Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0825/18.0BELRA
Data do Acordão:07/24/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ASCENSÃO LOPES
Descritores:DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA
PROVA DOCUMENTAL
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário:I - A lei é clara na exigência que formula de que o pedido de dispensa de prestação de garantia, a dirigir ao órgão de execução fiscal, seja instruído com a prova documental necessária (cfr. o n.º 3 do artigo 170.º do CPPT), norma esta que não devendo ser interpretada, sob pena de inconstitucionalidade, como uma restrição probatória, obriga a que, salvo casos excepcionais e devidamente justificados, os documentos indicados pelos requerentes para prova dos factos constitutivos do direito à dispensa da prestação de garantia sejam desde logo juntos ao requerimento em que é solicitada a dispensa.
II - O artigo 737.º do CPC não se aplica às pessoas colectivas, atenta a natureza dos interesses em causa, devendo estas situações enquadrar-se no âmbito do risco empresarial, pois que numa empresa seria sempre fácil invocar e demonstrar em relação a praticamente todos os seus bens a sua imprescindibilidade ou como instrumentos de trabalho ou como objectos indispensáveis ao exercício da actividade, pelo que a aplicação desta norma às pessoas colectivas inviabilizaria, na prática, a penhora de todos ou de grande parte dos seus bens, pondo-se assim, em causa, a garantia comum dos seus credores com enormes prejuízos para o comércio jurídico.
Nº Convencional:JSTA000P24829
Nº do Documento:SA2201907240825/18
Data de Entrada:11/23/2018
Recorrente:A....., LDA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – RELATÓRIO
A……… LDA, com os sinais dos autos, vem recorrer para este Supremo Tribunal da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou improcedente a reclamação apresentada contra o ato do órgão de execução fiscal que indeferiu o pedido de dispensa parcial de prestação de garantia, no âmbito da execução fiscal nº 1457201601008447, por dívidas de IRC e juros compensatórios dos anos de 2011, 2012 e 2013.

Inconformada com o assim decidido, apresentou as respectivas alegações que resumiu nas seguintes conclusões:
«A) - Atento o facto provado no ponto 2. do probatório, verifica-se que a recorrente indicou para efeitos de garantia os bens do ativo imobilizado, não o fazendo quanto aos bens do inventário e justificando que em caso de oneração das embarcações detidas para venda não poderá manter a sua atividade, pois não conseguirá comercializar bens onerados.
B) – A douta sentença incorre em erro de análise, confundindo património e inventário, sendo entendimento da decisão recorrida de que são oneráveis para efeitos de garantia as mercadorias detidas para venda (ou seja, o inventário).
C) – Tal solução implicaria que toda a mercadoria da Recorrente (até perfazer o montante da garantia) estivesse na disponibilidade do credor hipotecário, sempre que houvesse uma proposta de venda, o que na realidade constrange efetivamente a atividade regular da recorrente.
D) – Com efeito, decorre das regras de experiência comum que não é normal, nem usualmente praticado, em qualquer atividade comercial, a venda de bens onerados.
E) – Logo, a afirmação contida na sentença recorrida de que a ora recorrente não demonstrou como é que a constituição de garantia sobre a mercadoria a impediria de continuar a exercer a sua atividade, é infundada e não corresponde a um juízo de senso comum assente na realidade comercial da empresa.
F) – Não é verdade que a recorrente se dedique a outras atividades para além da venda das embarcações, e como este facto não foi levado a probatório, o douto Tribunal “a quo” não poderia assentar a sua convicção em factos não provados ou não admitidos por acordo.
G) – A afirmação contida na douta sentença recorrida de que a oneração das mercadorias não impede que a recorrente desenvolva a atividade a que se dedica é um juízo meramente teórico, sem aderência à prática e atividade empresarial, e da própria realidade procedimental da AT.
H) – De facto, em teoria, nada impede a oneração de barcos detidos para venda, mas ao fazê-lo a recorrente sabe que dificilmente conseguirá vender os bens em condições normais de negócio, o que é também percetível para uma pessoa média, colocada perante os factos e a realidade concreta.
I) – Porém, na prática comercial, o expectável e habitual é que, perante essa informação prestada a possível comprador, o interessado desistiria do negócio.
J) – Mas, admitindo que, não ocorria desistência imediata por parte do interessado, e sendo pedido ao credor hipotecário autorização para venda ou substituição, esbarramos no que são os procedimentos da AT no que toca a demora na apreciação e decisão na avaliação e substituição de garantias, que não é compatível com as intenções ou decisões comerciais dos clientes.
L) – Acresce que, perante informação prestada a potenciais compradores da existência de ónus sobre a mercadoria, os termos negociais alterar-se-iam com séria probabilidade de o comprador, sabedor da existência de dívidas fiscais, ficaria numa posição de vantagem económica que poderia usar para forçar a redução de preço.
M) – Ademais, é expectável que a AT/OEF condicionasse a libertação da garantia mediante a entrega do preço, o que também ocasionaria graves dificuldades económicas para a recorrente, porque a recorrente seria forçada a pagar a dívida exequenda ao credor hipotecário, quando a dívida em causa é suscetível de ser apenas garantida face à existência de processo contencioso.
N) – Por outro lado, ainda que o produto da venda ficasse constituído em garantia, implicaria de igual forma constrangimentos económicos e financeiros graves à recorrente, pois é através do produto das suas vendas que a recorrente adquire nova mercadoria e paga aos seus demais fornecedores, donde sem a disponibilidade do produto das vendas a recorrente enfrentaria prejuízos graves e incalculáveis.
O) – Assim, resulta das constatações da experiência comum e do ponto de vista do homem mediano, que se impunha um juízo que considerasse demonstrado que a oneração de mercadoria detida para venda é incompatível com a atividade de venda de barcos a que se dedica a recorrente e causa-lhe, por isso, prejuízo grave e irreparável.
P) – Conclui-se assim, que a solução preconizada pela douta sentença recorrida embora no plano teórico seja aplicável, é, na verdade, e na prática, impeditiva da continuação regular da atividade comercial da recorrente.
Q) – A douta decisão recorrida incorre em errónea de análise e conclusão, no que toca ao prejuízo irreparável que constitui a oneração da mercadoria para venda, porquanto a existência de ónus é motivo de grave constrangimento negocial nos termos acima descritos.
R) – Donde a decisão recorrida violou o disposto no n.º 4 do art.º 52º da LGT.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência ser revogada a douta decisão recorrida, determinando-se a anulação do despacho do OEF que indeferiu o pedido de dispensa parcial de prestação de garantia.»

