Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:070/23.3BALSB
Data do Acordão:01/24/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Descritores:QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P31805
Nº do Documento:SAP20240124070/23
Recorrente:BANCO 1..., S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I – RELATÓRIO

I.1 Alegações

I. Banco 1..., S.A, inconformado com a decisão arbitral proferida no processo nº 612/2022-T, datada de 27 de abril de 2023 que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), julgou totalmente improcedente o pedido de pronúncia arbitral visando a declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, apresentada pelo ora Recorrente a solicitar a anulação do ato tributário de (auto)liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) referente ao ano 2020, vem dela apresentar Recurso para Uniformização de Jurisprudência, para o Supremo Tribunal Administrativo, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 25.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAMT”) e do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”).
O recorrente invoca oposição entre o acórdão arbitral recorrido e os seguintes arestos fundamento:
a) O acórdão arbitral, datado de e 26 de julho de 2021 proferida no processo n.º 885/2019-T quanto à questão «…de saber se, na aplicação do método de dedução de imposto incorrido nos bens e serviços de utilização mista, devem ser considerados no numerador e no denominador da fracção de cálculo o valor da transmissão das viaturas relativas à actividade de concessão de crédito com reserva de propriedade»
b) O acórdão arbitral, datado de 19 de outubro de 2022 proferida no processo n.º 493/2021-T, quanto à questão «…de se saber se, na aplicação do método de dedução do IVA incorrido na atividade de gestão da carteira própria de títulos, deve ser implementado um critério objetivo para determinação do imposto dedutível (em recursos exclusivos e partilhados) e, consequentemente, desconsiderados, na percentagem de dedução, os proveitos referentes a esta área».
II. A recorrente, veio apresentar alegações de recurso a fls. 4 a 52 do SITAF, no sentido de demonstrar alegada oposição de julgados, formulando as seguintes conclusões:
A. O presente Recurso tem como objeto a Decisão Arbitral proferida, a 27 de abril de 2023, no âmbito do processo n.º 612/2022-T, por Tribunal Arbitral constituído no âmbito do CAAD, a qual julgou improcedente o Pedido de Pronúncia Arbitral apresentado pelo ora Recorrente com vista à declaração de ilegalidade da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa do ato tributário de (auto)liquidação de IVA referente ao ano 2020.
B. Visou aquele Pedido de Pronúncia, no que concerne às áreas de atividade do Recorrente aqui em juízo – componente de CRP e gestão da carteira própria de títulos, a contestação do ato tributário de (auto)liquidação de IVA, referente ao ano 2020, materializada na declaração periódica de imposto com referência a dezembro do ano em apreço, no montante de € 2.665.410,60 e a consequente declaração de (i)legalidade daquele ato de (auto)liquidação de IVA.
C. O presente recurso baseia-se na contradição, sobre a mesma questão fundamental de direito, quanto à componente do CRP, entre a Decisão Recorrida e a Decisão Arbitral de 26 de julho de 2021, proferida no âmbito do processo n.º 885/2019-T, e quanto à componente da gestão da carteira própria de títulos, a contradição entre a Decisão Recorrida e a Decisão Arbitral de 19 de outubro de 2022, proferida no âmbito do processo n.º 493/2021-T, estando ambas as decisões disponíveis para consulta em https://www.caad.org.pt/.
D. Este recurso é interposto ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 25.º do RJAMT e do artigo 152.º do CPTA – normas que consagram os requisitos de admissibilidade do recurso, para o Supremo Tribunal Administrativo, da Decisão Arbitral que tenha conhecido do mérito da pretensão deduzida, com vista à uniformização de jurisprudência.
E. In casu, encontram-se verificados os pressupostos legais para a admissibilidade do presente recurso da Decisão Recorrida, em virtude da sua manifesta oposição, quanto à componente da CRP, com a Decisão arbitral de 26 de julho de 2021 proferida no processo n.º 885/2019-T e, quanto à gestão de carteira própria de títulos, a sua oposição com a Decisão arbitral de 19 de outubro de 2022 proferida no processo n.º 493/2021-T.
1. Da oposição de acórdãos, quanto à componente de CRP, entre a Decisão recorrida e a Decisão arbitral de 26 de julho de 2021 proferida no processo n.º 885/2019-T
F. Com vista a demonstrar a existência de contradição, relativamente à mesma questão fundamental de direito, entre ambas as decisões aqui em confronto, em primeiro lugar, nota a Recorrente que se verifica uma identidade da questão de direito sobre que recaíram as decisões. De facto, em ambos os arestos aqui em confronto, a questão decidenda ou a questão colocada, expressamente identificada pelos Tribunais Arbitrais nas Decisões em análise, foi a de saber se, na aplicação do método de dedução do IVA incorrido na atividade de concessão de CRP, deve ser considerado o valor da transmissão das viaturas no numerador e no denominador da fração de cálculo da percentagem de dedução aplicada ao IVA incorrido pelo Recorrente nos recursos de utilização mista – cf. páginas 33, 35 e 36 da Decisão recorrida e página 17 da Decisão fundamento.
G. Adicionalmente, nota a Recorrente que se vislumbra, também, uma identidade substancial das situações fácticas subjacentes a ambas as decisões. Especificamente, ambas as decisões versaram sobre uma instituição de crédito, sujeito passivo “misto” para efeitos de IVA, que na sua atividade adquire recursos que são utilizados, simultaneamente, em operações tributadas que conferem o direito à dedução do imposto (v.g., locação financeira mobiliária, locação de cofre e custódia de títulos) e operações isentas do imposto que não permitem a dedução do IVA incorrido (nomeadamente concessão de crédito e operações associadas a pagamentos)-(Cf. pag. 30 da Decisão recorrida e pag. 6 da Decisão fundamento)
H. Em concreto, na Decisão Arbitral recorrida, referente ao IVA do ano 2020, foi dado como provado que: “[n]ão sendo viável ao Requerente determinar um ou vários critérios objetivos passíveis de permitir, de forma rigorosa e segura, o montante do IVA dedutível, através do método da afetação real, nas aquisições daqueles recursos de utilização mista, o Requerente aplicou o referido método da percentagem de dedução. O que foi efectuado no estrito cumprimento dos ditames constantes no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, de 39 janeiro de 2009, do Gabinete do Subdiretor-geral da Área de Gestão Tributária do IVA, procedimento que determinou uma percentagem de dedução apurada para o ano de 2020 de 7% (…)” – cf. pontos l, m e n da matéria de facto da Decisão recorrida.
I. Acrescentando-se que “[e]ntende o Requerente que as restrições impostas pela AT no referido Ofício-Circulado não podiam ser aceites, porque manifestamente ilegais, e que, como tal, deveria ter: (…) b) [i]ncluído na percentagem de dedução: 1. os valores relativos à transmissão das viaturas no âmbito da atividade de CRP;” sendo que, “com tal correção na determinação da percentagem de dedução apurada para o ano 2020, a mesma passou a ser de 32% (ao invés de 7%) e o valor de IVA dedutível na aquisição de recursos de utilização mista passou a ser de € 10.719.376,96 (ao invés de € 2.359.297,35)” – cf. pontos p. e q. da matéria de facto da Decisão recorrida (realce nosso).
J. E, na Decisão fundamento, referente ao IVA do ano 2015, nos mesmos moldes, foi dado como provado que: “[p]ara determinar a medida de IVA dedutível relativamente às demais aquisições de bens e serviços, afectas indistintamente às diversas operações por si desenvolvidas, ou seja, aos recursos de “utilização mista”, o Requerente aplicou o método geral e supletivo da percentagem de dedução, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA, sendo que “[a] determinação da percentagem de dedução, (…), foi concretizada através do cumprimento do disposto no Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, do Gabinete do Subdirector Geral da Área de Gestão Tributária do IVA”. Pelo que “(…) o Requerente apurou uma percentagem de dedução definitiva para o ano de 2015 de 7% (…)”. Não obstante, “[o] Requerente decidiu proceder à alteração da percentagem de dedução do imposto incorrido no ano 2015 no âmbito da actividade de crédito com reserva de propriedade e atendendo ao consumo de recursos necessários para o realizar passou a ter em consideração a componente de transmissão de viaturas no coeficiente de imputação específico. Da alteração da percentagem de dedução do imposto incorrido no ano 2015 resulta uma dedução adicional no montante de € 916.768,7019 ” – cf. pontos 12, 13, 29 e 30 da matéria de facto da Decisão fundamento.
K. Assim, e como não podia deixar de ser, na Decisão recorrida e na Decisão fundamento, foi dado como provado que o Recorrente, tendo verificado que, no âmbito da sua atividade de CRP, não estava a exercer plenamente o direito à dedução do IVA incorrido que lhe assistia, procedeu ao recálculo da percentagem de dedução (para os anos 2020 e 2015, respetivamente), passando a considerar, no numerador e no denominador da fração de cálculo, os montantes relativos à transmissão de viaturas adquiridas no âmbito da atividade de CRP. E que, na sequência daquele recálculo, o Recorrente – apurou, para o ano 2020, uma percentagem de dedução, atendendo à atividade de CRP, de 15% (em vez dos anteriores 8%). Por outro lado, no acórdão fundamento, a ali Requerente apurou, para o ano 2015, uma percentagem de dedução de 11% (em vez dos anteriores 9%). Deste modo, a aqui Recorrente constatou que a nova percentagem de dedução apurada conduziria a uma dedução adicional de € 2.344.863,71. Igualmente, na Decisão fundamento, o Recorrente (Requerente naqueles autos) constatou que a nova percentagem de dedução representaria um pagamento em excesso de IVA no montante de € 475.446,90.
L. Nestes termos, com referência à caracterização da atividade de CRP desenvolvida pelo Recorrente, Requerente naqueles autos, – a qual é desenvolvida exatamente nos mesmos moldes desde sempre –, ficaram provados os seguintes factos essenciais:
- o IVA incorrido nos recursos de utilização mista, necessários para a prossecução da atividade de CRP, não foi objeto de dedução por via da aplicação do critério de imputação específico, que resulta do Ofício-Circulado n.º 30108 [página 33 Decisão Recorrida, página 11 Decisão fundamento]; - que em virtude de revisões de procedimento efetuada, foi decidido proceder à alteração da percentagem de dedução do IVA incorrido no âmbito da atividade de CRP, passando a ser considerada a componente do valor da transmissão das viaturas no coeficiente de imputação específico [página 33 Decisão Recorrida, página 11 Decisão fundamento];
- da alteração da percentagem de dedução do imposto incorrido resultou um incremento da mesma [de 7% para 32% referente ao IVA 2020 e de 9% para 11%, referente ao IVA 2015].
M. Em face do exposto, resulta evidente que a factologia relevante é totalmente coincidente nas Decisões Arbitrais aqui em confronto. De facto, tal não podia deixar de ser, dado estar em causa, em ambos os processos, (i) o mesmo sujeito passivo, aqui Recorrente, (ii) a mesma atividade de CRP e (iii) a mesma natureza de recursos afetos à atividade de CRP e (iv) o mesmo procedimento adotado na determinação da medida de dedução do imposto.
N. Ora, conforme decorre expressamente das Decisões Arbitrais aqui em confronto, o normativo legal em juízo, em ambos os processos, respeita, essencialmente, às normas comunitárias e nacionais que consagram o regime do direito à dedução do IVA – i.e., artigos 173.º a 175.º da Diretiva IVA e artigos 19.º a 25.º do Código do IVA.
