Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:038/20.1BALSB
Data do Acordão:11/04/2020
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:DECISÃO ARBITRAL
RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
LEASING
CÁLCULO PRO RATA
Sumário:I – O recurso para o STA de decisão arbitral pressupõe que se verifique, entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão invocado como fundamento, oposição quanto a uma mesma questão fundamental de direito (cfr. o n.º 2 do artigo 25.º RJAT).
II – Por Acórdão de 10.07.2014 proferido no processo C-183/13, o TJUE considerou que os Estados-Membros podem obrigar um banco que exerce actividades de locação financeira a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.
III - Em face da interpretação fornecida pelo Tribunal de Justiça sobre a questão, cuja doutrina é inteiramente aplicável ao caso em apreço, deve ser considerada a necessidade de apurar se nas operações de locação financeira para o sector automóvel que podem implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, essa utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos.
Nº Convencional:JSTA000P26689
Nº do Documento:SAP20201104038/20
Data de Entrada:04/15/2020
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:BANCO A.............. PORTUGAL, S.A.
Votação:MAIORIA COM 2 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


- Relatório -

1 – A Autoridade Tributária e Aduaneira vem, nos termos dos n.º 2 artigo 25.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor recurso para uniformização de jurisprudência para este Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida a 3 de Março de 2020 no processo n.º 505/2019-T, por alegada contradição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com o decidido no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido a 15 de Novembro de 2017 no processo n.º 0485/17, transitado em julgado.

A Recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:

A. O presente recurso confina-se ao segmento decisório em que discute e decide da legalidade da aferição da determinação da percentagem do IVA dedutível, resultante dos custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista, afectos tanto a operações tributadas como a operações isentas, isto no que respeita aos contratos de locação financeira e à correspectiva exclusão do cálculo da percentagem de dedução, da parte do valor da renda da locação que corresponde à amortização financeira, apenas se considerando para efeitos de dedução o montante de juros e outros e outros encargos facturados.

B. O Recurso Para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão arbitral e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição pela parte vencida.

C. Ora, desde logo, quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário que i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas; ii) haja identidade na questão fundamental de direito; iii) se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e iv) a oposição decorra de decisões expressas e não apenas implícitas.

D. No que concerne ao requisito das situações de facto substancialmente idênticas, temos, subjacente ao acórdão Recorrido, a factualidade melhor descrita nas alegações, para cuja leitura se remete.

E. Subjacente ao Acórdão Fundamento, encontrava-se factualidade também descrita nas alegações, e para cuja leitura igualmente se remete.

F. Em ambos ao Acórdãos, Autora e Requerente têm natureza de sujeito passivo misto em sede de IVA, exercendo actividades sujeitas a IVA e actividades isentas de IVA.

G. Ambas consubstanciam instituições de crédito abrangidas pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras e exercem, entre outras, as actividades de leasing (locação financeira) e ALD (aluguer de longa duração).

H. No acórdão recorrido, nas declarações periódicas de IVA nos anos de 2005 e 2006, a Recorrida incluiu no numerador e no denominador da fracção representiva do cálculo pro rata os valores respeitantes à globalidade das amortizações financeiras no âmbito dos contratos de locação financeira, aplicando por essa via uma percentagem de pro rata de 58% (2005) e de 55% (2006), o que se traduziu na dedução em sede de IVA dos gastos de natureza mista no montante, respectivamente, de €363.403,90 em 2005 e €511.215,51 em 2006.

I. No acórdão fundamento, a Autora apurou um montante a deduzir distinto do apurado por recurso ao pro rata provisório, tendo sido calculado um pro rata definitivo para 2010 de 24%, com base no entendimento da AT mencionado na instrução administrativa 30.018.

J. No acórdão recorrido, por força de uma acção inspectiva, levada a cabo pela Divisão de Inspecção a Bancos e Outras Instituições de Crédito, com incidência nos anos de 2005 e 2006, foi proposta a correcção à percentagem de dedução de IVA de 58% (2005) para 32% (2006) e de 55% para 34%, apurando imposto em falta de €162.905,19 para 2005, e de €195.191,38, para 2006.

K. No acórdão fundamento, a Autora imputa aos actos de autoliquidação de IVA vícios de violação de lei, por entender que, nos termos do artigo 23.º, n.º 4 do CIVA, o pro rata de dedução deve considerar no seu cálculo o montante anual da globalidade das rendas de locação financeira e não apenas o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de leasing e ALD.

L. No acórdão recorrido, a ora Recorrida imputa vícios de violação de lei aos actos de liquidação adicional de IVA para os anos de 2005 e 2006 contestados (e respectivos juros compensatórios), por entender, em contradição com o que foi decidido no Acórdão fundamento, que o artigo 23.º do Código do IVA não contém qualquer menção que permita à Autoridade Tributária impor condições à percentagem de dedução relativamente a um sujeito passivo que opta pelo método do pro rata, para além das instruções objectivas que são fornecidas por aquele artigo, recusando dessa forma a aplicação do Ofício-circulado n.º 30108/2009.

M. Aqui chegados, e considerando a factualidade supra aludida, fica, desde logo, demonstrado que entre o acórdão recorrido e o Acórdão Fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto.

N. Estava em causa em ambos os processos aferir da determinação da percentagem do IVA dedutível, resultante dos custos suportados pelo sujeito passivo com serviços de utilização mista, afectos tanto a operações tributadas como a operações isentas.

O. Tanto no acórdão Recorrido, como no Acórdão Fundamento a questão relevante de direito para a prolação das respetivas decisões situa-se em igual plano, sendo irrelevante a alegação genérica, ínsita na maioria dos Acórdãos que vêm sendo lavrados no Centro de Arbitragem Administrativa, de que ao TJUE somente cabe a interpretação dos Tratados, isto porque, perante idêntica situação de facto estava em causa saber no processo decidido pelo STA se à face do decidido pelo TJUE no âmbito do processo C-183/13 podia ou não o Estado Português, através do Ofício-Circulado n.º 30.108, obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos.

P. Enquanto no Acórdão Fundamento se entendeu, na senda do Processo C-183/13, ao abrigo do artigo 17.º, n.º 5 terceiro parágrafo, al. c) da Directiva IVA, reproduzida no ordenamento interno pelo artigo 23.º, n.º 2, 3 e 4 do CIVA, que os Estados-Membros «podem obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos», já no acórdão recorrido se entendeu em sentido oposto, tendo o Tribunal arbitral concluído que se deve concluir, face à prova produzida, que «A imposição da AT de operar com um pro rata diferente do definido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA afigura-se sem fundamento legal no direito nacional. Com efeito, não é um Ofício Circulado, que não é mais que uma instrução interna que apenas obriga os serviços, mas que não tem eficácia externa, ou uma informação (como a informação n.º 1763, da DSIVA, de 09.08.2008), que pode substituir-se à lei, impondo aos sujeitos passivos aquilo que a lei não prevê. Donde se conclui que o método da percentagem de dedução só pode ser utilizado nas situações em que está previsto directamente, in casu, na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA, e este método é o que consta do n.º 4 do mesmo artigo e mais nenhum. Pelo que, não tendo essa possibilidade sido acolhida por via legislativa, não a pode aplicar a AT, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT). Decorre do que foi exposto que a imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» indicado no ponto 9. do Ofício Circulado n.º 30108 enferma de vício de violação de lei, por ofensa do princípio da legalidade – procedendo, pelo exposto, o presente pedido de pronúncia arbitral.»

Q. Ou seja, enquanto que no âmbito do Acórdão Fundamento foi, em síntese, decidido que a norma do artigo 23.º, n.º 2 do CIVA, ao permitir que a Administração tributária imponha condições especiais no caso de se verificarem distorções significativas na tributação, reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada na Directiva do IVA – art. 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, al. c), da Sexta Directiva, quando ali se estabelece que «todavia, os Estados-Membros podem autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou parte dos bens ou serviços», já no acórdão recorrido se decidiu que «[…] não é um Ofício Circulado, que não é mais que uma instrução interna que apenas obriga os serviços, mas que não tem eficácia externa, ou uma informação (como a informação n.º 1763, da DSIVA, de 09.08.2008), que pode substituir-se à lei, impondo aos sujeitos passivos aquilo que a lei não prevê.»

R. O Acórdão Fundamento entendeu que, de acordo com o decidido pelo TJUE, C-183/13, o artigo 23.º, n.º 2, 3 e 4 do CIVA constituem a transposição do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva, desembocando na conclusão, de que os Estados-Membros podem obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira, a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos.

S. O Acórdão Fundamento concluiu ainda que essa restrição - patente no Acórdão do TJUE, processo n.º C-183/13, de incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas os juros - vai ao encontro da doutrina ínsita no ofício circulado n.º 30.108, de 30-01-2009.

T. Salvo o devido respeito, cabia ao tribunal arbitral aferir – o que não fez -, por recurso à prova carreada para os autos, e tal como prescreve o Acórdão Fundamento, se a utilização dos bens e serviços de natureza mista era (ou não) sobretudo determinada pelo financiamento e gestão dos contratos, o que, salvo o devido respeito, não ficou provado.

U. A tese defendida pela AT entronca com o que doutrinalmente vem defendido por Saldanha Sanches e João Gama: «O IVA suportado pela entidade isenta na sua actividade económica deve ser equivalente à receita gerada por essa mesma actividade»– v.g. Saldanha Sanches e João Gama, Pro Rata revisitado: Actividade económica, Actividade Acessória e dedução do IVA na Jurisprudência do TJCE, CTF, n.º 417 Janeiro - Junho 2006, pág. 111.

V. Atendendo ao disposto no artigo 19.° da Sexta Directiva e ao art.º 23.°, n.º 1 do CIVA, o objectivo normativo é o de encontrar um modo de afastar a dedução dos custos de IVA respeitantes a atividades isentas, limitando assim o alcance da dedução adequando-a ao modo de funcionamento do sistema do IVA.

W. A jurisprudência comunitária, no Caso Polysar, C-60/90, de 20/06/1991, encontrou uma primeira solução com base na interpretação do conceito de actividade económica em termos de IVA, tendo considerado que a mera detenção de participações financeiras sem intervenção na gestão de outras empresas não constitui actividade económica, não existindo, por isso direito a qualquer dedução.

X. No caso Sofitam, C-333/91, de 22/06/1993 e, sobre o direito à dedução de uma holding mista que tinha quantificado o seu reembolso do IVA suportado sem levar em conta os dividendos que tinha recebido, o TJUE decidiu que a percepção de dividendos não entra no campo de aplicação do IVA e que, por isso os dividendos são estranhos ao sistema do direito à dedução.

Y. Seguindo o método da afectação real, deverão ser identificados os bens que são imputados às operações dos contratos de locação financeira e o imposto suportado na aquisição dos respetivos bens será totalmente dedutível.

Z. Quanto ao critério a utilizar na repartição dos custos comuns, na impossibilidade de adopção de um critério mais objectivo, poderá ser utilizada a proporcionalidade existente entre os dois tipos de operações (com e sem direito a dedução) para determinar ou estimar a afectação dos inputs aos dois tipos de operações.

AA. No cálculo da referida proporção deverá considerar-se apenas o valor que excede o valor dos custos específicos utilizados nas operações tributadas, já que, através da aplicação do método de afetação real aqueles custos são diretamente imputados e o respetivo IVA é integralmente dedutível.

BB. A não ser assim, permitir-se-á um aumento artificial da percentagem de repartição dos custos comuns, que conduzirá a um direito à dedução ilegítimo, ficando prejudicada a neutralidade que se pretende na mecânica do IVA.

CC. Face a todas as considerações que antecedem, e tal como decidido no processo C-183/13 – TJUE e reforçado pelo Acórdão fundamento, «há que responder à questão submetida que o artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um EstadoMembro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.»

DD. Em suma, entre a decisão recorrida e o Acórdão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre as mesmas questões fundamentais de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo acórdão que decida definitivamente a questão controvertida acolhendo o decidido no acórdão Fundamento.

EE. Termos em que é de concluir, também relativamente a esta matéria, dever esse Tribunal Superior acolher o entendimento perfilhado no Acórdão Fundamento.

FF. De tudo o que acima se deixou, decorre encontrar-se o acórdão recorrido em desconformidade com todos os preceitos e princípios acima referidos, não merecendo, por isso, ser mantido na ordem jurídica, devendo antes ser revogado e substituído por outro, convergente com o Acórdão Fundamento.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência:

- ser admitido, por verificados os respectivos pressupostos; E

- ser julgado procedente, nos termos e com os fundamentos acima indicados e, consequentemente, revogada a decisão arbitral recorrida, sendo substituída por outra consentânea com o quadro jurídico vigente, como é de Direito e Justiça”.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA emitiu parecer nos seguintes termos:

1.OBJETO.

Pronúncia do Tribunal Arbitral proferida no processo n.º 505//2019-T CAAD, em 03/03/2020, que julgou procedente pedido de anulação dos atos de liquidação adicional de IVA dos exercícios de 2005 e 2006, por alegada oposição com o acórdão do STA, de 15/11/2017, proferido no processo n.º 0485/17, disponível em www.dgsi.pt.

2. FUNDAMENTAÇÃO.

2.1. DA ADMISSIBILIDADE/PROSSSEGUIMENTO DO RECURSO.

São requisitos do prosseguimento do presente recurso para uniformização de jurisprudência:

-Contradição entre um acórdão do TCA ou do STA e a decisão arbitral ou entre duas decisões arbitrais;

-Trânsito em julgado do acórdão (decisão) fundamento;

-Existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito;

-Ser a orientação perfilhada no acórdão (decisão) impugnado desconforme com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2.ª edição revista, 2007, página 883, Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha// Acórdão do STA-SCA, de 2012.07.05-P. 01168/11, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt.).

Por sua vez quanto à caracterização da questão fundamental de direito:

-Deve haver identidade da questão de direito sobre a qual incidiu o acórdão (decisão) em oposição, que tem pressuposta a identidade dos respetivos pressupostos de facto;

-A oposição deverá emergir de decisões expressas, e não apenas implícitas;

-Não obsta ao reconhecimento da existência da contradição que os acórdãos (decisões) sejam proferidos na vigência de diplomas legais diversos se as normas aplicadas contiverem regulamentação essencialmente idêntica;

-As normas diversamente aplicadas podem ser substantivas ou processuais;

-Em oposição ao acórdão (decisão) recorrido podem ser invocados mais de um acórdão fundamento, desde que as questões sobre as quais existam soluções antagónicas sejam distintas (Obra citada, páginas 884/885. // Acórdão do STA, de 2012.06.06-P. 01103/09, disponível no sítio da Internet www.dgsi.pt.)

A oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida não como uma total identidade de factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais (Obra citada, página 809 e acórdão do STJ de 1995.04.26 proferido no recurso n.º 87156).

Em concordância com a entidade recorrente entendemos que se verificam os pressupostos legais para a admissão/prosseguimento do presente recurso.

Na verdade, em ambas a situações impugnante e requerente têm a natureza de sujeito passivo misto em sede IVA, exercendo atividades sujeitas a esse imposto e outras dele isentas.

Ambas as entidades são instituições de crédito abrangidas pelo RGICSF e exercem, entre outras, as atividades de leasing (locação financeira) e ALD.

Em ambos os casos foram corrigidos, no acórdão recorrido pela AT, na sequência de ação inspectiva e no acórdão fundamento pelo sujeito passivo, valores deduzidos ao longo do período fiscal, por força do pro rata definitivo determinado para o respetivo ano, uma vez que foram seguidas as instruções veiculadas pelo Ofício-Circulado n.º 30108, de 30/01/2009.

No acórdão recorrido, por força da ação inspectiva, foi proposta correcção à percentagem de dedução de IVA de 58% (2005) para 32% e de 55% (2006) para 34%.

No acórdão fundamento, o sujeito passivo apurou um montante a deduzir distinto do apurado por recurso ao pro rata provisório, tendo sido calculado um pro rata definitivo para 2010 de 24% com base no entendimento da AT exarado na instrução administrativa 30.018.

Ambos os sujeitos passivos imputam ao atos de liquidação e autoliquidação de IVA vícios de violação de lei, uma vez que, em seu entendimento, nos termos do estatuído no artigo 23.º/4 do CIVA, o pro rata de dedução deve considerar no seu cálculo o montante anual da globalidade das rendas e não apenas o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de leasing e ALD.

Todavia, perante factualidade, substancialmente, idêntica as decisões são, manifestamente, opostas.

Com efeito, enquanto no acórdão fundamento se entendeu que o decidido pelo TJUE no processo C-183/13, o artigo 23.º/2/3 do CIVA constitui a transposição do artigo 17.º/5/§ 3.º,c) da Sexta Diretiva (atual artigo 173.º/2/c) da Diretiva IVA), e que, assim sendo, os Estados Membros podem obrigar uma instituição bancária, que exerce atividades de locação financeira, a incluir no numerador e denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos contratos de locação financeira, correspondente aos juros, a decisão arbitral entendeu que o referida norma da Sexta Diretiva não foi transposta para o direito interno e, como tal, deve constar do denominador da fração a totalidade da renda (juros e capital).

Existe, pois, salvo melhor juízo, oposição entre o acórdão fundamento e a decisão arbitral recorrida.

2.2. DO MÉRITO DO RECURSO.

A questão controvertida traduz-se em saber se a AT pode corrigir o pro rata, desconsiderando o montante relativo à amortização financeira contido nas rendas.

Ressalvado o, sempre, devido respeito por opinião contrária, afigura-se ser de seguir a posição do acórdão fundamento.

Efetivamente, no âmbito do recurso n.º 01017/12, que correu termos no STA, e em que estava em causa uma situação similar à, ora, em apreciação, foi colocada a seguinte questão prejudicial ao TJUE.

“Num contrato de locação financeira, em que o cliente paga a renda sendo esta composta pela amortização financeira, juros e outros encargos, essa renda paga deve ou não entrar, na sua aceção plena, para o denominador do pro rata, ou, ao invés, devem, ser considerados unicamente os juros, pois estes, são a remuneração, o lucro que a actividade da banca obtém pelo contrato de locação?”

A esta questão prejudicial respondeu o TJUE (Processo C-183/13, de 10 de Julho de 2014) nos seguintes termos:

“O artigo 17, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c) da Sexta Directiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1077, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de envio verificar.”

O STA tem vindo a entender de forma reiterada e uniforme, que o TJUE, no acórdão referido sustenta a posição de que a norma do artigo 23.º/2/3 do CIVA reproduz, em substância, a regra de determinação do direito à dedução enunciada no artigo17.º/5/3.º parágrafo/ c) da Sexta Diretiva -atual artigo 173.º/2/ c) da DIVA- (acórdãos de 17/06/2015-P. 01874/13, 27/01/2016-P. 0331/14, de 15/11/2017-P. 0485/17 e de 09/10/2019-P. 0401/14.7BEPRT; de 27/11/2019-P. 0977/07.5BELRS 0466/15; de 04/03/2020-.07/19.4BALSB-PLENO; de 06/05/2020-P.01745/10.2BELRS, disponíveis em www.dgsi.p).

De facto, no dia seguinte à prolação do acórdão arbitral recorrido, o PLENO da SCT do STA, por acórdão de 04/03/2002 (já atrás referido) veio sufragar posição contrária à sustentada pelo tribunal arbitral.

Adere-se, pois, à jurisprudência consolidada do STA, cujo discurso fundamentador aqui se dá por reproduzido.

Não resulta do probatório e dos autos se a utilização dos bens e serviços de utilização mista é ou não, sobretudo, determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira.

Ora, a aquisição dessa matéria de facto para os autos e para a qual o STA é incompetente é essencial para, em função da jurisprudência do TJUE, aferir se a parcela das rendas dos contratos relativa à amortização do capital deve ou não constar do numerador e do denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução (Neste sentido citado acórdão do PLENO da SCT).

Termos em que se impõe anular, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 682.º do Código de Processo Civil, a decisão arbitral impugnada, para ser substituída por outra que decida após a ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito, de acordo com o que o regime jurídico, ora, sustentado.

3.CONCLUSÃO.

Deve dar-se provimento ao recurso e anular-se a decisão arbitral recorrida, a qual deve ser substituída por outra que, após ampliação da matéria de facto, aplique o regime jurídico atrás sustentado.

4 - Cumprido o estipulado no n.º 2 do artigo 92.º do CPTA, cumpre decidir em conferência no Pleno da Secção.


- Fundamentação -

5 – Questões a decidir

Importa decidir previamente da verificação dos pressupostos substantivos dos quais depende o conhecimento do mérito do presente recurso para uniformização de jurisprudência, a saber, a existência de contradição entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão invocado como fundamento relativamente à mesma questão fundamental de direito e, bem assim, a de que a decisão arbitral recorrida não se encontre em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada da Secção.

Concluindo-se no sentido da verificação daqueles requisitos, haverá então que conhecer do mérito do recurso, que consiste em saber se a decisão arbitral recorrida incorre em erro de julgamento ao considerar que a Autoridade Tributária e Aduaneira não pode impor a uma instituição de crédito que seja sujeito passivo misto em sede de IVA (ou seja, que exerce actividades sujeitas a esse imposto e outras dele isentas) que, na determinação do pro rata dedutível para efeitos do cálculo deste imposto, considere apenas os juros, excluindo da fracção a parte referente à amortização das rendas dos contratos de locação financeira e os valores de alienação / abate por destruição dos bens locados.

6 – Matéria de facto

6.1 É do seguinte teor o probatório fixado na decisão arbitral recorrida:

19. Tendo em consideração, nomeadamente, as posições assumidas pelas partes, a prova documental produzida por ambas as partes e a cópia do processo administrativo junta aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
A. Requerente é uma instituição de crédito abrangida pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (aprovado pelo Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro e sucessivas alterações).
B. Para efeitos de IVA, a Requerente esteve, até dia 2007.01.04, enquadrada no regime normal, com periodicidade mensal, desenvolvendo operações sujeitas – nas quais se incluem as relativas à Locação Financeira mobiliária [Leasing e Aluguer de Longa Duração Financeiro (doravante ALD Financeiro)] – e operações isentas – designadamente a concessão de financiamentos de crédito automóvel e ao consumo (vulgos contratos de crédito ao consumo), pelo que é um sujeito MISTO para efeitos de IVA.
C. O pedido de pronúncia arbitral incide sobre as liquidações de IVA, relativas aos anos de 2005 e 2006, no montante total de € 358.096,57 e respectivos juros compensatórios no valor de € 45.677,64.
D. As mencionadas liquidações tiveram origem nas correcções meramente aritméticas efectivadas pela Divisão de Inspecção a Bancos e Outras Instituições de Crédito (doravante Divisão de Inspecção), na sequência de uma acção inspectiva – iniciada a 2009.05.25 e concluída a 2009.10.07 – a qual teve como âmbito os exercícios de 2005 e 2006.
E. Os fundamentos dessas correcções encontram-se desenvolvidos no respectivo Relatório de Inspecção Tributária (ora em diante, Relatório), como prescreve o artigo 77.º da Lei Geral Tributária junto aos Autos, o qual foi notificado à Requerente através do ofício n.º..., datado de 2009.11.10.

F. A posição da Requerida e que está na base dos actos tributários impugnados encontra-se alicerçada no argumento de que a componente financeira correspondente à amortização do financiamento subjacente à aquisição do bem locado, não sendo uma contrapartida de uma transmissão de bem ou prestação de serviços, não tem a natureza de proveito e não pode, por isso, integrar o volume de negócios para efeitos de determinação da percentagem de dedução (i.e. para apuramento do pro rata).
G. Pelo que as liquidações adicionais objecto do litígio têm por base a consideração da Requerida de que se deverá retirar das componentes da fracção (numerador e denominador) o montante correspondente ao capital das rendas dos contratos de locação financeira (no montante de € 18.890.097,30 e de € 18.905.866,15, relativos aos exercícios de 2005 e 2006, respectivamente),
H. corrigindo a percentagem de dedução do IVA que incidiu sobre os custos comuns de 58% para 32%, no exercício de 2005, e de 55% para 34%, no exercício de 2006,
I. apurando imposto em falta no montante de € 162.905,19, para 2005, e de € 195.191,38, para 2006.
J. Por não se conformar com as correcções e, consequentemente, com as liquidações efectuadas, a Requerente impugnou as liquidações em causa, tendo deduzido o presente pedido de pronúncia arbitral.
K. A natureza das actividades desenvolvidas pela Requerente permite cindir, de forma perfeita e autónoma e com a excepção dos custos comuns, os custos e proveitos associados à actividade sujeita e à actividade isenta, pelo que a Requerente aplica o método da afectação real.
L. No que concerne aos custos suportados na aquisição de bens e serviços indistintamente utilizados a jusante em operações sujeitas com ou sem direito a dedução, os designados custos comuns, a Requerente deduziu, em virtude das operações sujeitas, com base no método do pro rata.

M. Na fórmula do cálculo do pro rata, a Requerente considerou no numerador da fracção (operações com direito à dedução), o montante correspondente à base tributável constante das declarações periódicas de IVA, incluindo, designadamente, as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira, e no denominador (operações com direito à dedução e operações isentas) adicionou ao montante determinado para o numerador o valor correspondente às operações isentas sem direito à dedução.
N. Nos exercícios em causa, o IVA suportado nos gastos comuns foi de € 626.558,44, para o exercício de 2005, e de € 929.482,75, para o exercício de 2006, tendo a Requerente deduzido nas declarações periódicas referentes a cada um dos anos em causa o imposto correspondente à aplicação de um pro rata definitivo de 58% e 55%, respectivamente, o que corresponde a € 363.403,90 em 2005 e € 511.215,51 em 2006.

6.2 Por sua vez, é do seguinte teor o probatório fixado no Acórdão fundamento:

Na sentença recorrida [referenciando-se o «interesse para a decisão» e o «cumprimento do ordenado no douto Acórdão do STA, de 03.06.2015 referido supra (Recurso n.° 970/13-30)»] julgou-se provada e não provada a factualidade seguinte:

2.1. Factos provados

1) Foi emitida, pela área de gestão tributária do IVA — gabinete do subdiretor-geral dos impostos, instrução administrativa, correspondente ao ofício n° 30.108, de 30.01.2009, da qual consta designadamente o seguinte:

“1. O ofício circulado n° 30103, de 2008.04.23, do Gabinete do Subdirector-Geral da área de Gestão do IVA, procedeu à divulgação de instruções genéricas no sentido de uniformizar a interpretação a dar às alterações introduzidas ao artigo 23° do Código do IVA (CIVA), de assegurar o correcto enquadramento das várias actividades face aos novos preceitos, de estabelecer os procedimentos a serem seguidos na determinação da dedução do imposto e, ainda, de clarificar os critérios a utilizar, quando haja recurso à afectação real na determinação do quantum do imposto a deduzir e sempre que esteja em causa bens e serviços de utilização mista.

2. De acordo com as referidas instruções e seguindo as regras do artigo 23° do CIVA, para apurar o imposto dedutível contido em bens e/ou serviços de utilização mista, aplica-se supletivamente o método da percentagem ou pro rata, excepto quando estejam em causa operações não decorrentes de uma actividade económica, caso em que é obrigatória a afectação real. Nos demais casos, a afectação real é facultativa podendo, no entanto, a Administração Tributária impor esse método de imputação quando a aplicação do pro rata conduza a distorções significativas na tributação (n° 3 art. 23°).

3. No caso de utilização da afectação real, obrigatória ou facultativa, e segundo o n° 2 do artigo 23°, o sujeito passivo para determinar o grau de afectação ou utilização dos bens e serviços à realização de operações que conferem direito a dedução ou de operações que não conferem esse direito, deve recorrer a critérios objectivos devendo, em qualquer dos casos, a determinação desses critérios objectivos ser adaptada à situação e organização concretas do sujeito passivo, à natureza das suas operações no contexto da actividade global exercida e aos bens ou serviços adquiridos para as necessidades de todas as operações, integradas ou não no conceito de actividade económica relevante.

4. Os critérios adoptados podem ser corrigidos ou alterados pela DGCI, com os devidos fundamentos de facto e de direito, ou, se for caso disso, fazer cessar a utilização do método, se se verificar a ocorrência de distorções significativas na tributação.

5. No caso específico das entidades financeiras que desenvolvem igualmente actividades de Leasing ou de ALD, a prática conjunta de operações de concessão de crédito e de locação tributada, incluindo a locação financeira, implica, quando houver bens e serviços adquiridos que sejam conjuntamente utilizados em ambas, a necessidade de recorrer às disposições do artigo 23° do CIVA para apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução.

6. Face à anterior redacção do artigo 23° do CIVA, no âmbito da aplicação do método da afectação real, sempre que não fosse viável a aplicação da afectação no cálculo do IVA dedutível relativamente a bens de utilização mista, a solução encontrada e seguida pelos Serviços como sendo a que mais se aproximava da neutralidade desejada, foi no sentido de ser aplicada uma proporção entre os dois tipos de operações, de forma a determinar, o mais aproximadamente possível, a afectação dos inputs a cada uma delas.

No entanto, não estava aqui em causa a aplicação do n° 4 do artigo 23° do IVA mas do apuramento do imposto dedutível mediante a aplicação de um pro rata específico, uma vez que previamente o método utilizado fora o da afectação real.

7. Face à actual redacção do artigo 23°, a afectação real é o método que, tendo por base critérios objectivos de imputação, mais se ajusta ao apuramento do IVA dedutível nos bens e serviços de utilização mista.

8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n° 4 do artigo 23º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do n° 2 do artigo 23° do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.

9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD.

Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do n° 4 do artigo 23° do CIVA” (cfr. fls. 165 a 167).

2) A impugnante foi constituída por escritura pública outorgada em dezembro de 1996, então com a designação B……………, SA, tendo sido indicado como objeto social a realização de operações bancárias e financeiras e prestação de serviços conexos, designadamente a concessão de crédito ao consumo e a locação financeira (cfr. fls. 175 e 176).

3) A impugnante, no exercício da sua atividade e nomeadamente em 2010, estava enquadrada no regime normal mensal de IVA e realizou operações financeiras isentas de IVA, a par de operações sujeitas a IVA, designadamente operações de locação mobiliária, consubstanciadas em celebração de contratos de locação financeira (leasing) e contratos de aluguer de veículo automóvel sem condutor (ALD financeiro), onde se prevê a possibilidade de compra do veículo pelo locatário (cfr. fls. 258 a 283).

4) No âmbito das operações de locação mencionadas em 3), designadamente em 2010, a impugnante, em alguns casos a solicitação e por indicação dos locatários, adquiriu determinados veículos, pagando integralmente o respetivo preço e entregando-os ao locatário para seu uso e fruição (cfr. fls. 258 a 283).

5) Na sequência do mencionado em 3) e 4), eram pagas à impugnante, pelos locatários, rendas, as quais englobam uma parte relativa a amortização financeira e outra parte relativa a juros e outros encargos, renda essa sujeita a IVA (cfr. fls. 258 a 283 e 286).

6) A parte da renda mencionada em 5) relativa a amortização financeira era registada na contabilidade da impugnante a crédito da conta 22.

7) A parte da renda mencionada em 5) relativa a juros era registada na contabilidade da impugnante como proveito.

8) No âmbito dos contratos de locação mencionados em 3), resolvidos por motivo de perda total do bem, os locatários pagaram à impugnante o valor correspondente ao capital em dívida, sendo emitida a correspondente fatura pela impugnante com IVA (cfr. fls. 258 a 272 e 285).

9) Na sequência da celebração dos contratos de locação mencionados em 3), resolvidos por incumprimento ou nos quais não houve transmissão da propriedade, a impugnante vendeu os veículos a diversas entidades, sendo emitida a correspondente fatura pela impugnante, com IVA (cfr. fls. 284).

10) Na concessão de crédito para estudo, viagens ou mobiliário e outras não sujeitas a IVA a impugnante não liquidou IVA, liquidando o Imposto do Selo na parte relativa aos juros (cfr. fls. 288 e 289).

11) Durante o ano de 2010 a impugnante apurou um volume de faturação, relativo a leasing e ALD financeiro no valor de 264.684.163,31 Eur. (cfr. fls. 163).

12) Durante o ano de 2010 a impugnante apurou um volume de faturação, relativo a concessão de crédito no valor de 84.914.092,66 Eur. (cfr. fls. 163).

13) Durante o ano de 2010, a impugnante suportou custos, em relação aos quais não conseguiu determinar especificamente a que operações, das mencionadas em 3), respeitavam.

14) Durante o ano de 2010, a impugnante utilizou dois métodos para cálculo do IVA dedutível:

a) Afetação real, relativo à atividade de locação financeira e à atividade isenta de IVA, quanto aos custos nos quais foi possível estabelecer um nexo direto e imediato;

b) Pro rata específico, relativo aos custos comuns à atividade tributada e à atividade isenta, mencionados em 13) (cfr. fls. 163).

15) Durante o ano de 2010, a impugnante utilizou, nas declarações periódicas de IVA relativas aos meses compreendidos entre janeiro e novembro, um pro rata provisório de 69% (cfr. declarações periódicas constantes de fls. 129 a 162 e 210 a 219).

16) O pro rata provisório mencionado em a incluiu, nos respetivos numerador e denominador, entre outros os valores mencionados em 5), 8) e 9).

17) A impugnante calculou um pro rata definitivo para 2010 de 24%, com base em entendimento da AT mencionado na instrução administrativa referida em a), calculado considerando no numerador o valor de 25.826.262,96 Eur. e no denominador o valor de 110.740.355,62 Eur. (cfr. mapa de cálculo constante de fls. 163).

18) Na sequência do referido em 17), a impugnante apresentou declaração de periódica de IVA relativa ao mês de dezembro de 2010, considerando os métodos mencionados em 14) e o valor do pro rata mencionado em 17), na qual declarou os seguintes valores:

a) Campo 61: 943.442,32 Eur.;

b) Campo 94: 1.632.562,74 Eur. (fls. 206 e 207).


2.2. Quanto a factos não provados, exarou-se o seguinte:

«Com interesse para a decisão e em cumprimento do ordenado no douto Acórdão do STA, de 03.06.2015 referido supra (Recurso n° 970/13-30), considera-se não provado o seguinte facto:

A) Os custos mencionados em 13) respeitam em parte à disponibilização, por parte da impugnante, dos veículos objeto dos contratos de locação referidos entre 3) e 5).

Não existem outros factos, provados ou não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.»”.

7 – Decidindo

7.1 Da verificação dos pressupostos substantivos do recurso

Dispõe o n.º 2 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária - RJAT), ao abrigo do qual foi o presente recurso interposto, que: A decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.

Por sua vez, dispõe o n.º 3 do mesmo preceito legal que: Ao recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral.

Importa, pois, em primeiro lugar, apreciar se existe oposição entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão deste STA invocado como fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito e, após – caso seja de reconhecer a existência de tal oposição –, verificar se a orientação perfilhada na decisão arbitral recorrida está ou não de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada deste STA, pois que apenas no caso de o não estar haverá que admitir o recurso, ex vi do n.º 3 do artigo 152.º do CPTA (aplicável por remissão do n.º 3 do artigo 25.º do RJAT).

Como se deixou consignado no acórdão do Pleno desta secção do STA de 4 de Junho de 2014, rec. n.º 01763/13, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão fundamento é exigível “que se trate do mesmo fundamento de direito, que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica e que se tenha perfilhado solução oposta nos dois arestos: o que, como parece óbvio, pressupõe a identidade de situações de facto, já que sem ela não tem sentido a discussão dos referidos pressupostos. Sendo que a oposição também deverá decorrer de decisões expressas, que não apenas implícitas. (Cfr., neste sentido, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, de 25/3/2009, rec. nº 598/08 e do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, de 22/10/2009, rec. nº 557/08; bem como Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª ed., Coimbra, Almedina, 2010, pp. 1004 e ss.; e Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Vol. IV, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 44 ao art. 279º pp. 400/403.)”.

Portanto, para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão fundamento devem adoptar-se os critérios já firmados por este STA, quais sejam:

- Identidade da questão de direito sobre que recaíram as decisões em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;

- Que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica;

- Que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;

- A oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

Vejamos.

Alega a recorrente que “entre o acórdão recorrido e o Acórdão Fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto”, posição secundada pelo Ministério Público junto deste STA no seu parecer supra transcrito e com a qual inteiramente concordamos pois que, compulsado o probatório fixado nos presentes autos e o probatório fixado no Acórdão Fundamento, verificamos que as situações de facto subjacentes aos dois arestos são substancialmente idênticas.

Com efeito, tanto no caso subjacente à decisão arbitral recorrida como no caso subjacente ao Acórdão Fundamento estamos perante sujeitos passivos que são instituições de crédito abrangidas pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras - in casu, Bancos - que exercem, entre outras, as actividades de leasing (locação financeira) e de aluguer de longa duração (ALD).

Em ambos os casos estamos perante sujeitos passivos mistos, que exercem actividades sujeitas a esse imposto e outras dele isentas.

Em ambos os casos foram corrigidos - no acórdão recorrido pela AT, na sequência de ação inspectiva e no acórdão fundamento pelo sujeito passivo, mas sem que daí advenha qualquer consequência ou condicionante para a decisão da questão -, valores deduzidos ao longo do período fiscal, por força do pro rata definitivo determinado para o respetivo ano, uma vez que foram seguidas as instruções veiculadas pelo Ofício- Circulado n.º 30108, de 30/01/2009.

Ambos os sujeitos passivos imputam ao atos de liquidação e autoliquidação de IVA vícios de violação de lei, uma vez que, em seu entendimento, nos termos do estatuído no artigo 23.º/4 do CIVA, o pro rata de dedução deve considerar no seu cálculo o montante anual da globalidade das rendas e não apenas o montante correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de leasing e ALD.

Sendo as hipóteses fácticas subsumíveis ao mesmo quadro substancial de regulamentação jurídica, os dois arestos divergem, contudo, quanto às soluções jurídicas propugnadas. A questão fundamental de direito num e noutro aresto era a mesma – a de saber se a Autoridade Tributária e Aduaneira pode impor a uma Instituição de Crédito que seja Sujeito Passivo misto em sede de IVA que, na determinação do pro rata dedutível para efeitos do cálculo deste imposto, considere apenas os juros, excluindo da fracção a parte referente à amortização das rendas dos contratos de locação financeira e os valores de alienação / abate por destruição dos bens locados –, tendo sido objecto de decisões expressas opostas num e noutro caso.

No Acórdão Fundamento entendeu-se, na senda do Processo C-183/13 decidido pelo TJUE a 10 de Julho de 2014, que o artigo 17°, n° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977 “não se opõe a que um Estado-membro obrigue um banco que efectue, concomitantemente com a respectiva actividade geral bancária, operações de locação financeira, a incluir na fracção destinada ao apuramento do montante relativo ao direito à dedução dos bens e serviços de utilização mista” apenas “a dita parte componente dos juros incluídos nas rendas de contratos de locação financeira, quando a utilização daqueles bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão destes contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos” (incumbindo “ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é efectivamente esse o caso”).

Já na decisão arbitral recorrida se entendeu, em conformidade com outras decisões arbitrais, que apesar de se poder admitir, à luz da Jurisprudência europeia que a Directiva IVA permitia ao legislador nacional “obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços”, a verdade é que o legislador interno não transpôs para o direito nacional essa prerrogativa, “pelo que não pode a mesma ser aplicada internamente por ausência de base legal”. Como tal, “a faculdade concedida à Autoridade Tributária pelo n.º 3 do artigo 23.º não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução que, assim, só pode ser utilizada nas situações em que está prevista directamente na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º, e este método é o que consta do n.º 4, do mesmo artigo”.

Há, pois, entre a decisão sufragada na decisão arbitral recorrida e a decisão sufragada no Acórdão fundamento oposição relativamente à mesma questão fundamental de direito, o que permite dar como verificada a divergência das decisões que justificam a prossecução do presente recurso para conhecimento do respectivo mérito, pois que a decisão arbitral recorrida se apresenta desconforme à jurisprudência mais recentemente consolidada deste STA sobre a questão – Acórdãos do Pleno deste STA de 4 de Março de 2010, processos n.ºs 7/19.0BALSB e 52/19.0BALSB e de 30 de Setembro de 2020, processo n.º 95/19.3BALSB.

7.2 Do mérito do recurso

A questão objecto do presente recurso consiste em saber se a decisão arbitral recorrida padece de erro de julgamento ao considerar que a Autoridade Tributária e Aduaneira não pode impor a uma instituição de crédito que seja sujeito passivo misto em sede de IVA (ou seja, que exerce actividades sujeitas a esse imposto e outras dele isentas) que, na determinação do pro rata dedutível para efeitos do cálculo deste imposto, considere apenas os juros, excluindo da fracção a parte referente à amortização das rendas dos contratos de locação financeira.

Ora, esta questão foi já objecto de decisão em três decisões recentes do Pleno desta Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, em sentido que aqui se reitera e para as quais remetemos. Referimo-nos aos acórdãos de 4 de Março de 2020 (proc. 052/19.0BALSB e 07/19.4BALSB) e de 30 de Setembro de 2020 (proc. n.º 95/19.3BALSB), cujos textos estão integralmente disponíveis em www.dgsi.pt, pelo que nos limitamos a transcrever os respectivos sumários:

«I – O recurso para o STA de decisão arbitral pressupõe que se verifique, entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão invocado como fundamento, oposição quanto a uma mesma questão fundamental de direito (cfr. o n.º 2 do artigo 25.º RJAT).

II – Por Acórdão de 10.07.2014 proferido no processo C-183/13, o TJUE considerou que os Estados-Membros podem obrigar um banco que exerce actividades de locação financeira a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

III - Em face da interpretação fornecida pelo Tribunal de Justiça sobre a questão, cuja doutrina é inteiramente aplicável ao caso em apreço, deve ser considerada a necessidade de apurar se nas operações de locação financeira para o sector automóvel que podem implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, essa utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos».

Em face do exposto, será provido o recurso, anulando-se a decisão arbitral recorrida e determinando-se a baixa dos autos ao tribunal arbitral para que profira nova decisão em conformidade com o presente julgado, após ampliação do probatório fixado.


- Decisão -

8 - Em face do exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam em tomar conhecimento do mérito do recurso e, concedendo-lhe provimento, anular a decisão arbitral recorrida, que deve ser substituída por outra que decida, após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito nos termos acima apontados.

Custas pela recorrida, sem taxa de justiça devida pelo impulso processual, pois não contra-alegou no recurso, e com dispensa do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso ao abrigo do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, atendendo ao carácter remissivo da presente decisão, o que a torna de “complexidade inferior à comum”.

Comunique-se ao CAAD.

Lisboa, 4 de Novembro de 2020. - Isabel Cristina Mota Marques da Silva (relatora) – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Paulo José Rodrigues Antunes - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (vencido, nos termos da declaração de voto junta) - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro (vencida, de acordo com a declaração de voto do Conselheiro Aníbal Ferraz).

Vencido.

Entendo que entre a decisão (arbitral) recorrida e o acórdão fundamento, as situações de facto subjacentes não são idênticas, sem prejuízo dos pontos de contacto identificados neste aresto.

Na verdade, diferentemente, sem paralelo na primeira, o acórdão (fundamento) do STA laborou (Proferido em 15 de novembro de 2017 (0485/17).), além do mais, sobre a seguinte factualidade, que considero relevante: «

(…).

8) No âmbito dos contratos de locação mencionados em 3), resolvidos por motivo de perda total do bem, os locatários pagaram à impugnante o valor correspondente ao capital em dívida, sendo emitida a correspondente fatura pela impugnante com IVA (cfr. fls. 258 a 272 e 285).

9) Na sequência da celebração dos contratos de locação mencionados em 3), resolvidos por incumprimento ou nos quais não houve transmissão da propriedade, a impugnante vendeu os veículos a diversas entidades, sendo emitida a correspondente fatura pela impugnante, com IVA (cfr. fls. 284).

(…).

11) Durante o ano de 2010 a impugnante apurou um volume de faturação, relativo a leasing e ALD financeiro no valor de 264.684.163,31 Eur. (cfr. fls. 163).

(…).

13) Durante o ano de 2010, a impugnante suportou custos, em relação aos quais não conseguiu determinar especificamente a que operações, das mencionadas em 3), respeitavam.

14) Durante o ano de 2010, a impugnante utilizou dois métodos para cálculo do IVA dedutível:

a) Afetação real, relativo à atividade de locação financeira e à atividade isenta de IVA, quanto aos custos nos quais foi possível estabelecer um nexo direto e imediato;

b) Pro rata específico, relativo aos custos comuns à atividade tributada e à atividade isenta, mencionados em 13) (cfr. fls. 163).

15) Durante o ano de 2010, a impugnante utilizou, nas declarações periódicas de IVA relativas aos meses compreendidos entre janeiro e novembro, um pro rata provisório de 69% (cfr. declarações periódicas constantes de fls. 129 a 162 e 210 a 219).

16) O pro rata provisório mencionado em a incluiu, nos respetivos numerador e denominador, entre outros os valores mencionados em 5), 8) e 9).

17) A impugnante calculou um pro rata definitivo para 2010 de 24%, com base em entendimento da AT mencionado na instrução administrativa referida em a), calculado considerando no numerador o valor de 25.826.262,96 Eur. e no denominador o valor de 110.740.355,62 Eur. (cfr. mapa de cálculo constante de fls. 163).

18) Na sequência do referido em 17), a impugnante apresentou declaração de periódica de IVA relativa ao mês de dezembro de 2010, considerando os métodos mencionados em 14) e o valor do pro rata mencionado em 17), na qual declarou os seguintes valores:

a) Campo 61: 943.442,32 Eur.;

b) Campo 94: 1.632.562,74 Eur. (fls. 206 e 207).

2.2. Quanto a factos não provados, exarou-se o seguinte:

«Com interesse para a decisão e em cumprimento do ordenado no douto Acórdão do STA, de 03.06.2015 referido supra (Recurso n° 970/13-30), considera-se não provado o seguinte facto:
A) Os custos mencionados em 13) respeitam em parte à disponibilização, por parte da impugnante, dos veículos objeto dos contratos de locação referidos entre 3) e 5). »

Assim, com relevância, na minha perspetiva, no acórdão fundamento, a mais, em sede factual, foi considerado que, no ano de 2010, a impugnante, além do método de afetação real, utilizou um pro rata específico, onde incluiu, nos respetivos numerador e denominador, entre outros, os valores pagos, pelos locatários, correspondentes ao capital em dívida, nos contratos resolvidos por perda total do bem, bem como, nos resolvidos por incumprimento ou nos quais não houve transmissão da propriedade, em que a impugnante vendeu os veículos a diversas entidades, emitindo a correspondente fatura.

Por fim, de forma que julgo determinante, a solução inscrita, no acórdão fundamento, segundo a formulação deste aresto (« (…) entendeu-se, na senda do Processo C-183/13 decidido pelo TJUE a 10 de Julho de 2014, que o artigo 17°, n° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977 “não se opõe a que um Estado-membro obrigue um banco que efectue, concomitantemente com a respectiva actividade geral bancária, operações de locação financeira, a incluir na fracção destinada ao apuramento do montante relativo ao direito à dedução dos bens e serviços de utilização mista” apenas “a dita parte componente dos juros incluídos nas rendas de contratos de locação financeira, quando a utilização daqueles bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão destes contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos” (incumbindo “ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se é efectivamente esse o caso”). »), decorre, objetiva e consequentemente, da circunstância de, na sentença visada por ele, ter sido julgado não provado que os custos, suportados pela, aí, impugnante, em relação aos quais esta não conseguiu determinar a que operações respeitavam, dissessem respeito à disponibilização dos veículos objeto dos contratos de locação. E para melhor se perceber este apontamento, não podemos olvidar que a sentença confirmada pelo acórdão fundamento, foi proferida em cumprimento do determinado em anterior acórdão do STA (datado de 3 de junho de 2015 - proc. 970/13-30): «…, ordenou a devolução dos presentes autos ao tribunal a quo para ampliação da matéria de facto, no sentido de apurar se, no caso concreto, no âmbito de operações de locação financeira para o sector automóvel, a utilização de bens e serviços de utilização mista (afectos a actividades que conferem direito a dedução de IVA e a actividades isentas) foi, ou não, principalmente determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira que a recorrente celebrou com os seus clientes ou pela disponibilização dos veículos. »
Nesta conformidade, porque os pressupostos de facto, versados nas duas decisões em apreço, não incorporam a substancial semelhança exigida para se afirmar verificada a oposição entre elas, decidiria não tomar conhecimento do mérito deste recurso, para uniformização de jurisprudência.


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[ Redigi em meio informático e revi ]

Lisboa, 4 de novembro de 2020

Aníbal Ferraz