Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02569/08.2BEPRT
Data do Acordão:02/03/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IVA
REFORMA DE ACÓRDÃO
ÓNUS DE PROVA
PROVA DOCUMENTAL
Sumário:I - O legislador admite que as partes possam deduzir tal incidente, nos termos do artigo 616º nº 2 als. a) e b) do C. Proc. Civil (aplicável ao processo judicial tributário “ex vi” do art. 2º al. e) do CPPT), quando, não admitindo a decisão judicial recurso, tenha ocorrido manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos ou, igualmente, quando constar do processo prova documental com força probatória plena (cfr. art. 371º do C. Civil) ou quaisquer elementos que, só por si, impliquem, necessariamente, decisão diversa da proferida e que o juiz, por lapso manifesto, não haja tomado em consideração.
II - Por outro lado, o pedido de reforma destina-se apenas a obter o suprimento dos erros palmares, patentes, que, pelo seu carácter manifesto, se teriam evidenciado ao autor ou autores da decisão, não fora a interposição de circunstância acidental ou uma menor ponderação tê-la levado ao desacerto, designadamente quando haja «lapso manifesto de determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica», que tenham levado a uma decisão judicial «proferida com violação de lei expressa». O pedido de reforma não tem como escopo a obtenção de uma nova decisão em face da reapreciação da questão à luz de uma outra (ainda que, porventura, mais correcta) interpretação das normas jurídicas aplicáveis.
III - O artigo 108º nº 3 do CPPT exige que, com petição, o impugnante ofereça os documentos de que disponha, arrole testemunhas e requeira as demais provas que não dependam de ocorrências supervenientes.
IV - Pode admitir-se, por aplicação subsidiária do disposto no artigo 423.º do CPC, que, se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos sejam apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final e, após esse limite temporal, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.
V - O impugnante que alegue ter documentos, mas não proceda à sua junção nos termos anteriores, não cumpre o ónus que sobre ele impende de afastar a força probatória dos documentos oficiais
Nº Convencional:JSTA000P27120
Nº do Documento:SA22021020302569/08
Data de Entrada:04/01/2020
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............, LDA.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Processo n.º 2569/08.6BEPRT (Recurso Jurisdicional - Reforma de Acórdão)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO
“A…………, Lda.”, devidamente identificada nos autos, notificada do Acórdão desta Secção do Contencioso Tributário, datado de 18-11-2020 e exarado a fls. 1335 a 1383 dos autos, vem impetrar a reforma do mesmo pelos fundamentos vertidos no requerimento de fls. 1398-1414, concluindo no sentido de o Acórdão ser reformado em conformidade, determinando-se a baixa dos autos ao Tribunal de 1.ª Instância para saneamento das contradições na decisão sobre a matéria de facto e/ou para ampliação da matéria de facto, para que possa, então, este Tribunal Superior conhecer justamente do Direito a aplicar.

Não houve resposta.

O Ministério Público junto deste Tribunal tomou posição no sentido do indeferimento do requerido.

Com dispensa de vistos, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.




2. ENQUADRAMENTO E APRECIAÇÃO DA PRETENSÃO

A Requerente peticiona a reforma do Acórdão proferido nos autos ao abrigo do art. 616.º/2, alínea a), do Código de Processo Civil (CPC), aqui aplicável por força do art. Art. 2.º, alínea e), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, com os seguintes fundamentos:

“…

O acórdão, cuja reforma se requer, concedeu provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida, fundamentalmente com a seguinte motivação:

Ora, não é verdade que o fundamento da correcção tributária impugnada, vertido no Relatório de Inspecção Tributária, assente na falta de documento alfandegário apropriado (embora também alegue a sua inexistência) ou na violação do n.º 8 do art. 28.º do CIVA (embora também alegue que a mesma se verifica), o fundamento da correcção é mais vasto e radica, como resulta do excerto que transcrevemos, da falta de prova de que os bens tenham efectivamente saído do território nacional, o que, na falta do referido documento, seria um ónus que o sujeito passivo que pretendia beneficiar daquela isenção teria de cumprir, uma vez que se trata de uma operação, em princípio, sujeita a tributação ex vi do art. 6.º n.º 17 do CIVA.
Em outras palavras, o que resulta do RIT é que o sujeito passivo não fez prova dos pressupostos da isenção e, independentemente do modo como essa prova teria de produzir-se, cujos requisitos legais podem não ser os do n.º 8 do artigo 28.º do CIVA, o que se alega no RIT e não vem contestado em nenhum outro sítio pelo Impugnante, é que ela (a prova da saída dos bens) não foi efectuada por nenhum meio.

Assim, ainda que a invocação do n.º 8 do art. 28.º do CIVA pudesse ser incorrecta, não poderia a sentença ter concluído pela verificação da ilegalidade da liquidação adicional, uma vez que a Impugnante não realizou prova, por nenhuma via, da verificação dos pressupostos da isenção de que pretendia beneficiar.” (sublinhado e negrito nosso).
Sem a menor quebra do respeito devido, aquela asserção contém algumas inexactidões, na esteira do que já tinha ocorrido com o Acórdão deste Supremo Tribunal, de 28-10-2020, proc. n.º 2567/08.6BEPRT, que foi, oportunamente, objecto de requerimento de reforma.
2.1 Em primeiro lugar, não é exacto o que é dito no trecho que a seguir se transcreve:
o que se alega no RIT e não vem contestado em nenhum outro sítio pelo Impugnante, é que ela (a prova da saída dos bens) não foi efectuada por nenhum meio”.
Efectivamente,
2.2 No art. 51.º da petição inicial (P.I.), a ora Requerente, alegou o seguinte:
Não obstante a ora Impugnante possuir nos seus elementos de escrita e contabilidade documentação suficiente para fazer a comprovação a que alude o art. 28.º (29.º)/8 do Código do IVA – o que fará em juízo se tanto for necessário e porque os SFT não analisaram os documentos disponibilizados -, acresce que nem a isenção prevista no citado art. 14.º/1-s) nem a situação de não-sujeição contemplada no predito art. 6.º/18 exigem a comprovação referida no art. 28.º (29.º), n.º 8, do Código do IVA.” – cfr. P.I (negrito e sublinhado nossos).
2.3 Verificar-se-á, aliás, pelos próprios autos, que esta não foi a primeira vez que a ora Requerente fez esta alegação, pois já em sede do direito de audição à proposta de decisão de indeferimento do procedimento de reclamação graciosa, tinha alegado o seguinte:
Por outro lado, a afirmação de que o contribuinte não tem elementos comprovativos de que os bens saíram de Portugal para outro Estado membro, para que os serviços de intermediação relacionados com transmissões intracomunitárias pudessem beneficiar da isenção, é FALSA.

17.º
Na realidade, não obstante a duração da acção externa de fiscalização ter rondado os 6 meses, nunca tais elementos foram solicitados, preferindo a responsável pela referida fiscalização solicitar aos clientes nacionais do contribuinte, por escrito (anexo 4), todo um conjunto de elementos que, segundo informação recolhida, terão sido prontamente enviados e respondiam às dúvidas levantadas.
18.º
Não obstante, o contribuinte possuiu nos seus arquivos elementos que teriam permitido a desejada comprovação para efeitos do disposto no n.º 8 do art. 28.º do CIVA (Anexo 5), pelo que reafirma a falsidade da afirmação produzida no RIT e espera que o sentido de justiça de V.Exa. permita sanar a ilegalidade das liquidações efectuadas.” (negrito e sublinhado nossos) (cfr. doct. n.º 4 junto com a P.I.).
2.4 E mais uma vez, na petição inicial, no seu art. 16.º, a Requerente invocou os arts. 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 13.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º e 19.º, do seu direito de audição, para demonstrar que a AT não se pronunciou sobre a sua alegação na qual afirmava que detinha na sua contabilidade documentos que comprovavam a saída dos bens de território nacional,
2.5 o que, aliás, se veio a demonstrar, posteriormente, em sede de impugnação, no âmbito da perícia colegial.
2.6 Daí que, a Requerente não só refutou a alegação do RIT quanto à não comprovação da saída dos bens de território nacional, como alegou que essa consideração era falsa, comprometendo-se a demonstrá-lo, vindo a demonstrar efectivamente essa falsidade.
2.7 Mais: como se poderá constatar, na sentença do Tribunal da 1.ª Instância estes factos alegados pela Requerente foram julgados como provados no ponto F da fundamentação de facto (cfr. fls. 27 e 28 da sentença).
2.8 Este ponto é de relevantíssima importância, isto porque no acórdão deste Tribunal Superior transcreveu-se o que foi deixado no ponto A da fundamentação de facto da sentença, designadamente a parte, onde consta o seguinte trecho:
“Verificou-se, também, que o sujeito passivo não tem elementos comprovativos de que os bens saíram de Portugal para outro Estado Membro, para que os serviços de intermediação relacionados com transmissões intracomunitárias pudessem beneficiar da isenção de IVA. Em algumas situações possui fotocópias de CMR ou do FCR, noutras não tem documentos comprovativos inequívocos de que a mercadoria foi expedita.
(...)
Além do débito dos serviços de intermediação “relacionados” com exportações, o sujeito passivo também declara “exportações” de bens, mas no entanto não tem comprovativo de que os bens foram expedidos ou transportados para fora da Comunidade pelo vendedor ou por terceiro por conta deste, nomeadamente documentos alfandegários. (cfr. fls. 20 a 21 do acórdão deste Tribunal Superior).
2.9 Não obstante, no acórdão deste Tribunal Superior também foi transcrito o ponto F da fundamentação de facto da sentença, já aqui transcrito 2.3 supra.
2.10 Deste modo, ficar-se-ia com a impressão que a sentença teria dado como provados trechos do RIT (ponto A da matéria de facto), designadamente os que acabaram de se transcrever em 2.8. supra, mas não será menos exacto dizer que também terá julgado provados os factos alegados pela Requerente no seu direito de audição (ponto F da fundamentação da matéria de facto), onde se contrariaram e refutaram aquelas considerações feitas no RIT.
2.11 Daí que, poder-se-ia concluir que na sentença do Tribunal da 1.ª Instância foram julgados como provados factos de modo contraditório,
2.12 contradição esta que não seria ultrapassável.
2.13 No entanto, em alternativa, e como hipótese mais provável, atendendo à solução jurídica perfilhada (Não se releve a circunstância de esta hipótese ser aduzida em segundo lugar, pois a sua ocorrência apenas resulta da necessidade de dispor os argumentos da Requerente de forma lógica e encadeada.), a sentença terá considerado como provado apenas a existência dos documentos que suportam aquelas considerações, tal como já foi preconizado pelo Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS).
2.14 Aquele Tribunal Superior, em acórdão de 23.04.2015, dado no proc. n.º 04223/10, veio afirmar o seguinte:
“(…) O que o Tribunal «a quo» deu como provado foi, tão só, a existência do Relatório de Inspecção com um concreto conteúdo, que no caso, fora impugnado em sede de petição inicial.
III. Pelo que, o teor da declaração corporizada no Relatório de Inspecção quanto ao segmento que declara que o Recorrente foi notificado para o exercício do direito de audição deve ser aferido da prova que sobre esse concreto facto tenha sido realizada (…).” (negrito e sublinhado nossos).
2.15 Note-se que em parte alguma da sentença se observa qualquer juízo analítico e crítico sobre a comprovação da saída dos bens do território nacional, feito pelo Tribunal de 1.ª Instância.
2.16 Na parte da motivação de Direito sobre esta temática encontramos apenas a seguinte reflexão:
“Na verdade, esta norma legal estabelece uma imposição de comprovação através de “documentos alfandegários apropriados”. No caso em apreço, a Administração Tributária efectuou a correcção aos valores das transmissões intracomunitárias invocando tal norma e enquadrando na mesma a falta de registo dos adquirentes e de comprovação da saída dos bens de território nacional. Todavia, aquela norma nada exige a este respeito, não invocando a Administração Tributária a falta de apresentação de qualquer documento alfandegário, razão pela qual também o afastamento desta isenção se mostra incorrectamente efectuado, impondo a anulação.” – cfr. fls. 49 da sentença.
2.17 Analisando este trecho, fica-se com a convicção de que o Tribunal de 1.ª Instância considerou que a solução jurídica a aplicar ao caso concreto não implicava saber se a Requerente tinha ou não comprovado a saída dos bens do território nacional, pois o que importava era saber se havia falta ou não de qualquer documento alfandegário, facto que a AT não invocou, no entendimento do Tribunal da 1.ª Instância.
3. Tendo em atenção a matéria de facto dada por provada, como se analisou supra, considera-se que só esta é a interpretação coerente e correcta a dever ser feita da motivação da sentença dada em 1.ª Instância.
4. No entanto, a Requerente não pretende escudar-se em qualquer argumento formal, conforme se verá de seguida.
5. Assim, e em segundo lugar, não é exacto “que a Impugnante não realizou prova, por nenhuma via, da verificação dos pressupostos da isenção de que pretendia beneficiar.” (sublinhado e negrito nossos).
5.1 Conforme resulta do Relatório Pericial Colegial, junto aos autos, foi unanimemente considerado que:
“Pela análise realizada à Facturação constante da contabilidade, referente ao 3.º trimestre de 2003, verificou-se a existência de comprovativos que consagram os pressupostos para a isenção do IVA, os quais foram solicitados e apresentados no decorrer deste Relatório Pericial, que representam uma parte substancial dessas transmissões, traduzindo-se, para os peritos, numa correcção ao IVA do 3.º trimestre de 2003 de 6.559,28 €, conforme se comprova do quadro abaixo:
QUADRO 2.
- In Relatório Pericial Colegial.
5.2 Daí que, depois de analisar centenas de documentos juntos pela Requerente aos autos, os Senhores Peritos consideraram que da correcção inicial de € 16.676,12, referente ao IVA do 3.º Trimestre de 2003, efectuada pela AT, apenas se deveria manter o valor de 6.559,28 €.
5.3 Assim, é indubitável, independentemente da solução jurídica preconizada pelo Tribunal de 1.ª Instância, que a Requerente juntou prova documental - o que foi corroborado pela pericial colegial - que comprovou, em grande parte, a saída dos bens do mercado nacional ou a existência de declaração emitida pelos adquirentes dos bens ou utilizador dos serviços.
5.4 E, também por isso, não é aceitável, sempre sem quebra do respeito devido, que se possa interpretar que o Tribunal de 1.ª Instância tenha julgado como provada a falta de comprovativo da saída dos bens do mercado nacional.
5.5 Que não fiquem dúvidas nesta sede, e conforme repetidamente se alegou ao longo de todo o procedimento de inspecção e depois em sede judicial, que se os Serviços de Inspecção não encontraram ou não viram os comprovativos de saída dos bens do mercado nacional ou a existência de declaração emitida pelos adquirentes dos bens ou utilizador dos serviços, foi porque não quiseram, pois esses documentos sempre estiveram à sua disposição!
5.6 Repare-se atentamente no entendimento dos Serviços de Inspecção sobre esta matéria, bem espelhado que ele está no RIT:
“Verificou-se, também, que o sujeito passivo não tem elementos comprovativos de que os bens saíram de Portugal para outro Estado Membro, para que os serviços de intermediação relacionados com transmissões intracomunitárias pudessem beneficiar da isenção de IVA. Em algumas situações possui fotocópias de CMR ou do FCR, noutras não tem documentos comprovativos inequívocos de que a mercadoria foi expedita.” - sic (sublinhado e negrito nossos) - cfr. fls 20 do acórdão deste Tribunal Superior.
5.7 É, aliás, inequivocamente impressiva a asserção da AT: “Em algumas situações possui fotocópias de CMR ou do FCR, noutras não tem documentos comprovativos inequívocos de que a mercadoria foi expedita.” (sublinhado e negrito nossos).
6. Com esta alegação, pretende a Requerente demonstrar, somente, que nunca se pretendeu valer apenas de um argumento meramente formal para anular as liquidações, tendo logrado provar que tinha razão, substantivamente, em grande parte das operações,
7. apesar de na sentença se ter optado por uma solução jurídica, que prescindia da verificação deste elemento substantivo – a verificação da saída dos bens do mercado nacional ou da existência de declaração emitida pelos adquirentes dos bens ou utilizador dos serviços.
8. Face ao exposto, não se coloca em causa a solução de Direito preconizada por este Tribunal Superior, designadamente na parte em que impõe a demonstração da verificação da saída dos bens de território nacional para sustentação da aplicação da isenção do IVA, mas a sua qualificação jurídica dos factos.
9. Não estando, conforme não está, assente como facto provado que a Requerente não comprovou a saída dos bens de território nacional/não comprovou a existência de declaração emitida pelos adquirentes dos bens ou utilizador dos serviços, indicando o destino que foi dado aos mesmos, não poderia este Tribunal Superior, sempre sem a mínima quebra do respeito devido, preconizar a solução jurídica que aqui expende.
10. Atendendo ao conteúdo da matéria de facto e ao modo como esta foi dada como provada, é entendimento da Requerente - que o exprime sempre sem a menor quebra do respeito devido - que deveria ter este Tribunal Superior determinado a baixa dos autos ao Tribunal recorrido para saneamento das contradições na decisão sobre a matéria de facto e/ou para ampliação da matéria de facto, de modo a viabilizar a decisão jurídica dos autos (art. 682.º/3 do CPC, aqui aplicável por força do art. 2.º, alínea e), do CPPT).

Que dizer?
A lei processual diz que, proferida a sentença – ou acórdão -, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, sendo-lhe lícito, porém, rectificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença – ou acórdão - nos termos que nela são fixados.
Tal significa que poderá rectificar erros de escrita ou de cálculo, ou quaisquer inexactidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto; poderá suprir nulidades por omissão de pronúncia; e poderá, não cabendo recurso da decisão, reformar o acórdão quando, por manifesto lapso seu, tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos, e ainda quando constem do processo documentos, ou outro meio de prova plena que, só por si, implique necessariamente decisão diversa da que foi proferida, sendo que, atenta a necessária preservação da segurança jurídica, estas excepções ao esgotamento do poder jurisdicional são taxativas e de interpretação restritiva.

Com referência à matéria agora suscitada nos autos, é sabido, no que diz respeito ao incidente de reforma de acórdão, admite o legislador que as partes possam deduzir tal incidente, nos termos do artigo 616º nº 2 als. a) e b) do C. Proc. Civil (aplicável ao processo judicial tributário “ex vi” do art. 2º al. e) do CPPT), quando, não admitindo a decisão judicial recurso, tenha ocorrido manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos ou, igualmente, quando constar do processo prova documental com força probatória plena (cfr. art. 371º do C. Civil) ou quaisquer elementos que, só por si, impliquem, necessariamente, decisão diversa da proferida e que o juiz, por lapso manifesto, não haja tomado em consideração.
Por outro lado, o pedido de reforma destina-se apenas a obter o suprimento dos erros palmares, patentes, que, pelo seu carácter manifesto, se teriam evidenciado ao autor ou autores da decisão, não fora a interposição de circunstância acidental ou uma menor ponderação tê-la levado ao desacerto, designadamente quando haja «lapso manifesto de determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica», que tenham levado a uma decisão judicial «proferida com violação de lei expressa». O pedido de reforma não tem como escopo a obtenção de uma nova decisão em face da reapreciação da questão à luz de uma outra (ainda que, porventura, mais correcta) interpretação das normas jurídicas aplicáveis.
Assim sendo, não é viável, através deste incidente processual, alterar as posições jurídicas assumidas no acórdão com base nos elementos existentes no processo, isto é, não poderão corrigir-se eventuais erros de julgamento que não derivem do dito lapso notório derivado de violação de lei expressa.

Pois bem, como ficou exposto, a Requerente fundamenta o seu pedido de reforma na existência de erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos; porém, se bem interpretamos a sua alegação defende a Requerente que o Tribunal não estava na posse dos elementos indispensáveis para apreciar se foi dado cumprimento, ou não ao disposto no art.º 28.º n.º 8 do CIVA, na medida em que, embora a decisão do Tribunal a quo dê como provado o teor do RIT, em especial o que consta do ponto 3.2.1.2. transcrito no ponto A. da matéria de facto da sentença recorrida, o que aí se afirma não é correcto e foi pela Impugnante, Recorrida e aqui Requerente contestado em sede de audição do projecto de indeferimento da reclamação graciosa, que foi dado como provado no ponto F. do probatório.
Mais refere que nunca se pretendeu valer apenas de um argumento meramente formal para anular as liquidações, tendo logrado provar que tinha razão, substantivamente, em grande parte das operações bem como que não está assente, como facto provado que a Requerente não comprovou a saída dos bens de território nacional/não comprovou a existência de declaração emitida pelos adquirentes dos bens ou utilizador dos serviços e ainda que não poderia este Tribunal Superior, preconizar a solução jurídica que aqui expende, porquanto, atendendo ao conteúdo da matéria de facto e ao modo como esta foi dada como provada, deveria ter este Tribunal Superior determinado a baixa dos autos ao Tribunal recorrido para saneamento das contradições na decisão sobre a matéria de facto e/ou para sua ampliação, de modo a viabilizar a decisão jurídica dos autos (art. 682.º n.º3 do CPC, aqui aplicável por força do art. 2.º, alínea e), do CPPT).

Ora, como se aponta no aponta no Ac. deste Tribunal de 13-01-2021, Proc. nº 2567/08.6BEPRT, www.dgsi.pt, a propósito de idêntico pedido de reforma de acórdão “… A sua pretensão pressupõe que este Tribunal, ao julgar em substituição, não possuía todos os elementos necessários para verificar do cumprimento ou não do disposto no n.º 8 do artigo 28.º do CIVA, na redacção em vigor à data dos factos. Isto porque o Impugnante, desde a audição prévia ao RIT que vinha alegando que possuía os documentos necessários para comprovar o seu direito à isenção.
E o Reclamante considera suficiente para contestar processualmente o teor do RIT ter alegado na petição inicial que “[N]ão obstante a ora Impugnante possuir nos seus elementos de escrita e contabilidade documentação suficiente para fazer a comprovação a que alude o art. 28.º (29.º)/8 do Código do IVA – o que fará em juízo se tanto for necessário e porque os SFT não analisaram os documentos disponibilizados (…).” – cfr. P.I (negrito e sublinhado nossos).
Porém, não tem razão, pois como se exige no n.º 3 do artigo 108.º do CPPT:
“Com a petição (…) o impugnante oferecerá os documentos de que dispuser, arrolará testemunhas e requererá as demais provas que não dependam de ocorrências supervenientes”. (negrito e sublinhado nossos).
E o mesmo resulta do artigo 423.º do CPC, onde se pode ler:
1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior”. (negrito e sublinhado nossos).
Ora, como o próprio Impugnante e agora Reclamante afirma no artigo 51.º da PI, os alegados documentos que permitiriam fazer prova do direito à isenção estavam em seu poder, pelo que não é admissível a sua junção em momento posterior.
Além disso, era sobre ele que impendia o ónus de afastar a força probatória do RIT, enquanto documento oficial, o que não fez mediante a junção dos documentos com a PI, nem sequer posteriormente, em sede de contra-alegações recursivas, solicitando, aí, que essa prova fosse produzida e o julgamento do recurso realizado pelo TCA.
Era também nesta sede - de recurso a respeito da matéria de facto, da competência do TCA Norte (artigo 280.º, n.º 1 do CPPT) - que poderia ter arguido a alegada contradição na matéria de facto dado como provada.
O Reclamante alega ainda que este Supremo Tribunal Administrativo errou ao considerar terem sido dados como provados trechos do RIT (ponto 4 da matéria de facto) e não ter dado como provados os factos alegados pela Requerente no seu direito de audição (ponto 8 da matéria de facto), onde contrariou e refutou aquelas considerações feitas no RIT. Porém, esses argumentos avançados pelo Reclamante foram igualmente objecto de apreciação na Reclamação Graciosa, em cuja decisão, dada como provada no ponto 10 da matéria de facto, se pode ler o seguinte:
[…] Se possui nos seus arquivos elementos que teriam permitido a comprovação para efeitos do disposto no n°8 do art° 28° do CIVA;
Tendo em conta o referido no RIT a folhas 4/34, 27/34 e 28/34 o sujeito não apresentou os elementos de comprovação exigidos pelo art° 28° n° 8 do CIVA no que concerne às correcções efectuadas […]».
E a contestação destes elementos a respeito dos factos assentes só poderia ter sido apreciada – repita-se – pelo TCA Norte se o ora Reclamante o tivesse solicitado em sede de contra-alegações recursivas, o que não sucedeu.
Assim, tendo em conta que o Reclamante, não obstante vir alegando possuir documentos que podem fazer prova do direito à isenção nos termos do artigo 28.º, n.º 8 do CIVA, em nenhum momento processual os apresentou em juízo, como era seu ónus, razão pela qual não logrou fazer prova daquele direito nem afastar o teor do RIT – daqui decorre que não tem razão no erro que aponta ao decidido no acórdão reclamado. …”.

Perante o carácter assertivo do que ficou exposto e porque concordamos integralmente com o que ali ficou decidido e respectivos fundamentos, resta apenas reiterar o que ficou ali consignado, até porque o exposto pela Requerente não tem a virtualidade de colocar em crise o que ficou dito no aresto apontado, pelo que, e sem necessidade de outras considerações, não enferma o acórdão em crise de vício que legitime o presente pedido de reforma “sub judice” formulado pela ora Requerente que, assim, terá de ser desatendido.


3. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em indeferir o presente pedido de reforma de acórdão.

Custas pela Requerente, fixando-se a taxa de justiça em 3 Uc.

Notifique-se. D.N..




Lisboa, 3 de Fevereiro de 2021. – Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos.