Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0116/18.7BALSB
Data do Acordão:05/08/2019
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:DULCE NETO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24498
Nº do Documento:SAP201905080116/18
Data de Entrada:02/07/2018
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............ LDA
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. A Senhora Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira dirigiu ao Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no artigo 25º, nºs 2, 3 e 4, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Dec. Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro, recurso da decisão arbitral proferida no processo nº 302/2017-T do Centro de Arbitragem Administrativa, através da qual foi julgado procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela sociedade A…………, Lda., anulado acto de liquidação de Imposto de Selo referente ao exercício de 2014, no montante de € 32.345,44, e condenada a Entidade Requerida a devolver as quantias pagas acrescidas de juros indemnizatórios contados desde a data do respectivo pagamento.

1.1. Invocou, para o efeito, a oposição da decisão arbitral com o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 28/01/2015, no processo nº 0722/14, tendo rematado as alegações de recurso com o seguinte quadro conclusivo:
A. O presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência tem como objecto a decisão arbitral proferida no processo nº 302/2017-T, em 20-12-2017, por Tribunal Arbitral em matéria tributária constituído, sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), na sequência de pedido de pronúncia arbitral apresentado ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro.
B. A decisão arbitral recorrida colide frontalmente com a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo em diversos e reiterados acórdãos, mormente no Acórdão proferido no âmbito do processo nº 0722/14, datado de 28-01-2015, já transitado em julgado, no segmento decisório respeitante à condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.
C. A decisão arbitral recorrida incorreu em erro de julgamento, quando enquadrou o pedido de pagamento de juros indemnizatórios no nº 1 do artigo 43º da LGT, contrariando a jurisprudência reiterada do STA.
D. Laborando neste erro, decidiu o Tribunal Arbitral, em contradição total com o Acórdão fundamento (entre outros), condenar a AT a pagar à Requerente juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento, quando a alínea c) do nº 3 do artigo 43º da LGT determina que nas situações, como a dos autos, de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte (ainda que posteriormente seja deduzida impugnação judicial), são devidos juros indemnizatórios apenas a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão, prazo que se completou em 3/10/2017.
E. No Acórdão fundamento (também) estava em causa «a extensão temporal dos juros indemnizatórios devidos em caso de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte (art.º 43º nº 3 al. c) LGT)», tendo esse douto STA decidido que «Pelo exposto, se declara que os juros indemnizatórios a que as impugnantes têm direito neste processo são apenas devidos a partir de um ano após o pedido de revisão por elas formulado» (evidenciado nosso).
F. Demonstrada está, assim, uma evidente contradição entra a decisão recorrida e o Acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito (que se prende com o pagamento de juros indemnizatórios nas situações de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte) que importa dirimir, mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação do segmento decisório contestado, com substituição por nova decisão que apenas reconheça à Requerente o direito a juros indemnizatórios sobre as quantias pagas, a partir do decurso do prazo de um ano a contar da data do pedido da sua revisão oficiosa, apresentada em 3 de outubro de 2016 (nº 6 do artigo 152º do CPTA), na senda da jurisprudência reiterada do STA.
G. A infracção a que se refere o nº 2 do artigo 152º do CPTA consiste num manifesto erro de julgamento expresso na decisão recorrida, na medida em que a Decisão Arbitral viola o disposto na alínea c) do nº 3 do artigo 43º da LGT, o qual determina que nas situações de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte são devidos juros indemnizatórios apenas a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão.
H. Ora, o pedido de revisão oficiosa que constituiu objecto da acção arbitral foi apresentado no dia 3/10/2016, sendo a decisão arbitral que anulou a liquidação em crise proferida no dia 20/12/2017, sendo, pois, devidos juros indemnizatórios a partir do prazo de um ano previsto na alínea c) do nº 3 do artigo 43º da LGT, e não a partir do pagamento das quantias, ao contrário do que decidiu a decisão arbitral recorrida.
I. Por tudo o exposto, resta concluir que a Decisão recorrida incorreu em erro de julgamento por violação das normas legais aplicáveis, bem como se encontra em manifesta oposição quanto à mesma questão fundamental de direito com a jurisprudência firmada pelo STA no Acórdão fundamento, devendo ser substituída por nova Decisão que condene a AT no pagamento de juros indemnizatórios sobre as quantias pagas apenas a partir do decurso do prazo de um ano a contar do pedido de revisão oficiosa formulado.
Termos em que deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser aceite e posteriormente julgado procedente, por provado, sendo, em consequência, nos termos e com os fundamentos acima indicados revogada a decisão arbitral recorrida e substituída por decisão consentânea com o quadro jurídico vigente.

1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.3. O Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido de que recurso devia merecer provimento, por ser «manifesto que se verificam os pressupostos de admissão/prosseguimento do presente recurso para uniformização de jurisprudência», «já que em ambas as decisões foi julgado procedente pedido de anulação de ato tácito de indeferimento de pedido revisão oficiosa, a pedido do contribuinte, de liquidações de imposto do selo e anuladas as respetivas liquidações, sendo certo que, julgado verificado o erro imputável aos serviços, foi a AT condenada a pagar juros indemnizatórios ao contribuinte. Todavia, enquanto na decisão recorrida foi decidido que os juros são devidos desde a data do pagamento indevido do tributo na decisão fundamento foi decidido que os juros só são devidos decorrido um ano após o pedido de revisão, uma vez que o atraso é imputável à AT», defendendo, quanto ao mérito do recurso, que fosse seguida a posição acolhida no acórdão fundamento. Razão por que, após desenvolvida argumentação, conclui no sentido de que deve «anular-se a decisão recorrida no segmento sindicado, determinando-se que os juros indemnizatórios apenas são devidos após o decurso de um ano após formulação do pedido de revisão».

1.4. Colhidos os vistos legais dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre apreciar e decidir em conferência do Pleno da Secção.

2. Perante o disposto no artigo 25º do Dec. Lei nº 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária), a decisão proferida na sequência de pedido de pronúncia arbitral é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo (nº 2), sendo aplicável a tal recurso, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152º do CPTA (nº 3).

Razão por que importa, desde logo, apreciar se existe contradição entre o acórdão arbitral recorrido e o acórdão fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito.

2.1. O acórdão fundamento foi proferido em recurso de sentença anulatória proferida no âmbito de processo de impugnação judicial instaurado na sequência de indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa de actos de liquidação de Imposto de Selo, sentença que condenara a Administração Tributária ao pagamento de juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento do imposto até à data da emissão das notas de crédito, nos termos definidos pelo artigo 61º, nº 3, do CPPT. Nele decidiu-se revogar a sentença no segmento em que condenara a Administração a pagar esses juros desde a data dos pagamentos indevidos, no entendimento de que eles só eram devidos a partir do decurso de um ano sobre a data do pedido de revisão, nos termos do disposto no artigo 43º, nº 3, alínea c), da LGT.
Por seu turno, a decisão arbitral recorrida foi proferida no âmbito de pedido de pronúncia arbitral deduzido na sequência de indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação de Imposto de Selo, tendo o tribunal arbitral anulado a liquidação e condenado a Administração Tributária a pagar juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento do imposto, no entendimento de que «Enfermando de ilegalidade, por erro imputável à AT, a liquidação de Imposto de Selo, são devidos juros indemnizatórios desde a data do pagamento por parte da AT, nos termos dos artigos 43.º da LGT e 61.º n.º 2 do CPPT.».
É, pois, manifesto que em face de quadros factuais substancialmente idênticos e envolvidos no mesmo panorama jurídico, os arestos em confronto ditaram soluções divergentes quanto ao regime do termo inicial da contagem dos juros indemnizatórios, verificando-se a invocada contradição sobre a mesma questão fundamental de direito.
Razão por que se passará, de imediato, ao conhecimento do objecto do recurso.

2.2. A questão fundamental de direito que opõe a decisão arbitral recorrida ao acórdão do fundamento consiste em saber se os juros indemnizatórios, a fixar na sequência de anulação judicial de acto de liquidação precedida de pedido de revisão por iniciativa do contribuinte, devem ser contados a partir da data do pagamento do imposto indevidamente liquidado, ou devem ser contados após o decurso do prazo de um ano sobre o pedido de revisão formulado.

A questão não é nova e já foi por diversas vezes analisada e decidida pelo STA no sentido de que tais juros só são devidos após o decurso do prazo de um ano contado da data de apresentação do pedido de revisão - acórdãos desta Secção de 24/05/06, no proc. nº 01155/05, de 2/11/2006, no proc. nº 0604/06, de 15/02/2007, no proc. nº 01041/06, de 10/05/2017, no proc. nº 01159/14, e de 6/12/2017, no proc. nº 0926/17, e acórdãos do Pleno de 23/05/2018, no proc. nº 01201/17, e de 27/02/2019, no proc. nº 022/18.
Sufragamos, sem reservas, esta orientação jurisprudencial, que actualmente se encontra consolidada no Supremo Tribunal Administrativo face aos mencionados acórdãos do Pleno, razão por que iremos transcrever o que a este propósito é salientado naquele seu último aresto.
«A leitura do disposto no artº 61.º, n.º 1 do Código de Processo e Procedimento Tributário permite concluir que dirigindo-se ele à entidade administrativa lhe confere poder/dever de reconhecer o direito a juros indemnizatórios em benefício do contribuinte em diversas situações sendo que, tratando-se de entidade a quem compete decidir o pedido de revisão do acto tributário a pedido do contribuinte, situação destes autos, tal entidade apenas pode reconhecer esse direito se não for cumprido o prazo legal de revisão do acto tributário. O mesmo é dizer que se tal decisão for proferida dentro do prazo legal não tem a entidade administrativa competência para reconhecer o direito a juros indemnizatórios.
Além do referido normativo dispõe ainda a Lei Geral Tributária, art.º 43.º n.º 3 que: «São também devidos juros indemnizatórios quando a revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte se efectuar mais de um ano após o pedido deste, salvo se o atraso não for imputável à administração tributária».
Como se concluiu no acórdão fundamento, e foi reafirmado no acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 01201/17 em 23/05/2018, também a situação dos autos é enquadrável no nº 3, al. c) do art.º 43º da Lei Geral Tributária porque o contribuinte, podendo ter obtido anteriormente a anulação do acto de liquidação praticado em 2012 e 2013, nada fez, desinteressando-se temporariamente da recuperação do seu dinheiro, até que em 28 de Setembro de 2016, apresentou um pedido de revisão oficiosa do acto tributário.
Entre 2012 e 2016 decorre um extenso período em que a reposição da legalidade poderia ter sido provocada por iniciativa do contribuinte que a não desenvolveu, o que justifica que o direito a juros indemnizatórios haja de ter uma extensão mais reduzida por contraposição à situação em que o contribuinte suscita a questão da ilegalidade do acto de liquidação imediatamente após o desembolso da quantia em questão, nomeadamente nos três meses seguintes ao termo do prazo de pagamento voluntário usando o processo de impugnação do acto de liquidação.
O legislador considera que o prazo de um ano é o prazo razoável para a Administração decidir o pedido de revisão e executar a respectiva decisão, quando favorável ao contribuinte, afastando-se da indemnização total dos danos a partir do momento em que surgiram na esfera patrimonial do contribuinte.
Impondo a lei constitucional ao Estado a obrigação de reparar os danos causados pelos seus actos ilegais, tem vindo a lei ordinária a estabelecer limites a essa reparação, sejam os decorrentes da valorização da maior ou menor diligência do lesado, seja do tempo que faculta para a Administração Tributária decidir.
A decisão arbitral recorrida atribuiu a indemnização a partir da ocorrência do evento danoso, sendo que face às normas de direito tributário vigente tal indemnização não tem assento legal, pelo menos sob a égide do processo de impugnação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação.».
É certo que o contribuinte se viu forçado a recorrer ao tribunal arbitral em virtude de os serviços da Administração não terem procedido à solicitada revisão do acto de liquidação ilegal, e que isso constitui uma circunstância que tem sido esgrimida para afastar a aplicação da alínea c) do nº 3 do art.º 43º da LGT.
Todavia, importa não esquecer que o princípio da igualdade impõe um tratamento semelhante entre os contribuintes cujos pedidos de revisão obtêm êxito (para além do prazo de um ano) junto da Administração, e os contribuintes que obtêm idêntico resultado (também para além desse prazo) junto do Tribunal. Em qualquer dos casos, a demora de mais de um ano é imputável à Administração e deriva da prática de acto ilegal: ou porque tardou a dar razão ao contribuinte ou porque não lha deu e veio a revelar-se que o devia ter feito. Nestes casos, o direito de indemnização deriva da prática de acto ilegal e não do incumprimento de um prazo procedimental para os serviços decidirem favoravelmente a pretensão do contribuinte, já que o prazo de um ano fixado nesse normativo nem sequer coincide com o prazo de quatro meses que a LGT fixa para a emissão de decisão (art.º 57º, nº 1).

No caso vertente, o imposto foi liquidado em 20/03/2015 e pago em 30/10/2015 e 30/11/2015. Todavia, o pedido de revisão da liquidação só foi apresentado em 28/09/2016 [cfr. alínea e) do probatório da decisão recorrida] e, nesta circunstância, os juros só podem ser contados a partir de um ano depois, isto é, a partir de 29/09/2017.
Assim sendo, não pode deixar de ser revogada a vertente da decisão arbitral que fixou o termo inicial dos juros indemnizatórios nas datas do pagamento do imposto, e de julgar que esse termo inicial só ocorreu em 29/09/2017, nesta medida se concedendo provimento ao recurso.

3. Pelo exposto, acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, anular a decisão arbitral no segmento em que julgou serem devidos juros indemnizatórios desde a data do pagamento do imposto, declarando que tais juros são devidos apenas a partir de um ano após o pedido de revisão formulado.
Custas pela Recorrida, ainda que sem taxa de justiça uma vez que não contra-alegou.

Comunique-se ao CAAD.

Lisboa, 8 de Maio de 2019. - Dulce Manuel da Conceição Neto (Relatora) - António José Pimpão - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (art. 8°, 3 do CC) - Joaquim Casimiro Gonçalves - José da Ascensão Nunes Lopes - Ana Paula da Fonseca Lobo - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.