Não foram apresentadas contra alegações.
O Ministério Público a fls. 181 dos autos emitiu parecer com o seguinte conteúdo:
«A recorrente, convidada a apresentar novas conclusões, nomeadamente, menos complexas, veio a invocar a aplicação de regras de experiência, nomeadamente, nas conclusões sob as alíneas D) e O), pretendendo que seja formulado um juízo sobre a oneração da mercadoria detida para venda e a sua atividade exercida, de venda de barcos.
Conforme decidido no acórdão do STA de 19-11-14, proferido no proc. 0967/14, é de concluir não estar em causa apenas matéria de direito ainda que por referência a um conceito como é o de ser provocado "prejuízo irreparável, previsto no art. 52.º n.º 4 da L.G.T., como requisito da dispensa de garantia.
Entendo, pois, ser de excecionar a incompetência em função da matéria e hierarquia, nos termos do previsto no art. 280.º n.º 1 do C.P.P.T., cometendo-se a competência para apreciar o recurso ao TCA Sul, ao qual o processo é de remeter, caso tal seja requerido, nos termos do art. 18.º n.º 2 do mesmo diploma.»
2 - Fundamentação
O Tribunal “a quo” deu como provada a seguinte matéria de facto:
1. Em 21.02.2016, foi instaurado pelo serviço de finanças de Porto de Mós, contra a ora Reclamante, o processo de execução fiscal [PEF] n.º 1457201601008447 [cfr. autuação e certidões de dívida fls. 1-4 do PEF e informação de fls. 17-21, sempre com referência ao processo físico].
2. Em 21.03.2015, a Reclamante remeteu ao serviço de finanças de Porto de Mós um requerimento de suspensão da execução com dispensa da parcial de prestação de garantia no PEF n.º 1457201601008447 e aps., manifestando a intenção de impugnação dos referidos actos tributários, identificando bens que integram o inventário susceptíveis de penhora e junta declarações de duas instituições de crédito de não aprovação de proposta de crédito sob a forma de garantia bancária [cfr. vinheta dos CTT aposta no envelope de fls. 6 e requerimento de fls. 7-8], referindo, além do mais o seguinte:
“(…)
A executada não possui bens imóveis.
A executada não tem possibilidade de apresentar garantia bancária, muito por força de não conseguir prestar á entidade bancária contra garantias, designadamente hipoteca sobre imóveis. Com efeito, a executada solicitou junto das duas entidades bancárias com as quais trabalha (CCAM de Porto de Mós e CGD) a emissão de garantia bancária, no entanto, ambas não se mostraram disponíveis a tal operação financeira — conforme documentos um e dois que se juntam.
Contra a executada foram instaurados outros processos de execução para cobrança de liquidações de IVA e JC, decorrentes da mesma inspecção tributária, a saber: 1457201601006070, 1457201601006088, 1457201601007300, 1457201601007319, 1457201601007408, 1457201601007416, 1457201601007432, 1457201601007440, 1457201601007459, 1457201601007467. Foi já pedida a apensação destes processos, e requerida a prestação de garantia parcial através da penhora dos bens do activo da executada e a dispensa de garantia no restante, em que aqueles não sejam suficientes.
Na verdade, a única garantia que a executada pode prestar é a penhora sobre os poucos bens móveis do activo imobilizado. Porém, os bens do activo fixo já se encontram quase integralmente amortizados, totalizando à data de 31/12/2015, o valor total de € 15.284,86- conforme mapa de depreciações e amortizações do exercício de 2015, que se junta como documento três.
A executada não possui outros bens ou direitos que possa onerar e indicar em garantia, nem se colocou na situação de insuficiência de património, pois os bens do activo têm vindo a ser os mesmos nos últimos anos (conforme mapas de depreciações e amortizações dos exercícios de 2012, 2013 e 2014 que se juntam como documentos quatro a seis). Ou seja, a insuficiência de património para prestação de garantia idónea não é da culpa da executada.
Acresce que, a actividade da executada consiste na venda de barcos, e por isso, integram o inventário algumas embarcações. No entanto, se as mesmas forem penhoradas/hipotecadas a executada não poderá manter a sua actividade, pois não conseguirá comercializar bens onerados.
E o mesmo se diga quanto a eventuais créditos de clientes e dos saldos de contas bancárias, cuja penhora ou apreensão vai implicar irremediavelmente a perda de disponibilidade da executada sobre os seus créditos e contas bancárias, impedindo-a de cumprir com as suas obrigações com trabalhadores, contribuições para a Segurança Social, fornecedores, prestadores de serviços, pagamento do IRS e demais encargos bancários e outros encargos, e poderá despoletar o encerramento da actividade e consequentemente a insolvência.
Afigura-se, pois, à executada que reúne os pressupostos para a dispensa parcial da garantia, sendo constituída garantia de forma parcial, através da penhora dos bens do activo fixo, até ao limite do valor contabilísticos destes, e requerendo a dispensa parcial de prestação da garantia, dada a insuficiência de bens e de meios financeiros para prestar outras garantias, no valor restante a garantir.
3. Em 22.03.2016, ao processo de execução fiscal [PEF] n.º 1457201601008447, foram apensados os processos 1457201601009850 e 14572016010010468, todos para cobrança coerciva de dívidas de IRC e Juros compensatórios, relativas aos anos de 2011, 2012 e 2013, na quantia exequenda total de € 114.112,30 [cfr. termo apensação de fls. 25 e informação de fls. 17-21].
4. No PEF n.º 1457201601008447 e aps., o montante necessário para garantir a dívida comunicado à Reclamante corresponde a € 145.112,30 [cfr. informação de fls. 17-21 e simulação do valor a garantir de fls. 26].
5. Em 23.05.2017, foi lavrado auto de penhor de bens móveis do activo fixo, incluindo uma embarcação e um veículo automóvel com a matrícula ………, aos quais foi atribuído o valor de € 2.470,00 [cfr. auto de penhor de fls. 65-68].
6. Em 08.06.2018, foi proferido despacho de indeferimento do requerimento a que alude o ponto 2., com base na informação que o antecede, que apresenta o seguinte teor [cfr. fls. 309-319]:
“(…) Não obstante o penhor já efectuado, verifica-se que no que se refere ao veículo automóvel, dado que é um bem sujeito a registo deve ser constituída hipoteca voluntária pela executada, o que não se verificou. Acresce, como ficou demonstrado na informação e a executada confirma, que esta possui outros bens susceptíveis de vir a constituir garantia e que não foram oferecidos. Nada obsta a que um bem dado como garantia possa ser comercializado pela executada não pondo em causa o exercício da sua actividade, podendo a mesma, com esse fundamento ser substituída nos termos do n.º 7 do art.º 52.º da LGT. Só após a constituição da garantia pela totalidade dos bens susceptíveis de o poderem vir a ser, e subsequente valoração e quantificação se poderá concluir pela alegada insuficiência, podendo então ser apreciada a eventual isenção nos termos do n.º 4 do art.º 52.º da LGT. Neste momento, não podendo sequer concluir pela insuficiência de bens susceptíveis de constituírem garantia, e tendo sido esse o fundamento, rejeito o pedido por não reunir as condições previstas no n.º 4 do art.º 52.º da LGT”.
7. Em 27.06.2018, foi registada a entrada da reclamação do serviço de finanças de Porto de Mós [cfr. 2].
8. Em 29.08.2018, foi apresentado a registo o acto de constituição voluntária de hipoteca sobre o veículo automóvel de matrícula ……. [cfr. acto constituição de hipoteca e requerimento de registo de fls. 131v-133].

3-DO DIREITO:
Para julgar totalmente improcedente a reclamação expressou a decisão recorrida a seguinte fundamentação de direito que atenta a sua extensão se apresenta por extracto:
(…)
Assim, a alegação da Reclamante a apreciar resume-se agora à invocação de que a AT assenta o seu despacho na circunstância de a executada possuir outros bens susceptíveis de oferecer como garantia que não foram pela mesma oferecidos, nomeadamente, as embarcações com as matrículas ………, ………., ……., que compõem o inventário da Reclamante, todavia, dado que a actividade desenvolvida pela Reclamante é a compra e venda de barcos/embarcações, aqueles veículos marítimos são bens que se encontram para venda e resulta do n.º 2 do artigo 737º do CPC, aplicável por remissão do artigo 2.º do CPPT, que a garantia das dívidas é constituída pelo património da executada, estando, contudo, isentos de penhora os instrumentos de trabalho e os objectos indispensáveis ao exercício da actividade do executado, donde, estes são bens impenhoráveis, pois sem eles a executada não poderá prosseguir a sua actividade e, por isso, o despacho que assenta nesta argumentação não pode manter-se por ser ilegal.
A Fazenda Pública referiu que, sendo a actividade comercial da Reclamante, de acordo com o Código da Actividade Económica com que se encontra registada, a de “comércio, reparação e aluguer de embarcações de recreio”, ainda que a hipoteca constituída sobre as embarcações a título de garantia pudesse constituir um limite à sua venda, não o seria ao seu aluguer pelo que a actividade prosseguida pela Reclamante não seria impedida de prosseguir, sendo o despacho proferido conforme à lei.
(…)
Assim, questão que ao Tribunal cabe, de imediato, apreciar e decidir [cfr. artigos 97.º, n.º 1 alínea n), 277.º, n.º 1 e 278.º, n.º 1, n.º 3 alínea d) e n.º 4 do CPPT] é a de saber se o despacho reclamado deve ser anulado, por violação de lei, por erro de facto e de direito, atendendo a que se encontram preenchidos os pressupostos para a dispensa parcial de prestação de garantia previstos no n.º 4 do artigo 52.º da LGT, já que os bens do inventário da Reclamante a que se refere a AT constituem embarcações e estas devem considerar-se isentos de penhora nos termos do n.º 2 do artigo 737.º do CPC, por a actividade da Reclamante consistir na venda de embarcações.
Ora, o artigo 52.º da LGT dispõe deste modo:
(…)
4 - A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado”.
Sendo que, o artigo 170.º do CPPT dispõe nestes termos:
“1 - Quando a garantia possa ser dispensada nos termos previstos na lei, deve o executado requerer a dispensa ao órgão da execução fiscal no prazo de 15 dias a contar da apresentação de meio de reacção previsto no artigo anterior. (…)
3 - O pedido a dirigir ao órgão da execução fiscal deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária. (…)”
E, por sua vez, dispõe o artigo 737º do CPC o seguinte:
“Bens relativamente impenhoráveis
(…)
De acordo com o regime jurídico aplicável, a dispensa de prestação de garantia deve ser requerida pelo executado, nos termos do artigo 170.º do CPPT.
A este cabe provar que a prestação da garantia lhe causa prejuízo irreparável ou que é manifesta a sua falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, uma vez que estamos perante factos constitutivos do direito que invoca [artigo 74.º, n.º 1 da LGT conjugado com o artigo 170.º, n.º 3 do CPPT].
Trata-se de um pressuposto alternativo, bastando ao executado alegação de factos e fazendo a respectiva prova relativamente a um deles: “que a prestação da garantia lhe causa prejuízo irreparável” ou “que é manifesta falta de meios económicos”.
Com a alteração legislativa introduzida pela LOE de 2017 cabe ao órgão de execução fiscal demonstrar a existência de “fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado”, desonerando-se, portanto, o executado do ónus da prova que sobre ele impendia no regime anterior.
Portanto, no regime vigente, ao executado caberá apenas o ónus da prova de um dos pressupostos alternativos.
É a partir deste quadro jurídico que cumpre analisar a legalidade do acto reclamado, sem perder de vista que é a sua fundamentação, contemporânea ao acto, que está sob apreciação quanto à imputada violação de lei por erro de direito e de facto.
Regressando ao caso dos autos, conforme o teor acolhido no probatório, no requerimento de dispensa de prestação de garantia apresentado pela Reclamante, que está na origem do despacho reclamado, invoca-se o valor da garantia a prestar, que a Reclamante não possui bens imóveis, que lhe foi recusada por duas entidades bancárias a emissão de garantia bancária e que se pede a prestação de garantia parcial através da penhora de bens do seu activo que identifica, e a dispensa da garantia no restante, em que aqueles não sejam suficientes. A Reclamante refere expressamente que não possui outros bens ou direitos que sendo a sua actividade a de venda de embarcações, apesar de existirem embarcações no seu inventário, se as mesmas forem penhoradas/hipotecadas não poderá manter a sua actividade, por não conseguir comercializar bens onerados e o mesmo se diga quanto a créditos de clientes e dos saldos das contas bancárias, cuja penhora acarreta a perda de disponibilidade para cumprir as suas obrigações com trabalhadores, segurança social, fornecedores e pagamento de tributos acarretando o encerramento da actividade e consequente insolvência.
Partindo deste requerimento o órgão de execução fiscal entendeu ser de indeferir o pedido de dispensa de prestação de garantia por “Neste momento, não podendo sequer concluir pela insuficiência de bens susceptíveis de constituírem garantia, e tendo sido esse o fundamento, rejeito o pedido por não reunir as condições previstas no n.º 4 do art.º 52.º da LGT”.
Ultrapassada que ficou a questão da constituição de hipoteca sobre o veículo automóvel, por acordo das partes, como atrás referido, cumpre agora considerar que para assim concluir a AT teve em consideração que “como ficou demonstrado na informação e a executada confirma, que esta possui outros bens susceptíveis de vir a constituir garantia e que não foram oferecidos. Nada obsta a que um bem dado como garantia possa ser comercializado pela executada não pondo em causa o exercício da sua actividade, podendo a mesma, com esse fundamento ser substituída nos termos do n.º 7 do art.º 52.º da LGT. Só após a constituição da garantia pela totalidade dos bens susceptíveis de o poderem vir a ser, e subsequente valoração e quantificação se poderá concluir pela alegada insuficiência, podendo então ser apreciada a eventual isenção nos termos do n.º 4 do art.º 52.º da LGT”.
Apreciando a alegação da Reclamante, no que respeita à violação de lei que assaca ao despacho reclamado, atinente à impenhorabilidade relativa a que se refere o artigo 737º, nº 2 do CPC, cumpre referir que este preceito quando estabelece que estão também isentos de penhora os instrumentos de trabalho e os objectos indispensáveis ao exercício da actividade ou formação profissional do executado, salvo se o executado os indicar para penhora, filia-se em motivos de interesse económico, matizado com considerações de humanidade e abrange os instrumentos de trabalho e os objectos indispensáveis ao exercício da actividade ou formação profissional do executado, evitando-se assim, que se retirem ao executado os meios necessários para ganhar a vida e sustentar-se, bem como à sua família [cfr. Eurico Lopes-Cardoso, Manual da acção executiva, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1987, pág.331; José Lebre de Freitas, A Acção Executiva, 5ª. edição, Reimpressão, Coimbra Editora, 2011, pág.218 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 13ª. edição, Almedina, 2010, pág.207 e seg.].
Estas situações enquadram-se no âmbito do risco empresarial, pois que numa empresa seria sempre fácil invocar e demonstrar em relação a praticamente todos os seus bens a sua imprescindibilidade ou como instrumentos de trabalho ou como objectos indispensáveis ao exercício da actividade, pelo que, a aplicação desta norma às pessoas colectivas inviabilizaria, na prática, a penhora e todos ou de grande parte dos seus bens, pondo-se assim, em causa, a garantia comum dos seus credores com enormes prejuízos para o comércio jurídico.
Decorre, assim, da doutrina dominante que os interesses em presença, são “interesses vitais do executado” enquanto pessoa humana, que implica o recurso a um padrão mínimo de dignidade social, daí que a jurisprudência seja pacífica no sentido de considerar que tal normativo não se aplica às pessoas colectivas [cfr. acórdão do TCA Norte, de 12.11.2015, no processo 01341/15.8BEPNF, no qual se referem, neste sentido, entre outros, o Acórdão do TRLisboa, de18.12.2012, no processo 1600/12 e o Ac do TCASul, de 25.03.2008, no processo 02315/08, onde se consignou: “(…)Como se refere no Ac. já citado de 11.06.03, [leia-se Ac do TRLisboa, no processo nº 2089/03], em relação às pessoas colectivas, atenta a natureza dos interesses em causa, não se justifica a aplicação deste regime, devendo estas situações enquadrar-se no âmbito do risco empresarial, pois que numa empresa seria sempre fácil invocar e demonstrar em relação a praticamente todos os seus bens a sua imprescindibilidade ou como instrumentos de trabalho ou como objectos indispensáveis ao exercício da actividade, pelo que a aplicação desta norma às pessoas colectivas inviabilizaria, na prática , a penhora e todos ou de grande parte dos seus bens, pondo-se assim, em causa, a garantia comum dos seus credores com enormes prejuízos para o comércio jurídico(…)”].
Acresce que a constituição de garantia através da hipoteca voluntária das referidas embarcações não consiste em apreensão de bens e os mesmos não deixam de estar afectos aos fins prosseguidos pela Reclamante, que continua a poder dispor dos referidos bens, pese embora, naturalmente, os actos que pratique sejam ineficazes em relação à Exequente, a não ser que obtenha autorização para a sua venda e/ou substitua a garantia em causa, o que não implica, que a Reclamante fique impedida de desenvolver a actividade a que se dedica.
Deste modo, a Reclamante alega mas não demonstra que a constituição de garantia sobre os referidos bens, que integram o seu património e, por isso, respondem perante os seus credores pelas suas obrigações, designadamente através da constituição de hipoteca legal, a impediria de continuar a exercer a respectiva actividade, a qual, segundo a Fazenda Pública, de acordo com o CAE de inscrição da Reclamante junto da mesma, sequer se resume à venda de embarcações.
Temos então que as partes não dissidem sobre a circunstância de que a Reclamante possui outros bens que não ofereceu como garantia e sobre a circunstância de que aqueles que ofereceu não são suficientes para garantia da dívida exequenda e acrescido e, por seu turno, na parte em que divergem, conforme decorre do que vem de se dizer, a Reclamante não tem razão.
Com efeito, a Reclamante refere que o despacho ora impugnado não apresenta sustentação legal, por condicionar a dispensa parcial de garantia à prestação de garantia ilegal sobre bens que, por lei, estão isentos de tal, encontrando-se preenchidos os pressupostos previstos no artigo 52.º, n.º 4 da LGT para que lhe seja deferida a dispensa parcial de prestação de garantia com suspensão da execução por apresentação de meio impugnatório dos actos tributários em execução.
Como se viu, a jurisprudência maioritária converge no sentido de que a referida disposição legal não se aplica às pessoas colectivas e, por outro lado, a Reclamante não demonstra que a constituição de hipoteca legal sobre as referidas embarcações ou parte delas a impediria de continuar a exercer a actividade a que se dedica, nem indicou o valor a que ascendem as referidas embarcações.
Então, não se encontrando demonstrado que a constituição de garantia por esse meio sobre alguma ou algumas daquelas embarcações fosse causa de prejuízo irreparável, não se pode considerar verificada a ilegalidade que a Reclamante assaca ao despacho reclamado.
Não se considerando tais bens isentos de penhora nos termos do n.º 2 do artigo 737.º do CPC, eles deveriam ser tidos em conta para efeitos de avaliação da (in)suficiência dos bens da Reclamante susceptíveis de constituir garantia, pelo que, o despacho reclamado não padece de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito e de facto, quando refere que ante o requerimento apresentado pela mesma Reclamante não pode concluir pela insuficiência de bens susceptíveis de constituírem garantia e, assim, não considerando verificadas as condições previstas no n.º 4 do artigo 52.º da LGT, indefere o pedido.

DECIDINDO NESTE STA

Se não for de julgar incompetente em razão da hierarquia este STA, a questão que importa decidir é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao confirmar a validade do despacho de indeferimento do pedido de prestação de garantia que não admitiu a possibilidade de os bens que fazem parte do inventário da Recorrente poderem servir de garantia das obrigações tributárias, assim violando o disposto no n.º 4 do artigo 52.º da Lei Geral Tributária.

Da incompetência hierárquica deste STA e do alegado erro de julgamento da sentença recorrida:

A sentença recorrida julgou totalmente improcedente a reclamação judicial deduzida pela Recorrente e para assim decidir, como resulta do destaque da mesma foi efectuado supra considerou que “ Temos então que as partes não dissidem sobre a circunstância de que a Reclamante possui outros bens que não ofereceu como garantia e sobre a circunstância de que aqueles que ofereceu não são suficientes para garantir a dívida exequenda e acrescido” e mais adiante "o despacho reclamado não padece de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito e de facto, quando refere que ante o requerimento apresentado pela mesma Reclamante não pode concluir pela insuficiência de bens susceptíveis de constituírem garantia” deixando ainda explicitado que carece de razão a mesma Reclamante na sua alegação de que, em caso de constituição de hipoteca legal sobre as embarcações referidas que compõem o seu inventário, ficará impedida de prosseguir a actividade a que se dedica.

Discorda do decidido a Recorrente, nos termos expressos nas suas conclusões de recurso supra destacadas considerando que a “douta sentença incorre em erro de análise, ao confundir património e inventário, e ao concluir que são oneráveis/penhoráveis, para efeitos de garantia, as mercadorias detidas para venda (ou seja, o inventário)”, o que não se pode admitir.

Não foram apresentadas contra-alegações e pelo Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA foi suscitada a excepção de incompetência deste Supremo Tribunal em razão da hierarquia nos termos sobreditos.

Discordou a Recorrente da excepção suscitada, por entender, em suma, que nos presentes autos não está em causa a apreciação de matéria de facto. “ O que a recorrente colocou em causa, e designadamente nas conclusões supra, foi o facto da integração dos factos no direito aplicável é que é susceptível de fazer incorrer a douta sentença “a quo” em erro de julgamento.

Começaremos por apreciar a excepção deduzida pelo MºPº neste STA.

Vejamos:

A recorrente manifesta e demonstra a sua concordância com o probatório fixado na sentença recorrida, argumentando que nos presentes autos não está em causa a apreciação de matéria de facto relevante para o julgamento da causa, mas sim a aplicação de conceitos plasmados na lei aos factos provados”, ou seja, uma questão de direito e que o que quer demonstrar com tais conclusões (sic) “ é que a oneração de mercadoria ou do inventário não pode ser considerada na sua dimensão meramente teórica, mas sim numa dimensão prática cujos factos quando apreendido pelo “ ou “bónus pater famílias” levam à conclusão diferente da que foi proferida na douta sentença referida”.

Entendemos pertinente esta argumentação e concordamos que não é absolutamente claro que se pretende questionar a matéria de facto fixada com a qual a recorrente afirma estar de acordo. Assim e não obstante o teor das conclusões destacadas pelo Mº Pº, que numa primeira leitura se podem configurar como substanciando uma questionação de matéria de facto, entendemos que é possível e deve fazer-se a leitura que a recorrente advoga, a qual efectivamente fazemos e daí que, a nosso ver, não se verifique a excepção de incompetência deste STA em razão da hierarquia o que se julga, sendo pois de apreciar de direito e em concreto do acerto da decisão recorrida.

E, para tal, seguiremos de perto o que ficou dito no acórdão deste STA de 22/05/2019 tirado no recurso nº 827/18.7BELRA o qual, ressalvadas algumas distâncias atinentes às especialidades próprias do processado e às questões ali suscitadas, no essencial trata a mesma questão suscitada no presente processo, supra enunciada, sendo as partes as mesmas, os factos e as conclusões de recurso muito próxim/(os)(as) das dos presentes autos, embora por referência a outro processo executivo, dos vários instaurados contra a ora recorrente.

Ali se expressou:

(..) Ora, com a redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro, o n.º 4 do artigo 52.º da LGT dispõe actualmente que “a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado”. Nos termos desta disposição legal, a dispensa de prestação da garantia devida em processo de execução fiscal depende necessariamente da verificação de três requisitos cumulativos (embora dois deles comportem alternativas), a saber: (i) que haja uma situação de inexistência de bens ou a sua insuficiência para o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, (ii) que essa inexistência ou insuficiência não seja imputável ao executado e (iii) que a prestação de garantia cause prejuízo irreparável ao executado ou que seja manifesta a sua falta de meios económicos.

Bem assim, e nos termos do n.º 3 do artigo 170.º do CPPT, o pedido de dispensa de garantia a dirigir ao órgão de execução fiscal “deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária”.

Da conjugação destes dois preceitos legais resulta à saciedade que é sobre o executado que requer a dispensa de prestação de garantia que recai o ónus de provar os requisitos para que essa dispensa lhe seja concedida, pois trata-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido (neste sentido vide, entre outros, o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo proferido a 17 de Outubro de 2012 no âmbito do Processo n.º 0414/12 e o Acórdão desta mesma Secção proferido a 3 de Abril de 2013 no processo n.º 0393/13).

Porém, no caso sub judice, a Recorrente não logrou realizar a prova que sobre si impendia.

Desde logo, a Recorrente não ofereceu prova bastante do cumprimento dos requisitos de dispensa de garantia perante o órgão da execução fiscal, que indeferiu o pedido por aquela formulado ao concluir que “neste momento, não podendo sequer concluir pela insuficiência dos bens suscetíveis de constituir garantia, e tendo sido esse o fundamento, rejeito o pedido por não reunir as condições previstas no n.º 4 do art.º 52.º da LGT”, isto após ter considerado, “como ficou demonstrado na informação e a executada confirma, que a esta possui outros bens suscetíveis de vir a constituir garantia e que não foram oferecidos. Nada obsta a que um bem dado como garantia possa ser comercializado pela executada não pondo em causa o exercício da sua atividade, podendo a mesma, com esse fundamento, ser substituída nos termos do n.º 7 do art.º 52.º da LGT. Só após constituição da garantia pela totalidade dos bens suscetíveis de o poderem vir a ser, e subsequente valoração e quantificação, se poderá concluir pela alegada insuficiência, podendo então vir a ser apreciada eventual isenção nos termos do n.º 4 do art.º 52.º da LGT”.

De igual forma, a Recorrente não demonstrou o cumprimento dos pressupostos em análise perante o Tribunal a quo que, face a esta circunstância, validou o despacho do órgão de execução fiscal formulado nos termos sobreditos. Nas palavras do Tribunal a quo, “a Reclamante possui outros bens que não ofereceu como garantia” e “aqueles que ofereceu não são suficientes para garantir a dívida exequenda e acrescido, carecendo a Reclamante de razão na sua alegação de que, em caso de constituição de hipoteca voluntária sobre as embarcações que compõem o seu inventário – que, ao contrário do que defende, não são bens relativamente impenhoráveis e cujo valor nunca indica –, ficará impedida de prosseguir o seu objeto social. Aqui chegados, não dispondo o órgão da execução fiscal de todos os elementos necessários à avaliação da (in)suficiência dos bens da Reclamante suscetíveis de constituir garantia, o despacho reclamado não padece do invocado vício de violação do artigo 52.º, n.º 4, da LGT”.

E mais. Uma vez suscitada a incompetência em razão da hierarquia deste Tribunal por despacho de fls. 352, a Recorrente demonstrou a sua satisfação com o probatório fixado na sentença recorrida, argumentando que “nos presentes autos não está em causa a apreciação de matéria de facto relevante para o julgamento da causa, mas sim a aplicação de conceitos plasmados na lei aos factos provados”, ou seja, uma questão de direito.

(...)

Com efeito, e como tivemos já a oportunidade de decidir no Acórdão de 19 de Dezembro de 2012, proferido no âmbito do Processo n.º 01298/12, a lei é clara na exigência que formula de que o pedido de dispensa, a dirigir ao órgão de execução fiscal, seja instruído com a prova documental necessária (cfr. o n.º 3 do artigo 170.º do CPPT), norma esta que, não devendo ser interpretada, sob pena de inconstitucionalidade, como uma restrição probatória (cfr., neste sentido, o Acórdão deste Supremo Tribunal de 21 de Novembro de 2012, rec. n.º 1162/12), obriga a que, salvo casos excepcionais e devidamente justificados, os documentos indicados pelos requerentes para prova dos factos constitutivos do direito à dispensa da prestação de garantia sejam desde logo juntos ao requerimento em que é solicitada a dispensa.

Não os tendo junto no requerimento de dispensa de prestação de garantia, a Recorrente acabou por incumprir o ónus de prova dos pressupostos que sobre si impendia, razão pela qual a decisão do Tribunal a quo nenhuma censura merece no que à fixação do probatório respeita.

Isto dito, importa compreender se assiste razão à Recorrente quando imputa erro de análise à sentença recorrida, consubstanciado na confusão entre “património e inventário, e ao concluir que são oneráveis/penhoráveis, para efeitos de garantia, as mercadorias detidas para venda (ou seja, o inventário)” o que, na sua óptica, não se pode admitir uma vez que a colocação da mercadoria na disponibilidade do credor hipotecário limitaria “efetivamente a atividade regular da recorrente” e causar-lhe-ia, “por isso, prejuízo grave e irreparável” em violação do “disposto no n.º 4 do art.º 52º da LGT”.

Mas, desde já se refira, que essa razão não lhe assiste.

Com efeito, não existe na lei qualquer impedimento absoluto, relativo ou parcial que limite a possibilidade de penhora ou constituição de garantia sobre o inventário de uma pessoa colectiva (como, aliás, reconhece a Recorrente, ao afirmar que “em teoria, nada impede a oneração de barcos detidos para venda”).

Em rigor, e apesar de à penhora de bens em execução fiscal também serem de aplicar as restrições previstas no Código de Processo Civil relativamente à impenhorabilidade de certos bens, nenhuma dessas restrições se aplica à situação sub judice. Em particular, a impenhorabilidade relativa prevista no artigo 737.º, n.º 2 do CPC (nos termos do qual “estão também isentos de penhora os instrumentos de trabalho e os objectos indispensáveis ao exercício da actividade ou formação profissional do executado”) e que foi sujeita a demorada análise na sentença sob recurso não se aplica às pessoas colectivas.

Conforme expõe Lebre de Freitas in “A ação executiva: à luz do código de processo civil de 2013”, 2014, 6.ª Edição, pp. 248 e 249, “impenhoráveis por estarem em causa interesses vitais do executado são aqueles bens que (…) são indispensáveis ao exercício da profissão do executado (instrumentos de trabalho e objetos indispensáveis ao exercício da sua atividade ou à sua formação profissional: art. 737-2)”, não se verificando esta exclusão “quando se trate, não de uma pessoa singular, mas duma sociedade comercial”. No mesmo sentido se pronuncia Fernando Amâncio Ferreira, “Curso de Processo de Execução”, 2010, 13.ª Edição, pp. 207 e 208, quando refere que no n.º 2 do artigo 823.º do CPC [correspondente ao artigo 737.º n.º 2 antes da revisão do CPC] se prevê uma impenhorabilidade processual relativa que se filia “em motivos de interesse económico, matizados com considerações de humanidade”, merecendo-lhe concordância a jurisprudência que sustenta que a impenhorabilidade sub judice “é exclusivamente aplicável a pessoas singulares, e não também às sociedades comerciais”.

E é também neste sentido que se posiciona a jurisprudência, que é pacífica a este respeito, podendo ver-se, entre outros, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido a 18 de Dezembro de 2012 no âmbito do processo n.º 1600/12 e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte proferido a 12 de Novembro de 2015 no âmbito do Processo 01341/15.

E isto porque, conforme se pondera acertadamente neste último aresto, “atenta a natureza dos interesses em causa”, estamos perante situações que se devem enquadrar “no âmbito do risco empresarial, pois que numa empresa seria sempre fácil invocar e demonstrar em relação a praticamente todos os seus bens a sua imprescindibilidade ou como instrumentos de trabalho ou como objectos indispensáveis ao exercício da actividade, pelo que a aplicação desta norma às pessoas colectivas inviabilizaria, na prática, a penhora e todos ou de grande parte dos seus bens, pondo-se assim, em causa, a garantia comum dos seus credores com enormes prejuízos para o comércio jurídico”. Donde, sendo a Executada uma pessoa colectiva, não tem aplicação ao caso sub judice o artigo 737.º, n.º 2 do CPC e, consequentemente, o artigo 52.º n.º 4 da LGT.

Isto dito, sempre se refira, como nota final, que a alegada demora da Administração Tributária “na apreciação e decisão na avaliação e substituição de garantias, que não é compatível com as intenções ou decisões comerciais dos clientes” não pode constituir fundamento de censura da sentença recorrida, uma vez que essa alegada demora não constitui pressuposto do pedido de dispensa de garantia nos termos do artigo 52.º n.º 4 da LGT nem constitui critério que possa ser objectivamente considerado pelo Tribunal para decidir sobre questões presentes, pois é sobre os factos trazidos ao processo (e não sobre factos eventuais ou futuros) que cumpre decidir.

Pelo exposto se conclui que o recurso não merece provimento (…)”.

É este, também, o julgamento que aqui fazemos, sustentado na falta de prova por parte da requerente do cumprimento dos requisitos de dispensa de garantia perante o órgão da execução fiscal, nomeadamente a falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para prestar garantia, e bem assim na fundamentação sólida e pertinente do acórdão acabado de citar a qual para aqui se aporta. E, assim sendo, a reclamação apresentada não pode lograr provimento.

4- DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os Juízes deste STA em negar provimento ao recurso mantendo a decisão recorrida.

Custas a cargo da recorrente

Lisboa, 24 de Julho de 2019. - Ascensão Lopes (relator) – Ana Paula Lobo – José Veloso.