Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:088/18.8BEPNF
Data do Acordão:05/09/2019
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:ELEITOS LOCAIS
IMPEDIMENTO
EXCLUSÃO DE PROPOSTAS
Sumário:I – Enquanto o regime jurídico das incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos constante da Lei n.º 64/93, de 26/8, só é aplicável aos membros de juntas de freguesia que exerçam o mandato em regime de permanência, o Estatuto dos Eleitos Locais, aprovado pela Lei n.º 29/87, de 30/6, abrange todos os membros dos órgãos deliberativos e executivos dos municípios e freguesias, os quais, nos termos do seu art.º 4.º, al. b), subal. v), ficam sujeitos ao dever de não celebrar com a autarquia qualquer contrato, salvo de adesão.
II – Face ao disposto no art.º 7.º, n.º 2, al. c), da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14/8 e uma vez que o presidente da junta de freguesia tem lugar, por inerência, na assembleia municipal, incorre em inelegibilidade superveniente se, como sócio gerente de uma sociedade, vier a celebrar contrato de empreitada de obras públicas com o Município onde essa freguesia está integrada.
III – A razão de ser dos aludidos impedimento e inelegibilidade radica na protecção da imparcialidade, com a finalidade de afastar a possibilidade de tratamentos de favor e a suspeição da comunidade sobre qualquer eventual favorecimento que a lei presume existir quando um eleito local celebra um contrato, que não seja de adesão, com a autarquia.
IV – Assim, é de anular o acto de órgão do Município de Lousada que adjudicou a empreitada de obras públicas objecto de procedimento concursal a uma sociedade cujos sócios são o presidente da junta de uma freguesia integrada nesse município e a sua esposa e de que ele é o único gerente, por, nos termos do art.º 70.º, n.º 2, al. f), do CCP, essa proposta dever ser excluída.
Nº Convencional:JSTA000P24507
Nº do Documento:SA120190509088/18
Data de Entrada:03/27/2019
Recorrente:A............, LDA.
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE LOUSADA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

1. “A…………, Lda.”, com sede na Rua dos ………, n.º ……, em ………, Amarante, inconformada com o acórdão do TCA-Norte que negou provimento ao recurso que interpusera da sentença do TAF de Penafiel que julgara improcedente a acção de contencioso pré-contratual que intentara contra o Município de Lousada e em que era contra-interessada a “B…………, Lda.”, dele recorreu para este STA, formulando, na respectiva alegação, as seguintes conclusões:

“A. Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, datado de 23.11.2018, o qual julgou o recurso jurisdicional apresentado pela aqui Recorrente improcedente.

B. Ora, os presentes autos dizem respeito à impugnação do ato de adjudicação do procedimento concursal n.º 4677/2017, referente ao contrato de empreitada de obras públicas para beneficiação da EB-2/3, Caíde de Rei, ao Concorrente “B…………, LDA”, praticado em 16.01.2018 pelo Sr. Dr. ………, por delegação de competências do Sr. Presidente da Câmara datada de 30.10.2017 e notificado ao Autor a 18.01.2018.


C. Com efeito, entendia, como entende, a Recorrente que o mencionado ato administrativo se encontrava ferido de morte, pelo que lançou mão do presente mecanismo processual para defender os seus direitos (e, porque neste caso conexo, o interesse público).


D. Desta feita, foram vários os fundamentos apontados para que a proposta fosse, impreterivelmente e de forma cabal, excluída.


E. Em primeira linha, cumpre apontar o princípio da imparcialidade (n.º 2 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa e artigo 9.º do Código do Procedimento Administrativo), como pedra de toque da proibição em apreço.


F. De igual modo, apontou-se a existência de uma situação de manifesta incompatibilidade, a qual advém do facto de o procedimento ter sido adjudicado a uma empresa detida e gerida pelo Presidente da Junta de uma Freguesia do Concelho de Lousada (in casu, Entidade Adjudicante).


G. Ora, decorre do Estatuto dos Eleitos Locais que estes não podem celebrar com a própria Autarquia qualquer contrato, salvo os de mera adesão (na alínea v) do seu artigo 4.º do mencionado diploma).

H. Descendo ao caso concreto, resulta provado nos autos que o Presidente da Junta de Freguesia de Meinedo (o qual, como se explanou, igualmente integra a Assembleia Municipal — órgão deliberativo do Município) é titular de uma quota na sociedade Concorrente “B…………, Lda” no valor de € 477.000,00, assim como que a sua esposa (com quem, segundo consta da douta sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, é casado no regime de comunhão de adquiridos) é titular de uma quota no valor de € 53.000,00.

I. Concretamente, o primeiro detém 90 % da referida sociedade e a segunda 10 %, pelo que, por conseguinte, em conjunto detém 100 % do capital da mencionada empresa (até porque estamos perante bens comuns do casal) ...


J. Assim sendo, defende a Recorrente que, integrando o Presidente da Junta de Freguesia em questão duas Autarquias — a Freguesia e o Município -, tal significa, por observância do regime legal acima referido, que este não pode com nenhuma delas celebrar qualquer contrato (com exceção do contrato de adesão),


K. Quer a título pessoal, quer por via de uma sociedade comercial por si detida e gerida.


L. Isto porque, como bem reconheceu o Tribunal de 1.ª instância, se assim não fosse, estaria a própria Lei a permitir ao eleito local criar um artifício jurídico-formal, sob a égide de uma sociedade comercial, de forma a contornar a proibição da norma ínsita no Estatuto dos Eleitos Locais (aprovado pela Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto).


M. Por outro lado, defendeu a aqui Recorrente, logo na sua Petição Inicial, que a circunstância de as empresas cujo capital social seja detido numa percentagem superior a 10/prct. por um titular de órgão de soberania ou titular de cargo político, ou por alto cargo público, ficam impedidas de participar em quaisquer concursos públicos, no exercício de atividade de comércio ou indústria, para a celebração de contratos com o Estado e demais pessoas coletivas públicas (artigo 8.º da Lei n.º 64/93, de 26 de agosto).


N. E, como não poderia deixar de ser, não se podem excluir do âmbito de aplicação do referido preceito os contratos de empreitada de obras públicas (como, de resto, igualmente reconheceu o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel).


O. Pelo que, mais uma vez, foi a Recorrente forçada a concluir que a empresa “B…………, Lda” se encontrava impedida de participar no procedimento concursal em apreço — pelo que, como é bom de ver, deveria a sua proposta ter sido excluída!


P. Ainda que assim não fosse, a aqui Recorrente considerou que sempre seria de aplicar o disposto no artigo 9.º-A da mesma Lei.

Q. À referida disposição estipula uma proibição mais abrangente e que encontra lugar no caso concreto, visto que o Presidente da Junta de Freguesia de Meinedo detinha, nos três anos anterior à data da investidura no cargo, uma quota superior a 10% na sociedade “B…………, Lda”.
R. Pelo exposto, também por via da aplicação deste preceito, resulta evidente que a proposta apresentada pela Adjudicatária deveria ter sido excluída!
S. Em suma, a celebração de um contrato entre o Município de Lousada e o Concorrente “B………… Lda” representaria uma flagrante violação do disposto nos seguintes preceitos:
m) N.º 2 do artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa;

n) Artigo 9.º do Código do Procedimento Administrativo;

o) Ponto iii) da alínea a) do artigo 4.º do Estatuto dos Eleitos Locais;

p) Alínea v) do artigo 4.º do Estatuto dos Eleitos Locais;

q) N.º 1 do artigo 8.º da Lei n.º 64/93, de 26 de agosto;

r) Artigo 9.º-A da Lei n.º 64/93, de 26 de agosto.

T. Isto posto, frisou a Recorrente que, ainda que o Presidente da Junta de Freguesia em questão não tenha tido intervenção direta no procedimento tendente à abertura do Concurso Público em apreço, o mesmo sempre poderia, no plano abstrato, ter tido alguma vantagem no âmbito do presente procedimento.


U. Nesta medida, temos que a proposta apresentada pelo Concorrente “B…………, Lda” enferma não de um, mas de vários vícios de índole jurídica, não se compreendendo como pode o Município de Lousada considerar lícito (sequer legítimo!) o desfecho do presente procedimento de formação contratual.


A ISTO ACRESCE QUE,


V. Num segundo momento, e caso se entendesse que não existia fundamento para excluir a proposta apresentada pelo então Concorrente “B…………, LDA”, invocou a aqui Recorrente a caducidade da adjudicação,


W. Na medida em que o Adjudicatário não procedeu à junção de qualquer documento que comprove as qualificações técnicas dos Técnicos indicados com na sua proposta para efeitos de direção e fiscalização da obra.


X. Especificamente, aquele não logrou demonstrar — nem com a proposta, nem com a apresentação dos documentos de habilitação — que o Diretor de Obra indicado é titular das qualificações legalmente exigidas para o efeito.


Y. Assim, o Adjudicatário, aquando da apresentação do Plano de Segurança e Saúde em sede de habilitação, deveria tê-lo feito acompanhar dos documentos comprovativos da qualificação do Diretor de Obra, não se limitando a entregar uma Declaração que indica como Diretor de Obra o Sr. C………… (que é o próprio gerente da sociedade Concorrente).


Z. Todavia, exigia o n.º 4 do artigo 86.º do CCP que a Recorrida tivesse considerado a adjudicação caduca procedido à adjudicação à proposta ordenada em 2.º lugar (isto é, à proposta da aqui Recorrente).


AA. Perante o teor da Petição Inicial, veio o Recorrido Município de Lousada, em sede de Contestação, pugnar pela improcedência da ação, afirmando, relativamente à questão de o contrato ter sido adjudicado a uma empresa cujo sócio gerente é o Presidente de uma Junta de Freguesia dessa mesma Autarquia, que essa decisão não enferma de qualquer vício.


BB. Sucede que, por decisão proferida em 29.06.2018, entendeu o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel julgar a ação totalmente improcedente.

CC. Ora, não podendo a ora Recorrente conformar-se com a descrita decisão, por considerar que a mesma, à semelhança do ato de adjudicação em crise, violou os mais basilares princípios que devem reger um Estado de Direito Democrático, recorreu da referida decisão.

DD. Sucede que, em 23.11.2018, foi proferido acórdão onde os Juízes do Tribunal a quo acordaram em: “Conceder provimento ao recurso sobre o despacho que decidiu pedido de levantamento de efeito suspensivo automático, anulando a decisão recorrida, a qual antes deve ser substituída por outra que, nos termos supra exposto, determine notificação;” e “Negar provimento ao recurso da sentença.”


EE. Pois bem, como infra se pretende demonstrar, o acórdão recorrido incorre em erro de julgamento de Direito quanto a diversas matérias, pelo que, nessa medida, deverá o mesmo ser revogado com as devidas consequências legais.


ORA,


FF. Tendo presente que o Recurso de Revista não configura um triplo grau jurisdição e, bem assim, a excecionalidade da sua admissibilidade, entende a Recorrente que a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo é necessária e perentória para garantir, in casu, a melhor aplicação do direito, bem como que o mesmo reveste importância fundamental pela sua relevância jurídica e social — veja-se, para o efeito, o disposto no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA.


GG. No caso concreto, é clara a necessidade de uma melhor aplicação do direito, uma vez que o acórdão recorrido sustenta uma posição manifestamente ilegal por ter realizado uma errónea interpretação e aplicação da alínea v) do artigo 4.º do Estatuto dos Eleitos Locais e, bem assim, por ter efetuado, ainda que subsidiariamente, uma interpretação inconstitucional do artigo 12.º da Lei n.º 11/96, de 18 de abril, por violação do princípio da imparcialidade previsto no n.º 2 do artigo 266.º da CRP,


HH. E, em sentido lato, por ter realizado uma errónea interpretação dos princípios da imparcialidade e da transparência, ambos aplicáveis à Contratação Pública, desconsiderando vários e importantes argumentos aduzidos pela aqui Recorrente nas suas alegações de recurso para o Tribunal a quo.


II. Ademais, o entendimento da jurisprudência deste Supremo Tribunal apresentada pelo Tribunal a quo - a qual, diga-se, remonta ao ano de 2003 - já não se revela adequada e consentânea com o atual espírito do nosso ordenamento jurídico, mormente das novas Diretivas, da nova versão do Código do Procedimento Administrativo e igualmente da versão atual do Código dos Contratos Públicos e, por isso mesmo, a presente revista revela-se essencial para se proceder a uma correta aplicação do Direito.


JJ. Por tudo quanto supra se expôs, dúvidas não restam que se encontram preenchidos todos os pressupostos de que depende a aplicação da norma em apreço, o que determina que o Presidente da Junta de Freguesia de Meinedo não poderia, por si ou por intermédio da empresa de que é sócio-gerente, celebrar o contrato de empreitada de obras públicas com o Município de Lousada.


KK. Por outro lado, será assim, pois, de elementar perceção que o paradigma atinente ao princípio da imparcialidade e aos seus respetivos corolários evolui para uma benigna conceção de prevenção e amplamente mais restritiva das liberdades económicas dos órgãos e agentes da Administração Pública.


LL. Contudo, o douto Tribunal a quo, ao contrário do expectável e do que se lhe exigia, ignorou grosseiramente que o seu juízo se faria através de uma norma de perigo, empenhando-se numa busca por elementos que atestassem um efetivo incumprimento de normas legais expressas...

MM. Não se entende como se pode considerar que uma adjudicação realizada por uma autarquia local a uma empresa controlada efetivamente por um Eleito Local que exerce funções nessa mesma autarquia não viola o princípio da imparcialidade, na vertente que supra explanámos e cuja relevância e aplicabilidade jurídica se não discute.

NN. Concomitantemente, o Tribunal a quo errou na avaliação que fez do princípio da imparcialidade, e do disposto na alínea v) do artigo 4.º do Estatuto dos Eleitos Locais, por não entender que o princípio em questão assenta numa perspectiva jurídica de mero risco, e não de efetiva e necessária consumação.


OO. Pelo exposto, deve igualmente dar-se por preenchido, desde já, outro do pressuposto para admissão do presente recurso de revista, pois é patente a necessidade de intervenção do STA para uma melhor aplicação do Direito, já que o Tribunal a quo, na decisão proferida, interpretou e aplicou erradamente normas de direito substantivo e processual, agindo, assim, contra o Direito.


CUMULATIVAMENTE


PP. É demais percetível que a matéria controvertida em análise se reveste de relevância jurídica e social, assumindo, portanto, uma importância fundamental que justifica a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo, para efeitos do n.º 1 do artigo 150.º do CPTA.


QQ. Ora, no entender da Recorrente, a importância jurídica e social fundamental do presente recurso evidencia-se nos efeitos que o sentido da decisão sufragada pelo Tribunal de 1.ª instância e pelo Tribunal a quo pode causar na opinião pública e aos olhos da população do nosso país — em especial, dos munícipes de Lousada.


