Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:022/14.4BELRS 0199/16
Data do Acordão:07/08/2020
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
OPOSIÇÃO
Sumário:No processo de contra-ordenação não é possível lançar mão, quer do recurso de oposição a que se refere o artigo 284.º do CPPT, quer do recurso de uniformização a que se refere o artigo 437.º do CPP.
Nº Convencional:JSTA000P26194
Nº do Documento:SAP20200708022/14
Data de Entrada:02/24/2016
Recorrente:AT- AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A................., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1. O Representante da Fazenda Pública vem, ao abrigo do artigo 284.º do CPPT, interpor recurso por oposição de acórdãos, para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, em 10 de Julho de 2015, em que é Recorrida a A…………., Lda, com os sinais dos autos, por colidir com o decidido no acórdão de 25 de Junho de 2015, processo n.º 382/15, proferido por este Supremo Tribunal, apresentando, para tanto, alegações que conclui do seguinte modo:
a) Tendo, o acórdão recorrido (de 2015JUL10, proferido no processo n.º 08718/15) e o acórdão fundamento (de 2015JUN25, proferido pelo STA no processo n.º 0382/15), decidido em sentido oposto a mesma questão fundamental de direito com base situações fácticas idênticas, vem, a FP, pugnar pela aplicação, in casu, da solução jurídica adoptada no acórdão fundamento,
porquanto,
b) se verifica a identidade de situações de facto e de direito, nos seus contornos essenciais, já que, em ambos os arestos (recorrido e fundamento), está em causa saber se o despacho de fixação da coima impugnado, satisfaz [ou não] O requisito da descrição sumária dos factos a que alude o art.º 79.º n.º 1 al. b) do RGIT;
c) Em ambos os recursos de contra-ordenação, aqui em crise, está em causa uma infração prevista e punida nos artigos 27.º n.º 1 e 41.º n.º 1 al. a) e b) do CIVA, punida pelo artigo 114.º n.º 2 e n.º 5 al. a) do RGIT, por entrega da declaração periódica de IVA (num caso relativa ao mês de Setembro de 2010 e, no outro, relativa ao quarto trimestre de 2011) sem meio de pagamento ou com meio de pagamento insuficiente;
d) Sendo que, a ambos os processos, é aplicável a alínea a) do n.º 5 do art.º 114.º do RGIT, na redação introduzida pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro;
e) Apesar disso entendeu, o acórdão recorrido que devia constar da decisão de aplicação de coima a referência ao recebimento do imposto, anterior à entrega à AT da declaração periódica;
f) Entendendo, em sentido oposto o acórdão fundamento, que o facto de não haver referência à circunstância de o imposto ter, ou não, sido recebido, deixou de relevar, para o futuro, a partir da alteração introduzida na alínea a) do n.º 5 do art.º 114.º do RGIT pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro;
g) Face ao exposto, resulta evidente a identidade de situações de facto, bem como, resulta clara a divergência na solução dada à mesma questão fundamental de direito em ambos os acórdãos, pelo que, não pode deixar de se concluir que deve ser considerado que se verifica a oposição de acórdãos aqui invocada;
h) Assim, sendo certo que o acórdão recorrido perfilha - perante igual questão fáctica e jurídica - entendimento contrário ao acórdão fundamento, tal entendimento [sufragado no acórdão recorrido] não pode prevalecer;
i) Razão pela qual deverá o presente recurso proceder, com a consequente revogação do acórdão proferido pelo TCA Sul no processo n.º 08718/15;
j) Desta forma, deve ser proferido acórdão que decida a questão controvertida no sentido sustentado pela FP no presente recurso, ou seja, de acordo com o sentido decisório do acórdão fundamento.
Termos em que, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas deve ser dado provimento ao presente recurso, devendo ser proferido acórdão que decida no sentido preconizado no acórdão fundamento, assim se fazendo, por VOSSAS EXCELÊNCIAS, serena, sã e objectiva, JUSTIÇA».

2. Não foram produzidas contra-alegações

3. O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que existe oposição:
«[…] E em face da identidade da situação de facto e sendo aplicável o mês quadro jurídico, tendo a solução da questão dada pelos acórdãos sido divergente, afigura-se-nos que se mostram reunidos os requisitos do recurso por oposição de acórdãos previsto no artigo 284° do CPPT […]».
e que o recurso deve ser julgado improcedente, com base nos seguintes fundamentos:
«[…] Afigura-se-nos, assim, que não sendo os factos imputados à arguida subsumíveis no n.° 1 do artigo 114.° do RGIT, mas sim na alínea a) do n.° 5 do artigo 114.°, a omissão desta indicação na decisão de aplicação de coima configura nulidade da decisão de aplicação da coima, por falta de indicação da norma punitiva, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.° 1 do artigo 792.º do RGIT, por contender com o direito de defesa da arguida […]
Ora, no caso concreto não resulta suficientemente claro na decisão de aplicação de coima qual é a origem do montante do imposto exigido e que devia ter sido entregue até 10/11/2010, o que configura insuficiência na descrição sumária dos factos
Em face do exposto afigura-se-nos que se mostra essencial que a descrição dos factos e indicação das normas punitivas permita ao arguido tomar conhecimento da conduta que lhe é censurada e ao abrigo de que norma lhe é imputada a contra-ordenação, de modo a assegurar ao arguido a possibilidade do exercício efectivo do seu direito de defesa. E no caso concreto tal não ocorre, o que configura a nulidade prevista na alínea b) do n.° 1 do artigo 792.º do RGIT.
Em face do exposto entendemos que o recurso deve ser julgado improcedente, ainda que com outra fundamentação que não a do acórdão recorrido».

4 – Notificadas as partes para se pronunciarem sobre a inadmissibilidade do presente recurso (despacho de fls. 399 SITAF) nada disseram.

5- Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1. De facto
No acórdão recorrido deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
a) Em 27 de Novembro de 2010, foi levantado auto de notícia contra a Arguida/Recorrente, imputando-lhe a prática de uma infracção prevista e punida nos artigos 27.°, n.° 1 e 41.°, n.° 1, al. a), do CIVA, punida pelos artigos 114.°, n.° 2 e n.° 5, al. a), do RGIT, por entrega da declaração periódica de IVA relativa ao mês de Setembro de 2010 dentro do prazo sem meio de pagamento ou com pagamento insuficiente- fls. 7;
b) Com base no auto de notícia referido em A, por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Odivelas de 5 de Junho de 2013, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, foi aplicada à Arguida/Recorrente uma coima no montante de €4.347,29, por contra-ordenação resultante da violação dos artigos 27.º, n° 1, al. a), e 4.1º, n.º 1 do Código do IVA, referindo-se a apresentação da declaração de IVA do mês de Setembro de 2010 dentro do prazo mas sem meio de pagamento. – fls. 85/v. e 86.


No acórdão fundamento deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
1. O Serviço de Finanças de Viseu levantou contra a Recorrente um Auto de Notícia n.º 20110471169/2011 pela falta de entrega dentro do prazo de IVA que motivou a instauração do processo de contra-ordenação n.º 2720201106062148.
- cfr. documento de fls. 24 e segs. dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, o mesmo se dizendo para todos os que infra se descrevem.
2. Por ofício datado de 10/11/2011, enviado por carta registada, foi a Recorrente notificada para apresentar defesa ou efectuar o pagamento antecipado da coima ou efectuar o pagamento voluntário da mesma.
- vide documento de fls. 25 e segs. dos autos.
3. No dia 06/01/2012 foi proferida a decisão ora recorrida
"(...)
DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS
Ao (À) arguido (a) foi levantado Auto de Notícia pelos seguintes factos. 1. Montante de imposto exigível: 7.576,18; 2. Valor da prestação tributária entregue: 0,00; 3. Valor da prestação tributária em falta: 7.576.18; 4. Termo do prazo para cumprimento da obrigação: 2011/11/16; 5 - Período a que respeita a infracção: 2011/09T: os quais se dão como provados.
NORMAS INFRINGIDAS e PUNITIVAS
Os factos relatados constituem violação do(s) artigo(s) abaixo indicado(s), punidos pelo(s) artigo(s) do RGIT referidos no quadro, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05/07, constituindo contra-ordenação (ões).

»



3. De Direito
3.1. Da admissibilidade do recurso
Cumpre apreciar, antes de mais, se se verificam os pressupostos de admissão do presente recurso de oposição de julgados.
O acórdão recorrido e o acórdão fundamento foram proferidos no âmbito de recursos de contra-ordenação fiscal, tendo sido tramitados ao abrigo do disposto no Regime Geral das Infracções Tributárias e, como tem sido reiteradamente afirmado pela jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, o recurso por oposição de acórdãos não tem aplicação no domínio das contra-ordenaçõesv., neste sentido, por todos, o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, exarado no processo n.º 1494/17, de 27 de Junho de 2018, bem como a jurisprudência nele referida, para o qual remetemos e onde, a este propósito, se escreveu o seguinte:
«[…] Ora recurso por oposição de acórdãos não tem aplicação ao caso em análise já que, como vem sublinhando jurisprudência desta Secção, no processo de contra-ordenação não é possível lançar mão, quer do recurso de oposição a que se refere o artigo 284.º do CPPT, quer do recurso de uniformização a que se refere o artigo 437.º do CPP (cfr., neste sentido Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 21.11.2017, recurso 723/16 e de 21.02.2018, recurso 1406/16, e, quanto à impossibilidade de aplicação subsidiária do artº 437º do CPP, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.05.2015, recurso 44/14.5TBORQ.E1-A.S1).
De facto, os recursos jurisdicionais em sede de processo de contra-ordenação tributária estão regulados nos artigos 83.º a 86.º do RGIT, com aplicação subsidiária do RGIMOS (Decreto-lei 433/82) e CPP (artigos 3.º/b) do RGIT e 41.º do RGIMOS).
E, como se afirmou no primeiro dos supracitados Acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário (723/16) «, as disposições aplicáveis ao processo penal em sede de recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, art.º 437.º do Código de Processo Penal não são aqui aplicáveis em face de uma regulamentação específica constante do DL 433/82, no art. 75.º, n.º 1, que regulamenta a matéria em termos gerais, aplicável a estes autos, subsidiariamente, por força do disposto no art.º 3.º, b) do Regime Geral das Infracções Tributárias.
O DL 433/82 estabelece que das decisões do tribunal de 2.ª instância «não cabe recurso», no art. 75.º, n.º 1. (…) Os recursos das decisões proferidas pelas entidades administrativas, em sede de contra-ordenações fiscais, são interpostos para o tribunal de 1.ª instância. Tal significa que a fase judicial de impugnação de tais decisões é já uma fase de recurso.
O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, regulado nos artºs. 437.º e ss. do CPP, destina-se a assegurar, tanto quanto possível, a uniformidade da jurisprudência na interpretação da lei, de modo a que se alcancem, no caso concreto, decisões aplicadoras de interpretações similares da lei a situações concretas idênticas.
O DL 433/82 no seu art. 73.º, n.º 1 indica as situações em que é possível o recurso «normal» da decisão de 1.ª instância, reservando o seu número 2 para uma situação em que excepcionalmente admite que «poderá a relação (...) aceitar o recurso (...) quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência», tendo esta norma a mesma finalidade do art. 437.º do Código de Processo Penal.
Por a lei geral das contra-ordenações estar dotada de um regime de recursos especiais e extraordinários, deve entender-se ser essa a opção do legislador quanto à admissibilidade de tais recursos não havendo lugar a qualquer aplicação subsidiária do art. 437.º do CPP. Ainda que se verifique que o recurso especial para a melhoria da aplicação do direito ou para a uniformidade da jurisprudência a que se refere o n.º 2 daquele art. 73.º tem um âmbito muito mais limitado do que o recurso extraordinário previsto nos artºs. 437.º e ss. do CPP, tal não basta para derrogar o regime concretamente previsto no DL 433/82 sobretudo por não poder olvidar-se a diversa natureza e relevância dos interesses ou valores que estão em causa no ilícito criminal e no ilícito de mera ordenação social.»
Concluiu-se assim que o presente recurso não é admissível porque não está legalmente previsto que o CPPT constitua legislação subsidiária nesta fase processual e o recurso para uniformização de jurisprudência do CPP não é admissível pelas razões anteriormente apontadas […]».

Os fundamentos mobilizados no acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo antes citado permanecem válidos e actuais, devendo aduzir-se, em reforço da tese da inadmissibilidade do recurso por oposição de acórdãos, não só a inaplicabilidade do artigo 284.º do CPPT, como aí é referido, mas também a inaplicabilidade do 437.º do CPP ao domínio das contra-ordenações tributárias, uma vez que o próprio n.º 1 do artigo 41.º do RGCO, na remissão para o Código do Processo Penal, sublinha que a aplicação no domínio das contra-ordenações dos preceitos daquele código depende das necessárias adaptações.
Ora, cabe não esquecer que no domínio das contra-ordenações tributárias, por força das disposições conjugadas dos artigos 73.º do RGCO e do 280.º do CPPT, os recursos das sentenças ou dos despachos judiciais que respeitem exclusivamente a matéria de direito são da competência da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, o que significa que por via do disposto no n.º 2 do artigo 73.º do RGCO, é maioritariamente o Supremo Tribunal Administrativo que promove já a uniformidade da jurisprudência através do recurso que especificamente para o efeito se encontra previsto no RGCO, constituindo isso mais um fundamento para a inadmissibilidade da aplicação do disposto no artigo 437.º do CPP.

Em face do exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam rejeitar o presente recurso.
Custas pela Recorrente.
Notifique.

Lisboa, 8 de Julho de 2020. - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Paulo José Rodrigues Antunes - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Anabela Ferreira Alves e Russo - José Gomes Correia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.