua ..., ..., ... Lisboa veio, ao abrigo do disposto nos artigos 152.º, n.º 1 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro [doravante “RJAT”], interpor recurso do acórdão arbitral proferido em 27 de julho de 2022 no processo n.º 69/2022-T que correu termos no CAAD e que julgou improcedente o pedido de declaração de ilegalidade e anulação do ato de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa da liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (doravante “IMT”) n.º 160.618.180.036, no montante de 2.372.239,52 euros, bem como do pedido de declaração de ilegalidade e anulação parcial do mesmo ato de liquidação, invocando oposição com anterior decisão também proferida em sede arbitral, em 1 de outubro de 2019, no âmbito do processo n.º 309/2019-T.

Com a interposição do recurso apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões:

«(…)

a. O presente recurso, interposto ao abrigo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 25.º do RJAT, com fundamento na oposição entre decisões arbitrais, a que se aplica o regime do recurso para uniformização de jurisprudência constante do CPTA (cf. o artigo 152.º), tem por objeto a decisão arbitral em matéria tributária proferida em 27 de julho de 2022, no âmbito do processo n.º 69/2022-T, em que o tribunal julgou improcedente o pedido de pronúncia arbitral apresentado pela ora Recorrente contra a decisão de indeferimento do pedido d xxxx ;

b. A referida decisão arbitral colide frontalmente com anterior decisão, também arbitral, datada de 1 de outubro de 2019, proferida no processo n.º 309/2019-T, além de inquinada de ilegalidade do ponto de vista substantivo, por consubstanciar uma errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 49.º do EBF, na redação introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro;

c. A contradição verificada entre as decisões arbitrais em confronto verifica-se quanto à mesma questão fundamental de direito, mormente a interpretação e aplicação do disposto no artigo 49.º do EBF, na redação introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, que previa que transmissão de imóveis integrados no património de fundos de investimento imobiliário abertos (e restantes entidades ali elencadas) beneficiava da redução para metade da taxa de IMT;

d. No âmbito dos dois arestos em confronto foi examinada a aplicação do benefício fiscal consagrado no artigo 49.º do EBF, na redação acima especificada, no contexto da aquisição de um conjunto de imóveis durante a vigência do diploma legal (a Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro), com opção primário pelo regime de isenção total de imposto vertido no artigo 7.º do Código de IMT e posterior liquidação de imposto, em razão da não revenda dos imóveis no prazo legalmente prescrito para o efeito (cf. o n.º 5 do artigo 11.º do Código do IMT), já durante a vigência de distinta redação do sobredito preceito do EBF;

e. A factualidade subjacente às decisões em cotejo é fundamentalmente a mesma, estando em causa o recurso aos mesmos instrumentos jurídico-tributários: foi celebrado pelos sujeitos passivos (sociedades comerciais), num e noutro caso, um contrato de compra e venda com um fundo de investimento imobiliário aberto, tendo optado por beneficiar da isenção consagrada no artigo 7.º do Código do IMT, acabando por liquidar IMT na ausência da revenda dos imóveis;

f. Na decisão arbitral impugnada/recorrida, foi defendida tese interpretativa frontalmente oposta àquela defendida não só no aresto fundamento, como pela jurisprudência arbitral maioritária, quanto à taxa de IMT efetivamente aplicável ao caso concreto, enviesando claramente a interpretação que se impõe do artigo 49.º do EBF, na redação introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, face aos mais elementares elementos auxiliadores da hermenêutica jurídica;

g. Na decisão arbitral fundamento, o tribunal arbitral acolheu a pretensão da então Requerente, por entender que nada obsta a que seja aplicado o disposto no n.º 1 do artigo 49.º do EBF à aquisição de imóveis detidos por um fundo de investimento imobiliário aberto, mesmo quando tenha sido aplicada, primariamente, uma isenção destinada a imóveis para revenda, considerando que estamos perante um benefício objetivo, aplicável aos prédios integrados em fundos de investimento imobiliário aberto, sem necessidade de proceder à análise e interligação de outros dispositivos normativos, não chamando à colação (por tal não se impor) o artigo 18.º do Código do IMT, por, justamente, considerar tratar-se de um benefício objetivo, dependente da aquisição de um prédio a um fundo de investimento imobiliário;

h. No presente caso está-se, no que respeita às decisões impugnada e fundamento, perante muito e suficientemente semelhante quadro factual, documental e jurídico, sendo que, além de em ambos os casos ter sido celebrado um contrato de compra e venda de bens imóveis entre sociedade (comercial) anónima e um fundo de investimento imobiliário aberto, devidamente registado junto da CMVM, foi também aplicada a isenção a que alude o artigo 7.º do Código do IMT, embora não aproveitada, caducando face à ausência de revenda, a que se junta o facto de a conduta da Autoridade Tributária e Aduaneira aquando da apresentação da Declaração Modelo 1 de IMT ter sido idêntica (e errada), ao aplicar a taxa normal de 6,5%, sem atender ao disposto no artigo 49.º do EBF, na redação à data relevante (i.e., à data do facto relevante – a aquisição dos Prédios);

i. A par da indiscutível identidade factual, a questão jurídica a apreciar é, sem dúvida, a mesma, não tendo ocorrido, num e noutro caso, qualquer alteração legislativa de relevo, capaz de fazer alterar o leque de comandos legais convocáveis e aplicáveis aos casos em causa;

j. A decisão arbitral impugnada/recorrida padece de um gritante erro judiciário, expresso na evidentemente errónea interpretação e aplicação do disposto no artigo 49.º do EBF, designadamente no seu n.º 1, na redação introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, tendo o tribunal perfilhado uma interpretação em patente desconformidade com as normas aplicáveis, donde ressalta uma interpretação enviesada do regime;

k. Para efeitos da operação de aquisição dos Prédios efetuada pela Recorrente ao Fundo em 23 de abril de 2015, deverá ser considerada a redação do artigo 49.º do EBF vigente à data dos factos em causa, que é a redação conferida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, que estabelecia que a transmissão de imóveis integrados no património de fundos de investimento imobiliário abertos (e restantes entidades ali identificadas) beneficiava da redução para metade da taxa de IMT, tendo o tribunal, na decisão arbitral fundamento, feito uma correta interpretação do regime, aplicando o entendimento ora indicado ao caso sub judice;

l. Não deve ter lugar, no caso da Recorrente, a chamada à colação de quaisquer outros argumentos ou dispositivos normativos – como o artigo 18.º do Código do IMI ou o artigo 209.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, pois releva apenas o facto de saber se a venda dos imóveis pelos fundos foi efetuada durante a vigência do beneficio fiscal do artigo 49.º do EBF ou não, e a resposta a esta questão é evidente, face à factualidade assente;

m. É incompreensível o raciocínio da decisão arbitral impugnada que intencionalmente e sem qualquer fundamento legal, quis mesmo desviar-se do cerne da problemática subjacente ao processo, que foi claramente definida pela decisão arbitral fundamento: é que está-se perante um benefício fiscal objetivo, aplicável aos prédios integrados em fundos, pelo que a redução de taxa de IMT é aplicável a quem fizesse prova da aquisição dos referidos imóveis – o que foi ampla e evidentemente feito no caso concreto;

n. O próprio EBF, em norma orientada para a aplicação no tempo das normas que instituem benefícios fiscais, determina que o direito aos mesmos deve reportar-se à data da verificação dos pressupostos respetivos, nascendo tal direito quando se verifiquem os mesmos, o que no presente caso sucedeu em 23 de abril de 2015;

o. Estando em causa um imposto de obrigação única, vigora a proibição da retroatividade, havendo que respeitar os factos tributários passados, sendo que a decisão arbitral impugnada/recorrida, ao decidir pela não aplicação da taxa reduzida de IMT prevista no artigo 49.º do EBF, na sua redação conferida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, tem como consequência a aplicação retroativa, a factos anteriores, de novas condições e requisitos de tributação no âmbito deste imposto;

p. O tribunal arbitral, na decisão arbitral impugnada/recorrida, errou flagrantemente na interpretação que fez do artigo 49.º do EBF e na sua aplicação/subsunção ao caso concreto, contribuindo para a dissonância injustificada de decisões arbitrais na ordem jurídica, em clara violação da estabilidade que se pretende, também no campo da aplicação do direito, à luz dos imperativos de segurança jurídica e tutela da confiança legítima, decorrente do disposto no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa;

q. É facilmente percetível que a norma do artigo 49.º do Código do EBF, na forma como é interpretada pela decisão arbitral impugnada, está inquinada de inconstitucionalidade, nomeadamente por violação do princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal e princípio da segurança jurídica e proteção da confiança, o que desde já se suscita de modo processualmente adequado, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 2 do artigo 72.º da Lei do Tribunal Constitucional, devendo ser afastada e substituída por outra cuja interpretação do referido preceito legal seja conforme à Constituição.

r. Atenta a contradição apontada e justificada, bem como o erro de julgamento de que padece a decisão recorrida/impugnada, deve este Supremo Tribunal revogar tal decisão e substituí-la por outra, nos termos legalmente devidos, na medida em que, in casu, é forçoso concluir que ao valor tributável, para efeitos de IMT, das aquisições de bens imóveis efetuadas pela Recorrente ao Fundo e concretizadas pela escritura pública de compra e venda de 23 de Abril de 2015, a taxa de IMT aplicável (6,5%) deveria ter sido reduzida para metade (para 3,25%) nos termos do artigo 49.º do EBF, o que levaria que que apenas fosse devido o montante de € 1.186.119,76 (ao invés do valor de € 2.372.239,52).».

Concluiu pedindo fosse o presente recurso julgado procedente, fosse revogada a decisão arbitral recorrida e fosse a mesma substituída por outra que desse provimento ao peticionado e uniformizasse jurisprudência no sentido do acórdão fundamento.

O recurso foi admitido, com efeito suspensivo da decisão arbitral recorrida.

Foi cumprido o disposto no artigo 25.º, n.º 5, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

A Recorrida apresentou contra-alegações e formulou as seguintes conclusões:

«(…)

A. As doutas alegações apresentadas pela Recorrente não correspondem aos pressupostos de admissão do Recurso para Uniformização de Jurisprudência previstos no art. 152º do CPTA, aplicável ex vi o art. 25º, nºs 2 e 3, do RJAT.

B. Para aferir da identidade da questão de direito sobre que incidiram as decisões em oposição tem de ser pressuposta a identidade das respetivas circunstâncias de facto, sendo que, ainda que se reconheça alguma identidade da situação de facto, essa identidade substancial tem que conduzir a uma aplicação das mesmas normas legais, o que não acontece totalmente no caso em apreço.

C. Desde logo se verifica que a questão a decidir apreciada em ambas as decisões Recorrida e Fundamento, apesar de parecer haver identidade na formulação da questão, na realidade a análise da questão seguiu caminhos distintos e aplicação de normas igualmente diversas, como se verá.

D. Quanto à questão a decidir diz assim o Acórdão fundamento:

«A questão que é objecto do presente processo é a de saber se a aquisição do imóvel referido nos autos beneficia de redução da taxa de IMT, ao abrigo do artigo 49.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) por o imóvel estar integrado num fundo de investimento imobiliário.»

E. Ora, quanto a esta questão o Acórdão recorrido sumariza assim, a questão a decidir:

«A questão da aplicabilidade ou não aplicabilidade do benefício fiscal (redução da taxa de imposto a 50%) previsto no art.º 49.º do EBF, na redação em vigor até 26-06-2016, ao caso dos autos consubstancia-se num problema de aplicação da lei no tempo.»

F. O Acórdão arbitral recorrido não discute a aplicabilidade ou não, do Benefício Fiscal à aquisição, nem se o fundo foi constituído antes ou depois da entrada em vigor do referido benefício fiscal, como acontece no Acórdão fundamento; portanto, não analisa essa questão e considera que a aquisição poderia ter beneficiado da isenção do artigo 49º do EBF.

G. E como se lê do Acórdão fundamento, toda a fundamentação do mesmo se refere à aplicabilidade do artº 49º do EBF e se de acordo com o regime transitório previsto no artigo 209º da Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro se estão preenchidos os requisitos de aplicação do benefício à aquisição do imóvel.

H. Ora, esta questão não é suscitada no Acórdão arbitral recorrido que admite que a transmissão preenchia os requisitos de aplicação do benefício, tendo-se, no entanto aplicado a norma especial do artº 18º do CIMT, para concluir que, em face da caducidade do benefício fiscal do qual a requerente havia inicialmente beneficiado “não é possível aplicar, por força do nº 2 do art.º 18.º, uma redução de taxa que estava em vigor no momento da constituição da obrigação tributária.”.

I. Assim, apesar de numa primeira análise parecer evidente que existe contradição entre os dois Acórdãos, na verdade não se verifica contradição, pois, não foram analisadas nem aplicadas as mesmas disposições legais, na medida em que o Acórdão Fundamento não analisou esta questão, tendo por isso decidido a final, noutro sentido.

J. Do exposto, verificamos que não existe identidade entre os dispositivos legais aplicados, pois a divergência nas decisões ocorre por terem sido trilhados caminhos diferentes e apreciadas disposições legais diferentes.

K. Como se verifica da análise dos dois Acórdãos em oposição, apesar de terem decidido em sentidos opostos na aplicação do benefício fiscal o motivo que levou a essa oposição, não foi a diferente interpretação e aplicação das mesmas normas, pois como já foi demonstrado, ambos os acórdãos coincidem na verificação dos pressupostos do artigo 49º do EBF.

L. Só que, o Acórdão fundamento decidiu dar provimento ao pedido, considerando a final apenas com base na verificação dos pressupostos do artigo 49º do EBF como se retira do seguinte excerto:

«Assim, tendo a venda do imóvel pelo Fundo sido efectuada na vigência do benefício fiscal (antes da sua revogação pelo artigo 215.º, n.º 1, da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março), era-lhe aplicável a taxa reduzida prevista no artigo 49.º, n.º 1, do EBF.

Por outro lado, tratando-se de um benefício fiscal objectivo, aplicável aos prédios integrados em fundos, a redução de taxa de IMT é aplicável a quem fizesse a aquisição desses prédios. Aplicação»

M. Ou seja, no Acórdão Fundamento entendia-se que o benefício devia ser concedido por o imóvel estar integrado no Fundo, no momento da aquisição, essa posição surge como resposta ao argumento ali em discussão se estava preenchido o pressuposto de atribuição do benefício, que consistia em saber se o fundo já estava ou não constituído à data da entrada em vigor da Lei 83-C/2013.

N. No Acórdão recorrido não foi equacionada a questão saber se o fundo já estava ou não constituído à data da entrada em vigor da Lei 83-C/2013 e foi considerado que a Requerente preenchia os requisitos de atribuição do artº 49º, apenas afastando o direito ao benefício por entender que o direito a esse benefício apenas se constituiu após a caducidade do benefício anteriormente atribuído, e nessa data já o artº 49º EBF havia sido revogado.

O. E no Acórdão fundamento não foi aplicado, nem analisada a possibilidade de aplicação do artigo 18º do CIMT, artigo que foi considerado aplicável pelo Acórdão recorrido, por ser Lei especial, em face da ocorrência da caducidade do benefício inicialmente atribuído e cuja condição de revenda não foi cumprida.

P. Daqui se retira que não está verificada a oposição quanto à matéria de direito, pois o que conduziu a uma decisão divergente entre os dois acórdãos, foram a análise de fundamentos diferentes e de normas também diferentes.

Q. Pelo que, ficou plenamente demonstrado que a divergência nas decisões ocorre por apreciação de diferentes normas legais, não se encontrando verificados os aspetos de identidade que determinam a contradição alegada e a infração imputada ao acórdão recorrido nos termos previstos no n.º2 do artigo 152º do CPTA, deve o presente recurso ser considerado improcedente.

R. Na verdade e ao contrário do que pretende fazer valer a Recorrente, a divergência de fundamentação não admite uniformização de jurisprudência.

S. Em face do exposto deve manter-se a decisão recorrida.».

O Digno Magistrado do M.º P.º foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e lavrou douto parecer no sentido de não ser tomado conhecimento do recurso.

Com dispensa dos vistos legais, cumpre decidir, em conferência, no Pleno da Secção.


***

2. Dos fundamentos de facto

2.1. A decisão arbitral recorrida relevou e deu como provados os seguintes factos: «(...)

A) A sociedade requerente tem como objeto a compra e venda de imóveis;

B) No âmbito da sua atividade, a Requerente celebrou, em 23 de abril de 2015, um contrato de compra e venda com o Banco 1... – Fundo de Investimento Imobiliário Aberto;

C) Através desse contrato de compra e venda, a Requerente adquiriu ao Fundo os seguintes imóveis:

− U-961-A – ...
− U-961-B – ...
− U-961-C – ...
− U-961-D – ...
− U-961-E – ...
− U-961-F – ...
− U-961-G – ...
− U-961-H – ...
− U-961-I – ...
− U-961-J – ...
− U-961-L – ...
− U-961-M – ...
− U-961-N – ...
− U-961-O – ...
− U-961-P – ...
− U-961-Q – ...
− U- 5305-A – ...
− U- 5305-B – ...
− U-10230 – ...

D) A aquisição beneficiou de isenção de IMT ao abrigo do art.º 7º do IMT – isenção na aquisição de imóveis para revenda;

E) A Requerente não efetuou a revenda dos imóveis no prazo de caducidade da isenção, de três anos;

F) Em consequência, foi efetuada liquidação de IMT sobre as aquisições, sendo apurado imposto no montante de 2.372.239,52 euros, a qual foi emitida em 6 de junho de 2018;

G) Para efeito dessa liquidação apresentada pela Requerente uma declaração modelo 1 de IMT;

H) Nessa declaração, a Requerente não assinalou nenhum campo destinado a declarar os pressupostos de cuja verificação dependesse a aplicação de qualquer benefício fiscal;

I) A liquidação foi efetuada pela Autoridade Tributária com base na declaração da Requerente e não foi aplicado qualquer benefício fiscal;

J) A Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa da liquidação, em 24 de agosto de 2021, dirigido ao Chefe de serviço de finanças Lisboa 2;

K) O pedido de revisão oficiosa foi efetuado ao abrigo do nº 1 do art.º 78.º da LGT, segunda parte, em que se prevê um prazo de quatro anos para a revisão oficiosa por iniciativa da administração tributária.

L) O pedido de revisão oficiosa não foi objeto de qualquer decisão no prazo de quatro meses estabelecido no art.º 57º, nº 1 da LGT.».

2.2. A decisão arbitral fundamento deu como provada a seguinte factualidade:

«(...)

A) A Requerente é um sujeito passivo de IRC que tinha por objeto social a compra e venda de imóveis e, bem assim, a revenda de imóveis adquiridos para esse fim (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

B) Em 28-11-2014, e no âmbito da sua actividade, a Requerente celebrou um contrato de compra e venda com o B..., actualmente designado por B... (doravante designado como «Fundo»), através do qual adquiriu, para revenda, e pelo global de € 23.500.000,00 (vinte e três milhões e quinhentos mil euros), a fracção autónoma destinada a fins comerciais (hipermercado) identificada pela letra ... do prédio urbano sito na freguesia ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...83 da referida freguesia e inscrito na respetiva matriz sob o artigo matricial n.º ...60... (Documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

C) A referida entidade alienante é sempre foi um fundo de investimento aberto, com sede social em Portugal, constituída e a operar de acordo com a legislação portuguesa, encontrando-se registado na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (Documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

D) Tendo o identificado imóvel sido adquirido para revenda, a Requerente beneficiou da isenção de IMT prevista no artigo 7.º do Código do IMT (Documento n.º 2);

E) Mais tarde, não tendo o imóvel em causa sido revendido no prazo de 3 anos, a Administração tributária procedeu, em 19-12-2017, a emissão do acto de liquidação de IMT n.º ...32, no montante de € 1.527.500,00, aplicando a taxa de 6,5% ao valor do imóvel (Documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

F) A Requerente pagou integralmente esse valor no dia 20-12-2017 (Documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

G) Em 26-10-2018, a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa do referido acto de liquidação de IMT, tendo nele defendido, essencialmente, que o mesmo padece do vício de ilegalidade por violação do artigo 49.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (doravante, ‹‹EBF››), na redação em vigor à data da aquisição do referido imóvel;

H) Até 26-04-2019, data em que foi apresentado o pedido de pronúncia arbitral que de origem ao presente processo, o pedido de revisão oficiosa não foi apreciado.».


***

3. Dos fundamentos de Direito

Conforme anunciado logo no seu introito, o presente recurso tem como fundamento a oposição entre a decisão arbitral recorrida e outra decisão arbitral «quanto à mesma questão fundamental de direito» - artigo 25.º, n.º 2, do RJAT.

Para que a decisão arbitral recorrida esteja em oposição com outra decisão ou acórdão é, assim, necessário que ambas tenham apreciado a «mesma questão fundamental de direito».

Sendo que só há apreciação da «mesma questão fundamental de direito» quando ela tenha sido expressamente equacionada em ambos os acórdãos e para ela tenha sido determinada uma solução jurídica.

E só há oposição entre as decisões quando a solução jurídica encontrada para essa questão tenha, por sua vez, constituído ou integrado a razão de ser das respectivas decisões.

Por outro lado, a questão fundamental de direito é a mesma quando, além do mais, as situações fácticas sejam substancialmente idênticas e que esteja em causa a aplicação do mesmo regime jurídico.

No caso, a Recorrente entende que existe «uma patente e inaceitável contradição quanto à mesma questão fundamental de direito» porque em ambas foi colocada a questão de saber se o sujeito passivo teria direito à redução da taxa prevista no artigo 49.º do EBF, na redação introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, numa situação em que, tendo o sujeito passivo adquirido imóveis para revenda a um fundo de investimento imobiliário aberto, não os revendeu no prazo de 3 anos, prazo este concluído depois daquele dispositivo legal ter sido revogado.

Na verdade não é assim.

No acórdão arbitral fundamento foi colocada a questão de saber se a aquisição de imóvel a fundo de investimento imobiliário beneficiava da redução da taxa de IMT ao abrigo do artigo 49.º, n.º 1, do EBF, apesar de o fundo de investimento imobiliário ter sido constituído antes da entrada em vigor da nova redação desse preceito legal.

Tendo sido convocado para a resolução dessa questão e ali interpretado e aplicado o artigo 209.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro.

A questão de saber se o adquirente beneficiava da redução da taxa prevista no referido artigo 49.º, n.º 1, numa situação em que o prazo para beneficiar da isenção a que alude o artigo 7.º do Código do IMT se tivesse concluído depois daquele outro artigo ter sido, entretanto, revogado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março não foi ali apreciada.

E não foi apreciada porque o coletivo entendeu ali que não devia apreciar nenhuma outra questão que não fosse a que ali equacionou.

O que sucedeu porque tomou de partida que a questão equacionada constituiu a única razão para a pretensão do sujeito passivo não ter sido deferida oportunamente pela Administração.

O que decorre claramente da seguinte passagem do acórdão:

«…é de entender que o obstáculo à pretensão da Requerente é apenas o que é invocado no artigo 4.º da Resposta, designadamente o de (…) o referido artigo 209.º restringir a aplicação do benefício fiscal «aos fundos que se constituírem após a entrada em vigor da nova redacção, pelo que, em consequência, o benefício da redução da taxa aplicava-se aos prédios que viessem a ser integrados nem fundos de investimento, no futuro, durante a sua vigência».

Pelo que o acórdão arbitral se limitou a decidir que foi ilegal o indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa por ser ilegal a razão que a entidade Requerida avançou para não ser deferido.

É verdade que, de passagem, o coletivo também disse que «tendo a venda do imóvel pelo Fundo sido efetuada na vigência do benefício fiscal (antes da sua revogação pelo artigo 215.º, n.º 1, da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março), era-lhe aplicável a taxa reduzida prevista no artigo 49.º, n.º 1, do EBF.».

Só que esta frase deve ser interpretada no contexto e na decorrência do que foi dito anteriormente. Como se alcança do facto de a afirmação ter sido precedida do advérbio «Assim».

Pelo que o que ali foi dito foi que o que importava para o efeito do disposto no artigo 209.º da Lei n.º 83-C/2013 era que a venda do imóvel tivesse sido efetuada na vigência do benefício fiscal e não que o fundo se tivesse constituído na vigência do mesmo benefício.

Poderia defender-se que a posição ali firmada continha o reconhecimento implícito de que não haveria outro obstáculo ao deferimento da pretensão da Requerente.

Mas é questão que não importa considerar para este efeito, porque – como acima se disse – só relevam para saber se há oposição de acórdãos as questões que tenham sido expressamente equacionadas e para as quais tenha sido encontrada uma solução oposta.

Vejamos, agora, o caso do acórdão arbitral recorrido.

Foi ali colocada a questão de saber se o adquirente beneficiava da redução da taxa prevista no referido artigo 49.º, n.º 1, numa situação em que o prazo para beneficiar da isenção a que alude o artigo 7.º do Código do IMT se tivesse concluído depois daquele outro artigo ter sido revogado pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março.

Tendo sido convocado para a resolução dessa questão e ali interpretado e aplicado o artigo 18.º, n.º 2, do Código do IMT.

A questão de saber se a aquisição de imóvel a fundo de investimento imobiliário beneficiava da redução da taxa de IMT ao abrigo do artigo 49.º, n.º 1, do EBF, apesar de o fundo de investimento imobiliário ter sido constituído antes da entrada em vigor da nova redação desse preceito legal não foi ali apreciada.

Decorre de todo o exposto que as decisões em confronto não apreciaram a mesma questão fundamental de direito.

Na sua resposta ao Douto Parecer do M.º P.º, onde esta questão foi colocada, a Recorrente veio contrapor que, a não ser adotado o seu entendimento, se estaria perante «uma verdadeira subversão do mecanismo processual de oposição de acórdãos».

Porque o conhecimento do mérito destes recursos «passaria a estar dependente da circunstância (em certos casos pouco provável) de dois julgadores, para a mesma questão fundamental de direito, socorrerem-se dos mesmos preceitos legais para a construção da sua argumentação, independentemente da densidade e amplitude da mesma».

Só que não está em causa, aqui, o facto de os julgadores terem convocado diferentes preceitos legais para a solução da mesma questão fundamental de direito.

O que está em causa é o facto de os dois Tribunais Arbitrais terem, na delimitação do objeto das respectivas decisões, entendido que eram chamados a decidir diferentes questões jurídicas. E, por causa disso, terem apelado a diferentes regras jurídicas.

Sendo que ao tribunal de recurso não compete considerar as questões que acórdãos em confronto teriam que apreciar, mas aquelas que efetivamente apreciaram.

E se os dois Tribunais Arbitrais entenderam considerar diferentes questões a decidir, as decisões em confronto não podem opor-se, precisamente porque não decorrem do julgamento da mesma questão.

Tanto basta para concluir que não estão reunidos os indicadores de que depende a apreciação do mérito do recurso.


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5. Conclusão

5.1. Constitui pressuposto da apreciação do mérito do recurso a que alude o artigo 25.º, n.º 2 do RJAT a decisão arbitral recorrida esteja em oposição com outra decisão arbitral ou acórdão de tribunal superior quanto à «mesma questão fundamental de direito»;

5.2. Não há oposição quanto à mesma questão fundamental de direito se o acórdão arbitral recorrido apreciou a questão de saber se o benefício a que aludia o artigo, 49.º, n.º 1, do EBF, na redação da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro era aplicável a aquisições a fundos de investimento imobiliário constituídos antes da sua entrada em vigor e o acórdão arbitral fundamento apreciou a questão de saber se o mesmo benefício é aplicável a aquisições com isenção total de imposto que tenha caducado já depois de o referido dispositivo ter sido revogado.


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6. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não tomar conhecimento do mérito do recurso.

Custas pela RECORRENTE.

Registe, notifique e comunique ao CAAD.

Lisboa, 25 de outubro de 2023. - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo – Fernanda de Fátima Esteves.