RR. Não podemos ignorar que o escopo de toda esta legislação — a qual pretende dar forma ao princípio da imparcialidade — é precisamente a visão que a opinião pública terá acerca do exercício dos poderes públicos.


SS. Aliás, é por isso mesmo que as normas supra invocadas são normas que se bastam com o mero perigo, não exigindo que, no caso concreto, se verifique, de facto, uma violação do princípio da imparcialidade.


TT. Repare-se que o Acórdão recorrido dá o seu aval a uma situação de manifesta desconfiança, a qual advém do facto de o procedimento ter sido adjudicado a uma empresa detida e gerida pelo Presidente da Junta de uma Freguesia do Concelho de Lousada (in casu, entidade adjudicante),


UU. A qual, diga-se, é evidente aos olhos da opinião pública, pois não basta que a Administração seja efetivamente imparcial, é necessário que os cidadãos acreditem na efetividade dessa imparcialidade.


VV. Na última destas vertentes, a transparência surge precisamente para fundar a confiança dos administrados na isenção e racionalidade da Administração.


WW. Assim, dúvidas não podem restar que a matéria controvertida em apreço se reveste de importante relevância jurídica e social e, desse modo, a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo se revela essencial na presente lide.

XX. Por outro lado, não pode a Recorrente deixar de explicitar que a presente questão jurídica poder-se-á potencialmente repercutir em inúmeras outras situações de futuro.

YY. Como é bom de ver, afigura-se sobremaneira relevante delimitar o campo de atuação dos titulares de cargos públicos que, simultaneamente, desempenham funções junto de operadores económicos privados.


ZZ. E, como é deveras evidente, a questão de saber se nesses casos existe ou não violação nas normas supra referidas, mormente do princípio da imparcialidade, será suscitada variadas vezes.


AAA. Resulta de tudo quanto se explanou a especial relevância jurídica e social das questões em análise, que tem subjacente um interesse comunitário significativo, suscetível de influir na importância da admissibilidade do presente recurso de revista, tendo em vista permitir aclarar o quadro jurídico de uma matéria de aplicação administrativa e jurisdicional frequente, podendo assim contribuir para a segurança e certeza do Direito.


BBB. Em conclusão, verifica-se a necessidade de uma melhor aplicação do direito, por ser evidente a ilegalidade do douto Acórdão recorrido, e demonstrada que está a importância jurídica e social fundamental do presente recurso, deverá o presente recurso de revista excecional ser admitido, nos termos do artigo 150.º do CPTA.


AQUI CHEGADOS,


CCC. Tendo presente o supra exposto relativamente ao preenchimento dos requisitos de que o legislador fez depender a apreciação da presente revista, importa patentear que as duas primeiras instâncias incorreram num grosseiro erro de julgamento.

DDD. Conforme já referido, a Recorrida demonstrou de forma cabal que a proposta da Contrainteressada teria que ter sido excluída, atendendo à circunstância de essa empresa ser detida — quase na totalidade — e gerida pelo Exmo. Senhor Presidente da Junta de freguesia de Meinedo, a qual integra o Concelho de Lousada.

EEE. E por tudo quanto foi supra exposto dúvidas não restam que se encontram preenchidos todos os pressupostos de que depende a aplicação da norma em apreço, o que determina que o Presidente da Junta de Freguesia de Meinedo não poderia, por si ou por intermédio da empresa de que é sócio-gerente, celebrar o contrato de empreitada de obras públicas com o Município de Lousada.


FFF. Concomitantemente, não se alvitre que o atual paradigma em torno do princípio da imparcialidade se assume sequer semelhante ao que vingava há longínquos 15 anos, tendo presente não só as alterações promovidas pelo legislador a seu respeito, como ainda pelas mais recentes vicissitudes sociais que, pela degradação da confiança pública nos titulares dos cargos estaduais, conduziram a uma maior constrição das possibilidades de interpenetração das vidas públicas e privadas dos decisores políticos do nosso país.

GGG. Assim, andou mal o Tribunal a quo, incorrendo em manifesto erro de julgamento, quanto determinou não existir qualquer entrave à celebração do contrato sub judice e, bem assim, que o Acórdão recorrido não merecia qualquer reparo legal”.

Apenas contra-alegou a referida contra-interessada, a qual enunciou as conclusões seguintes:
“A. Salvo o devido respeito por opinião contrária, a decisão do TCA Norte (tão-pouco a anterior, em 1ª instância, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, ou a primeira decisão do Município de Lousada), não merece qualquer censura e, por tal, tem necessariamente de manter-se pois consubstancia a única solução que consagra a justa e rigorosa interpretação e aplicação ao caso “sub judice” das normas legais e dos princípios jurídicos competentes.

B. Ao contrário do que vem pretendido pela Recorrente, o douto Acórdão do TCA Norte não incorreu em nenhum erro de julgamento de Direito, sendo inteiramente certas e pertinentes a argumentação e as considerações em que se baseia.


C. Sendo assim despiciendo tal recurso interposto pela Recorrente, de Revista, sempre inadmissível, face ao disposto no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA, que determina o seguinte: “Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo, pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.


D. Recurso de Revista que, como decorre do próprio texto legal e a própria jurisprudência do STA tem, repetidamente, sublinhado, é um recurso excepcional, como de resto o legislador bem o sublinhou na Exposição de Motivos constante das 9/14 Propostas de Lei n.ºs 92/VIII e 93/VII, considerando então tal possibilidade de recurso como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.


E. E neste mesmo sentido, da irrecorribilidade, como regra, das decisões proferidas em segunda instância pelo TCA, vai Mário Aroso de Almeida, in comentário ao CPTA, que assim refere: “Em princípio, das decisões que o TCA profere em sede de recurso de apelação, não cabe recurso de revista para o STA”.


F. Dizendo-se, desde já, que no caso dos autos, não se encontram verificados os fundamentos de admissibilidade do Recurso de Revista.


G. Desde logo, a circunstância da Recorrente entender que o Acórdão do TCA Norte fez “uma errónea interpretação e aplicação da alínea v) do artigo 4.º do Estatuto dos Eleitos Locais e, bem assim, por ter efetuado, ainda que subsidiariamente, uma interpretação inconstitucional do artigo 12.º da Lei n.º 11/96, de 18 de abril, por violação do princípio da imparcialidade previsto no n.º 2 do art.º 266.º da CRP” e… “uma errónea interpretação dos princípios da imparcialidade e da transparência ... desconsiderando vários e importantes argumentos pela aqui Recorrente nas suas alegações de recurso...” não revela, de per si, qualquer necessidade de uma melhor aplicação do direito,


H. Muito menos que tal se revista de uma complexidade jurídica que justifique a admissão de um recurso excepcional de revista, como assim vem defendendo a mais diversa jurisprudência produzida pelos Tribunais Superiores e a destacada Doutrina.


I. Ainda mais quando o Acórdão Recorrido e também a anterior decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel se pronunciaram, exaustivamente, sobre a matéria em apreço, fazendo a mais correta interpretação sobre os normativos em causa, citando diversa jurisprudência, designadamente do STA, ainda que - e talvez por isso esta “necessidade” de Revista - em sentido contrário ao pretendido pela Autora/Recorrente.


DE IGUAL MODO


J. E quanto à relevância jurídica e social, não se percebe em que termos possa a matéria controvertida em análise assumir uma importância fundamental (ainda que a Recorrente invoque, para tal, os efeitos que tal decisão poderá causar na opinião pública e aos olhos ... dos munícipes de Lousada - cfr. artigo 149. das Alegações), que justifique o carácter de excepcionalidade do recurso de revista.


K. Antes pelo contrário, uma decisão diferente do doutamente decidido pelo TAF Penafiel e confirmado pelo TCA Norte, é que poderia ser estranha aos olhos dos munícipes de Lousada, que dificilmente perceberiam a razão pela qual a obra de reabilitação da sua escola EB 2/3 de Caide de Rei, viria a ser executada por preço superior ao apresentado pela Contrainteressada, aqui Recorrida, em claro prejuízo do erário municipal.


L. Mais, admitindo-se hipoteticamente esta possibilidade, tendo o recurso de revista um carácter excepcional, estar-se-á a convolar a excepção na regra e, pior, a trivializar um meio de Recurso que, como ficou dito, constitui a “última válvula do sistema”.


M. Ainda mais quando a Decisão do TCA Norte, agora em recurso, fez uma correcta interpretação e aplicação da lei aos factos, fez um correcto julgamento e uma correcta apreciação de toda a prova existente, pelo que não se encontra verificada a necessidade de uma melhor aplicação do direito,

N. Não se encontrando assim preenchido este pressuposto de admissibilidade do recurso de revista (melhor aplicação do direito) é manifestamente inadmissível o recurso de revista excepcional interposto pela Recorrente, nos termos do artigo 150.º nº 1 do CPTA,
O. E, como tal, por legalmente inadmissível, não deverá ser admitido.

ADEMAIS, e sobre o objecto do presente recurso,


P. Em comentário ao artigo 150.º do CPTA, defende Mário Aroso de Almeida que “a prática tradicionalmente aceite pela jurisprudência impede que o tribunal de revista conheça de questões que não foram apreciadas na decisão recorrida, o que implica que, neste recurso, os recorrentes não possam suscitar questões que não tenham sido abordadas nas instâncias anteriores, nem possam recolocar questões que tenham sido analisadas pela 1ª instância mas abandonadas no recurso de apelação”.

Q. Fazendo aqui uma breve resenha da acção apresentada pela Autora no TAF Penafiel (e o pedido que aí formulou) e do subsequente recurso para o TCA Norte (com os seus fundamentos de recurso):

R. Começando pelo início, pela impugnação do ato de adjudicação da empreitada de obras para beneficiação da escola EB 2/3 de Caíde de Rei, Lousada, em que a Recorrente defendia que tal ato de adjudicação se encontrava ferido de morte e, por tal, deveria a proposta da Contrainteressada ser excluída do procedimento.


S. Depois de analisar todos os fundamentos de facto e de direito importantes para a correta decisão da causa (elencando e fundamentando, individualmente (i) a questão da exclusão da proposta da contrainteressada e (ii) a caducidade da adjudicação), entendeu o TAF Penafiel, por decisão de 29.06.2018, julgar a acção totalmente improcedente.


T. E desta decisão do Tribunal de 1ª instância, recorreu a Recorrente para o TCA Norte, por considerar - como alegou - que tal decisão era nula por omissão de pronúncia; por oposição dos fundamentos com a decisão ou por obscuridade da decisão e, ainda, “que a sentença padecia de erro de julgamento de direito uma vez que (i) o Tribunal de 1.ª instância realizou uma errónea interpretação e aplicação da alínea v) do artigo 4.º do Estatuto dos Eleitos Locais; (ii) realizou uma interpretação inconstitucional do artigo 12.º da Lei n.º 11/96, de 18 de abril; e, além disso, (iii) atropelou o princípio da imparcialidade, nas suas múltiplas vertentes”,


U. Concluindo nestes exatos termos (conclusões de A a GGG), pela revogação da decisão proferida em 1ª instância em 26.06.2018, sem alguma vez ter referenciado (deixando por isso cair, ou conformando-se com o aí decidido), o pedido subsidiário formulado na acção de contencioso pré-contratual que apresentou: A caducidade da adjudicação.


V. E, desta forma, no respeito pelo disposto no artigo 150.º do CPTA, não pode o Recorrente submeter a julgamento do STA, em recurso de Revista, questões que não submeteu - e por isso não foram apreciadas na decisão recorrida - como é o caso da caducidade da adjudicação, que caiu no recurso para o TCA Norte.


AINDA,


W. Quanto à questão dos autos e do mérito das decisões recorridas (e conforme resulta dos fundamentos de cada uma das decisões), não resta senão concluir que bem andou o TCA Norte, não merecendo qualquer reparo o douto Acórdão recorrido,


X. Alicerçado nas diversas realidades, sempre presentes e comprovadas, ab inicio, nestes autos, a saber:


Y. (i) Que o Presidente da Junta de Freguesia de Meinedo (sócio-gerente da Contrainteressada), não exerce o mandato de eleito local em regime de permanência - nem a tempo inteiro ou meio tempo - e, por tal, não se lhe aplica o Regime das Incompatibilidades e Impedimentos previstos na Lei n.º 64/93, de 26 de agosto, por se aplicar, apenas, aos membros das Juntas de Freguesia que exerçam o seu mandato em regime de permanência a tempo inteiro (cfr. Artigo 12º da Lei n.º 11/96, de 18 de abril);


Z. (ii) Que o Presidente da Junta de Freguesia de Meinedo (sócio-gerente da Contrainteressada), é eleito local da Freguesia e não eleito local do Município;


AA. (iii) Que inexiste uma relação entre a Entidade Adjudicante (o Município de Lousada) e o Eleito Local (da Freguesia de Meinedo), por serem Autarquias distintas, para que este, no exercício das suas funções pudesse ter qualquer influência na decisão do Município e, desta forma, pôr em perigo a isenção ou imparcialidade, do cargo que desempenha (Presidente de Junta);


BB. (iv) Que o sócio-gerente da Contrainteressada ao assinar em nome desta, com a Câmara Municipal de Lousada, o contrato de empreitada relativo à execução da beneficiação da EB 2/3 de Caide de Rei, não agiu no exercício das suas funções públicas de Presidente da Junta de Freguesia de Meinedo, nem por causa delas, mas estritamente no exercício das suas funções privadas, como sócio-gerente. E, ainda,

CC. (v) O Critério de adjudicação fixado para a empreitada dos autos, é apenas e único, o preço mais baixo, pelo que, pela sua objetividade, é insuscetível de gerar apreciações valorativas que possam fazer duvidar do respeito pela concorrência efetiva e pela imparcialidade.

DD. Realidades que ficaram melhor espelhadas e legalmente esclarecidas nas decisões do TAF Penafiel e da 2ª instância, agora em Revista, pelo que andou bem o TCA Norte, ao decidir nos exatos termos do Acórdão que produziu, impondo-se, assim, a manutenção da decisão recorrida”.


Pela formação de apreciação preliminar a que alude o art.º 150.º, do CPTA, foi proferido acórdão a admitir a revista.


Pelo Exmº Sr. Procurador-Geral-Adjunto junto deste STA, foi emitido parecer, onde se concluiu que o recurso não merecia provimento.


Sem vistos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.


2. Nos termos do n.º 6 do art.º 663.º do C. P. Civil, dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto considerada provada pelo acórdão recorrido.


3. A ora recorrente, na acção de contencioso pré-contratual que intentou no TAF, pediu, a título principal, a anulação do acto de adjudicação à contra-interessada da empreitada de “beneficiação da EB 2/3 de Caíde de Rei”, por, nos termos da al. f) ou g) do art.º 70.º do C. C. P., a proposta por esta apresentada dever ser excluída e que, em consequência, se condenasse a Entidade Demandada a adjudicar-lhe o contrato.


Após sentença que julgou a acção improcedente, o acórdão recorrido, para negar provimento ao recurso dela interposto, considerou o seguinte:


“(…).


Começa a recorrente por assinalar que o art.º 4.º, al. b), subal. v do Estatuto dos Eleitos Locais, aprovado pela Lei n.º 29/87, de 30/06, determina que os eleitos locais não podem “celebrar com a autarquia qualquer contrato, salvo de adesão”.


Tudo o mais acaba por ser elíptico.


Sustenta a recorrente que tal será o caso, não dependendo a aplicação da mencionada norma da intervenção do eleito local no “procedimento administrativo que originou o contrato” (o Presidente da Junta de Freguesia), eleito local também do Município por inerência, membro do órgão deliberativo, a Assembleia Municipal, não prejudicando que não seja “mandato em regime de permanência a tempo inteiro”.


Mas não se vê daqui qualquer óbice, se não o da proibição: “celebrar com a autarquia qualquer contrato, salvo de adesão”.


Sem no caso se identificar esse impedimento.


Cfr. Ac. do STA, de 05-02-2003, proc. n.º 0137/03 (tb. Ac. do STA, de 18-03-2003, proc. n.º 0369/03):


I - Os impedimentos relativos à celebração de contratos entre titulares de órgãos autárquicos e as autarquias referidos nas alíneas d) e e) do ponto 2) do art.º 4.º da Lei n.º 29/87, de 30 de Junho, têm em vista a protecção do interesse público, obstando a que ele possa ser prejudicado pela sobreposição de interesses pessoais dos eleitos locais ou de pessoas que representem ou com quem tenham relações de proximidade familiar ou semelhante.


II – Estes impedimentos reportam-se ao exercício de funções dos eleitos locais, só se podendo verificar quando o exercício de funções autárquicas possa ter interferência na prossecução do interesse público com elas conexionado, isto é, quando os titulares de órgãos autárquicos possam utilizar os poderes inerentes às suas funções autárquicas para favorecerem interesses particulares próprios ou das pessoas acima referidas em detrimento do interesse público.


III – Sendo o município e a freguesia autarquias distintas, não resulta daquelas normas do art.º 4.º da Lei n.º 29/87 obstáculo a que um titular de órgão da freguesia, na sua qualidade de particular, celebre contratos com uma câmara municipal, pois estes não têm qualquer conexão com o exercício de funções de órgão autárquico.


IV – Por outro lado, também não resulta daquelas normas obstáculo a que um membro da assembleia municipal celebre contratos com a câmara do mesmo município, se o exercício das funções naquela assembleia não tem qualquer influência na celebração desse contrato.


Não existindo o impedimento ao nível normativo, nem por isso o tribunal “a quo” deixou de cuidar da observação do juízo de imparcialidade no que na relação envolve o eleito local, indo de encontro à posição da recorrente de que “a imparcialidade que se lhe exige não oscila em função da natureza do exercício do seu estatuto”, vingando princípio “cuja relevância e aplicabilidade jurídica se não discute”, em sentido que garante que não fica postergado o controlo, mesmo que sem guarida da razão da autora/recorrente.


No plano concreto que se admitiria, julgou sem erro.


Sem força argumentativa que o recurso contrarie.


Não tendo o tribunal “a quo” seguido entendimento que limitasse a averiguação sobre a violação do princípio da igualdade à situação de se deparar um “mandato em regime de permanência a tempo inteiro”.


Sem esse prejuízo, queda vazio o controlo de constitucionalidade.


Não possível na tese de fiscalização abstracta de uma inconstitucionalidade do “disposto no art.º 12.º da Lei n.º 11/96, de 18 de abril, por excluir os eleitos locais em regime de não permanência do regime previsto na Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto”, enquanto aí tenha perspectiva uma inconstitucionalidade por omissão, vedado ao conhecimento das lides pendentes nos comuns tribunais, de legitimidade e foro restritos.


E mesmo se situados no plano de conformação das normas e alegação fosse vista por acção ela não obteria provimento, quer porque a via interpretativa não habilita pelos seus critérios a uma interpretação analógica ou extensiva, quer porque constitucionalmente repugna o alargamento de hipótese”.


Na presente revista, a recorrente imputa a este acórdão um erro de julgamento, por violação do princípio da imparcialidade e da subal. v) da al. b) do art.º 4.º do Estatuto dos Eleitos Locais, aprovado pela Lei n.º 29/87, de 30/6 (doravante EEL), em virtude de a adjudicatária ser detida, quase na totalidade, pelo Presidente da Junta de Freguesia de Meinedo que, por inerência, é membro da Assembleia Municipal de Lousada, sendo, assim, eleito local deste Município e uma vez que a infracção daquele princípio se basta com a verificação de uma situação de mero perigo.


Vejamos se lhe assiste razão.


Não é impugnada pela recorrente a conclusão a que chegaram as instâncias quanto à não aplicação à situação em apreço do regime jurídico das incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, constante da Lei n.º 64/93, de 26/8, por, nos termos do art.º 12.º, n.º 1, da Lei n.º 11/96, de 18/4 – que define o regime jurídico aplicável ao exercício do mandato dos membros das Juntas de Freguesia – a sua aplicação se restringir aos membros dessas juntas que exerçam o mandato em regime de permanência.


Já o EEL, abrangendo todos os membros dos órgãos deliberativos e executivos dos municípios e freguesias, é aplicável ao referido Presidente da Junta de Freguesia, quando estabelece, como um dos seus deveres, em matéria de prossecução do interesse público, o de “não celebrar com a autarquia qualquer contrato, salvo de adesão” (cf. art.º 4.º, al. b), subal. v)


Por sua vez, a Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14/8 – que regula a eleição dos órgãos das autarquias locais –, estabelece que não podem ser eleitos os membros dos corpos sociais e gerentes das sociedades que tenham contrato com a autarquia não integralmente cumprido ou de execução continuada [cf. art.º 7.º, n.º 2, al. c)].


Tanto o Tribunal Constitucional (cf. Acs. nºs. 244/85 e 709/93, publicados na II série do DR de, respectivamente, 7/2/86 e 14/2/94), como este STA (cf. Acs. de 30/4/96 – Proc. n.º 39537 e de 23/4/2003 – Proc. n.º 0671/03), têm entendido que, cabendo a presidência da junta ao cidadão que encabeçar a lista mais votada para a assembleia de freguesia (cf. art.º 24.º, n.º 1, da Lei n.º 169/99, de 18/9) e tendo este lugar, por inerência, na assembleia municipal (cf. art.º 42.º, n.º 1, da Lei n.º 169/99), quem for inelegível para este órgão também o é para a candidatura em 1.º lugar à assembleia de freguesia do mesmo Município.


Assim, face ao disposto no citado art.º 7.º, n.º 2, al. c), o sócio gerente da contra-interessada seria inelegível como cabeça de lista concorrente à assembleia de freguesia de Meinedo se tivesse celebrado contrato com a Câmara Municipal de Lousada que ainda não estivesse integralmente cumprido ou que fosse de execução continuada.


No caso de, como ocorre na situação em apreço, o referido sócio gerente celebrar esse contrato quando já é Presidente da Junta de Freguesia de Meinedo e, por inerência, membro da Assembleia Municipal de Lousada, verifica-se a sua inelegibilidade superveniente que, nos termos do art.º 8.º, n.º 1, al. b), da Lei n.º 27/96, de 8/1, é causa de perda de mandato, por, após a eleição, ele se ter colocado em situação que o tornou inelegível, não estando essa sanção dependente da maneira como o mandato é concretamente exercido, visto “a lei visar, sem qualquer propósito sancionatório, cuidar dos princípios da independência e da isenção no exercício dos cargos autárquicos e da imagem pública dos eleitos locais, prevenindo o perigo de lesão desses valores e que presume existir na situação que consubstancia a inelegibilidade, decorrente da relação contratual pendente” (cf. Ac. do STA de 30/1/2001 e citado Ac. de 23/4/2003).


E também se verifica o impedimento previsto no art.º 4.º, al. b), subal. v), do EEL, que tem a mesma finalidade e relativamente ao qual também não se vê que a lei o tenha feito depender da existência de uma concreta parcialidade, antes presumindo que esta ocorre quando o eleito local celebra um contrato, que não seja de adesão, com a autarquia.


Assim, considerando-se que a razão de ser das aludidas inelegibilidade e impedimento, radica na protecção do princípio da imparcialidade com a finalidade de afastar a possibilidade de tratamento de favor ou a suspeição da comunidade sobre qualquer eventual favorecimento, não é acolher a posição das instâncias, quando entendem que nada obstava à celebração do contrato, por, no caso, não ter existido a demonstração concreta de uma actuação parcial, nem haver a possibilidade de serem utilizados os poderes inerentes às funções autárquicas exercidas para favorecimento de interesses particulares próprios.


Nestes termos, o contrato de empreitada de obras públicas que viesse a ser celebrado entre o Município de Lousada e a adjudicatária desrespeitava vinculações legais aplicáveis, sendo inválido, por força do art.º 284.º, do CCP, por implicar que um eleito local violasse o art.º 4.º, al.b), subal. v), do EEL e se colocasse numa situação de inelegibilidade superveniente.


Portanto, e atento ao disposto no art.º 70.º, n.º 2, al. f), do CCP, deveria a proposta da contra-interessada ter sido excluída.


Procede, pois, a presente revista, devendo anular-se o acto impugnado e condenar-se a entidade demandada a adjudicar a empreitada em questão à ora recorrente (concorrente graduada em 2.º lugar).


4. Pelo exposto, acordam em conceder provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido e, julgando-se a acção procedente, anula-se o acto impugnado e condena-se a entidade demandada a adjudicar o contrato à ora recorrente.


Custas em partes iguais pelos ora recorridos.


Lisboa, 9 de Maio de 2019. – José Francisco Fonseca da Paz (relator) – Maria do Céu Dias Rosa das Neves – António Bento São Pedro.