Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0718/21.4BELRS
Data do Acordão:12/15/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL
SOCIEDADE
LIQUIDAÇÃO
Sumário:I - Referindo-se o art. 140º nº 1 do Código dos Regimes Contributivos a “Entidades Contratantes” como “As pessoas coletivas e as pessoas singulares com atividade empresarial, independentemente da sua natureza e das finalidades que prossigam (…)”, temos que, para além de outros requisitos (cumulativos), a lei faz depender a qualificação de “entidade contratante” da condição do exercício da “actividade empresarial” por parte da tal pessoa colectiva ou singular.
II - A entidade em apreço, tal como era conhecido, deixou de existir, tendo-se formado, por via da sua liquidação, uma massa insolvente que, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 46º do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas, sendo que a nomeação, remuneração e respectiva forma processamento, correspondente aos serviços prestados por cada um dos membros integrantes da Comissão Liquidatária, (valor mensal x 14 meses, sendo um dos adicionais em Junho e o outro em Novembro) não consubstancia uma opção da ora Recorrida, mas a aplicação de uma opção legislativa, nos termos da qual, o Banco de Portugal propôs os nomes que deveriam integrar a comissão liquidatária, o seu valor remuneratório e forma de pagamento, e, por sua vez, nos termos legais, o Tribunal do Comércio, a quem foi colocada a questão, decidiu aceitar a referida proposta, fixando, assim, o valor remuneratório dos membros da comissão liquidatária tendo em atenção a particular complexidade inerente à liquidação em causa.
III - Perante a prestação de serviços, que obrigatoriamente são prestados, por trabalhadores tidos por independentes (por via do seu estatuto legal) nomeados pelo Tribunal sob proposta do Banco de Portugal a uma massa insolvente (sem actividade empresarial mas com as finalidades contempladas no artigo 46.º e ss do CIRE, enquanto património autónomo que é), situação que afasta a aplicação do disposto no artigo 140.º e 168.º n.º 7 do Código Contributivo, tendo em atenção o regime legal previsto no CIRE, bem como, com no Estatuto do Administrador Judicial aprovado pela Lei nº 22/2013 de 2602, com a última alteração efetuada pela Lei nº 17/2017 de 16-05, de modo que, tal como decidido, não se verifica o preenchimento do primeiro requisito exigido pelo artigo 140º, nº 1 do CRCSPSS para a qualificação da ora Recorrida como “entidade contratante”.
Nº Convencional:JSTA000P30352
Nº do Documento:SA2202212150718/21
Data de Entrada:11/04/2022
Recorrente:CENTRO DISTRITAL DE LISBOA DO INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL DE LISBOA, I.P.
Recorrido 1:BANCO A.....S.A. ....
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Processo n.º 718/21.4BELRS (Recurso Jurisdicional)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

“Instituto da Segurança Social, I.P.”, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 30-04-2022, que julgou procedente a pretensão deduzida por “Banco A…., S.A. - …….” no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com o acto de liquidação da obrigação contributiva referente ao ano de 2019, no valor de € 14.000,00 emitido pelo Instituto de Segurança Social I.P - Centro Distrital de Lisboa, bem como a restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.

Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

1 - O cerne da questão está em saber se, efetivamente, estando em curso a liquidação do património de uma empresa – A…, ainda sem “dissolução” e “liquidação” registadas - tal situação inviabiliza, ou não, a sua qualificação como “entidade contratante” à luz do artigo 140º do CRC, desobrigando-a de pagar contribuições à segurança social.
2 - O Tribunal a quo acompanhando a posição da recorrida, entendeu que numa fase de liquidação do património, a recorrida já não exerce uma atividade empresarial normal, e como tal também não pode ser considerada como “entidade contratante” a quem seja exigível a obrigação contributiva decorrente do citado artº 140º do Código de Regimes Contributivos.
3 - O Tribunal a quo conclui que a decisão do recorrente assentou no pressuposto da qualificação da recorrida como entidade contratante, o que inquina tal decisão do vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito e, por isso, declara a sua anulabilidade e condena o recorrente na obrigação de reembolsar a recorrida da contribuição já paga (14.000,00), acrescida de juros indemnizatórios.
4 - Porém, é consabido que com a declaração de insolvência e/ou a decisão de liquidação do património de pessoas coletivas o CIRE não determina a sua imediata extinção, pelo que a personalidade tributária das mesmas continua a existir até ao registo do encerramento definitivo da liquidação.
5 - No caso sub judice a liquidação do património da recorrida ainda não se encontra encerrada e a comissão liquidatária criada para o efeito continua no exercício de funções.

