Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0185/18.0BELRA
Data do Acordão:10/06/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
INEXIGIBILIDADE
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO FISCAL
Sumário:I - A oposição à execução fiscal pode visar a suspensão da execução fiscal (e não, como em regra, a sua extinção, parcial ou total) nos casos em que a exigibilidade da dívida esteja afectada por motivo não definitivo, como, v.g., quando a execução fiscal foi instaurada quando já estava pendente uma reclamação graciosa ou uma impugnação judicial com garantia já prestada ou requerida a sua prestação e ainda não decidida.
II - A dedução de Reclamação Graciosa e consequente Impugnação Judicial, com prestação de garantia, antes do decurso do prazo de pagamento voluntário do tributo, não obsta à instauração de execução fiscal, mas nada mais pode ser feito e, sendo a execução instaurada pode o interessado deduzir oposição judicial com fundamento na inexigibilidade da dívida, nos termos do artigo 204º/1/ i) do CPPT, tendo em vista a suspensão da execução, com a anulação de todas as diligências e actos processuais que indevidamente foram praticados.
Nº Convencional:JSTA000P28209
Nº do Documento:SA2202110060185/18
Data de Entrada:11/11/2020
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A....., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Processo n.º 185/18.0BELRA (Recurso Jurisdicional)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

O Excelentíssimo Representante da Fazenda Pública, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, datada de 15-06-2020, que julgou procedente a pretensão deduzida por “A………., S.A.” no presente processo de OPOSIÇÃO relacionado com o processo de execução fiscal n.º 1384201701151010, que corre os seus termos junto do Serviço de Finanças de Leiria 1, por dívidas de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), do período de tributação de Agosto de 2017, na quantia exequenda de € 40.160,17.


Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

A. A oponente reclamou graciosamente a auto-liquidação de IVA de 08/2017 com a constituição de garantia idónea, nos termos do artigo 69º/f do CPPT, antes do decurso do termo do prazo limite de pagamento legal.

B. A AT instaurou o respectivo processo de execução fiscal tendo suspendido a execução avaliada a idoneidade da garantia.

C. A douta sentença recorrida entendeu que a AT deveria ter suspendido o procedimento de cobrança desse imposto, abstendo-se assim de instaurar o processo de execução fiscal em causa, com base no artigo 69º/f do CPPT.

D. Não se concorda com tal entendimento.

E. A atribuição de efeito suspensivo à cobrança voluntária do tributo, decorrente da apresentação de reclamação graciosa da liquidação com oferecimento de garantia por parte do executado, ao abrigo do artigo 69º/ al. f) do CPPT, não é exequível, atenta a natureza do acto tributário, máxime a liquidação.

F. De acordo com o artigo 60º do CPPT os actos tributários praticados por autoridade fiscal competente em razão da matéria são definitivos quanto à fixação dos direitos dos contribuintes, sem prejuízo da sua eventual revisão ou impugnação nos termos da lei.

G. As obrigações que decorrem de actos de liquidações são certas, líquidas e exigíveis, assim que o acto é validamente notificado ao seu destinatário, gozando do privilégio de execução prévia, consagrado no artigo 60º do CPPT, e, logo que decorrido o prazo de pagamento voluntário, a AT está obrigada à extracção do respectivo título executivo e instauração do processo de execução fiscal.

H. A apresentação de reclamação graciosa contra o acto tributário não obsta à sua imediata executoriedade, nem o executado apresenta qualquer interesse digno de tutela que o legitime a deduzir um pedido de prestação de garantia visando a suspensão da executoriedade do acto tributário por excelência que é a liquidação antes da instauração do processo de execução fiscal. (V. acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 29 de Janeiro de 2013, proc. 06205/12, debruçando-se especialmente quanto às normas dos nºs 4 e 5 do artigo 103º do CPPT)

I. Em termos interpretativos, é consabido que a unidade do sistema jurídico é o elemento primacial da interpretação jurídica, nos termos do artigo 9º do Código Civil.

J. Daí que, perante as regras de interpretação da lei que resultam do artigo 9.º do Código Civil, se estabeleça a regra de que onde a lei não distingue não pode o intérprete distinguir, salvo se das normas resulte o contrário e se imponha essa distinção.