O. Não obstante as Decisões Arbitrais aqui em confronto terem decidido a mesma questão fundamental de direito, assentando em iguais pressupostos de facto e aplicando o mesmo normativo legal, resultam das mesmas soluções jurídicas totalmente opostas.
P. Deste modo, na Decisão recorrida, concluiu-se que, no âmbito da atividade de CRP, não ficou provado que “os custos comuns do Requerente fossem sobretudo incorridos com as prestações de serviços conexionadas com os atos de disponibilização de veículos, ou seja, que os recursos de utilização mista da atividade de leasing e CRP fossem sobretudo consumidos nas tarefas e procedimentos necessários à disponibilização dos bens locados (i.e. na denominada fase pós-venda), quer pela vasta rede de balcões e departamentos utilizada para o efeito, quer pelo período prolongado de vigência desta fase” (Pág. 34 da Decisão recorrida).
Q. Tal entendimento resulta do facto de na Decisão recorrida o Tribunal Arbitral entender que não há “fundamento para separar as situações abrangidas por esta atividade das situações abrangidas pela atividade de leasing, pelo que inexiste consequentemente fundamento para não analisar a CRP em conjunto com a situação do leasing” (Pág. 54 da Decisão recorrida).
R. Acrescentando ainda que “[e]ntende este Tribunal Arbitral que não foi feita prova bastante por parte do Requerente de que a utilização dos bens ou serviços de utilização mista pelo sujeito passivo era sobretudo determinada pela atividade desenvolvida de CRP” (idem).
S. Conclusão esta da Decisão recorrida que se encontra em total oposição com a Decisão fundamento, na qual se concluiu que, para efeitos de IVA, existem diferenças substanciais entre a locação financeira e a atividade de CRP, tendo sido decidido distintamente quanto a cada uma das atividades.
T. Neste sentido, a Decisão Fundamento com base nestes mesmos factos provados concluiu que “a autoliquidação de IVA objeto da presente ação arbitral enferma de erro nos pressupostos, na parte em que desconsiderou o valor da transmissão das viaturas relativas à atividade de concessão de crédito com reserva de propriedade no numerador e denominador da percentagem de dedução aplicada ao IVA incorrido pelo Requerente nos recursos de utilização mista (Pág. 57 da Decisão Fundamento)” (realce nosso).
U. Entendeu o Tribunal Arbitral que “o exposto na presente decisão arbitral relativamente ao Acórdão Volkswagen Financial Services (Processo C-153/17) do TJUE, aplica-se igualmente às aquisições de viaturas no âmbito de contratos de reserva de propriedade, não obstante o referido acórdão pronunciar-se a propósito de operações de locação financeira (Pág. 54 da Decisão Fundamento)” (sublinhado nosso).
V. Determinando assim que deve o ali Requerente, aqui Recorrente, considerar no numerador e no denominador da fração de cálculo o valor da transmissão das viaturas relativas à atividade de concessão de crédito com reserva de propriedade.
W. Na Decisão fundamento o tribunal pronunciou-se, portanto, sobre a inaplicabilidade do Ofício-Circulado n.º 30108 à atividade de CRP.
X. De facto, o Ofício-Circulado determina que as instituições financeiras que, a par de operações financeiras (como a concessão de crédito), desenvolvam igualmente atividades de leasing e de ALD tributadas, devem determinar o montante de IVA a deduzir com referência aos recursos de utilização mista de acordo com o método da afetação real (o ali designado “coeficiente de imputação específico”).
Y. Contudo, conforme se constata da leitura daquele Ofício, este não se afigura aplicável à atividade de CRP, pretendendo somente regular a dedução do IVA de recursos de utilização mista com referência às atividades de leasing e de ALD.
Z. Desta forma, não se compreende como é que na Decisão recorrida o Tribunal considera que o regime previsto no Ofício é aplicável à atividade de CRP, quando se afigura claro que tal entendimento não resulta dos requisitos de aplicação do Ofício.
AA. Com efeito, a natureza da atividade de CRP apresenta diferenças profundas face à atividade de leasing - e.g. a atividade de CRP possui um elemento tributado em IVA (componente de capital) e uma componente isenta (componente de juros), quando a atividade de leasing é integralmente tributada, com exceção da atividade de leasing imobiliário quando não é exercida a renúncia à isenção, situação em que a totalidade da operação é isenta de IVA. BB. Adicionalmente, cumpre notar que o consumo de recursos necessários para realizar a atividade de CRP em nada tem que ver com o consumo de recursos objeto de aplicação do referido ofício. Este consumo de recursos apenas se afigura relevante para a atividade de leasing – tal como patente na diversa jurisprudência do STA.
CC. Deste modo, conforme se constata da leitura daquele Ofício, este não se afigura aplicável à atividade de CRP, pretendendo somente regulamentar a dedução do IVA de recursos de utilização mista com referência às atividades de leasing e de ALD.
DD. Se a Decisão recorrida conduziu à manutenção na ordem jurídica da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa que contestava o ato tributário de (auto)liquidação de IVA referente ao ano 2020 e impediu a regularização do respetivo imposto pela Recorrente, a Decisão fundamento, por sua vez, não o fez e, por conseguinte, permitiu a regularização do imposto pelo sujeito passivo.
EE. A par dos requisitos acima expendidos, nos termos do n.º 2 do artigo 25.º do RJAMT e do artigo 152.º do CPTA, de acordo com o n.º 3 do artigo 152.º do CPTA, o recurso não é admitido se a orientação perfilhada pela Decisão impugnada não estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
FF. Neste sentido, no que diz respeito à temática aqui em apreço, i.e. a questão de saber se, na aplicação do método de percentagem de dedução de imposto incorrido nos bens e serviços de utilização mista utilizados na atividade de CRP, devem ser considerados no numerador e no denominador da fração de cálculo o valor da transmissão das viaturas da atividade de CRP, o Supremo Tribunal Administrativo ainda não se pronunciou.
GG. Termos em que, não havendo jurisprudência consolidada do STA sobre esta matéria, o Recorrente queda demonstrada, também, a verificação do requisito estatuído no n.º 3 do artigo 152.º do CPTA.
HH. Assim, e por tudo o que ficou acima exposto, deverá o presente Recurso proceder, porque se encontram verificados todos os seus pressupostos, devendo, em consequência, ser anulada a Decisão recorrida, proferida em 27 de abril de 2023, no âmbito do processo n.º 612/2022-T, por Tribunal Arbitral constituído no âmbito do CAAD, imperando manter-se na ordem jurídica a solução a que anteriormente havia chegado o Tribunal Arbitral na Decisão Arbitral de 26 de Julho de 2021, proferida no âmbito do processo n.º 885/2019-T, porquanto tal solução é a única conforme com os princípios conformadores do sistema comum do IVA.
2. Da oposição de acórdãos, quanto à componente de gestão da carteira própria de títulos, entre a Decisão recorrida e a Decisão arbitral de 19 de outubro de 2022 proferida no processo n.º 493/2021-T
II. Em ambos os arestos aqui em confronto, a questão decidenda foi a de saber se, na aplicação do método de dedução do IVA incorrido na atividade de gestão da carteira própria de títulos, deve ser implementado um critério objetivo para determinação do imposto dedutível (em recursos exclusivos e partilhados) e, consequentemente, desconsiderados, na percentagem de dedução, os proveitos referentes a esta área – cf. páginas 33 e 36 da Decisão recorrido e páginas 22 e 23 da Decisão fundamento.
JJ. Adicionalmente, nota o Recorrente que se vislumbra, também, uma identidade substancial das situações fácticas subjacentes a ambas as decisões. Especificamente, ambas as decisões versaram sobre uma instituição de crédito, sujeito passivo “misto” para efeitos de IVA, que na sua atividade adquire recursos que são utilizados, simultaneamente, em operações tributadas que conferem o direito à dedução do imposto (v.g., locação financeira mobiliária, locação de cofre e custódia de títulos) e operações isentas do imposto que não permitem a dedução do IVA incorrido (nomeadamente concessão de crédito e operações associadas a pagamentos) (Cf. pág. 30 da Decisão recorrida e pág. 19 da Decisão fundamento).
KK. Assim, e como não podia deixar de ser, na Decisão recorrida e na Decisão fundamento foi dado como provado que o Recorrente, tendo verificado que, no âmbito da sua atividade de gestão da carteira própria de títulos, não estava a exercer plenamente o direito à dedução do IVA incorrido que lhe assistia, passou a aplicar um critério objetivo para a determinação do direito à dedução com base na afetação real e, consequentemente, desconsiderar do cálculo da percentagem de dedução os proveitos referentes a esta área (para os anos 2020 e 2016, respetivamente). E que, na sequência da revisão da metodologia de dedução do imposto incorrido e, consequentemente, do recálculo da percentagem de dedução, o Recorrente – apurou, para o ano 2020, uma dedução de € 320.546,89 com referência à atividade de gestão da carteira própria de títulos. Por outro lado, no acórdão fundamento, a entidade ali Requerente apurou, para o ano 2016, uma dedução no valor de € 109.372,40.
LL. Em concreto, “[e]ntende o Requerente que as restrições impostas pela AT no referido Ofício-Circulado não podiam ser aceites, porque manifestamente ilegais, e que, como tal, deveria ter: (..) a) excluído da sua percentagem de dedução os rendimentos relativos à atividade de gestão da carteira própria de títulos” – cf. ponto p da matéria de facto da Decisão recorrida (nosso realce).
MM. Nesse sentido “[c]om tal correção na determinação da percentagem de dedução apurada para o ano 2020, a mesma passou a ser de 32% (ao invés de 7%) e o valor de IVA dedutível na aquisição de recursos de utilização mista passou a ser de € 10.719.376,96 (ao invés de € 2.359.297,35)” – cf. ponto r da matéria de facto da Decisão recorrida.
NN. Em suma, e concluindo, verifica-se que, na Decisão recorrida acima mencionada, resultou dos factos provados que, no contexto da atividade de gestão da carteira própria de títulos, os rendimentos relativos à atividade estavam a ser indevidamente considerados no cálculo da percentagem de dedução.
OO. Por sua vez, na Decisão fundamento, referente ao IVA do ano 2016, foi dado como provado que “[e]m relação às demais aquisições de bens e serviços, afetos indistintamente às diversas operações, para determinar a medida (quantum) de IVA dedutível, a Requerente aplicou o coeficiente de imputação específico nos termos regulados pela Autoridade Tributária e Aduaneira no Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009” – cf. ponto 51.4 da Decisão fundamento.
PP. Acrescentando que a Requerente, “na sequência de uma revisão interna de procedimentos, constatou que não havia exercido o direito à dedução do valor total do IVA incorrido na aquisição de bens e serviços diretamente relacionados com a atividade de gestão da carteira própria de títulos” – cf. ponto 51.5 da Decisão fundamento.
QQ. Sendo que o pedido de revisão oficiosa “(…) teve por fundamento a substituição do coeficiente de imputação específico determinado de acordo com o previsto no Ofício-circulado n.º 30108/2009, de 30 de janeiro, que se cifrou no ano em análise em 4%, pelo método da afetação real, visto que, em relação à atividade de gestão da carteira própria de títulos, a Requerente concluiu ser possível a determinação de critérios objetivos para quantificar o IVA dedutível em relação à utilização de recursos mistos na referida área (…)” – cf. ponto 51.6 da Decisão fundamento.
RR. E concluiu que os “(…) critérios de afetação real que identifica no documento 3, os quais determinaram IVA a regularizar a favor do Estado no valor de € 31.361,63, e a favor do sujeito passivo no valor de € 140.734,03, o que determina IVA a favor da Requerente no valor de € 109.372,40” - cf. ponto 51.6 da matéria de facto da Decisão fundamento.
SS. Nestes termos, com referência à caracterização da atividade de gestão da carteira própria de títulos desenvolvida pelo Recorrente ficaram provados os seguintes factos essenciais:
- o IVA incorrido nos recursos que são utilizados pela atividade de gestão de carteira própria de títulos foi objeto de dedução (parcial) por via da aplicação do critério de imputação específico, que resulta do Ofício-Circulado n.º 30108 [página 33 Decisão Recorrida, páginas 19 e 20 Decisão fundamento];
- que em virtude de uma revisão de procedimento efetuada, foi decidido proceder à substituição do coeficiente de imputação específico, pelo método de afetação real, tendo sido regularizado a favor do Estado o imposto inicialmente deduzido nos recursos que são utilizados pela atividade de gestão de carteira própria de títulos e excluído da percentagem de dedução os rendimentos relativos à atividade de gestão da carteira própria de títulos [página 33 Decisão Recorrida, página 20 Decisão fundamento];
- em virtude da revisão da metodologia de dedução do imposto incorrido no ano 2020, o IVA a recuperar cifrou-se em € 320.546,89 referente ao IVA 2020 e € 109.372,40, referente ao IVA 2016.
TT. Em face do exposto, resulta evidente que a factologia relevante é totalmente coincidente nas Decisões Arbitrais aqui em confronto. De facto, tal não podia deixar de ser, dado estar em causa, em ambos os processos, (i) a mesma atividade de gestão da carteira própria de títulos, (ii) a mesma natureza de recursos afetos à atividade de gestão da carteira própria de títulos e (iii) o mesmo procedimento adotado na determinação da medida de dedução do imposto.
UU. Ora, conforme decorre expressamente das Decisões Arbitrais aqui em confronto, o normativo legal em juízo, em ambos os processos, respeita, essencialmente, às normas comunitárias e nacionais que consagram o regime do direito à dedução do IVA – i.e., artigos 173.º a 175.º da Diretiva IVA e artigos 19.º a 25.º do Código do IVA.
VV. Não obstante as Decisões Arbitrais aqui em confronto terem decidido a mesma questão fundamental de direito, assentando em iguais pressupostos de facto e aplicando o mesmo normativo legal, resultam das mesmas soluções jurídicas totalmente opostas.
WW. Na Decisão recorrida, o Tribunal Arbitral começa por referir que “(…) no âmbito de uma revisão de procedimentos relativa à sua atividade, o Requerente verificou que o cálculo da referida percentagem de dedução se encontrava, segundo entende, viciado por erro no regime jurídico aplicável ao seu direito à dedução” (cf. ponto o da matéria de facto da Decisão recorrida).
XX. Acrescenta a decisão recorrida que “[a]s restrições impostas pela AT no referido Ofício-Circulado não podiam ser aceites, porque manifestamente ilegais, e que, como tal, deveria ter: a) excluído da sua percentagem de dedução os rendimentos relativos à atividade de gestão da carteira própria de títulos” – cf. ponto p da matéria de facto da Decisão recorrida.
YY. Deste modo, na Decisão recorrida, concluiu-se que, no âmbito da atividade de gestão da carteira própria de títulos, “(…) tendo optado, no âmbito da sua autonomia, por um dos métodos previstos no Código do IVA, não pode, com efeitos retroativos, alterar o método de dedução utilizado quando se constituiu o direito à dedução nos termos do Código do IVA” (Pág. 37 da Decisão recorrida.)
ZZ. Tal entendimento resulta do facto de na Decisão recorrida o Tribunal Arbitral entender que “resulta evidente de uma leitura atenta da lei que quaisquer correções ao cálculo do montante de dedução apurado provisoriamente durante um determinado ano civil, devem ser efetuadas no final desse mesmo ano, tendo por base os valores definitivos das operações realizadas”. (idem)
AAA. Acrescentando que “não se vislumbra no artigo 23.º do Código do IVA qualquer entendimento que permita a um sujeito passivo que, tendo optado por um método de cálculo do direito à dedução do imposto suportado nos também denominados “inputs promíscuos”, possa alterar retroativamente o método utilizado, recalculando a dedução inicialmente efetuada. Permite, isso sim, que a dedução efetuada ao longo do ano possa ser corrigida na última declaração periódica do ano, mas apenas pela natureza provisória da dedução do imposto”. (idem)
BBB. Conclusão esta da Decisão recorrida que se encontra em total oposição com a Decisão fundamento, na qual se concluiu que o ato de autoliquidação de IVA relativo ao período de tributação de 2016, enferma de ilegalidade, configurando um erro de direito na adoção do método de apuramento do IVA incorrido nos recursos de utilização mista, e como tal, passível de correção no prazo de quatro anos, nos termos do n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA.
CCC. Com base nos factos provados, a Decisão Fundamento concluiu que “ (…) a circunstância do contribuinte ter optado por adotar o método do coeficiente específico para quantificar o IVA dedutível em relação aos recursos de utilização mista, em vez de ter adotado o método da afetação real, não configura um erro subsumível ao normativo do n.º 6 do artigo 78.º do CIVA (…), está sim em causa um erro de direito na quantificação dos factos justificativos do exercício do direito à dedução do IVA, erro que é enquadrável no n.º 2 do artigo 98.º do CIVA” (Pág. 30 da Decisão Fundamento).
DDD. Acrescentando que “[i]n casu, o sujeito passivo pretende efetuar a correção do método do pro rata – coeficiente específico de dedução – pelo método de afetação real, porquanto concluiu ser este o método que melhor corresponde à expressão da efetiva utilização de determinados recursos em relação aos quais foi possível identificar uma conexão direta com a área de gestão da carteira de títulos, obtendo, assim, uma melhor expressão do princípio da neutralidade do imposto” (Idem).
EEE. Tendo em vista a justificação do seu entendimento de que o erro em que a ali Requerente incorreu se trata de um erro de direito (consequentemente, passível de correção no prazo de quatro anos, nos termos n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA), o Tribunal Arbitral socorreu à jurisprudência firmada no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (Em sentido idêntico, vide Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 984/14.1BELLE, de 08.07.2021; Acórdãos do STA: processo n.º 01023/15.0BELRS, de 12.05.2021; processo n.º 0796/15.5BEVIS, de 07.04.2021 e processo n.º 0136/14.0BEALM, de 02.12.2020 (páginas 31, 32 e 33 da Decisão fundamento), proferido no processo n.º 00412/12.7BEPRT, de 05.03.2020, de onde resultou que: “i) Vigora no ordenamento jurídico português o dever de a Administração proceder à revisão dos atos tributários, no prazo de quatro anos a contar da data da exigibilidade do imposto, sempre que detete uma situação de cobrança ilegal de tributos, seja por excesso, seja por defeito. ii) Existe erro de direito, fundamento do pedido de revisão do ato tributário, se na autoliquidação do imposto foi deduzido menos imposto do que o devido, por incorreta aplicação do método (designadamente, o método de dedução direta integral – o sistema de débitos diretos – método de afetação real). iii) O prazo aplicável para reclamar do IVA entregue, em excesso, numa situação enquadrável no denominado erro de direito, é de quatro anos, nos termos previstos no artigo 91.º, n.º 2, atual artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA” (Pág. 33 da Decisão Fundamento).
FFF. Determinando assim que “(…) considerando que o pedido de revisão oficiosa apresentado pelo Requerente foi indeferido com o fundamento de que a situação em análise – substituição ou correção do método do coeficiente de imputação específico (pro rata) pelo método de afetação real – seria enquadrável no prazo especial previsto no n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA, consubstanciando este uma das disposições especiais a que alude a parte inicial do n.º 2 do artigo 98.º do CIVA, afastando, assim, a aplicabilidade do prazo de quatro anos previsto neste último normativo, importa concluir que, com base em tal fundamento, o pedido de revisão oficiosa foi indevidamente indeferido, sendo, consequentemente, tal decisão ilegal” (Pág. 34 da Decisão Fundamento).
GGG. Concluindo-se assim que as Decisões em oposição estabelecerem prazos distintos para a correção do método de dedução do IVA, tendo a Decisão recorrida concluído que tal correção seria enquadrável no disposto no n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA, enquanto a Decisão fundamento concluiu pela aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 98.º do Código do IVA.
HHH. De facto, se a Decisão recorrida conduziu à manutenção na ordem jurídica da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa do ato tributário de (auto)liquidação de IVA referente ao ano 2020 e impediu a regularização do respetivo imposto pela Recorrente, a Decisão fundamento, por sua vez, não o fez e, por conseguinte, permitiu a regularização do imposto pelo sujeito passivo.
III. A par dos requisitos acima expendidos, nos termos do n.º 2 do artigo 25.º do RJAMT e do artigo 152.º do CPTA, o recurso não é admitido se a orientação perfilhada pela Decisão impugnada não estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
JJJ. Neste sentido, importa atender à jurisprudência proferida por este Supremo Tribunal com referência à temática aqui em apreço, i.e. a questão de determinar o prazo para alteração do método de cálculo do direito à dedução, quando em virtude da implementação do critério objetivo para determinação do imposto dedutível no âmbito da atividade de gestão da carteira própria de títulos (em recursos exclusivos e partilhados), deve ser desconsiderado, no cálculo do coeficiente de imputação específico, os proveitos referentes a esta área.
KKK. Conforme acima mencionado, este Supremo Tribunal decidiu já sobre esta temática em diferentes ocasiões, sendo que, contudo, tais decisões versaram sobre situações de facto distintas daquela que está em causa na Decisão aqui recorrida.
LLL. Neste âmbito, destaque-se o Acórdão do STA de 12 de maio de 2021, proferido no processo 01023/15.0BELRS, em que foi concluído o seguinte: “(…) forçosa é a conclusão de que uma correção motivada pela indevida utilização de um método legal de dedução, quando um outro método legal deveria ser aplicável, configura um forçoso erro de Direito, sendo tempestivo o pedido de correção/revisão da auto-liquidação se efetuado no prazo de quatro anos”.
MMM. Esta mesmo orientação foi seguida, pelo STA em diversas decisões identificadas igualmente: Acórdão de 7 de abril de 2021 (Processo n.º 02315/14.1BELRS); Acórdão de 17 de junho de 2020 (Processo n.º 0443/13.0BEPRT) e Acórdão de 28 de junho de 2017 (Processo n.º 01427/14).
NNN. Neste sentido, no processo n.º 02315/14.1BELRS pode-se ler que “I – A errada qualificação das operações em causa como sujeitas e não isentas para efeitos de IVA constitui um erro de enquadramento ou erro de direito. II – A correção da autoliquidação efetuada com base nesse erro de direito pode ser objeto de pedido de revisão oficiosa ao abrigo do disposto nos arts. 98.º, n.º 2, do CIVA e 78.º da LGT, no prazo de quatro anos, não tendo aplicação o prazo previsto no n.º 6 do artigo 78.º do CIVA”.
OOO. Termos em que, considerando a jurisprudência consolidada do STA sobre esta matéria, entende o ora Recorrente quedar demonstrada, também, a verificação do requisito estatuído no n.º 3 do artigo 152.º do CPTA, porquanto a Decisão recorrida não está de acordo com a referida jurisprudência consolidada.
PPP. Assim, e por tudo o que ficou acima exposto, deverá o presente Recurso proceder, porque se encontram verificados todos os seus pressupostos, devendo, em consequência, ser anulada a Decisão recorrida, proferida em 27 de abril de 2023, no âmbito do processo n.º 612/2022-T, por Tribunal Arbitral constituído no âmbito do CAAD, imperando manter-se na ordem jurídica a solução a que anteriormente havia chegado o Tribunal Arbitral na Decisão Arbitral de 19 de outubro de 2022, proferida no âmbito do processo n.º 493/2021-T, porquanto tal solução é a única conforme com os princípios estruturantes do sistema comum do IVA.