6 - Nesta medida, a recorrida continua a existir enquanto sujeito passivo de impostos ou outras obrigações contributivas para-fiscais, mantendo-se obrigada ao cumprimento das correspondentes obrigações.
7 - O Tribunal a quo ao decidir como decidiu apenas levou em conta o elemento literal na interpretação da regra do artigo 140º do CRC e, ao contrário do disposto no artigo 9º do CC, não atendeu à ratio legis do preceito e ao “pensamento legislativo” que lhe está subjacente.
8 - Nesta perspetiva, embora a recorrida, em processo de liquidação de património esteja impossibilitada/proibida de exercer a sua atividade empresarial normal, como instituição bancária, enquanto não se encontrar registada a sua dissolução e liquidação, continua a responder por todos os encargos decorrentes de tal liquidação.
9 - A posição do Tribunal a quo legitima uma isenção “ad hoc” ao regime de “entidades contratantes”, embora a recorrida conviva com a necessidade de manter a atividade de trabalhadores independentes com carácter de regularidade, tal como se verificou após a criação da sua comissão liquidatária.
10 - Se o património em liquidação da recorrida suporta as remunerações pagas aos três elementos da comissão liquidatária, não faria sentido que deixasse de suportar o tributo a que o recorrente foi agora condenado a reembolsar pelo Tribunal a quo.
11 - Com efeito, o legislador para além de não ter criado qualquer exceção à regra do artigo 140º do CRC, v.g., por não prever regimes de exclusão, também não distinguiu ou diferenciou pessoas coletivas com atividade empresarial normal, daquelas que, por qualquer razão, deixam de desenvolver a atividade que integra o pacto social
12 - Se se configurar a unidade do sistema jurídico no seu todo, lançando mão do elemento sistemática - cfr. artigo 9º, nº 1, do C.C.- na interpretação da regra do artigo 140º do CRC, mal se compreenderia que a recorrida, em fase de liquidação, se se mantivesse à margem de tal regime e desobrigada de responsabilidades contributivas com flagrante violação do princípio da igualdade.
Termos em que, sempre com o douto suprimento de V.Exªs, requer-se que se conceda provimento ao presente recurso, com a revogação da douta sentença de fls… sob recurso, por forma a que o ato administrativo anulado seja declarado válido e eficaz, como se afigura ser de inteira Justiça!

A Recorrida “Banco A….., S.A. - ….” apresentou contra-alegações, nas quais enuncia as seguintes conclusões:

“…

1) O Tribunal a quo bem andou ao julgar procedente a impugnação judicial, ancorando a sua decisão no facto de não se verificar preenchido o primeiro requisito exigido no artigo 140.º n.º 1 do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social “CRCSPSS” para a qualificação da Impugnante como “entidade contratante”, pelo que, deverá manter-se a decisão proferida.

2) Como bem refere a Meritíssima Juiz, o referido normativo prevê, três requisitos de verificação cumulativa para a sua aplicação: (i) Tratar-se de uma entidade com atividade empresarial; (ii) que beneficie, no mesmo ano civil, de mais de 50% do valor total a atividade de (iii) trabalhador independente.

3) No caso vertente, como consta dos factos provados e resulta de facto público e notório, o A…., em liquidação, não exerce atividade empresarial.

4) Em 03.08.2014, ao A…., em Liquidação, foi aplicada uma medida de resolução, a qual implicou, entre outros aspetos que, na esfera do A…, passasse a estar, apenas, um conjunto residual de ativos, identificado nas deliberações do Banco de Portugal relativas à resolução.