K. Neste conspecto a interpretação do artigo 69º/f) do CPPT defendida pela oponente contempla duas espécies de efeitos suspensivos, consoante o momento da apresentação do meio contencioso acompanhado da atinente garantia, se verifique antes ou após a instauração do processo de execução fiscal.

L. Antes da instauração do processo de execução fiscal os efeitos suspensivos aplicam-se à liquidação, após aquela aplicam-se á execução fiscal.

M. Não se afigura concebível a liberdade interpretativa pugnada, assente numa dualidade valorativa do conceito de efeito suspensivo presente no artigo 69º f) do CPPT (mas também do artigo 103º/4 do CPPT) conforme haja, ou não, processo de execução fiscal instaurado.

N. De acordo com esta solução fica assim na disponibilidade do contribuinte, segundo critérios de conveniência ou oportunidade, escolher o momento, do normal desenrolar procedimental, em que pretende despoletar o facultado efeito suspensivo da reclamação.

O. Discricionariedade que não se intui da análise da referida norma.

P. Em nosso modesto ver e salvo melhor opinião, segundo as regras de interpretação da lei que resultam do artigo 9.º do Código Civil, se a lei não distingue não pode o intérprete distinguir, salvo se das normas resulte o contrário e se imponha essa distinção.

Q. Por outro lado, a aplicação desta solução interpretativa é restritiva pois afasta a possibilidade de convocar o regime previsto no artigo 183º-A do CPPT, furtando ao crivo legal, a eventualidade da garantia oferecida, pois que constituída para a suspensão do acto tributário, caducar.

R. Assim como impede o contribuinte de exigir perante a AT a indemnização prevista no artigo 53º da LGT, onde se prevê que apenas os encargos suportados com a garantia prestada com a suspensão da execução fiscal são indemnizáveis.

S. Como contributo que se acolhe para a fundamentação do presente citamos o voto de vencida da Exma. Juiz Conselheira DULCE NETO no aresto do STA prolatado no processo n.º 0177/15 de 8/2/2017 que com a devida vénia se transcreve:

“Voto de vencida.

Relativamente às obrigações tributárias que emergem de atos de liquidação, elas são certas, líquidas e exigíveis logo que o ato de liquidação é realizado e validamente notificado ao contribuinte.

No caso, ninguém coloca em causa a notificação realizada para pagamento voluntário ou que já tivesse decorrido o prazo para esse pagamento quando a execução fiscal foi instaurada, pelo que a obrigação tributária e, consequentemente, a dívida em cobrança é certa, líquida e exigível, gozando do privilégio de execução prévia ou da definitividade dos atos tributários (art.° 60º do CPPT).

Questão diferente é a validade ou invalidade do ato tributário donde emerge a dívida, sendo essa a única matéria que está em discussão na reclamação graciosa.

Deste modo, a apresentação dessa reclamação não impede a emissão de título executivo logo que decorrido o prazo para pagamento voluntário (ainda que esteja no início ou em pleno curso o prazo para impugnar administrativamente ou contenciosamente esse ato tributário), nem impede a remessa do título executivo para o serviço de finanças e instauração da execução fiscal.

Todavia, no caso, tendo o devedor apresentado reclamação graciosa contra o acto de liquidação e pedido para prestar garantia, estando a aguardar que os serviços da AT lhe fixem o montante a garantir, o processo de execução, ainda que possa ser instaurado, não pode prosseguir até que seja apreciado esse pedido.

A meu ver, ocorre um motivo legal para a suspensão provisória da execução fiscal até à decisão desse pedido de fixação do montante da garantia que o contribuinte pediu para prestar, a que se seguirá, no caso de ele a prestar, uma suspensão definitiva da execução até à decisão da reclamação. Razão por que a oposição deve proceder, por não ter sido observada essa suspensão provisória da execução.

Todavia, considerando que a oposição à execução pode ter por finalidade não só a extinção como a suspensão da execução fiscal, entendo que, neste caso, a decisão de procedência da oposição determina apenas a suspensão da execução fiscal a partir do momento da sua instauração, com a anulação de todas as diligências e atos processuais que indevidamente foram praticados.

Dulce Neto”

T. Ou ainda no douto Acórdão do STA com o n.º 01015/16 de 17/05/2017, disponível para consulta em www.dgsi.pt, cujo relator é o Juiz Conselheiro FRANCISCO ROTHES, em cujo sumário se firma a seguinte jurisprudência:

“I - A oposição à execução fiscal pode visar a suspensão da execução fiscal (e não, como em regra, a sua extinção, parcial ou total) nos casos em que a exigibilidade da dívida esteja afectada por motivo não definitivo, como, v.g., quando a execução fiscal foi instaurada quando já estava pendente uma reclamação graciosa ou uma impugnação judicial com garantia já prestada ou requerida a sua prestação e ainda não decidida.

II - Só a reclamação graciosa ou a impugnação judicial já instauradas na data da instauração da execução fiscal podem integrar o fundamento de oposição previsto na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT, sendo que a ulterior instauração daqueles meios de reacção, com prestação de garantia (sua dispensa ou quando o pagamento da dívida exequenda e do acrescido se mostre garantido), apenas poderá fundamentar o pedido de suspensão endereçado ao órgão da execução fiscal, com possibilidade de reclamação judicial (ao abrigo do art. 286.º do CPPT) de eventual decisão desfavorável.”

U. Nestes termos, a douta sentença proferida pelo tribunal a quo padece de erro de julgamento, por deficiente interpretação dos normativos legais aplicáveis, violando o disposto no artigo 60º, 69º/f, 204º do CPPT e 9º do Código Civil, devendo ser revogada.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de Vossas Ex.as, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, proferindo acórdão que julgue improcedente por não provada a oposição, com o que se fará como sempre JUSTIÇA”

A Recorrida “A………, S.A.” não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Cumpre decidir.




2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em saber se a dedução de reclamação graciosa com pedido de prestação de garantia (por meio de hipoteca, entretanto aceite pela AT) antes do decurso do prazo de pagamento voluntário obsta à instauração da execução fiscal.




3. FUNDAMENTOS

3.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“…

1. No dia 03 de Outubro de 2017, a Oponente entregou a declaração periódica de IVA n.º 112184632104, relativa ao período de tributação de Agosto de 2017, onde apurou imposto a favor do Estado, no valor de € 40.160,17, cujo prazo de pagamento voluntário terminou, em 24 de Outubro de 2017 (cfr. declaração periódica e print do portal das finanças, de fls. 08 e 09 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

2. No dia 10 de Outubro de 2017, deu entrada, junto do Serviço de Finanças de Leiria 1, uma petição de reclamação graciosa, apresentada pela Oponente contra a autoliquidação de imposto identificada no ponto antecedente, onde se pode ler, designadamente, que “(…)

IMAGEM

(…)” (cfr. petição de reclamação graciosa, de fls. 10 a 19 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

3. Em anexo à petição de reclamação graciosa descrita nos pontos antecedentes consta uma escritura de «HIPOTECA», onde se pode ler, designadamente, que “(…)

IMAGEM



(…)” (cfr. escritura de hipoteca, de fls. 21 e 22 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
4. No dia 25 de Outubro de 2017, os serviços da administração tributária instauraram o processo de execução fiscal n.º 1384201701151010, em nome da Oponente, para efeitos de cobrança coerciva da liquidação de imposto identificada no ponto n.º 1 do probatório (cfr. autuação do processo de oposição e print do portal das finanças, de fls. 02 e 09 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
5. No dia 30 de Outubro de 2017, deu entrada, no Serviço de Finanças de Leiria 1, uma petição de reclamação graciosa aperfeiçoada, apresentada pela Oponente contra a autoliquidação de imposto identificada no ponto n.º 1 do probatório, onde se pode ler, designadamente, que “(…)

IMAGEM


(…)” (cfr. petição de reclamação graciosa e data aposta nessa petição, de fls. 47 a 57 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
6. Por despacho exarado, em 15 de Novembro de 2017, o Director de Finanças de Leiria rejeitou liminarmente a reclamação graciosa descrita nos pontos n.ºs 1, 2 e 5 do probatório (cfr. informação e despacho, de fls. 60 a 62 dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
7. Por despacho exarado, em 13 de Dezembro de 2017, o Chefe do Serviço de Finanças de Leiria 1 aceitou a garantia descrita no ponto n.º 3 do probatório (cfr. informação do Serviço de Finanças, de fls. 27 e 28 dos autos, e confissão constante do artigo 14.º da contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
8. No dia 20 de Fevereiro de 2018, a Oponente apresentou uma impugnação judicial contra a decisão identificada no ponto n.º 6 do probatório, a qual encontra-se a correr termos junto deste Tribunal, sob o n.º 245/18.7 BELRA (cfr. petição inicial, de fls. juntas aos presentes autos pelo despacho que antecede, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

*
Nada mais foi provado com relevância para a decisão da causa, atentos o pedido e a causa de pedir.
Motivação da decisão de facto
Relativamente aos factos dados como provados nos pontos n.ºs 1 a 6 e 8 do probatório, a convicção do Tribunal assentou na análise dos documentos juntos aos autos, tudo conforme foi especificado a propósito de cada um dos pontos do probatório, sendo certo que nenhum dos referidos documentos foi objecto de impugnação por qualquer uma das partes, nos termos do art. 115.º, n.º 4, do CPPT, aplicável ex vi do art. 211.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, e dos arts. 444.º e 446.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do art. 2.º, al. e), do CPPT.
Já no que se refere ao facto dado como provado no ponto n.º 7 do probatório, a convicção do Tribunal derivou não só da informação do Serviço de Finanças de Leiria 1, de fls. 27 e 28 dos autos, onde o mesmo refere que, no dia 28 de Novembro de 2017, foi elaborado um parecer, no sentido da aceitação da garantia oferecida pela Oponente, como do teor do artigo 14.º da contestação da Fazenda Pública, onde a mesma confessa que, por despacho exarado, em 13 de Dezembro de 2017, o Chefe do Serviço de Finanças de Leiria 1 concordou com esse parecer, nos termos dos arts. 46.º e 465.º do CPC, aplicável ex vi do art. 2.º, al. e), do CPPT.”
«»

3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de indagar se a dedução de reclamação graciosa com pedido de prestação de garantia (por meio de hipoteca, entretanto aceite pela AT) antes do decurso do prazo de pagamento voluntário obsta à instauração da execução fiscal.


Nesta matéria, o probatório informa que o prazo para pagamento voluntário da dívida terminou em 24-10-2017, seguindo-se no dia imediato (25-10-2017) a instauração do Processo de Execução Fiscal.
Ora, em momento anterior (10-10-2017), foi apresentada Reclamação Graciosa, com pedido de prestação de garantia, por meio de hipoteca de imóvel, entretanto admitida, por despacho de 13-10-2017, tendo mais tarde (30-10-2017) sido junta Reclamação Graciosa aperfeiçoada, que acabou por ser liminarmente indeferida pelo OEF.
Finalmente, em 20-02-2018 foi apresentada Impugnação Judicial da decisão de indeferimento liminar da RG, que se encontra pendente


Tal significa que a Recorrida deduziu Reclamação Graciosa antes do termo do prazo de pagamento voluntário da dívida e requereu o efeito suspensivo mediante prestação de garantia, por meio de hipoteca de imóvel, que veio a ser aceite pela AT, tendo apresentado Impugnação Judicial da decisão de indeferimento liminar da Reclamação Graciosa.
Ora, nos termos do disposto no artigo 69.º/ f) e 103.º/4/5 do CPPT, na redacção, então, em vigor, a Reclamação Graciosa tem efeito suspensivo quando, a requerimento do contribuinte, for prestada garantia adequada, no prazo de 10 dias após notificação para o efeito pelo OEF, efeito esse que se mantém até à decisão da impugnação judicial.
Nesta sequência, não se olvida que existe jurisprudência deste Supremo Tribunal que tomou posição no sentido de que o art. 69º al. f) do CPPT tem um campo de aplicação distinto do estabelecido no artº 169 do CPPT, (preceito este que se refere à suspensão de execução fiscal já instaurada), sendo que o requerimento apresentado nos termos do art. 69º al. f) do CPPT para prestar garantia tem a virtude de suspender o procedimento de cobrança e se como no caso dos autos ainda não estava iniciada qualquer cobrança coerciva esta não pode desenvolver-se até haver decisão sobre a garantia requerida, desde logo por respeito aos comandos constitucionais dos artºs 266º e 268º, ou seja, o processo de execução não podia ter sido instaurado, como foi, pois em si própria a instauração é já lesiva dos interesses do contribuinte.
Assim, o requerimento apresentado para prestação de garantia na petição de reclamação graciosa devia ter originado, por dever legal e respeito pelo “princípio da decisão” um procedimento próprio por parte da administração fiscal designadamente com o seu deferimento/indeferimento autónomo antes da instauração do processo executivo fiscal (artº 56º nº 1 da LGT). O facto de tal não ter sucedido, impedia o desenvolvimento dos seus termos processuais, o que significa que ocorre, pois, fundamento próprio para oposição, enquadrável na alínea i) do artº 204 do CPPT derivada da instauração e indevido desenvolvimento processual do processo executivo fiscal o que determina a procedência da oposição (Ac. deste Tribunal de 08-02-2017, Proc. nº 0177/15, www.dgsi.pt, citado na decisão recorrida).

No entanto, a mesma decisão faz alusão ao Ac. deste Tribunal de 17-05-2017, Proc. nº 01015/16, www.dgsi.pt, onde se aponta que “… a pendência de processo gracioso ou contencioso com efeito suspensivo constitui fundamento enquadrável na alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT (Neste sentido e com indicação de numerosa jurisprudência, vide JORGE LOPES DE SOUSA, ob. cit., volume III, anotação 39 c6) ao art. 204.º, pág. 501.), alínea com carácter residual no catálogo dos fundamentos admissíveis de oposição à execução fiscal e que prevê «quaisquer fundamentos não referidos nas alíneas anteriores, a provar apenas por documento, desde que não envolvam apreciação da legalidade da liquidação da dívida exequenda, nem representem interferência em matéria da exclusiva competência da entidade que houver extraído o título».
Mas, como é óbvio, para que possa considerar-se verificado esse fundamento de oposição, que se reconduz à inexigibilidade da dívida exequenda, é necessário que quando a execução fiscal foi instaurada estivessem já deduzidos os meios de reacção contra a liquidação susceptíveis de determinar a suspensão da execução fiscal.

Ou seja, não se demonstra que, à data em que foi instaurada a execução fiscal, estivesse pendente qualquer meio gracioso ou contencioso que, conjuntamente com a prestação de garantia, determinasse a suspensão da execução fiscal.
Se, porventura, ulteriormente foi deduzido meio de reacção contra a liquidação que deu origem à dívida exequenda, com prestação de garantia (ou com dispensa de prestação de garantia ou ainda se o pagamento da dívida exequenda e do acrescido se mostrar garantido por outro meio), esse facto apenas poderá fundamentar o pedido de suspensão endereçado ao órgão da execução fiscal, com possibilidade de reclamação judicial (ao abrigo do art. 286.º do CPPT) de eventual decisão desfavorável; mas não constituirá fundamento de oposição à execução fiscal. …”.

Nesta outra perspectiva, e com os mesmos pressupostos, afirma-se agora neste aresto que a oposição à execução fiscal pode visar a suspensão da execução fiscal (e não, como em regra, a sua extinção, parcial ou total) nos casos em que a exigibilidade da dívida esteja afectada por motivo não definitivo, como, v.g., quando a execução fiscal foi instaurada quando já estava pendente uma reclamação graciosa ou uma impugnação judicial com garantia já prestada ou requerida a sua prestação e ainda não decidida.

Quanto ao primeiro elemento, tal já não é novo, dado que, o Ac. deste Tribunal de 03-04-2013, Proc. nº 01308/12, www.dgsi.pt, apontava já que, em regra, a oposição visa a extinção da execução fiscal, verificando-se, no entanto, que a jurisprudência vem admitindo que prossiga outro fim, qual seja a suspensão da execução, designadamente em face da existência de causa que afecte, ainda que temporariamente, a exigibilidade da dívida.

No entanto, e de forma decidida, perante uma situação que enquadra plenamente a realidade descrita nestes autos, alude-se ao facto de a oposição à execução fiscal visar a suspensão da execução fiscal (e não, como em regra, a sua extinção, parcial ou total) nos casos em que a exigibilidade da dívida esteja afectada por motivo não definitivo de acordo com o exemplo enunciado.

A matéria em apreço encontra ainda eco no voto de vencido formulado no descrito Ac. deste Tribunal de 08-02-2017, Proc. nº 0177/15, www.dgsi.pt, onde se refere que “… Relativamente às obrigações tributárias que emergem de atos de liquidação, elas são certas, líquidas e exigíveis logo que o ato de liquidação é realizado e validamente notificado ao contribuinte.
No caso, ninguém coloca em causa a notificação realizada para pagamento voluntário ou que já tivesse decorrido o prazo para esse pagamento quando a execução fiscal foi instaurada, pelo que a obrigação tributária e, consequentemente, a dívida em cobrança é certa, líquida e exigível, gozando do privilégio de execução prévia ou da definitividade dos atos tributários (art.° 60º do CPPT).

Questão diferente é a validade ou invalidade do ato tributário donde emerge a dívida, sendo essa a única matéria que está em discussão na reclamação graciosa.

Deste modo, a apresentação dessa reclamação não impede a emissão de título executivo logo que decorrido o prazo para pagamento voluntário (ainda que esteja no início ou em pleno curso o prazo para impugnar administrativamente ou contenciosamente esse ato tributário), nem impede a remessa do título executivo para o serviço de finanças e instauração da execução fiscal.

Todavia, no caso, tendo o devedor apresentado reclamação graciosa contra o acto de liquidação e pedido para prestar garantia, estando a aguardar que os serviços da AT lhe fixem o montante a garantir, o processo de execução, ainda que possa ser instaurado, não pode prosseguir até que seja apreciado esse pedido.

A meu ver, ocorre um motivo legal para a suspensão provisória da execução fiscal até à decisão desse pedido de fixação do montante da garantia que o contribuinte pediu para prestar, a que se seguirá, no caso de ele a prestar, uma suspensão definitiva da execução até à decisão da reclamação. Razão por que a oposição deve proceder, por não ter sido observada essa suspensão provisória da execução.

Todavia, considerando que a oposição à execução pode ter por finalidade não só a extinção como a suspensão da execução fiscal, entendo que, neste caso, a decisão de procedência da oposição determina apenas a suspensão da execução fiscal a partir do momento da sua instauração, com a anulação de todas as diligências e atos processuais que indevidamente foram praticados. …”.

Com este pano de fundo, temos por mais bondosa a posição de princípio defendido no âmbito do mencionado Ac. deste Tribunal de 17-05-2017, Proc. nº 01015/16, www.dgsi.pt em conjugação com a análise mais concreta vertida no transcrito voto de vencido, o que significa que a dedução de Reclamação Graciosa e consequente Impugnação Judicial, com prestação de garantia, antes do decurso do prazo de pagamento voluntário do tributo, não obsta à instauração de execução fiscal, mas nada mais pode ser feito e, sendo a execução instaurada pode o interessado deduzir oposição judicial com fundamento na inexigibilidade da dívida, nos termos do artigo 204º/1/ i) do CPPT, tendo em vista a suspensão da execução, com a anulação de todas as diligências e actos processuais que indevidamente foram praticados, o que significa que a decisão recorrida, que declarou extinto o processo de execução fiscal n.º 1384201701151010, em nome da Oponente, para efeitos de cobrança coerciva da autoliquidação de IVA, do período de tributação de Agosto de 2017, no valor a pagar de € 40.160,17, por inexigibilidade da dívida exequenda no momento da sua instauração, não pode manter-se, impondo-se apenas, como já ficou dito, determinar a suspensão do aludido processo de execução fiscal, com a anulação de todas as diligências e actos processuais que indevidamente foram praticados a seguir à sua instauração.

No entanto, e por ora, os autos deverão retornar ao TAF de Leiria para ser apreciada a matéria cujo conhecimento ficou prejudicado em função do teor da decisão recorrida, procedendo o Tribunal “a quo” à sua análise e extraindo as devidas consequências em caso de procedência da mesma, sendo que, em caso de insucesso, o Tribunal “a quo” deverá então, em termos de dispositivo, julgar improcedente a oposição com referência a tal fundamento e depois, tal como se apontou, determinar a suspensão do aludido processo de execução fiscal, com a anulação de todas as diligências e actos processuais que indevidamente foram praticados a seguir à sua instauração.




4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, e ordenar que os autos regressem ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria para ser apreciado o outro fundamento de Oposição, procedendo o Tribunal “a quo” à sua análise e extraindo as devidas consequências em caso de procedência do mesmo, sendo que, em caso de insucesso, o Tribunal “a quo” deverá então, em termos de dispositivo, julgar improcedente a oposição com referência a tal fundamento e depois, tal como se apontou, determinar a suspensão do aludido processo de execução fiscal, com a anulação de todas as diligências e actos processuais que indevidamente foram praticados a seguir à sua instauração.

Custas pela Recorrida, sem taxa de justiça, por ausência de contra-alegação.

Notifique-se. D.N..




Lisboa, 06 de Outubro de 2021. - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos.