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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0407/14.6BEMDL
Data do Acordão:04/03/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:DECISÃO SUMÁRIA
REQUISITOS
NULIDADE
Sumário:I - A possibilidade de a fundamentação da decisão da questão de direito na sentença a proferir em processo de impugnação judicial ser “sumária” e por “remissão para decisão precedente, de que se junte cópia” (cfr. n.º 5 do art. 94.º do CPTA), não dispensa o juiz de observar outros requisitos da sentença, v.g., a fixação das questões que ao tribunal cumpre solucionar e a discriminação da matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões (cfr. art. 123.º, n.ºs 1 e 2, respectivamente, do CPPT).
II - Se a “decisão sumária” não observou estes requisitos e se não é inequívoco se resolveu mais do que uma questão e, na afirmativa, em que sentido, bem como se nela não foi fixada a factualidade pertinente à decisão, deve a mesma, em sede de recurso, ser anulada oficiosamente e os autos devolvidos à 1.ª instância, a fim de aí ser proferida nova decisão que respeite os referidos requisitos.
Nº Convencional:JSTA000P24397
Nº do Documento:SA2201904030407/14
Data de Entrada:12/11/2018
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:EÓLICA........., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO

1.1 O Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela (doravante Recorrente) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que aquele Tribunal, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade acima referida (adiante Recorrida ou Impugnante), anulou a liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) que lhe foi efectuada, relativamente ao ano de 2013 e a diversos artigos matriciais.

1.2 Admitido o recurso, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, a Recorrente apresentou as alegações, que rematou com conclusões do seguinte teor:

«1. Por via do douto aresto sob recurso, o Mm.º Juiz [do Tribunal] a quo decidiu anular a liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis, relativa ao ano 2013, por considerar ineficaz a deliberação municipal que fixou a taxa de imposto concretamente aplicado no acto impugnado;

2. Vício que, no entendimento do Tribunal recorrido, se estribou na falta de publicação da referida deliberação em edital, em boletim municipal e em jornal regional do município de Boticas, tal configurando uma violação ao disposto no n.º 2 do artigo 119.º da CRP;

3. Ora, no entendimento da aqui Recorrente, a eficácia da citada deliberação não estava dependente da sua tripla publicação em edital, em boletim municipal e nos jornais regionais editados na área do respectivo município;

4. A publicação obrigatória não tem, necessariamente, de ser considerada um requisito de eficácia; efectivamente, a lei pode impor a publicação mas não associar à sua falta a cominação da ineficácia jurídica;

5. Inexiste razão substantiva que imponha a interpretação segundo a qual a publicação tripla é condição de eficácia jurídica da deliberação em causa nos presentes autos;

6. Antes se impondo a conclusão oposta, isto é, que a publicação daquela deliberação em boletim da autarquia e em jornal regional não constitui um requisito da respectiva eficácia jurídica;

7. Seria uma solução claramente desproporcionada que a eficácia dos actos e decisões dos órgãos das autarquias locais ficasse dependente da publicação em documento oficial (o edital) e “ainda” em boletim da autarquia “e” em jornal regional do município;

8. A exigência de publicação sob as formas acima referidas assume a natureza de condicional, só existindo se e quando se verifiquem certos requisitos, a constatar casuisticamente, e tendo em conta juízos de praticabilidade ou possibilidade de concretização da aludida publicação;

9. A publicação em boletim da autarquia ou em jornal regional não pode, pois, ser considerada condição ou requisito da eficácia dos actos autárquicos, mais concretamente, das deliberações controvertidas nos presentes autos;

10. A douta sentença que decidiu anular as liquidações impugnadas, com fundamento na ineficácia da referida deliberação, em razão de esta não ter sido publicada cumulativamente sob as formas elencadas no artigo 56.º do RJAL, não se deverá manter na ordem jurídica, porquanto violou a mesma o disposto no n.º 2 do artigo 119.º da CRP e no referido artigo 56.º do RJAL;

11. Nestes termos, e nos demais de direito que serão por Vossas Excelências doutamente supridos, deverá ao presente recurso ser concedido integral provimento, com a consequente revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que, na reafirmação da legalidade dos actos tributários impugnados, declare a presente impugnação totalmente improcedente, na promoção da sempre sã e já acostumada Justiça».

1.3 A Impugnante apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido e rematando com conclusões do seguinte teor:

«1. A sentença recorrida não merece qualquer reparo ao ter considerado que “A deliberação que fixou a taxa de IMI a aplicar ao ano de 2013 não foi publicada em Boletim da autarquia local, não foi publicado em edital afixado nos locais de estilo nem em jornal regional editado na área do Município (…)”.

2. Porém, vem a Recorrente defender a tese segundo a qual a eficácia das deliberações não está dependente da sua tripla publicação: por edital, em boletim municipal e nos jornais regionais editados na área do respectivo município.

3. Nos presentes autos, e em face do quadro legal que rege esta matéria, a deliberação da assembleia municipal que fixa o valor da taxa de IMI a cobrar em cada ano, como qualquer deliberação da assembleia municipal, está sujeita a publicação obrigatória nos termos dos art. 119.º, n.º 2 da CRP e 56.º do Regime Jurídico das Autarquias Locais sob pena de ineficácia.

4. Na verdade, estabelece o artigo 119.º, n.º 2 da Constituição que “a falta de publicidade (...) de qualquer acto de conteúdo genérico (...) do poder local, implica a sua ineficácia jurídica

5. Mais concretamente, o artigo 56.º, n.º 1 do Regime Jurídico das Autarquias Locais determina:
Para além da publicação em Diário da República quando a lei expressamente o determine, as deliberações dos órgãos das autarquias locais, bem como as decisões dos respectivos titulares destinadas a ter eficácia externa, devem ser publicadas em edital afixado nos lugares de estilo durante cinco dos 10 dias subsequentes à tomada da deliberação ou decisão, sem prejuízo do disposto em legislação especial”.

6. Assim sendo, de acordo com o disposto nos citados diplomas legais, o conteúdo da deliberação final que aprovou a taxa de IMI a aplicar no ano de 2013 encontra-se, sem excepções, sujeita às seguintes formalidades: (a) publicação integral no sítio da internet; (b) a publicação integral no Boletim da autarquia local; (c) a publicação integral em edital a afixar nos lugares de estilo; (d) a publicação integral em jornal regional editado na área do município (caso exista um jornal regional que cumpra os supra enunciados requisitos).

7. A deliberação da Assembleia Municipal que determinou a taxa de IMI referente ao ano de 2013 não foi publicada em Boletim da autarquia local, não foi publicada em edital afixado nos locais de estilo nem em qualquer jornal regional editado na área do município.

8. Motivo pelo qual a deliberação da Assembleia Municipal que determinou a taxa de IMI a aplicar em 2013 é ineficaz por falta de publicação, nos termos do artigo 119.º, n.º 2 da CRP, não podendo a liquidação de IMI ser imputada à Impugnante.

9. Em face do exposto, o presente recurso deve ser julgado totalmente improcedente mantendo-se a sentença recorrida que não merece qualquer censura nesta conclusão.

Termos em que deverá o presente recurso ser julgado totalmente improcedente mantendo-se a douta sentença recorrida, assim se fazendo o que é de lei e de JUSTIÇA!».

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da revogação da sentença e da devolução dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, «a fim de ser ampliada a matéria de facto em ordem à apreciação de todas as questões que foram colocadas ao tribunal e às várias soluções plausíveis do direito». Para tanto, após delimitar o objecto do recurso e referir os termos da sentença, expendeu a seguinte fundamentação:
«Atenta a fundamentação de facto e de direito da sentença recorrida, a questão que se coloca consiste em saber se o tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento na interpretação e aplicação do disposto nos artigos 119.º, n.º 2, da CRP, e art. 56.º do RJAL.
Decorre da matéria de facto assente que a deliberação da assembleia municipal que fixou a taxa de IMI para o ano de 2013 não foi publicada Boletim da autarquia local, não foi publicada em edital afixado nos locais de estilo nem em qualquer jornal regional na área do município.
Considerando-se como assente tal factualidade, a questão que se coloca é a de saber se a omissão de tal tipo de publicação tem por efeito a falta de eficácia da deliberação, com efeitos invalidantes dos actos tributários impugnados.
Dado que estamos perante prédios inscritos na matriz predial urbana o CIMI estabelece uma taxa variável entre dois parâmetros – alínea c) do n.º 1 do artigo 112.º do CIMI –, competindo ao Município da respectiva localização a sua fixação, através de deliberação da assembleia municipal – n.º 5 do artigo 112.º do CIMI –, a qual é comunicada à ATA até 31 de Dezembro do ano anterior ao da sua aplicação – n.º 14 do art. 112.º do CIMI. Mais refere este preceito que se tal comunicação não for feita até essa data, a taxa a aplicar será a correspondente ao valor mais baixo previsto na citada alínea c) do n.º 1 do artigo 112.º do CIMI.
Todavia não foi levado ao probatório qualquer elemento sobre o acto tributário impugnado que permita aferir qual a taxa aplicada pela ATA e designadamente se foi essa a taxa objecto da deliberação e se esta foi ou não comunicada à ATA.
É que se não foi comunicada e independentemente das eventuais irregularidades no procedimento de publicação e seus efeitos, nos termos do citado preceito legal a taxa a aplicar será a correspondente ao valor mais baixo, ou seja, ao valor de “0,2” previsto na citada alínea c) do n.º 1 do artigo 112.º do CIMI (na redacção então em vigor, já que actualmente o mínimo é de “0,3”).
Entendemos, assim, que para a correcta apreciação da questão que vem colocada a matéria de facto assente na sentença recorrida revela-se manifestamente insuficiente, motivo pelo qual se impõe a sua ampliação nos termos supra assinalados».

1.5 Com dispensa de vistos, por recentemente se ter decidido questão em tudo idêntica, cumpre apreciar e decidir.


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2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

A sentença recorrida tem o seguinte teor, que aqui reproduzimos integralmente, por tal se nos afigurar pertinente à decisão a proferir:

«Proc. n.º 407/14.6BEMDL
RELATÓRIO
EÓLICA ……….., Lda., pessoa colectiva n.º ……….., com sede no Município de Boticas, 5460-………. Boticas, vem, apresentar impugnação judicial do acto de liquidação referente a IMI de 2013 relativamente aos prédios com os artigos U00866 e U00867, no valor de 2.108,34 €.
Sucintamente invoca ineficácia da deliberação que fixou a taxa de IMI relativamente às liquidações impugnadas a aplicar no Município de Boticas; falta de preenchimento dos pressupostos objectivos e subjectivos das liquidações impugnadas – inexistência de prédio para efeitos de IMI; violação do princípio da equivalência e da igualdade.
O RFP contestou, em resumo, que inexiste qualquer ilegalidade que afecte as liquidações impugnadas.
O Dig. Mag. do MP foi de parecer que a impugnação deve ser julgada procedente.

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Com relevância para a decisão, e, também, para a aplicação do disposto no art. 94.º, n.º 5 do CPTA, provou-se:
1. Que a deliberação da Assembleia Municipal de Boticas que fixou a taxa de IMI a aplicar em 2013 não foi publicada em Boletim da autarquia local, não foi publicada em edital afixado nos locais de estilo nem qualquer jornal regional editado na área do município.
Cfr. Contestação da AT onde, defendendo a sua tese, refere que a deliberação em causa foi apenas publicitada da página internet do Município.
Cfr, à contrário PA
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As questões a resolver já foram apreciadas de modo uniforme e reiterado por este TAF nos processos infra identificados, para os quais se remete, pelo que, ao abrigo do disposto no art. 94.º, n.º 5 do CPTA, aplicável por remissão do art. 2.º, al. c) do CPPT, julgo a impugnação procedente.
Custas pela AT
Registe e notifique
Junte cópia das decisões proferidas nos processos: 345/13.0BEMDL; 342/14.8BEMDL; 477/14.7BEMDL; 494/14.7BEMDL; 91/15.0BEMDL; 424/15.9BEMDL; 426/15.5BEMDL; 29/16.7BEMDL e 241/16.9BEMDL».

2.1.2 As cópias das decisões supra referidas apenas foram juntas aos autos imediatamente antes da remessa ao Supremo Tribunal Administrativo.


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 A DECISÃO RECORRIDA

Na presente impugnação judicial está em causa a legalidade das liquidações de IMI efectuadas com referência a aerogeradores e subestações que foram inscritos oficiosamente na matriz predial cada um como um prédio e que constituem, cada conjunto, um parque eólico.
Em síntese, a Impugnante sustentou que os actos tributários impugnados (as referidas liquidações de IMI e respectivos juros compensatórios) enfermam dos seguintes vícios:
i) falta de fundamentação, uma vez que antes das liquidações impugnadas não foi dado conhecimento à Impugnante do modo como foi calculado o VPT;
ii) a ineficácia da deliberação da assembleia municipal que fixou a taxa de IMI por falta de publicação;
iii) erro nos pressupostos de facto e direito relativos à incidência subjectiva e objectiva, pois a) os terrenos baldios não podem ser subsumidos ao conceito de prédio do CIMI e, b) contrariamente ao que entende a AT – que cada um daqueles aerogeradores e subestação deve ser tido como um prédio para efeitos da incidência de IMI e, por isso, os inscreveu oficiosamente na matriz predial e liquidou o IMI respectivo –, apenas o conjunto pode ser tido como um prédio;
iv) violação do princípio da equivalência;
v) violação do princípio da igualdade.
Como pode verificar-se da leitura da sentença recorrida (e por isso entendemos relevante reproduzi-la na íntegra, o que fizemos supra em 2.1.1), nesta,
a) na parte reservada à exposição dos fundamentos de facto, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela deu como provado um único facto: que a deliberação municipal que fixou a taxa de IMI para o ano de 2013 não foi publicada no boletim municipal, não foi publicitada por edital, nem foi publicada em qualquer jornal regional editado na área do município; não foi registado qualquer outro facto como provado ou não provado; de seguida, sem qualquer outra consideração,
b) o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela deixou escrito: «As questões a resolver já foram apreciadas de modo uniforme e reiterado por este TAF nos processos infra identificados, para os quais se remete, pelo que, ao abrigo do disposto no art. 94.º, n.º 5 do CPTA, aplicável por remissão do art. 2.º, al. c) do CPPT, julgo a impugnação procedente».
Segue-se-lhe a condenação da AT nas custas do processo e a ordem, que não foi cumprida senão quando da remessa dos autos ao tribunal ad quem, para junção aos autos de cópia das decisões proferidas em outros nove processos.
Como procuraremos demonstrar de seguida, a sentença foi lavrada em termos que não permitem a sua sindicância e que demandam a sua anulação.

2.2.2 ALGUNS REQUISITOS DA DECISÃO SUMÁRIA

Antes do mais, refira-se que não se questiona a possibilidade de decidir a impugnação judicial por decisão sumária, prevista no n.º 5 do art. 94.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável ex vi da alínea c) do art. 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), dando de barato a existência dos respectivos requisitos no caso, que «a questão de direito a resolver é simples, designadamente por já ter sido apreciada por tribunal, de modo uniforme e reiterado».
Essa faculdade que assiste ao juiz concretiza-se em que «a fundamentação da decisão pode ser sumária, podendo consistir na simples remissão para decisão precedente, de que se junte cópia». Mas essa possibilidade de a questão de direito ser decidida por remissão para uma anterior decisão, não dispensa o cumprimento de outros requisitos da sentença, a saber e no que ora nos interessa: o juiz «fixará as questões que ao tribunal cumpre solucionar» e «discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões» (cfr. art. 123.º, n.ºs 1 e 2, respectivamente, do CPPT), sendo que, relativamente à matéria de facto sobre a qual deve incidir o julgamento, deverá ser toda a que for «relevante para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, que deva considerar-se controvertida» [cfr. art. 511.º, n.º 1, do CPC na sua redacção anterior à que foi aprovada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 36/2013, de 12 de Agosto (A remissão é para essa versão do CPC, em vigor à data em que o CPPT foi aprovado (1 de Janeiro de 2000, nos termos do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro, diploma que o aprovou), uma vez que neste último Código não está previsto o despacho saneador nem o despacho de prova (cfr. art. 596.º do CPC e art. 89.º-A do CPTA).)].
Sempre no que ora nos interessa considerar, o juiz deve também apreciar todas as questões jurídicas suscitadas e as que sejam de conhecimento oficioso, cuja resolução não deva considerar-se prejudicada pela solução dada a outras [cfr. art. 608.º, n.º 2, do CPC (A remissão é para o CPC, e não para o CPTA, uma vez que no processo de impugnação judicial, contrariamente ao que sucede nos processos impugnatórios regulados pelo CPTA (cujo art. 95.º, n.º 2, impõe o conhecimento de todos os vícios invocados contra o acto impugnado), no âmbito do processo de impugnação judicial previsto no CPPT, como decorre do estabelecimento de uma ordem no conhecimento dos vícios do acto impugnado (cfr. art. 124.º do CPPT), pois «conhecendo de um vício que conduza à eliminação jurídica do acto impugnado, o tribunal deixará de conhecer dos restantes, pois, se assim não fosse, se o julgador tivesse de conhecer de todos os vícios imputados ao acto, seria indiferente a ordem do conhecimento// Isto significa, assim, que reconhecimento da existência de um vício leva a considerar prejudicados o conhecimento dos restantes» (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, II volume, anotação 17 ao art. 124.º, pág. 340). Note-se que a crítica que este Autor faz a essa prática, que reconhece ser a que vem sendo seguida pelos tribunais tributários, não vale na situação sub judice, pois dos vícios invocados apenas a falta de fundamentação não impediria a renovação do acto.)], devendo os vícios do acto impugnado ser conhecidos pela ordem estabelecida no art. 124.º do CPPT.
Feitos estes considerandos de carácter geral, regressemos ao caso sub judice.
Salvo o devido respeito, a sentença que o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela proferiu por decisão sumária não respeita os requisitos a que aludimos. Vejamos:
Desde logo, nela não se identificaram as questões a dirimir, não podendo valer como tal a mera enunciação no relatório dos fundamentos invocados pela Impugnante.
Depois, no julgamento da matéria de facto, foi registado um único facto, respeitante à não publicação, nem no boletim municipal nem jornal regional editado na área do município, e à não publicitação por edital da deliberação da assembleia municipal que fixou a taxa do IMI para o ano em causa.
Em seguida, o Juiz, afirmando que «[a]s questões a resolver já foram apreciadas de modo uniforme e reiterado por este TAF nos processos indicados», remeteu para esses processos e julgou a impugnação improcedente.
Finalmente, não foram juntas as sentenças para que o Juiz remeteu.
Ora, estas irregularidades comprometem irremediavelmente a compreensão da sentença.
Desde logo, não sabemos que questões se propôs o Tribunal apreciar e decidir, qual foi a questão ou questões efectivamente decididas e, sendo mais do que uma, em que sentido foi decidida cada uma delas, mas apenas que a impugnação judicial foi julgada procedente.
Nem se diga que as questões apreciadas e decididas foram as mesmas que foram apreciadas e decididas nas sentenças para que se remeteu na decisão recorrida.
Antes do mais, porque o Juiz não deveria ter remetido para mais do que uma sentença. Na verdade, se o requisito para que seja proferida decisão sumária é, no caso, a simplicidade da questão de direito a resolver, em virtude de existir jurisprudência que tenha apreciado a questão de modo uniforme e reiterado – e para demonstrar a verificação desse requisito se compreende a menção de várias sentenças – já não nos parece admissível que a remissão a que alude o n.º 5 do art. 94.º do CPTA possa ser feita para mais do que uma sentença por cada questão (a norma refere «remissão para decisão anterior»), sob pena de se colocar sobre as partes e sobre o tribunal de recurso o ónus de as estudar todas, sem qualquer limitação.
Depois, e decisivamente, porque, se foram decididas várias questões, se impunha a referência expressa ao sentido da decisão relativamente a cada uma delas: se foi julgada procedente, se foi julgada improcedente ou se foi tida por prejudicada pela decisão dada a questão anteriormente decidida.
Nem se diga que esta posição que ora assumimos peca por formalista, pois já pudemos verificar diversas interpretações sobre o âmbito da decisão sumária, nos presentes autos e noutros em que o Juiz seguiu idêntico procedimento: assim, enquanto alguns interpretaram a sentença como tendo decidido exclusivamente a questão da falta de publicidade da deliberação da assembleia municipal que fixou a taxa do IMI (Parece ter sido esse o sentido em que a interpretaram o Procurador-Geral Adjunto e a Recorrida, tanto mais que esta, tendo contra-alegado o recurso, nada refere quanto às demais questões, sendo legítimo pressupor que entende que, na procedência do recurso, os autos deverão regressar ao Tribunal a quo, a fim de serem conhecidas destas.), outros entenderam que foram apreciadas outras questões; entre estes últimos, também há divergência de interpretações, pois uns consideraram que todas as questões foram decididas no sentido da procedência (Veja-se o parecer proferido pelo Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo no processo com o n.º 425/15.7BEMDL.) e outros que umas questões foram julgadas procedentes e outras improcedentes (Veja-se o parecer da Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal Administrativo no processo com o n.º 623/15.3BEMDL. ). O que demonstra à saciedade a inadequação do procedimento adoptado na decisão recorrida.
É certo que, se a questão da publicidade da deliberação da assembleia municipal que fixou a taxa do IMI foi apreciada e decidida em sentido favorável à AT – e, neste ponto, todos parecem concordar – mal se compreenderia que o Juiz tivesse prosseguido na apreciação de outras questões, ao invés de dá-las como prejudicadas pela decisão daquela questão. Na verdade, porque a ilegalidade em causa obstaria a que a AT praticasse de novo o acto, nenhum motivo haveria para que o Juiz prosseguisse com a apreciação dos demais vícios invocados (Ver nota 3 supra.).
Seja como for, esta obscuridade da decisão e a referida equivocidade quanto às questões que nela foram decididas e quanto ao sentido da respectiva decisão, impõe a sua anulação oficiosa e que os autos regressem à 1.ª instância, a fim de aí ser proferida nova decisão, em que sejam respeitados os requisitos que consideramos não terem sido observados na decisão ora recorrida.
Sem prejuízo do que deixámos dito, mesmo a admitir-se que a única questão apreciada e decidida foi a da falta de eficácia da deliberação da assembleia municipal que fixou a taxa do IMI no ano em causa por não ter sido publicitada nos termos prescritos na lei – o que colhe algum apoio no facto de o único facto dado como assente respeitar a essa questão – sempre teríamos de concluir, com o Procurador-Geral Adjunto, que «não foi levado ao probatório qualquer elemento sobre o acto tributário impugnado que permita aferir qual a taxa aplicada pela ATA e designadamente se foi essa a taxa objecto da deliberação e se esta foi ou não comunicada à ATA», pois «se não foi comunicada e independentemente das eventuais irregularidades no procedimento de publicação e seus efeitos, nos termos do citado preceito legal a taxa a aplicar será a correspondente ao valor mais baixo», sendo, assim, «que para a correcta apreciação da questão que vem colocada a matéria de facto assente na sentença recorrida revela-se manifestamente insuficiente, motivo pelo qual se impõe a sua ampliação nos termos supra assinalados».
O que sempre imporia também a anulação da decisão recorrida e o regresso dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, a fim de aí ser proferida nova decisão, depois de efectuado o julgamento da matéria de facto pertinente.
Tudo visto, entendemos ser de anular a sentença.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - A possibilidade de a fundamentação da decisão da questão de direito na sentença a proferir em processo de impugnação judicial ser “sumária” e por “remissão para decisão precedente, de que se junte cópia” (cfr. n.º 5 do art. 94.º do CPTA), não dispensa o juiz de observar outros requisitos da sentença, v.g., a fixação das questões que ao tribunal cumpre solucionar e a discriminação da matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões (cfr. art. 123.º, n.ºs 1 e 2, respectivamente, do CPPT).

II - Se a “decisão sumária” não observou estes requisitos e se não é inequívoco se resolveu mais do que uma questão e, na afirmativa, em que sentido, bem como se nela não foi fixada a factualidade pertinente à decisão, deve a mesma, em sede de recurso, ser anulada oficiosamente e os autos devolvidos à 1.ª instância, a fim de aí ser proferida nova decisão que respeite os referidos requisitos.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em anular a sentença recorrida e ordenar que os autos regressem ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, a fim de aí ser proferida nova sentença.

Custas pela Recorrente que, não havendo ganho da causa, é quem tira proveito da decisão (cfr. art. 527.º, n.º 1, do CPC).

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Lisboa, 3 de Abril de 2019. – Francisco Rothes (relator) – Isabel Marques da Silva – Ana Paula Lobo.