II. Por despacho a fls. 877 do SITAF, o Ex.º Relator junto deste Supremo Tribunal veio admitir o recurso e ordenou notificação da recorrida para contra alegar.

I.2 – Contra-alegações
Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância.

I.3 – Parecer do Ministério Público,
Foi junto parecer a fls. 882 a 886 do SITAF, com o seguinte teor:
I. DELIMITAÇÃO DO RECURSO
O presente recurso de uniformização de jurisprudência vem interposto da decisão arbitral proferida pelo CAAD no processo nº 612/2022-T, que julgou improcedente o pedido de anulação da autoliquidação de IVA, relativo ao ano de 2020.
1. Entende o Recorrente que a referida decisão arbitral perfilhou uma solução oposta à decisão arbitral proferida pelo CAAD no processo nº 885/2019-T, sobre a questão «de saber se, na aplicação do método de dedução de imposto incorrido nos bens e serviços de utilização mista, devem ser considerados no numerador e no denominador da fracção de cálculo o valor da transmissão das viaturas relativas à actividade de concessão de crédito com reserva de propriedade».
2. Mais entende que a mesma decisão arbitral recorrida perfilhou solução oposta à decisão arbitral proferida pelo CAAD no processo nº 493/2021, sobre a questão de «…saber se, na aplicação do método de dedução do IVA incorrido na atividade de gestão da carteira própria de títulos, deve ser implementado um critério objetivo para determinação do imposto dedutível (em recursos exclusivos e partilhados) e, consequentemente, desconsiderados, na percentagem de dedução, os proveitos referentes a esta área».
3. No que respeita à primeira questão considera o Recorrente que o entendimento adotado na decisão arbitral recorrida colide com o entendimento sufragado na decisão arbitral fundamento sobre a existência de diferenças substanciais entre a locação financeira e a atividade de “crédito com reserva de propriedade” em ordem a reclamar a aplicação de diverso método de determinação do imposto a deduzir no caso dos “recursos de utilização mista” e na aplicabilidade do ofício circulado nº 30108 da ATA.
4. E no que respeita à segunda questão considera o Recorrente que enquanto na decisão recorrida se entendeu que não é permitido a um sujeito passivo que «tendo optado por um método de cálculo do direito à dedução do imposto suportado nos também denominados “inputs promíscuos”, possa alterar retroativamente o método utilizado, recalculando a dedução inicialmente efetuada» e que a correção só poderia ser efetuada ao abrigo do disposto no nº6 do artigo 23º do CIVA; Já na decisão fundamento entendeu-se que na obstava à correção do método de cálculo por se tratar de um erro de direito que podia ser passível de correção no prazo de quatro anos, nos termos do nº 2 do artigo 98º do CIVA.
5. Mais conclui que se mostram reunidos os demais requisitos para a prolação de acórdão de uniformização de jurisprudência.
II. REQUISITOS DE ADMISSÃO DO RECURSO
1. Como é entendimento pacífico na jurisprudência do STA, a admissibilidade dos recursos com vista à uniformização de jurisprudência, tendo em conta o regime previsto nos artigos 27.º, alínea b) do ETAF, 284.º do CPPT e 152.º do CPTA, depende de existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
2. No que ao primeiro requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno desta Secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detectar a existência de uma contradição, quais sejam:
- identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
- que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica; - que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;
- a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta (- cfr. Jorge de Sousa e Simas Santos, Recursos Jurisdicionais em Contencioso Fiscal, p. 424, e acórdãos do Pleno da seção de contencioso tributário do STA, de 15/9/2010, recs. nºs. 344/2009 e 881/2009, e de 26 de Setembro de 2007, 14 de Julho de 2008 e de 6 de Maio de 2009, recursos números 452/07, 616/07 e 617/08, respectivamente).
3. DELIMITAÇÃO DAS SITUAÇÕES CONFIGURADAS EM CADA UMA DAS DECISÕES EM CONFRONTO.
3.1 ATIVIDADE DE CRÉDITO COM RESERVA DE PROPRIEDADE
3.1.1 Na decisão arbitral recorrida está em causa a forma de apuramento, para efeitos de determinação da taxa de dedução, do IVA suportado nas “aquisições de bens e serviços, afectas indistintamente às diversas operações por si desenvolvidas, ou seja, aos recursos de “utilização mista” …» e mais especificamente “As aquisições de bens e serviços necessários ao desenvolvimento da actividade de crédito com reserva de propriedade”.
3.1.2 Na referida decisão deu-se como assente que «para determinar a medida (quantum) de IVA dedutível relativamente às demais aquisições de bens e serviços, afetos indistintamente às diversas operações por si desenvolvidas (recursos de “utilização mista”), o Requerente aplicou o método geral e supletivo da percentagem de dedução, conforme previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA».
3.1.3 Mais se deu como assente que «relativamente a estes encargos comuns ou recursos de utilização mista não foi possível ao Requerente proceder à aplicação do outro método de dedução parcial, já que nas aquisições de recursos utilizados no desenvolvimento da globalidade das operações do Requerente, nomeadamente, os consumos de eletricidade, de água, de papel, de material informático (hardware e software), de telecomunicações, entre outros, esta imputação se revelaria impraticável».
3.1.4 Tendo o tribunal arbitral dado como não provado que «os custos comuns do Requerente fossem sobretudo incorridos com as prestações de serviços conexionadas com os atos de disponibilização de veículos, ou seja, que os recursos de utilização mista da atividade de leasing e CRP fossem sobretudo consumidos nas tarefas e procedimentos necessários à disponibilização dos bens locados (i.e., na denominada fase pós-venda), quer pela vasta rede de balcões e departamentos utilizada para o efeito, quer pelo período prolongado de vigência desta fase».
3.1.5 Para se decidir pela improcedência do pedido arbitral, entendeu-se na decisão arbitral recorrida que «não há fundamento para separar as situações abrangidas por esta atividade das situações abrangidas pela atividade de leasing, pelo que inexiste consequentemente fundamento para não analisar a CRP em conjunto com a situação do leasing».
3.1.6 E tendo o tribunal arbitral considerado que «…não foi feita prova bastante por parte do Requerente de que a utilização dos bens ou serviços de utilização mista pelo sujeito passivo era sobretudo determinada pela atividade desenvolvida pela CRP», concluiu-se que nada havia a censurar ao método adotado na autoliquidação à luz dos critérios previstos no ofício circulado nº 30.108.
3.1.7 Na decisão arbitral fundamento (885/2019-T) o tribunal deu como assente que «Para determinar a medida de IVA dedutível relativamente às demais aquisições de bens e serviços, afectas indistintamente às diversas operações por si desenvolvidas, ou seja, aos recursos de “utilização mista”, o Requerente aplicou o método geral e supletivo da percentagem de dedução, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA».
3.1.8 Mais se deu como assente que «… O Requerente decidiu proceder à alteração da percentagem de dedução do imposto incorrido no ano 2015 no âmbito da actividade de crédito com reserva de propriedade e atendendo ao consumo de recursos necessários para o realizar passou a ter em consideração a componente de transmissão de viaturas no coeficiente de imputação específico».
3.1.9 Para se decidir pela procedência do pedido arbitral nesta parte entendeu o tribunal arbitral que «resulta dos autos a menção a procedimento inspectivo relativo ao ano de 2012 no qual a AT terá manifestado o entendimento que ora pretende fazer valer para o exercício de 2015 (vd., A.1. n.º 28 supra). Só que não se apura, que daquele procedimento inspectivo haja resultado uma determinação vinculativa da AT, no sentido de obrigar o Requerente a adoptar, para o futuro, o método de afectação real, relativamente à actividade de concessão de crédito com reserva de propriedade».
APRECIAÇÃO
3.1.10 Decorre das duas decisões arbitrais em confronto que perfilharam soluções divergentes quanto à forma de apuramento, para efeitos de determinação da taxa de dedução, do IVA suportado nas aquisições de bens e serviços necessários ao desenvolvimento da atividade de crédito com reserva de propriedade, pois enquanto na decisão recorrida o tribunal entendeu ser de aplicar o método de dedução especifico previsto no ofício circulado nº 30108 da ATA, por não haver razão para distinguir esta atividade da atividade de locação financeira e ALD, na decisão fundamento entendeu-se não ser aplicável esse método ou qualquer outro de afetação real, por tal não ter sido imposto pela Administração Tributária ao sujeito passivo.
3.1.11 No que respeita às situações de facto subjacentes em cada um dos casos temos que no caso da decisão fundamento (P.885/2019-T) não resulta clara a atuação adotada pelo sujeito passivo quanto ao método praticado, uma vez que dos nºs 28 e 29 da matéria de facto parece resultar que o sujeito passivo no exercício em causa – ano de 2015 – para efeitos de determinação da percentagem de dedução do imposto, no critério de imputação específico que utilizou considerou a componente de transmissão de viaturas. Todavia no nº38 da matéria de facto nas considerações ali vertidas (Na fixação da matéria de facto o tribunal utiliza os considerandos feitos pela parte, método que achamos incorreto e improprio) já parece resultar que o valor da transmissão das viaturas não foi incluído no método utilizado, ao revelar os diferentes valores do IVA a considerar para efeitos de dedução,
3.1.12 Na decisão recorrida o tribunal arbitral considerou que «não foi feita prova bastante por parte do Requerente de que a utilização dos bens ou serviços de utilização mista pelo sujeito passivo era sobretudo determinada pela atividade desenvolvida pela CRP»; Enquanto na decisão fundamento o tribunal arbitral considerou não haver qualquer elemento a relevar nesta parte (apenas se pronunciou quanto à atividade de leasing e duma forma indefinida) (Presumidamente por considerar que não se impunha a discriminação de qualquer matéria de facto não provada a esse respeito por não relevar para a decisão a proferir sobre a questão).
3.1.13 Ora, salvo melhor opinião, afigura-se-nos que as situações de facto fixadas em cada um dos processos não se revelam substancialmente semelhantes. Com efeito, na decisão fundamento a matéria de facto fixada revela diversas incongruências e indefinições, para além da utilização de considerandos da própria parte, que, salvo o devido respeito, não permite ajuizar sobre os elementos utilizados pelo sujeito passivo no apuramento do imposto a deduzir nos serviços de utilização mista conexos com a atividade de crédito com reserva de propriedade.
3.1.14 Por outro lado na decisão recorrida discriminou-se matéria de facto não provada com relevância para uma das soluções plausíveis da causa, enquanto na decisão fundamento nada se fixou a esse respeito.
3.1.15 Em face do exposto, entendemos que nesta parte não se mostram reunidos os requisitos para a prolação de acórdão de uniformização de jurisprudência, motivo pelo qual se nos afigura que não deve tomar-se conhecimento do recurso no que respeita à invocada oposição das decisões no que se refere à atividade de crédito com reserva de propriedade.
3.2 ATIVIDADE DE GESTÃO DA CARTEIRA PRÓPRIA DE TÍTULOS.
3.2.1 Tanto na decisão recorrida como na decisão fundamento o sujeito passivo aplicou o método de dedução específico para determinar o valor da dedução no caso dos recursos de utilização mista.
3.2.2 E em ambos os casos os sujeitos passivos decidiram alterar esse método, por considerarem mais adequado a aplicação de um método de afetação real, o que conduziu a que fosse excluído da percentagem de dedução os rendimentos relativos à atividade de gestão de carteira própria de títulos.
3.2.3 Ora, enquanto na decisão recorrida se entendeu que «tendo optado, no âmbito da sua autonomia, por um dos métodos previstos no Código do IVA, não pode, com efeitos retroativos, alterar o método de dedução utilizado quando se constituiu o direito à dedução nos termos do Código do IVA»; Já na decisão fundamento se considerou que «…a circunstância do contribuinte ter optado por adotar o método do coeficiente específico para quantificar o IVA dedutível em relação aos recursos de utilização mista, em vez de ter adotado o método da afetação real, não configura um erro subsumível ao normativo do n.º 6 do artigo 78.º do CIVA, visto que não está em causa “[a] correção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º (…)”, está sim em causa um direito de direito na qualificação dos factos justificativos do exercício do direito à dedução do IVA, erro que é enquadrável no n.º 2 do artigo 98.º do CIVA».
3.2.4 Sucede que a questão que o Recorrente identifica nas suas alegações sobre a qual alega ter sido perfilhada solução oposta é outra e que nas suas palavras consiste em saber se “na aplicação do método de dedução do IVA incorrido na atividade de gestão da carteira própria de títulos, deve ser implementado um critério objetivo para determinação do imposto dedutível (em recursos exclusivos e partilhados) e, consequentemente, desconsiderados, na percentagem de dedução, os proveitos referentes a esta área”.
3.2.5 Ora, salvo o devido respeito, sobre esta específica questão não houve propriamente pronúncia por parte dos tribunais arbitrais, ainda que em face da solução perfilhada sobre a questão identificada no ponto 3.2.3 os efeitos sobre a questão da adoção de um método de afetação real pretendido pelos sujeitos passivos tenham sido igualmente divergente.
3.2.6 Na verdade, em nenhuma das decisões arbitrais foram sequer fixados quaisquer elementos de facto que permitissem ao tribunal ajuizar sobre a adequação à atividade de gestão da carteira própria de títulos do método de afetação real.
3.2.7 Tanto mais que na factualidade assente se fez constar, na decisão arbitral recorrida, que «o Requerente nas situações em que identificou uma conexão direta e exclusiva entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações ativas (outputs) por si realizadas, aplicou, para efeitos de exercício do direito à dedução, o método da imputação direta, nos termos do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA» [alínea f)], o que aparentemente não sucedeu naquela atividade.
3.2.8 O mesmo sucedendo na decisão fundamento, na qual se se deixou assente que «Nas situações em que identificou uma conexão direta, mas não exclusiva, entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações ativas (outputs), a Requerente determinou critérios objetivos do nível/grau de utilização efetiva e aplicou o método de afetação real, em função do disposto no n.º 2 do artigo 23.º do CIVA» (ponto 51.3).
3.2.9 Em face do exposto, afigura-se-nos, salvo melhor opinião, que sobre a questão identificada pelo Recorrente nas suas alegações não houve pronúncia expressa nas decisões arbitrais em confronto, motivo pelo qual entendemos que não se mostram reunidos os requisitos para a prolação de acórdão de uniformização de jurisprudência sobre essa questão.
3.2.10 E assim sendo, entendemos que também neste parte não pode tomar-se conhecimento do recurso.
4. Em conclusão: Atento que em ambos os casos não se mostram reunidos os requisitos do recurso de uniformização de jurisprudência, seja porque as situações de facto não são substancialmente iguais (questão conexa com a actividade de “crédito com reserva de propriedade”), seja porque não houve pronuncia expressa sobre a questão identificada (questão conexa com a atividade de “gestão da carteira própria de títulos”), entendemos que não deve tomar-se conhecimento do recurso.”

I.4 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II – FUNDAMENTAÇÃO

II. 1 – De facto
A decisão arbitral sob recurso, considerou como provados os seguintes factos:
a. A entidade Requerente é uma instituição de crédito, cujo objeto social consiste na realização das operações descritas no n.º 1 do artigo 4.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto lei n.º 298/92, de 31 de dezembro. b. No âmbito da sua atividade, o Requerente realiza operações financeiras abrangidas pela isenção prevista na alínea 27) do artigo 9.º do Código do IVA, que não conferem o direito à dedução deste imposto.
c. Em particular, operações de financiamento/concessão de crédito, operações relativas a pagamentos e, em geral, das transações relativas à negociação e venda de títulos.
d. Simultaneamente, realiza operações financeiras que conferem o direito à dedução do IVA nos termos gerais do Código, designadamente e entre outras, operações de locação financeira mobiliária, locação de cofres, custódia de títulos.
e. Ora, em face da natureza das atividades desenvolvido e adquirindo recursos que são utilizados simultaneamente em operações que conferem o direito à dedução e operações que não conferem tal direito, o Requerente encontra-se abrangido por distintos regimes de dedução do IVA.
f. Em face do acima exposto, o Requerente nas situações em que identificou uma conexão direta e exclusiva entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações ativas (outputs) por si realizadas, aplicou, para efeitos de exercício do direito à dedução, o método da imputação direta, nos termos do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA. g. Procedimento adotado, por exemplo, no âmbito da aquisição de bens objeto dos contratos de locação financeira - v.g. a aquisição de uma viatura para subsequente locação financeira -, relativamente aos quais foi deduzido, na íntegra, o IVA incorrido, em virtude de tais bens estarem diretamente ligados a operações tributadas, realizadas a jusante pelo Requerente – a locação financeira –, as quais conferem o direito à dedução.
h. Seguido a mesma lógica, nas aquisições de bens e serviços utilizados exclusivamente na realização de operações que não conferem o direito à dedução, o Requerente não deduziu qualquer montante de IVA.
i. Por outro lado, nas situações em que o Requerente identificou uma conexão direta, mas não exclusiva, entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações ativas (outputs) por si realizadas, e conseguiu determinar critérios objetivos do nível/grau de utilização efetiva, aplicou o método da afetação real, de harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA.
j. Por fim, para determinar a medida (quantum) de IVA dedutível relativamente às demais aquisições de bens e serviços, afetos indistintamente às diversas operações por si desenvolvidas (recursos de “utilização mista”), o Requerente aplicou o método geral e supletivo da percentagem de dedução, conforme previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA.
k. Referindo que relativamente a estes encargos comuns ou recursos de utilização mista não foi possível ao Requerente proceder à aplicação do outro método de dedução parcial, já que nas aquisições de recursos utilizados no desenvolvimento da globalidade das operações do Requerente, nomeadamente, os consumos de eletricidade, de água, de papel, de material informático (hardware e software), de telecomunicações, entre outros, esta imputação se revelaria impraticável.
l. Assim, não sendo viável ao Requerente determinar um ou vários critérios objetivos passíveis de permitir, de forma rigorosa e segura, o montante do IVA dedutível, através do método da afetação real, nas aquisições daqueles recursos de utilização mista, o Requerente aplicou o referido método da percentagem de dedução.
m. O que foi efetuado no estrito cumprimento dos ditames constantes no ponto 9 do Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009, do Gabinete do Subdiretor-geral da Área de Gestão Tributária do IVA,
n. Procedimento que determinou uma percentagem de dedução apurada para o ano de 2020 de 7%, que corresponde a um montante de IVA deduzido na aquisição de recursos de utilização mista de € 2.359.297,35.
o. Após tal tratamento fiscal, e no âmbito de uma revisão de procedimentos relativa à sua atividade, o Requerente verificou que o cálculo da referida percentagem de dedução se encontrava, segundo entende, viciado por erro no regime jurídico aplicável ao seu direito à dedução.
p. Entende o Requerente que as restrições impostas pela AT no referido Ofício-Circulado não podiam ser aceites, porque manifestamente ilegais, e que, como tal, deveria ter:
a) Excluído da sua percentagem de dedução os rendimentos relativos à atividade de gestão da carteira própria de títulos;
b) Incluído na percentagem de dedução:
1. os valores relativos à transmissão das viaturas no âmbito da atividade de CRP; e ainda
2. os montantes respeitantes às amortizações financeiras dos contratos de leasing
q. Com tal correção na determinação da percentagem de dedução apurada para o ano 2020, a mesma passou a ser de 32% (ao invés de 7%) e o valor de IVA dedutível na aquisição de recursos de utilização mista passou a ser de € 10.719.376,96 (ao invés de € 2.359.297,35).
r. Pelo que, de acordo com o entendimento e procedimento adotado pelo Requerente, verificou-se uma entrega de imposto em excesso no montante de € 8.360.079,61.
s. O Banco apresentou reclamação graciosa nos termos previstos nos artigos 68º e 131º, do CPPT, em conjugação com o artigo 97º, do CIVA, contra o ato tributário de autoliquidação de IVA respeitante ao citado período de imposto de 2020/12 (dezembro), invocando a ilegalidade da autoliquidação, decorrente da ilegalidade do Ofício-circulado nº 30.108, de 30 de janeiro de 2009 por este consagrar uma percentagem de dedução do IVA com base em critérios incompatíveis com o direito nacional e comunitário;
t. Por despacho da Diretora Adjunta da Unidade dos Grandes Contribuintes (por delegação de competência) de 04-07-2022, a AT indeferiu totalmente a reclamação graciosa.

O acórdão arbitral fundamento datado de 26/07/2021 no âmbito do processo nº 885/2019-T,deu como provado a seguinte factualidade:
1- O Requerente é uma instituição de crédito com sede em território nacional cujo objeto social consiste na realização das operações descritas no n.º 1 do artigo 4.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro e objeto de sucessivas alterações).
2- O Requerente está colectado com os Códigos de Actividade Económica (CAE), a título principal, de “Outra Intermediação Monetária” (CAE 64190) e, a título secundário, de “Atividades de Factoring” (CAE 64991).
3- O Requerente está integrado no grupo dos contribuintes de elevada relevância económica e fiscal, nos termos previstos no artigo 68.º-B da LGT, cujo acompanhamento permanente e gestão tributária compete à Unidade dos Grandes Contribuintes, de acordo com o disposto no Anexo I do Despacho da Diretora-Geral da AT n.º 977/2019, de 28 de janeiro, publicado no Diário da República, 2.ª série, n.º 19, Parte C, de 28-01-2019.
4- Para efeitos de IVA o Requerente é um sujeito passivo, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA, encontrando-se enquadrado no regime normal de periodicidade mensal, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 41.º do Código do IVA.
5- O Requerente realiza operações que conferem o direito à dedução, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA (operações de locação financeira mobiliária, locação de cofres e custódia de títulos entre outras).
6- O Requerente como instituição de crédito, no âmbito da sua atividade, realiza operações enquadráveis na isenção prevista no n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA que não conferem o direito à dedução (operações de financiamento/concessão de crédito, operações associadas a pagamentos e, em geral, transações relativas à negociação e venda de títulos).
7- O Requerente caracteriza-se por ser um sujeito passivo “misto” (realiza operações que conferem o direito à dedução e operações que não conferem esse direito) procedendo ao apuramento do IVA de cada período com recurso ao disposto no artigo 23.º do Código do IVA.
8- O Requerente adquire recursos que são utilizados simultaneamente em operações que conferem o direito à dedução e operações que não conferem tal direito encontrando-se abrangido por distintos regimes de dedução do IVA incorrido.
9- Nas situações em que o Requerente identificou uma conexão directa e exclusiva entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações activas (outputs) por si realizadas, aplicou, para efeitos de exercício do direito à dedução, o método da imputação directa, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA.
10- Nas situações em que o Requerente identificou uma conexão directa, mas não exclusiva, entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações activas (outputs) por si realizadas, e conseguiu determinar critérios objectivos do nível/grau de utilização efectiva, aplicou o método da afectação real, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA.
11- Nas aquisições de bens e serviços utilizados exclusivamente na realização de operações que não conferem o direito à dedução, o Requerente não deduziu qualquer montante de IVA.
12- Para determinar a medida de IVA dedutível relativamente às demais aquisições de bens e serviços, afectas indistintamente às diversas operações por si desenvolvidas, ou seja, aos recursos de “utilização mista”, o Requerente aplicou o método geral e supletivo da percentagem de dedução, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA.
13- A determinação da percentagem de dedução, referida no n.º anterior, foi concretizada através do cumprimento do disposto no Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, do Gabinete do Subdirector-Geral da Área de Gestão Tributária do IVA.
14- Nas declarações periódicas de IVA referentes aos meses de janeiro a novembro de 2015, o Requerente procedeu provisoriamente à dedução do imposto por si incorrido em recursos de utilização mista com base na percentagem de dedução do ano anterior, nos termos previstos no n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA.
15- A declaração periódica de IVA referente ao mês de dezembro do ano de 2015, com o n.º..., foi apresentada, em 08-02-2016, tendo sido substituída pela declaração, com o n.º..., entregue em 29-12-2017.
16- Na declaração periódica de IVA, referente ao mês de dezembro de 2015, o Requerente procedeu ao ajustamento/regularização das deduções operadas mensalmente ao longo do ano de 2015, de acordo com o disposto no n.º 6 do artigo 23.º do Código do IVA.
17- Através do procedimento supra referido, o Requerente apurou uma percentagem de dedução definitiva para o ano de 2015 de 7%, a qual quando aplicada ao total do IVA incorrido nos recursos de utilização mista adquiridos nesse ano no montante de € 23.772.345,00, se materializou no valor de € 1.664.064,15 de IVA dedutível.
18- O Requerente apurou a dedução de IVA incorrido em recursos de utilização mista na actividade de gestão de carteira de títulos própria através da aplicação do coeficiente de imputação específico mencionado no Ofício-circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009.
19- Posteriormente o Requerente decidiu proceder à alteração do método de dedução do imposto incorrido no ano 2015 no âmbito da actividade de gestão da carteira própria de títulos por considerar que a utilização do coeficiente de imputação específico para a determinação da capacidade de dedução do IVA incorrido não se afigurava adequada por objetivamente não permitir demonstrar a real utilização dos referidos recursos em cada uma das tipologias de operações desenvolvidas pelo Requerente.
20- O Requerente procedeu à determinação de um critério de dedução do IVA incorrido nos recursos quer exclusivos quer partilhados adquiridos pela actividade de gestão da carteira própria de títulos e à revisão do cálculo do coeficiente de imputação específico do ano de 2015, tendo apurado um valor de IVA não dedutível de € 34.128,08, e posteriormente procedeu à regularização a favor do Estado desse montante, e desconsiderou, no cálculo do coeficiente de imputação específico, os proveitos referentes a esta área.
21- Da alteração do método de dedução do imposto, incorrido no ano 2015, no âmbito da actividade de gestão da carteira própria de títulos resulta uma dedução adicional no montante de € 441.321,82 [(€ 23.772.345,00 X 2%) - € 34.128,08], conforme quadro apresentado infra:

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22- A AT considerou que a aplicação do método de afetação real integral na atividade de gestão da carteira própria de títulos utilizado pelo Requerente não fere o quadro jurídico em vigor, assente no disposto no n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA e no Ofício-Circulado n.º 30108 (vd., VI, n.º 27 da Informação n.º 187-ADP/2019, de 13-09-2019, da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, que consta do Processo Administrativo integrante dos presentes autos arbitrais).
23- O Requerente celebra contratos de crédito com reserva de propriedade que têm por objectivo a aquisição, por parte dos seus clientes, de veículos automóveis, novos ou usados, nos termos dos quais o cliente consta do registo de propriedade do veículo enquanto proprietário, mas é constituída a favor do Requerente uma reserva de propriedade.
24- A constituição da reserva de propriedade a favor do Requerente visa assegurar o integral pagamento dos montantes devidos pelo cliente referentes ao contrato de mútuo celebrado e permitir ao Requerente obter a expedita restituição do bem, no caso de falta de pagamento das prestações acordadas.
25- Na atividade de crédito com reserva de propriedade existem duas operações distintas, autonomizadas e com diferente enquadramento em IVA: (i) operação de transmissão de viaturas tributada nos termos gerais; e (ii) operação de concessão do crédito isenta de IVA, nos termos da alínea a) do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA.
26- Para o desenvolvimento da actividade de concessão de crédito com reserva de propriedade, o Requerente recorre à sua rede de balcões, bem como a diversas direcções (Direcção de Financiamento Automóvel, Direcção de Marketing Empresas, Direcção de Planeamento, Direcção de Operações, entre outras), utilizando, por conseguinte, um conjunto de recursos (exclusivos e mistos) e o consumo de um leque de recursos humanos e técnicos que compõem a sua estrutura.
27- As aquisições de bens e serviços necessários ao desenvolvimento da actividade de crédito com reserva de propriedade consubstanciam recursos de utilização mista, comportando, na medida em que são alocados à actividade de crédito com reserva de propriedade (que confere o direito à dedução do IVA incorrido), IVA parcialmente dedutível.
28- O IVA correspondente a estes recursos de utilização mista não é objecto de dedução por via da aplicação do critério de imputação específico, porque o Requerente, na sequência de uma acção inspectiva da AT respeitante ao ano 2012, não tem vindo a considerar a actividade de crédito com reserva de propriedade neste rácio.
29- O Requerente decidiu proceder à alteração da percentagem de dedução do imposto incorrido no ano 2015 no âmbito da actividade de crédito com reserva de propriedade e atendendo ao consumo de recursos necessários para o realizar passou a ter em consideração a componente de transmissão de viaturas no coeficiente de imputação específico.
30- Da alteração da percentagem de dedução do imposto incorrido no ano 2015 resulta uma dedução adicional no montante de € 916.768,70 (€ 441.321,82 relativos à área de gestão de carteira própria de títulos, conforme explanado e € 475.446,90 relativos à variação percentual, de 9% para 11%, do coeficiente de imputação específico, conforme quadro apresentado infra:

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31- A tabela referida no n.º anterior inclui tanto no numerador como no denominador do coeficiente de imputação específico, os valores referentes aos proveitos com a transmissão dos veículos no montante de €18.723.381,55, que fez passar o numerador inicial de € 64.970.607,51 para € 83.695.989,06, bem como o denominador de € 784.833.544,74 para € 803.558.926,29.
32- No cálculo da percentagem de dedução definitiva relativa aos contratos de locação financeira, o Requerente aplicou o critério estabelecido no Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de Janeiro de 2009, do Gabinete do Subdirector-Geral da Área de Gestão Tributária do IVA, nos termos do qual deve ser excluído o valor das amortizações financeiras contidas na renda.
33- No âmbito da actividade de locação financeira o Requerente incorre em despesas respeitantes à contratação e gestão dos contratos de locação financeira, que ocorrem no período inicial de disponibilização do bem e continuam ao longo de todo o período de usufruto do bem locado, que em média superam os 5 anos, em função das diversas vicissitudes que ocorrem, tais como pagamento coimas ou outras taxas administrativas.
34- As despesas, referidas no n.º anterior, são incorridas pelo Requerente através da sua rede de 400 balcões, direcções centrais (v.g. Direção de Financiamento Automóvel, Direção de Riscos de Crédito, Direção de Operações, Direção Jurídica, Direção de Contabilidade, Direção de Marketing, Direção de Comunicação e Gestão da Marca, Direção de Recuperação de Crédito), call centers e aplicações de gestão do negócio (software).
35- Nas situações de incumprimento dos contratos pelos clientes a Direção de Gestão dos Bens Recuperados tem intervenção directa nas operações de leasing desenvolvidas pelo Requerente.
36- A participação activa de diversos Serviços/Direcções do Requerente, no período inicial de disponibilização do bem e depois ao longo de todo o período de usufruto do bem locado, originam despesas gerais de funcionamento, tais como energia, combustíveis, material de consumo corrente, material de higiene e limpeza, serviços de comunicações, serviço de reparação nas instalações, serviços especializados (advogados, solicitadores, leiloeiras, consultores e auditores externos, avaliadores externos), serviços de informática, serviços de segurança e vigilância e serviços de limpeza.
37- Da alteração da percentagem de dedução das operações de locação financeira resulta o montante adicional, relativo às amortizações financeiras dos contratos de leasing celebrados, correspondente à variação percentual de 11% na percentagem de dedução do ano de 2015, conforme quadro infra:

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38- A percentagem de dedução apurada para o ano de 2015 seria de 22%, e o valor de IVA dedutível na aquisição de recursos de utilização mista seria de € 5.195.760,82 se o Requerente tivesse: (i) desconsiderado, na determinação da percentagem de dedução definitiva do ano 2015, os recursos utilizados na actividade de gestão da carteira própria de títulos e, ao invés, adoptado o método da afectação real integral para a dedução do imposto vertido nos recursos afectos a esta área de actividade (ii) incluído, na percentagem de dedução do ano de 2015, os valores relativos à transmissão das viaturas por si adquiridas no âmbito da actividade de concessão de crédito com reserva de propriedade; (iii) incluído, na percentagem de dedução, no ano de 2015, os montantes respeitantes às amortizações financeiras dos contratos de leasing celebrados.
39- O Requerente, em 27-12-2017, dirigiu ao Diretor da Unidade dos Grandes Contribuintes reclamação graciosa, que recebeu o n.º ...2017..., ao abrigo do disposto no 131.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e do artigo 98.º do Código do IVA, onde alegou erro na autoliquidação de IVA, referente ao ano de 2015, no montante de € 3.531.726,67.
40- Através do ofício da Unidade dos Grandes Contribuintes, datado de 26-08-2019, o Requerente foi notificado para exercer o direito de participação na modalidade de audição prévia, previsto no artigo 60.º da LGT, relativamente ao projeto de decisão da reclamação graciosa.
41- O Requerente não exerceu o seu direito de participação na modalidade de audição prévia sobre o projeto de decisão da reclamação graciosa (vd., VII n.º 47 da Informação n.º 187-ADP/2019, de 13-09-2019, da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, que consta do Processo Administrativo integrante dos presentes autos arbitrais).
42- Através do ofício da Unidade dos Grandes Contribuintes, datado de 16-09-2019, o Requerente foi notificado do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, identificada no n.º 39 supra, proferido pelo Chefe de Divisão de Serviço Central da Unidade dos Grandes Contribuintes, ao abrigo de Subdelegação de competências, em 13-09-2019 e exarado na Informação n.º 187-ADP/2019, com a mesma data, da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes.

O acórdão arbitral fundamento datado de 19/10/2022 no âmbito do processo nº 493/2021-T,deu como provado a seguinte factualidade:
51.1 A Requerente é uma instituição de crédito tipo caixa económica bancária, cujo objeto social consiste na realização de operações descritas no n.º 1 do artigo 4.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro.
51.2 A Requerente é sujeito passivo de IVA, isto é, um sujeito passivo misto, porquanto, realiza operações que conferem direito a dedução de IVA (operações de locação financeira mobiliária, locação de cofres e custódia de títulos) e, outrossim, operações que não conferem direito a dedução de IVA, em concreto, operações financeiras (operações de financiamento/concessão de crédito e o das operações relativas a pagamentos) enquadráveis na norma do n.º 27 do artigo 9.º do Código do IVA.
51.3 Nas situações em que identificou uma conexão direta, mas não exclusiva, entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações ativas (outputs), a Requerente determinou critérios objetivos do nível/grau de utilização efetiva e aplicou o método de afetação real, em função do disposto no n.º 2 do artigo 23.º do CIVA.
51.4 Em relação às demais aquisições de bens e serviços, afetos indistintamente às diversas operações, para determinar a medida (quantum) de IVA dedutível, a Requerente aplicou o coeficiente de imputação específico nos termos regulados pela Autoridade Tributária e Aduaneira no Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 de janeiro de 2009.
51.5 A Requerente em 30.12.2020 apresentou um pedido de revisão oficiosa a solicitar a apreciação da legalidade da autoliquidação de IVA relativo ao período de tributação de dezembro de 2016, consubstanciada na declaração periódica n.º ..., que visou substituir a declaração periódica n.º ..., na medida em que, na sequência de uma revisão interna de procedimentos, constatou que não havia exercido o direito à dedução do valor total do IVA incorrido na aquisição de bens e serviços diretamente relacionados com a atividade de gestão da carteira própria de títulos.
51.6 O pedido de revisão oficiosa teve por fundamento a substituição do coeficiente de imputação especifico determinado de acordo com o previsto no Ofício-circulado n.º 30108/2009, de 30 de janeiro, que se cifrou no ano em análise em 4%, pelo método da afetação real, visto que, em relação à atividade de gestão da carteira própria de títulos, a Requerente concluiu ser possível a determinação de critérios objetivos para quantificar o IVA dedutível em relação à utilização de recursos mistos na referida área, critérios de afetação real que identifica no documento 3, os quais determinaram IVA a regularizar a favor do Estado no valor de € 31.361,63, e a favor do sujeito passivo no valor de € 140.734,03, o que determina IVA a favor da Requerente no valor de € 109.372,40, conforme consta do documento 4, ambos anexos ao ppa.
51.7 O pedido de revisão oficiosa foi indeferido por despacho de 07 de maio de 2021, exarado na Informação n.º 23-ISC/2021, processo n.º ...2020..., da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes (cfr. Doc. 1 anexo ao ppa), e notificado à Requerente em 24 de maio de 2021.
51.8 A Autoridade Tributária e Aduaneira, através dos Serviços de Inspeção Tributária SIT) da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC), a coberto da Ordem de Serviço n.º OI2018..., de 01.03.2018, emitida em nome da Requerente, realizou uma ação de inspeção aos períodos de tributação do ano de 2016, cujo âmbito incidiu sobre o IVA.
51.9 Em relação ao período de tributação de dezembro de 2016, em face das declarações periódicas de IVA apresentadas pela Requerente e dos DC’s (Documento de Correção) elaborados pelos serviços da AT, em nome da Requerente, foi liquidado IVA, sucessivamente, nos valores infra indicados:
i) DP n.º..., submetida em 2017-02-14, no valor de €1.586.263,81;
ii) DP n.º..., submetida em 2017-02-09, no valor de €1.573.329,12;
iii) DC n.º ... (DC Justiça Tributária), reportado à data de 14.02.2017, no valor de €1.304.795,76;
iv) DC n.º ... (DC Inspeção Tributária), submetido em 27.12.2019, no valor de €1.616.815,69.
51.10 A liquidação adicional de IVA, n.º 2020 ..., relativa a imposto no valor de € 30.589,83, e de juros compensatórios no valor de 3.521,23, o que perfaz o valor de € 34.111,06, foi paga em 22.04.2020. 51.11 O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 17.08.2021.

II.2 – De Direito
I. São três as questões que importa dirimir no âmbito do presente Processo:

a) Ocorre efetiva oposição entre a decisão arbitral recorrida e as decisões arbitrais fundamento quanto à mesma questão fundamental de Direito?

b) Sendo afirmativa a resposta à questão anterior, pode considerar-se, ainda assim, que o presente recurso não deve ser admitido pelo facto de a orientação perfilhada na decisão recorrida corresponder à jurisprudência mais recentemente consolidada deste Supremo Tribunal?

c) Sendo afirmativa a resposta às duas questões anteriores, deve ser provido o recurso?

II. Uma vez que tem precedência sobre as demais, importa começar por recordar os requisitos de admissibilidade previstos para o presente recurso:

- que a decisão arbitral recorrida se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral, nos termos do artigo 25.º, n.º 2 do RJAT;

- que a mesma esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de Direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo ou com outra decisão arbitral (ou mais, consoante o caso), nos termos do mesmo artigo;

- que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do n.º 3 do artigo 152.º do CPTA, para o qual o n.º 3 do artigo 25.º remete;

- que o acórdão fundamento tenha transitado em julgado, nos termos do artigo 688.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 140.º, n.º 3 do CPPT.

III. Entende-se que é idêntica a questão fundamental de Direito nos casos em que:

- as situações fácticas em ambos os arestos sejam substancialmente idênticas, entendendo-se, como tal, para este efeito, as que sejam subsumidas às mesmas normas legais;

- o quadro legislativo seja também substancialmente idêntico, o que sucederá quando seja o mesmo o regime jurídico aplicável ou quando as alterações legislativas a relevar num dos acórdãos não interfira, nem directa nem indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida;

- quando a divergência entre as decisões (recorrida e fundamento) se verifica ao nível das próprias decisões e não exclusivamente quanto aos respectivos fundamentos.


IV. Pelo acabado de expor, importa começar por indagar acerca da verificação ou não da substancial identidade factual entre as decisões arbitrais aqui em confronto, sendo que, quando ocorram distintas soluções interpretativas para dirimir estribadas em distintas factualidades, já não é possível, obviamente, falar de identidade da questão fundamental de Direito.
E, já adiantamos, que é precisamente isso que sucede in casu.

V. Comecemos pela primeira questão, assim formulada pela Recorrente: “saber se, na aplicação do método de dedução de imposto incorrido nos bens e serviços de utilização mista, devem ser considerados no numerador e no denominador da fracção de cálculo o valor da transmissão das viaturas relativas à actividade de concessão de crédito com reserva de propriedade”.
Ora, impõe-se reconhecer que existe, notoriamente, uma grande proximidade entre o enquadramento fáctico-jurídico em que se movem ambas as decisões aqui em confronto.
É, desde logo, inquestionável, que o enquadramento que serve de pano de fundo à factualidade apurada nos autos é idêntico, a saber, como calcular a parte dedutível do IVA incorrido quando existam operações que conferem direito à dedução e outras que não o conferem, por se encontrarem abrangidas pela norma de isenção do IVA relativa a operações financeiras.
É, além disso, notório que:
- em ambos os casos estamos perante instituições de crédito, que configuram sujeitos passivos de IVA;
- em ambos os casos, tais sujeitos passivos são qualificáveis como sujeitos passivos mistos, atentas as suas atividades serem quer sujeitas a IVA e dele não isentas (operações de locação financeira mobiliária e/ou crédito com reserva de propriedade [doravante, CRP]), quer sujeitas a IVA mas dele isentas e sem direito à dedução (operações de financiamento, concessão de crédito e outras), configurando isenções incompletas, portanto; e
- em ambos os casos, tiveram lugar inputs suportados pelos sujeitos passivos e sobre os quais incidiu IVA, tendo tais bens e serviços sido utilizados em ambas as actividades desenvolvidas por aqueles sujeitos.
É, portanto, de indiscutível proximidade a factualidade numa e noutra decisão arbitral.

VI. Porém, tal identidade não é, apesar de tudo, suficiente para se poder falar de uma identidade fáctica suficiente que seja susceptível de demonstrar a oposição das soluções interpretativas a que se chegou quanto à mesma questão de Direito.
E assim é pelo facto de, como se depreende quer da decisão fundamento quer da decisão recorrida, a resposta à questão de Direito passar pela factualidade apurada em sede da determinação da preponderância da utilização daqueles inputs nos outputs em causa realizados ou prestados pelo sujeito passivo.

VII. É assim que, em termos muito evidentes, resulta da decisão arbitral recorrida (com o n.º 885/19) que, muito mais do que distinguir entre as duas operações não isentas (leasing e CRP) – como pretende a Recorrente –, o elemento motivador do sentido perfilhado pelo Tribunal Arbitral reside na relação dos inputs com aqueles outputs: “…não há fundamento para separar as situações abrangidas por esta atividade [leia-se, CRP] das situações abrangidas pela atividade de leasing, pelo que inexiste consequentemente fundamento para não analisar a CRP em conjunto com a situação do leasing.
77. Pelo que, também aqui, entende este Tribunal Arbitral que não foi feita prova bastante por parte do Requerente de que a utilização dos bens ou serviços de utilização mista pelo sujeito passivo era sobretudo determinada pela atividade desenvolvida pela CRP:” (sublinhado nosso).
Ora, nada disto é equacionado – ou, pelo menos, equacionado com a devida autonomia, como seria de exigir, para se desenharem pronúncias verdadeiramente opostas – naquela que é a decisão arbitral fundamento.
É isto que bem sublinha, igualmente, o Parecer do Ministério Público junto aos autos, onde se sublinha, precisamente a respeito da falta de consideração desta factualidade nesta última decisão arbitral, que: “no caso da decisão fundamento (P.885/2019-T) não resulta clara a atuação adotada pelo sujeito passivo quanto ao método praticado, uma vez que dos nºs 28 e 29 da matéria de facto parece resultar que o sujeito passivo no exercício em causa – ano de 2015 – para efeitos de determinação da percentagem de dedução do imposto, no critério de imputação específico que utilizou considerou a componente de transmissão de viaturas. Todavia no nº38 da matéria de facto nas considerações ali vertidas (Na fixação da matéria de facto o tribunal utiliza os considerandos feitos pela parte, método que achamos incorreto e improprio) já parece resultar que o valor da transmissão das viaturas não foi incluído no método utilizado, ao revelar os diferentes valores do IVA a considerar para efeitos de dedução,”.
E, sendo esta consideração factual, indiscutivelmente, decisiva no sentido da decisão arbitral perfilhada e ora recorrida – “63. Posto isto, entende este tribunal que a questão controvertida, de acordo com a acima exposto, passa pela capacidade de o sujeito passivo efetuar prova dos factos constitutivos do direito à dedução” – não se pode discernir uma oposição entre as decisões, nem tão-pouco o papel decisivo no sentido decisório da suposta distinção material, para efeitos de IVA, entre as operações de leasing e as de CRP.
Esta falta substancial de identidade factual não permite, por conseguinte, ter por verificados os requisitos de admissibilidade do presente recurso, quanto à primeira questão.

VIII. Quanto à segunda questão, tal como formulada pela Recorrente – “saber se, na aplicação do método de dedução do IVA incorrido na atividade de gestão da carteira própria de títulos, deve ser implementado um critério objetivo para determinação do imposto dedutível (em recursos exclusivos e partilhados) e, consequentemente, desconsiderados, na percentagem de dedução, os proveitos referentes a esta área” – cabe desde já adiantar que, também a este respeito, as decisões em confronto são inoponíveis.
Com efeito, e como bem se sublinha no Parecer do Ministério Público junto aos autos, a questão sobre a qual a Recorrente pretende divisar uma oposição de interpretação não se chega verdadeiramente a formar (desde logo, por falta de base factual para o efeito) ou, admitindo que (em abstracto) se formasse tal oposição, a mesma não era decisiva quanto ao sentido definido no segmento decisório.

IX. Aquilo que foi decisivo na decisão lavrada na decisão arbitral fundamento (com o n.º 493/21) foi, ao invés, uma predominante questão de legalidade procedimental e não substantiva, como se pode ver na seguinte passagem: “No caso em exame nos autos, está em causa o pedido de revisão da autoliquidação do imposto, com vista à restituição do excesso do imposto entregue ao Estado, com base em erro na aplicação dos métodos de dedução, dado que o autor não fez qualquer dedução de IVA de bens e serviços adquiridos exclusivamente para a realização de operações tributáveis, bem como apurou de forma errada o pro rata de dedução, com base no entendimento veiculado pela AT de que a opção por um dos métodos de dedução excluía a aplicação de outro. Entendimento que se veio a verificar ser desconforme à lei, dado que os métodos de dedução do imposto não se excluem mutuamente, desde que se trate de garantir a dedução do imposto suportado nas aquisições de bens e serviços, por parte do sujeito passivo, enquanto tal.”, assim como nesta outra, mais abaixo na decisão arbitral fundamento: “invocando a Requerente que o coeficiente de imputação específico não se afigurava consentâneo com o efetivo consumo de recursos de utilização mista na área de gestão da carteira própria de títulos, pretendendo, assim, que lhe fosse validada a adoção do método da afetação real, deveriam os serviços da Requerida ter procedido à apreciação do mérito do pedido de revisão oficiosa do ato de autoliquidação de IVA relativo ao período de tributação de dezembro de 2016 e, em conformidade com a lei, ter acolhido a pretensão da Requerente ou, então, ter procedido ao seu indeferimento com fundamento em razões substantivas, designadamente, demonstrando que a adoção do método da afetação real lhe proporcionava vantagens injustificadas e motivava a ocorrência de distorções significativas na tributação. Não tendo procedido à apreciação do mérito do pedido de revisão oficiosa, tendo, ao invés, procedido, por despacho de 07 de maio de 2021, à sua rejeição liminar, a partir desta data, passou a ser imputável aos serviços da Requerida o erro de direito em que incorreu a Requerente. 86. Assim, em face de todas as razões enunciadas, impõe-se concluir que o despacho de indeferimento do pedido de revisão oficiosa é ilegal” (sublinhados nossos).
E isto, além de importar ainda sublinhar, como resulta do Parecer do Ministério Público, que “em nenhuma das decisões arbitrais foram sequer fixados quaisquer elementos de facto que permitissem ao tribunal ajuizar sobre a adequação à atividade de gestão da carteira própria de títulos do método de afetação real.
3.2.7 Tanto mais que na factualidade assente se fez constar, na decisão arbitral recorrida, que «o Requerente nas situações em que identificou uma conexão direta e exclusiva entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações ativas (outputs) por si realizadas, aplicou, para efeitos de exercício do direito à dedução, o método da imputação direta, nos termos do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA» [alínea f)], o que aparentemente não sucedeu naquela atividade.
3.2.8 O mesmo sucedendo na decisão fundamento, na qual se se deixou assente que «Nas situações em que identificou uma conexão direta, mas não exclusiva, entre determinadas aquisições de bens e serviços (inputs) e operações ativas (outputs), a Requerente determinou critérios objetivos do nível/grau de utilização efetiva e aplicou o método de afetação real, em função do disposto no n.º 2 do artigo 23.º do CIVA» (ponto 51.3).” (sublinhado nosso).

X. Quer isto dizer que, não só a questão de Direito tal como formulada pela Recorrente não foi autonomamente formulada nas decisões em confronto – de modo a que pudesse ser, ora e aqui, apreciada e fixado um sentido interpretativo unívoco, como, em qualquer caso, não seria decisiva no sentido da decisão arbitral fundamento e, por fim, mesmo a existir, carecia de fundamentação factual idêntica, suficiente e clara que sustentasse tal contradição interpretativa.
Nada disso sucede, pelo que resta apenas concluir, também aqui, pelo não conhecimento do mérito do recurso.


III. DECISÃO
Nestes termos, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em não tomar conhecimento do mérito do presente Recurso.


Custas pela Recorrente.

Comunique-se ao CAAD.


Lisboa, 24 de Janeiro de 2024. - Gustavo André Simões Lopes Courinha (relator) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – José Gomes Correia – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Nuno Filipe Morgado Teixeira de Bastos – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Anabela Ferreira Alves e Russo – Fernanda de Fátima Esteves.