Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0523/02
Data do Acordão:07/03/2002
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:BRANDÃO DE PINHO
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL.
ANULAÇÃO DA VENDA.
LEGITIMIDADE.
Sumário:O executado não tem legitimidade para requerer a anulação da venda, com fundamento em erro sobre o objecto transmitido ou suas qualidades, por falta de conformidade com o que foi anunciado, ut artº 257° n° 1 al. a) do CPPT e 908° n° 1 do CPCivil.
Nº Convencional:JSTA00057853
Nº do Documento:SA2200207030523
Data de Entrada:03/22/2002
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TTINST CASTELO BRANCO PER SALTUM.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXCEC FISCAL.
Legislação Nacional:CPPT99 ART257 N1 A.
CCIV66 ART908 N1.
Referência a Doutrina:ALFREDO DE SOUSA E OUTRO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO PAG668.
JORGE DE SOUSA CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO 4ED PAG1129.
LOPES CARDOSO MANUAL DA ACÇÃO EXECUTIVA PAG635.
ANSELMO DE CASTRO A ACÇÃO EXECUTIVA SINGULAR COMUM E ESPECIAL PAG232.
ALBERTO DOS REIS PROCESSO DE EXECUÇÃO VOL2 PAG417.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do STA:
A..., veio interpor recursos jurisdicionais dos despachos do TT de 1ª Instância de Castelo Branco, proferidos em 08/Jan/02 e 29/Jan/02 que lhe indeferiram liminarmente as respectivas petições iniciais para anulação da venda, na execução fiscal n° 3808-00/100434.4 do 2° Serviço de Finanças da Covilhã.
Fundamentou-se aquele primeiro despacho em que, por um lado, "não ocorreu a venda" e, por outro, "a requerente, que não é compradora, carece de legitimidade" para a respectiva anulação; e o segundo, na litispendência com aquele pedido e em igual falta de legitimidade.
A recorrente formulou as seguintes conclusões:
No primeiro recurso:
"I. - Em processo tributário, a anulação da venda pode ser requerida logo a partir do momento em que o requerente tomar conhecimento da desconformidade entre as qualidades do seu objecto e as que se encontrarem anunciadas, independentemente da venda ter sido já realizada ou não.
II. - Em processo tributário, o executado tem legitimidade para requerer a anulação da venda.
III. - A figura da anulação da venda tem um recorte diferente no C.P.C. e no C.P.P.T., consagrando soluções distintas quanto às questões do momento a partir do qual é admissível requerê-la e da legitimidade para esse efeito.
IV. - A decisão recorrida violou o disposto nos artºs 257°, nº1, al. a). n° 2 e n° 3 do C.P.P.T..
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, anulando-se a douta decisão recorrida e ordenando-se o prosseguimento dos ulteriores termos do processo."
E no segundo:
"I. - Há litispendência quando se repete uma causa, estando a anterior ainda em curso, sendo necessário, para tanto, que haja identidade de causa de pedir.
II. - Não há identidade de causas de pedir entre dois requerimentos de anulação da venda, quando um é deduzido antes desta ser efectuada e o outro depois.
III. - A figura da anulação da venda tem um recorte diferente no C.P.C. e no C.P.P.T., consagrando soluções distintas para a questão da legitimidade.
IV. - Em processo tributário o executado tem legitimidade para requerer a anulação da venda.
V. - A decisão recorrida violou o disposto nos artºs 2°, al. e) e 257°, nºs. 1, al. a), 2 e 3 do C.P.P.T., 493°, n° 2, 494°, i) e 496° do C.P.C..
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, anulando-se a douta decisão recorrida e ordenando-se o prosseguimento dos ulteriores termos do processo".
A Fazenda Pública não contra-alegou.
O Exmº magistrado do MP emitiu o seguinte parecer:
"1 - Recurso de fls. 339 (alegado a fls. 391)
O julgado (a fls. 337) deve ser confirmado porque é manifesto - já que decorre da lógica - que o pedido de anulação de uma venda executiva só pode ser deduzido depois de essa venda se realizar (cfr., ainda, os arts 908° n° 1 do CPC, 328° n° 2 do CPT e 257° n° 2 do CPPT) e, no caso, quando o pedido foi feito (e a decisão recorrida foi proferida) havia apenas o anúncio da venda.
Termos em que sou de parecer que este recurso não merece provimento.
2 - Recurso de fls. 396 (alegado a fls. 401)
A fls. 388 o Exmº juiz "a quo" indeferiu liminarmente a petição de anulação de venda de fls. 349 com fundamento em manifestada litispendência (com a decisão de fls. 337) e ilegitimidade activa.
O indeferimento liminar só pode ser decretado quando resulta dos próprios termos da petição por a pretensão não ter qualquer hipótese de êxito.
Ora - e desde logo - entre a petição de fls. 299 e a de fls. 349 pode não ocorrer litispendência, por falta de identidade de causas de pedir, já que na segunda petição a causa de pedir é integrada por um facto que não integra a da primeira petição: a realização da venda.
Por outro lado, o Recorrente na sua petição de fls. 349, depois de articular factos, funda a sua legitimidade no artº 257° do CPPT cujos nºs 1 al. b) e 3 parecem permitir ao executado, em certas circunstâncias, pedir a anulação da venda usando os fundamentos da oposição.
Quer dizer: a petição inicial de fls.
349 não devia ter sido indeferida liminarmente.
Termos em que sou de parecer que este recurso merece provimento.
Vejamos, pois:
Quanto ao primeiro recurso, é apodítica e manifesta a sua improcedência.
Na verdade, não pode pedir-se a anulação de uma venda que ainda se não realizou.
O que resulta, logo linearmente, do disposto no artº 257° do CPPT, ao fixar os "prazos de anulação da venda".
Antes desta, se o executado pretende haver "erro sobre as qualidades do prédio penhorado, por falta de conformidade com o que foi anunciado" ou "desconformidade entre as qualidades do seu objecto e as que se encontrem anunciadas", há-de justamente argui-lo no processo executivo, com possibilidades de reclamação da decisão do órgão da execução fiscal – artº 276° do CPPT.
Quanto à litispendência.
Esta – artºs 497/8 do CPCivil - supõe a repetição de uma causa idêntica a outra ainda pendente, nomeadamente quanto ao pedido, cuja identidade se traduz na obtenção do mesmo efeito jurídico.
Ora, nos autos, este não é o mesmo nos dois preditos pedidos de anulação da venda já que, no primeiro, se trata de uma venda abstractizada, ainda não concretizada, e, no segundo, da venda efectivamente realizada em 09/Jan/02.
Pelo que se não verifica a referida excepção dilatória.
Quanto à legitimidade:
A recorrente pretende a anulação da venda, nos referidos termos, ao abrigo do disposto no artº 257° n° 1 al. a) do CPPT: erro sobre as qualidades do prédio, por falta de conformidade com o que foi anunciado.
Todavia, a respectiva tutela cumpre apenas ao adquirente dos bens, que não ao executado.
Cfr. Alfredo de Sousa e J. Paixão, CPPT Anotado, pág. 668, nota 11 e Jorge de Sousa, eadem, 4ª edição, pág. 1129, nota 2.
É que se trata do mesmo fundamento previsto no artº 908° n° 1 do CPCivil, em que a lei é expressa em conferir tal legitimidade ao comprador.
O interesse legalmente protegido é o deste, sendo relevante o seu interesse na conformidade do anúncio com a realidade.
No sentido de o executado não poder pedir a anulação da venda com tal fundamento, Cfr. Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, pág. 635,
nota 1.

Cfr. ainda Anselmo de Castro, A Acção Executiva Singular, Comum e Especial, pág 232 e Alberto dos Reis, Processo de Execução, vol. 2° págs. 417 e segts. no mesmo sentido.
O que bem se compreende se se atentar em que o executado tem naturalmente um conhecimento exacto dos bens penhorados, sua propriedade.
O que não tem de acontecer exactamente do mesmo modo com o comprador que o tem de aferir primacialmente nos termos do respectivo anúncio de venda.
Daí a legitimidade deste para pedir a sua anulação, ao passo que aquele pode sempre suscitar a questão, antes da venda, no próprio processo de execução, como se referiu.
Termos em que se acorda negar provimento aos dois recursos, confirmando-se os despachos recorridos.
Custas pela recorrente, fixando-se a procuradoria em 50%.
Lisboa, 3 de Julho de 2002
Brandão de Pinho – Relator – Almeida Lopes – António Pimpão