5) O Banco de Portugal determinou, a aplicação ao A… de várias medidas corretivas, por efeito das quais ficou proibido de receber depósitos, de conceder crédito e aplicar fundos em quaisquer espécies de ativos, exceto na medida em que a aplicação de fundos se revelasse necessária para a preservação e valorização do seu ativo, e, bem assim, dispensado do cumprimento das normas prudenciais aplicáveis, tendo ficado, também, dispensado do cumprimento pontual de obrigações contraídas anteriormente à data da resolução, exceto se esse cumprimento se revelasse indispensável para a preservação e valorização dos seus ativos, caso em que o Banco de Portugal podia autorizar, sob proposta do A…., as operações necessárias para esse efeito.

6) O estatuto jurídico do A… após a aplicação da medida de resolução, o qual se manteve ao longo de todo o período da resolução, ou seja, de 03.08.2014 a 13.07.2016, passou a ser, assim, o de uma instituição de crédito - proibida de receber depósitos, conceder crédito e, em geral, de desenvolver quaisquer operações bancárias ativas ou passivas - de um intermediário financeiro - suspenso de praticar quaisquer atividades de intermediação financeira – e o de uma sociedade aberta com a negociação suspensa dos seus valores mobiliários em mercado regulamentado, estando a sua atividade centrada na preservação e valorização dos ativos que permaneceram na sua esfera após a aplicação da medida de resolução.

7) Posteriormente e, conforme constitui facto público e notório, por deliberação notificada ao A…. em 13.07.2016, o Banco Central Europeu revogou a autorização para o exercício da atividade do Banco A…., S.A. (“A…”) e, nessa sequência nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 8.º do mencionado D.L. 199/2006, o Banco de Portugal requereu a liquidação judicial do A...

8) O A…, tal como o conhecíamos deixou de existir, tendo-se formado, por via da sua liquidação, uma massa insolvente (sem atividade empresarial!), facto que por si só demostra a não aplicabilidade do normativo citado, por falta de um dos requisitos.

9) Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 46.º do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas a massa insolvente destina-se “à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo.”

10) Contrariamente ao que defende o Recorrente, a lei é clara ao determinar a aplicabilidade do artigo 140.º com a consequente obrigação contributiva a “pessoas coletivas (…) com atividade empresarial”, requisito que não ocorre no caso vertente como se demonstrou, pelo que bem andou o Tribunal a quo.

11) Alega a Recorrente que o legislador para além de não ter criado qualquer exceção à regra do artigo 140.º do CRC, v.g. por não prever regimes de exclusão, também não distinguiu ou diferenciou pessoas coletivas com atividade normal empresarial, daqueles que deixaram de desenvolver essa mesma atividade, e foram obrigadas à sua interrupção para entrarem em processo de liquidação de património, como aconteceu com a recorrida.

12) Com efeito, se é verdade que o legislador não previu qualquer regime de exclusão, não menos verdade é que o legislador foi claro ao estipular que a obrigação contributiva sub judice e prevista no artigo 140.º do CRCSPSS, apenas existe e poderá ser exigível relativamente às pessoas coletivas com atividade empresarial, facto que, repita-se, não ocorre no caso em apreço.

13) Acresce que, a nomeação, remuneração e respetiva forma processamento, correspondente aos serviços prestados por cada um dos membros integrantes da Comissão Liquidatária, (valor mensal x 14 meses, sendo um dos adicionais em junho e o outro em novembro) não terá sido uma opção do Impugnante, mas a aplicação de uma opção legislativa. O Banco de Portugal propôs os nomes que deveriam integrar a comissão liquidatária do A…, o seu valor remuneratório e forma de pagamento, tendo o Tribunal de Comércio aceite a proposta fixando, assim, o valor remuneratório dos membros da comissão liquidatária tendo em atenção a particular complexidade inerente à liquidação do A…

14) Refira-se que, por via do estabelecido no artigo 60.º e ss. do Código da Insolvência e Recuperação de Empresa “CIRE”, conjugado com o Estatuto do Administrador Judicial e com a especificidade das funções por si efetivamente exercidas, salvo melhor opinião que tanto respeito nos merece, a única forma legal de processar a sua remuneração será por via da aplicação obrigatória do regime de trabalhadores independentes.

15) Por sua vez e no que diz respeito ao rendimento da Sra. Dra. B…., o qual está na base da notificação sub judice, sempre se dirá que, na nossa ótica, não terá cabimento legal a aplicação do disposto no artigo 140.º e 168.º n.º 7 do Código dos Regimes contributivos.

16) Um dos objetivos da aplicação do disposto no artigo 140.º do Código Contributivo do Sistema Previdencial da Segurança Social é desincentivar a contratação dos denominados “falsos” recibos verdes, contudo, no caso em apreço, tal contratação revela-se obrigatória.

17) Na verdade, e como melhor resulta do Estatuto dos Administradores de Insolvência, sendo estes trabalhadores independentes, a sua forma de remuneração não se coaduna com a celebração de contratos de trabalho. Os Administradores de Insolvência, podem livremente ter vários processos judiciais de insolvência / liquidação a seu cargo, o que significa que a sua componente remuneratória advém do exercício da sua atividade independente.

18) Nesta ótica os Administradores de Insolvência são nomeados em vários processos judiciais, recebendo de forma independente relativamente a cada um, o que, fará, entre outros aspetos, com que não tenha aplicabilidade prática o disposto no artigo 140.º do diploma citado.

19) Sucede que, face à abrangência e complexidade do processo de liquidação do A…, a Dra. B…., na qualidade de vogal da comissão liquidatária, se vê na contingência de ter de prestar a totalidade dos seus serviços a essa mesma liquidação, recebendo remuneração adequada e coincidente com o exercício das suas funções.

20) O disposto no artigo 140.º do Código Contributivo não terá cabimento legal no caso do A…, em liquidação, aqui Recorrido, porquanto, não estamos em presença de uma pessoa coletiva com atividade empresarial e o referido valor remuneratório é processado a um liquidatário judicial – trabalhador independente por inerência obrigatória das suas funções - e retirado da massa insolvente do A…., com objetivos e finalidades especificas e legalmente previstas.

21) Com efeito, estando perante a prestação de serviços, que obrigatoriamente são prestados, por trabalhadores tidos por independentes (por via do seu estatuto legal) nomeados pelo Tribunal sob proposta do Banco de Portugal a uma massa insolvente (sem atividade empresarial mas com as finalidades contempladas no artigo 46.º e ss do CIRE, enquanto património autónomo que é), salvo melhor opinião que tanto respeito nos merece, deverá ser mantida a decisão proferida pelo Tribunal a quo, não tendo cabimento legal à situação em apreço, a aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 140.º do Código Contributivo, e, consequentemente, o disposto no n.º 7 do artigo 168.º.

22) Aplicar tais normativos ao caso vertente, seria desconsiderar as suas concretas especificidades, permitindo, efetuar uma interpretação extensiva dos normativos legais extravasando a ratio legis do preceito e do pensamento legislativo que lhe está subjacente.

23) Seria, também, permitir a diminuição da massa insolvente em quantias significativas, através da aplicação de uma obrigação contributiva, cujo regime lhe foi imposto, sem que as partes envolvidas tenham qualquer poder de alterar a presente situação em termos remuneratórios da comissão liquidatária, bem como, subverter as normas vigentes sobre a nomeação e remuneração dos administradores judiciais.

24) Consequentemente, a interpretação de que o disposto no artigo 140.º e 168.º n.º 7 do Código Contributivo não se aplica quando estejam em causa valores remuneratórios retirados da massa insolvente - sem atividade empresarial mas com as finalidades contempladas no artigo 46.º e ss do CIRE, enquanto património autónomo que é - a um trabalhador cujos serviços, por exigência legal (como é o caso do administrador de insolvência ou membro de comissão liquidatária) só possam ser prestados em regime de trabalho independente é a única que, salvo melhor opinião que tanto respeito nos merece, se coaduna com o regime legal previsto no CIRE, bem como, com no Estatuto do Administrador Judicial aprovado pela Lei 22/2013 de 26 de fevereiro, com a última alteração efetuada pela lei 17/2017 de 16 de maio.

25) Em face do exposto, por se entender que a decisão proferida aplica e interpreta corretamente o normativo legal citado, designadamente o artigo 140.º do Código Contributivo, pugna-se pela sua confirmação.

Nestes termos e nos melhores de direito que V.Exas doutamente suprirão, deverá ser negado provimento ao recurso em apreço, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo, com a anulação do ato de liquidação e consequente condenação da Impugnada na restituição ao Impugnante do montante de €14.000,00, bem como no pagamento de juros indemnizatórios e das custas do processo, assim se alcançado a Almejada Justiça.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Cumpre decidir.




2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em saber se, sendo o “A….” uma sociedade em liquidação, tal situação inviabiliza, ou não, a sua qualificação como “entidade contratante” à luz do artigo 140º do CRC, desobrigando-a de pagar contribuições à Segurança Social.




3. FUNDAMENTOS

3.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“…

1. O Banco A….., S.A. (“A…”) tem por objeto social a atividade bancária – cf. sentença da 1.ª Secção do Comércio da Instância Central da Comarca de Lisboa junta como doc. 6 com a p.i.;

2. Em 03/08/2014, por deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, foi aplicada uma medida de resolução ao A…, na modalidade de transferência parcial da sua atividade para um banco de transição, constituído para o efeito e denominado C…., S.A. – cf. doc. 3 junto com a p.i. e facto público e notório;

3. Por deliberação de 13/07/2016, notificada ao A… no mesmo dia, o Banco Central Europeu revogou a autorização para o exercício da atividade de instituição de crédito do A…– cf. acordo e facto público e notório;

4. Nos termos da referida deliberação, o Banco Central Europeu determinou que: “A presente decisão produz efeitos a partir das 19:00h CET (hora da Europa Central) do dia em que for notificada à Entidade Supervisionada” – cf. acordo e facto público e notório;

5. Da deliberação do Banco Central Europeu mencionada no ponto 3 consta ainda, entre o mais, o seguinte:
“(…)

[Imagem]

(…)” - cf. doc. 6 junto com a p.i.;
6. Pelo Banco de Portugal foi emitido o seguinte comunicado: “O Banco Central Europeu revogou a autorização do Banco A…., S.A. (“A…”) para o exercício da atividade de instituição de crédito. A decisão de revogação da autorização do A…. implicará a dissolução e a entrada em liquidação do banco, em conformidade com o disposto nos números 1 e 2 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 199/2006. Desta forma, o Banco de Portugal vai requerer, nos termos da lei, junto do tribunal competente o início da liquidação judicial do A......” – cf. sítio do Banco de Portugal na internet: https://www.bportugal.pt/comunicado/comunicado-sobre-revogacao-da-autorizacao-do-A....;

7. O Banco de Portugal requereu a liquidação judicial do A…, o que deu origem ao processo nº 18588/16.2T8LSB, que correu termos na 1.ª Secção do Comércio da Instância Central da Comarca de Lisboa, e no âmbito do qual, em 21/07/2016, foi proferido despacho de prosseguimento, do qual consta o seguinte: “Atenta a proposta formulada pelo Banco de Portugal nos termos do disposto no artigo 10.º n.º 3 RELICSF, fixo, para o ano subsequente à presente decisão, as seguintes remunerações aos membros da comissão liquidatária: - Dr. D……… - €11.500,00 mensais; - Dr. E…. - €10.000,00 mensais; - Dra. B….. - €10.000,00 mensais.” – cf. doc. 6 junto com a p.i.;
8. A Dra. B…., membro da comissão liquidatária da Impugnante, apresentou, junto da Autoridade Tributária, uma declaração de serviços prestados a favor da Impugnante, referente ao ano de 2019, no valor de € 140.000,00 – cf. P.A.;

9. Em 11/12/2020, a Impugnante foi notificada eletronicamente do seguinte:

[Imagem]

cf. doc. 1 junto com a p.i.;
10. Do mesmo ato de liquidação foi ainda a Impugnante notificada por correio postal, com a informação adicional de que dispunha de 15 dias úteis para reclamar, 15 dias para recorrer hierarquicamente e 3 meses para impugnar judicialmente – cf. doc. 2 junto com a p.i.;

11. A Impugnante apresentou reclamação do referido ato de liquidação, a qual foi indeferida – cf. P.A.;

12. Em 17/12/2021, a Impugnante procedeu ao pagamento de € 14.000,00, atinente ao ato de liquidação referido no ponto que antecede – cf. doc. 9 junto com a p.i.;

13. A p.i. da presente impugnação deu entrada neste tribunal em 12/03/2021 - cf. comprovativo de entrega de p.i. no SITAF.

*
Inexistem factos não provados com interesse para a decisão.

*
Motivação da matéria de facto
Conforme especificado nos diversos pontos do probatório, a decisão da matéria de facto efetuou-se com base na conjugação dos documentos constantes dos autos, não impugnados (cf. artigo 374.º e 376.º do Código Civil), e relativamente aos quais não existem razões para duvidar da respetiva veracidade, bem como na posição assumida pelas partes nos respetivos articulados, na parte em que foi possível obter a sua admissão por acordo, nos termos do artigo 574º, nº 2, 1ª parte, do CPC, aplicável ex vi do artigo 2º, al. e) do CPPT.”

«»

3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de saber se, sendo o “A…. uma sociedade em liquidação, tal situação inviabiliza, ou não, a sua qualificação como “entidade contratante” à luz do artigo 140º do CRC, desobrigando-a de pagar contribuições à Segurança Social.

Nas suas alegações, a Recorrente refere que com a declaração de insolvência e/ou a decisão de liquidação do património de pessoas colectivas o CIRE não determina a sua imediata extinção, pelo que a personalidade tributária das mesmas continua a existir até ao registo do encerramento definitivo da liquidação e no caso sub judice a liquidação do património da Recorrida ainda não se encontra encerrada e a comissão liquidatária criada para o efeito continua no exercício de funções, de modo que, embora a Recorrida, em processo de liquidação de património esteja impossibilitada/proibida de exercer a sua actividade empresarial normal, como instituição bancária, enquanto não se encontrar registada a sua dissolução e liquidação, continua a responder por todos os encargos decorrentes de tal liquidação, sendo que a posição do Tribunal a quo legitima uma isenção “ad hoc” ao regime de “entidades contratantes”, embora a Recorrida conviva com a necessidade de manter a actividade de trabalhadores independentes com carácter de regularidade, tal como se verificou após a criação da sua comissão liquidatária e se o património em liquidação da Recorrida suporta as remunerações pagas aos três elementos da comissão liquidatária, não faria sentido que deixasse de suportar o tributo a que o Recorrente foi agora condenado a reembolsar pelo Tribunal a quo, pois que o legislador para além de não ter criado qualquer excepção à regra do artigo 140º do Código dos Regimes Contributivos, por não prever regimes de exclusão, também não distinguiu ou diferenciou pessoas colectivas com actividade empresarial normal, daquelas que, por qualquer razão, deixam de desenvolver a actividade que integra o pacto social, além de que se se configurar a unidade do sistema jurídico no seu todo, lançando mão do elemento sistemático - cfr. artigo 9º nº 1 do C. Civil - na interpretação da regra do artigo 140º do CRC, mal se compreenderia que a Recorrida, em fase de liquidação, se mantivesse à margem de tal regime e desobrigada de responsabilidades contributivas com flagrante violação do princípio da igualdade.

Que dizer?
Para conceder abrigo à pretensão da ora Recorrida, a decisão recorrida ponderou, além do mais, que:
“… torna-se forçoso concluir que a Impugnante não exerce atividade empresarial, pelo menos, desde a revogação da autorização para o exercício da atividade de instituição de crédito, i.e., desde 13/07/2016, pois que esta constituía a sua única “atividade empresarial”.
Destarte, não se verifica o preenchimento do primeiro requisito exigido pelo artigo 140º, nº 1 do CRCSPSS para a qualificação da Impugnante como “entidade contratante”.
Por conseguinte, tendo o ato de liquidação impugnado sido praticado com base no pressuposto de que a Impugnante constituía uma “entidade contratante” para efeitos daquele normativo legal (cf. ponto 9 do probatório), o mesmo encontra-se inquinado do vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, em razão do que é anulável, nos termos do artigo 163º, nº 1 do Código do Procedimento Administrativo (aplicável ex vi do artigo 2º, al. d) do CPPT) …”.

Nesta matéria, diga-se que o art. 140º nº 1 do Código dos Regimes Contributivos aponta que “As pessoas coletivas e as pessoas singulares com atividade empresarial, independentemente da sua natureza e das finalidades que prossigam, que no mesmo ano civil beneficiem de mais de 50 % do valor total da atividade de trabalhador independente, são abrangidas pelo presente regime na qualidade de entidades contratantes. (Redação dada pelo Decreto-Lei n.º 2/2018, de 2 de janeiro. (…)”.
Assim, referindo-se o normativo em apreço a “Entidades Contratantes” como “As pessoas coletivas e as pessoas singulares com atividade empresarial, independentemente da sua natureza e das finalidades que prossigam (…)”, temos que, para além de outros requisitos (cumulativos), a lei faz depender a qualificação de “entidade contratante” da condição do exercício da “actividade empresarial” por parte da tal pessoa colectiva ou singular.
Depois, a tal qualificação como “entidade contratante” resulta necessária para fins contributivos, pois que, nos termos do art. 168º nº 7 do CRC “A taxa contributiva a cargo das entidades contratantes é fixada nos seguintes termos: (…)”.

Diga-se que a decisão recorrida dá nota que de que as partes estão de acordo na afirmação de que os membros da comissão liquidatária da ora Recorrida são trabalhadores independentes, sendo que o dissídio situa-se no primeiro requisito acima apontado, ou seja, se a ora Recorrida deve ser qualificada como uma entidade com actividade empresarial, reclamando a Impugnante que a circunstância de se tratar de uma massa insolvente “com estritos e precisos objetivos de liquidação do seu património e de repartição do produto pelos credores” inviabiliza a sua qualificação como entidade com atividade empresarial, enquanto que a ora Recorrente entende que a insolvência da Impugnante em nada contende com a sua qualificação como entidade empresarial, pois que a norma do artigo 140º nº 1 do CRCSPSS não prevê qualquer excepção e não faz qualquer ressalva sobre o estado da actividade empresarial.

Nesta sequência, a decisão recorrida valorizou que «conforme consta da proposta de revogação da autorização para o exercício da atividade do A…. - a qual foi submetida a apreciação do Banco Central Europeu, tendo sido aprovada –, “a entidade supervisionada [A…] já não se encontra em condições de exercer a sua atividade normal. […] deixou de estar em posição de exercer a sua atividade de maneira autónoma ou de operar em condições normais no mercado.», o que supõe a conclusão de que a ora Recorrida não poderá ter-se como “entidade contratante” posto não desenvolver qualquer “actividade empresarial”.

No que concerne à situação da ora Recorrida, é sabido que em 03/08/2014, por deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal, foi aplicada uma medida de resolução ao A…, na modalidade de transferência parcial da sua actividade para um banco de transição, constituído para o efeito e denominado C…., S.A., sendo que por deliberação de 13/07/2016, notificada ao A… no mesmo dia, o Banco Central Europeu revogou a autorização para o exercício da actividade de instituição de crédito do A…

Nesta medida, e nos termos do art. 8º nº 2 do D.L. nº 199/2006, de 25 de Outubro (Com a redacção que lhe foi dada pelo D.L. nº 31-A/2012, de 10-02), “A decisão de revogação da autorização […] produz os efeitos da declaração de insolvência.”, referindo o probatório que o Banco de Portugal requereu a liquidação judicial do A…, o que deu origem ao processo nº 18588/16.2T8LSB, que correu termos na 1.ª Secção do Comércio da Instância Central da Comarca de Lisboa, e no âmbito do qual, em 21/07/2016, foi proferido despacho de prosseguimento, do qual consta o seguinte: “Atenta a proposta formulada pelo Banco de Portugal nos termos do disposto no artigo 10.º n.º 3 RELICSF, fixo, para o ano subsequente à presente decisão, as seguintes remunerações aos membros da comissão liquidatária: - Dr. D….. - €11.500,00 mensais; - Dr. E…. - €10.000,00 mensais; - Dra. B….. - €10.000,00 mensais.”.

Ora, nestas condições, o A…., tal como era conhecido, deixou de existir, tendo-se formado, por via da sua liquidação, uma massa insolvente que, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 46º do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas, destina-se “à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo.”.
Além disso, perante o que ficou exposto, resulta claro que a nomeação, remuneração e respectiva forma processamento, correspondente aos serviços prestados por cada um dos membros integrantes da Comissão Liquidatária, (valor mensal x 14 meses, sendo um dos adicionais em Junho e o outro em Novembro) não consubstancia uma opção da ora Recorrida, mas a aplicação de uma opção legislativa, nos termos da qual, o Banco de Portugal propôs os nomes que deveriam integrar a comissão liquidatária do A…, o seu valor remuneratório e forma de pagamento, e, por sua vez, nos termos legais, o Tribunal do Comércio, a quem foi colocada a questão, decidiu aceitar a referida proposta, fixando, assim, o valor remuneratório dos membros da comissão liquidatária tendo em atenção a particular complexidade inerente à liquidação do A…
A partir daqui, por via do estabelecido no artigo 60.º e ss. do Código da Insolvência e Recuperação de Empresa “CIRE”, conjugado com o Estatuto do Administrador Judicial e com a especificidade das funções por si efectivamente exercidas, temos por adquirido que a única forma legal de processar a sua remuneração será por via da aplicação obrigatória do regime de trabalhadores independentes, pois que a remuneração da sua actividade não se coaduna com a celebração de contratos de trabalho.
Por outro lado, é sabido que os Administradores de Insolvência são nomeados em vários processos judiciais, recebendo de forma independente relativamente a cada um, sem prejuízo de no caso do processo de liquidação do A…, a sua complexidade exigir que os membros da Comissão Liquidatária limitem a sua actividade ao processo em apreço, recebendo remuneração inerente ao conteúdo e alcance das funções exercidas.
Assim, tem razão a Recorrida quando aponta que estando perante a prestação de serviços, que obrigatoriamente são prestados, por trabalhadores tidos por independentes (por via do seu estatuto legal) nomeados pelo Tribunal sob proposta do Banco de Portugal a uma massa insolvente (sem actividade empresarial mas com as finalidades contempladas no artigo 46.º e ss do CIRE, enquanto património autónomo que é), situação que afasta a aplicação do disposto no artigo 140.º e 168.º n.º 7 do Código Contributivo, tendo em atenção o regime legal previsto no CIRE, bem como, com no Estatuto do Administrador Judicial aprovado pela Lei nº 22/2013 de 2602, com a última alteração efetuada pela Lei nº 17/2017 de 16-05.
Perante o que ficou exposto, tal como decidido, não se verifica o preenchimento do primeiro requisito exigido pelo artigo 140º, nº 1 do CRCSPSS para a qualificação da ora Recorrida como “entidade contratante”, de modo que, tendo o acto de liquidação impugnado sido praticado com base no pressuposto de que a ora Recorrida constituía uma “entidade contratante” para efeitos daquele normativo legal, tem de concluir-se que a decisão recorrida não merece qualquer censura, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão no que concerne ao presente recurso.


4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Notifique-se. D.N..




Lisboa, 15 de Dezembro de 2022. - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos.