Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01248/08.5BESNT
Data do Acordão:03/01/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24288
Nº do Documento:SA12019030101248/08
Data de Entrada:02/18/2019
Recorrente:A...., LDA
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE OEIRAS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A………….. L.da, intentou, no TAF de Sintra, contra o Município de Oeiras, acção administrativa especial onde, entre outros, formulou os seguintes pedidos:
a. Ser decretada a nulidade ou a anulação da decisão de resolução do contrato de prestação de serviços n.° 281/2007, constante do Ofício com o n.° 00027071, de 26.06.2008;
....
Cumulativamente,
c. Ser declarada a nulidade ou anulação do acto de adjudicação e da subsequente “adenda ao contrato” celebrado entre o Réu e a Contra-Interessada B…….., L.da;
d. Ser o Réu condenado a reconhecer o direito da Autora à execução integral do contrato Ilegalmente resolvido, pagando o Réu à Autora o lucro de todas as prestações mensais a que teria direito até à retomada da execução, prosseguindo daí em diante o contrato os seus termos ou, caso tal já não seja possível à data da douta sentença,
e. Ser Réu condenado a pagar à Autora o montante de € 51.290,99 a título de Indemnização pelos danos patrimoniais causados;
..........”
O TAF julgou improcedente a acção, decisão que o TCA Sul confirmou.

É desse Acórdão que a Autora vem recorrer com fundamento na errónea aplicação do direito. (art.º 150.º do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. Autora e Réu celebraram, em 5/11/2007, contrato de prestação de serviços referente a actividades de enriquecimento curricular (AEC) nas escolas do 1º ciclo da rede pública do concelho de Oeiras, para os anos lectivos de 2007/2008 e 2008/2009 e para o ensino de Música, Expressões Artísticas e Actividade Física e Desportiva, ficando dele a constar que (1) a sua eficácia ficava condicionada à aprovação por parte do Ministério da Educação do apoio financeiro necessário à sua execução e que (2) o Réu podia rescindi-lo sempre que, por razões imputáveis ao adjudicatário, o normal desenvolvimento daquelas actividades fosse gravemente prejudicado.
Por força de informações prestadas por aquelas escolas, o Réu ficou a saber que era significativa a diferença entre as aulas previstas e as aulas dadas no domínio das Expressões Artísticas e que tal prejudicava o normal funcionamento das AEC. Acrescendo que o despacho ministerial que possibilitava o financiamento das referidas actividades foi revogado o que não só pôs em causa a execução do contrato como facultou ao Réu causa para sua resolução.
Por isso, em 10/07/2008, a Autora foi notificada da revogação do citado despacho ministerial e de que, perante essa revogação, Câmara Municipal tinha intenção de resolver o contrato que haviam celebrado.
A Autora recorreu hierarquicamente mas esse recurso foi indeferido, em 10/09/2008, pelo que, em 24/09/2008, a Câmara notificou-a desse indeferimento e de que tinha resolvido em definitivo o citado contrato com fundamento na cláusula de rescisão nele prevista.
Inconformada, a Autora instaurou esta acção alegando, em síntese, que aquela resolução não tinha fundamento legal.

O TAF julgou a acção improcedente.
E o TCA, para onde a Autora apelou, negou provimento ao recurso e confirmou a decisão recorrida pelas razões que se destacam:
“Tendo sido proferida uma segunda decisão administrativa que a própria Administração valora e atribui efeitos jurídicos primários, como sendo a definição autoritária e primária do direito, não pode a Recorrente pretender ignorar toda essa atuação como se ela na realidade não existisse.
A partir do momento em que o Réu decide dar outra configuração fáctico-jurídica, convolar o recurso hierárquico em audiência dos interessados e atribuir efeitos definitivos à decisão de resolução contratual em data posterior, são esses os factos com base nos quais tem de ser aplicado o direito, por se ter operado uma revogação, por substituição, do primeiro ato administrativo praticado.
Não faz, por isso, qualquer sentido continuar a defender que a resolução contratual não foi decidida definitivamente, enquanto ato definidor dos direitos e deveres entre as partes, por decisão de 10/09/2008 .... por tal decisão traduzir a manifestação de vontade expressa do Réu nesse sentido.
....
Nestes termos, toda a censura alegada pela Recorrente quanto à falta de fundamentação da decisão de resolução contratual, relativa ao vício por falta de audiência prévia, de incompetência para a prática do ato ou qualquer outro vício ou fundamento de invalidade, tem de ter por referência o ato de resolução praticado em 10/09/2008 e não o comunicado em 10/07/2008, por ser aquele que define o direito para o caso concreto e ter existido uma revogação do primitivo ato notificado à Autora.
Por isso, em face da factualidade demonstrada em juízo, carece de sentido pretender dirigir a censura contra um ato que foi revogado por outro posterior, por este não mais se manter enquanto tal na ordem jurídica.
...
Por outro lado, falece também razão à Recorrente na parte em que alega que o acórdão recorrido aplicou um fundamento diferente para a resolução contratual, que não consta do ato impugnado e não foi usado pela entidade demandada, pois o Tribunal a quo limitou-se a decidir com base nos factos apurados em juízo e a decidir com base na aplicação dos normativos de direito, não transmutando as razões da resolução contratual num alegado incumprimento contratual.
....
A questão do incumprimento contratual foi invocada na fundamentação de direito da sentença como um complemento ao motivo da resolução antecedente, que foi o único e determinante motivo da resolução contratual, nos termos invocados pela Entidade Demandada, ora Recorrida, o que se configura como uma causa resolutiva eminentemente objetiva e comprovada nos termos da factualidade assente da decisão recorrida.
Assim sendo, carece de sentido invocar que o acórdão recorrido sustentou a legalidade da resolução contratual no alegado incumprimento contratual, quando a causa da resolução, nos termos decididos pela Administração e constante da decisão recorrida, assenta na revogação do despacho relativo às condições de financiamento por banda do Ministério da Educação.
...
Donde não assistir igualmente razão à Recorrente ao alegar que o Réu não poderia resolver o contrato sem previamente procurar a modificação do contrato, ou sequer que a resolução contratual se traduz numa violação dos princípios da boa fé, da proporcionalidade, da tutela da confiança e da segurança jurídica, por não terem tais alegações um substrato mínimo de fundamento, nem ser tal alegação devidamente concretizada pela Recorrente.
.....
Por último, não resultado demonstrada a ilegalidade da resolução contratual decidida pelo Réu em relação ao contrato de prestação de serviços celebrado com a Autora, ora Recorrida, não se constituiu o Réu na obrigação de indemnizar a Autora.”

3. O que ora está em causa é, como se vê, a questão de saber se a Recorrente litiga com razão quando sustenta o Acórdão recorrido fez errado julgamento ao entender que o acto impugnado não estava ferido pelas ilegalidades que lhe haviam sido imputadas.
Face aos factos assentes não se pode duvidar que o contrato causa podia ser unilateralmente resolvido desde que se verificasse a condição nele prevista – a prolação pelo Ministério da Educação de despacho que alterasse as condições de financiamento das actividades contratadas – e que essa condição se verificou visto aquele Ministério ter proferido esse despacho. Portanto, nesta sede, tudo indica que o Acórdão sob censura fez correcto julgamento – já que, como nele se sublinha, a alteração daquelas circunstâncias foi a única causa de resolução do contrato - pelo que não justifica a admissão do recurso para a reapreciação dessa questão.
Mais controversa é, porém, a decisão relativa à convolação do recurso hierárquico em audiência de interessados e, atento o seu indeferimento, à atribuição de efeitos definitivos à decisão que se lhe seguiu - de resolução unilateral do contrato.
Todavia, o Acórdão não só justificou o seu entendimento de forma plausível como essa questão não se reveste de importância fundamental. Daí que, também aqui, não justifique a admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito.

DECISÃO
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pela Recorrente.

Porto, 1 de Março de 2019. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.