Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0881/12.5BELRS
Data do Acordão:11/09/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:IRC
BENEFÍCIOS FISCAIS
CRIAÇÃO LÍQUIDA DE POSTOS DE TRABALHO
Sumário:I - Do ponto de vista jurídico, e na óptica da relação jurídica de imposto, os benefícios fiscais consubstanciam, antes de mais, factos que estando sujeitos a tributação, são impeditivos do nascimento da obrigação tributária ou, pelo menos, de que a mesma surja em plenitude. Na verdade, enquanto facto impeditivo, o benefício fiscal traduz-se sempre em situações que estão sujeitas a tributação, isto é, que são subsumíveis às regras jurídicas que definem a incidência objectiva e subjectiva do imposto. E, precisamente porque o benefício fiscal constitui um facto impeditivo da tributação-regra, a sua extinção ou falta de pressupostos de aplicação tem por efeito imediato a reposição automática dessa mesma tributação, como estabelece o artº.14, nº.1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
II - Especificamente, as normas que consagram benefícios fiscais não são susceptíveis de integração analógica, embora admitam a interpretação extensiva (cfr.artº.10, do E.B.F.).
III - Nos termos da norma sob exegese (artº.17, nº.1, do E.B.F., na redacção transmitida pela Lei 32-B/2002, de 30/12, e vigente no ano de 2005) os requisitos da concessão do benefício fiscal em causa consistiam em terem sido admitidos, por contrato sem termo, trabalhadores com idade não superior a 30 anos e que essa admissão tenha operado a criação líquida de postos de trabalho.
IV - As regras da hermenêutica das normas legais tributárias não consentem que da identificada norma (artº.17, do E.B.F.) se extraia o sentido de que, nos casos em que os contratos de trabalho elegíveis à luz do referido artigo cessem ou se iniciem durante o período de tributação, o limite máximo da majoração prevista no nº.1 deva ser restringido proporcionalmente ao tempo de vigência dos contratos.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P30189
Nº do Documento:SA2202211090881/12
Data de Entrada:03/14/2022
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A.......... S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:

ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal visando sentença proferida pelo Mº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada a fls.297 a 312-verso do processo físico, a qual julgou procedente a presente impugnação intentada pela sociedade recorrida, "A………., S.A.", anterior "B……….., S.A.", tendo por objecto a liquidação adicional de I.R.C. e respectivos juros compensatórios, sendo relativa ao ano fiscal de 2005 e no valor impugnado de € 85.889,83.
X
O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.314 a 321 do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:
I-O thema decidendum do presente recurso consiste em aferir se o limite máximo da majoração anual estabelecido no art.º 17.º do EBF se deverá aplicar em absoluto ou, ao invés, se deve aplicar proporcionalmente, por referência ao período de vigência do contrato que está subjacente à concessão do benefício fiscal.
II-O Mmo. Juiz na douta sentença recorrida considerou que a AT “faz uma errada aplicação do limite máximo da majoração prevista no n.º 1 do art.17.º do EBF, interpretado no sentido de que deve fazer se a correspondência do benefício para o número de meses decorridos desde o início do contrato até ao final do exercício, ou seja, que deve ser restringido proporcionalmente ao tempo de vigência dos contratos”.
III-Ressalvado o muito respeito devido à douta decisão recorrida transcrita, não é possível subscrever o entendimento ali preconizado.
IV-O artigo 17º do EBF, sob a epígrafe “Criação de emprego para jovens”, na parte que ora releva e na redação aplicável ao facto tributário sub iudice, dispunha o seguinte:
«(…) 1 - Para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para trabalhadores admitidos por contrato sem termo com idade não superior a 30 anos são levados a custo em valor correspondente a 150%.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o montante máximo da majoração anual, por posto de trabalho, é de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado.
3 - A majoração referida no nº 1 tem lugar durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho (…)».
V-A liquidação ora impugnada resultou de uma ação inspetiva externa, de âmbito geral, ao exercício de 2005, no âmbito da qual foram efetuadas correções em sede de IRC, designadamente, na parte referente à criação de empregos para jovens, no montante de € 85.889,83.
VI-De salientar, desde já, que a correção em causa foi efetuada pelos SIT no estrito cumprimento das normas legais aplicáveis, porquanto.
VII-A AT, nos termos do art. 55º da LGT, deve atuar em obediência à lei, dentro dos limites dos poderes que lhes estão atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes foram atribuídos.
VIII-“Nenhum órgão ou agente da Administração Pública tem a faculdade de praticar actos que possam contender com interesses alheios senão em virtude de uma norma geral anterior” (Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, Tomo I, 10.ª edição, Coimbra Editora, 1973, pág. 30).
IX-O objetivo principal do Estado (entenda-se, Estado Fiscal) é a arrecadação de receita para fazer face às despesas que decorrem do desempenho das funções que lhe são exigidas.
X-Por outro lado, a par deste objetivo, o Estado Fiscal tem também algumas finalidades extrafiscais, levando a que, não obstante a incerteza e a insegurança jurídicas que a concessão do benefício fiscal gera, possamos aceitá-lo para determinadas situações, mas sempre devidamente justificadas e legitimadas (veja-se neste sentido o acórdão do STA, proc. n.º 01000/12, de 06/02/2013, acessível em www.dgsi.pt).
XI-“Cumpre ainda sublinhar que os benefícios fiscais “são medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesse públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem” (art. 2º do EBF).
XII-E porque representam uma “derrogação da regra de igualdade” (Cfr. SÉRGIO VASQUES, ob. cit., p 311.) e do princípio da capacidade contributiva que fundamenta materialmente os impostos, os benefícios fiscais devem ser justificados por um interesse público relevante. Neste sentido, concluiu-se no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 188/2003, de 8/4/2003, “que as isenções tributárias, traduzindo uma excepção à regra da incidência dos impostos, introduzem nestes um elemento de desigualdade e de privilégio que exige que elas sejam justificadas por um motivo ou interesse público “relevante”, capaz de lhe dar fundamento” (Cfr. SÉRGIO VASQUES, ob. cit., p. 311, nota (499)).”, conforme se pode ler no acórdão antes identificado.
XIII-O conceito geral de benefício fiscal pode ser relatado como uma situação especial, mais favorável, em que se encontra certa pessoa perante a lei de imposto, em virtude de concorrerem na sua pessoa ou situação, determinadas circunstâncias genericamente previstas na lei, procurando-se, desta forma, corresponder a uma exigência de justiça ou de interesse geral.
XIV-O benefício fiscal, por regra, é uma medida de caráter excecional, como decorre do art. 2º n.º 1 do EBF, contudo, entende-se que por vezes as finalidades puramente fiscais podem ceder perante necessidades de outra índole, tais como a “tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem.” (art. 2º n.º 1 do EBF).
XV-Deste modo, incentivam-se determinados comportamentos dos contribuintes, os quais terão a sua situação tributária menos onerada ou totalmente não tributada, precisamente em virtude da opção que tomaram e que o legislador entendeu que deveria não tributar ou tributar de forma menos gravosa.
XVI-Mas esta opção tem de estar enquadrada dentro dos termos legais, não pode ser uma situação aparente ou forçada, criada em desrespeito da lei.
XVII-Os autores Jónatas E. M. Machado e Paulo Nogueira da Costa (“vide” “Curso de Direito Tributário”, Coimbra Ed., 2009, pág. 331) anotam que: “Alguns observadores atentos notam uma tendência geral, neste domínio, que passa pela introdução, pelo legislador, de um determinado incentivo fiscal, seguido da tentativa, por parte dos contribuintes, de ajustarem e manipularem os seus comportamentos de forma a usar e abusar desse incentivo, seguindo-se a adopção, pelo legislador, de normas ainda mais complexas e extensas para definir os benefícios fiscais criados com maior precisão. E assim sucessivamente. O resultado final é uma maior complexidade do sistema tributário, acompanhada de uma maior criatividade e sofisticação das técnicas desenvolvidas para contornar as suas disposições e maximizar os benefícios que as mesmas podem proporcionar”.
XVIII-O escrito pelos identificados autores é bem elucidativo da necessidade e conformidade do entendimento preconizado pela AT, face às circunstâncias que obrigam a uma maior acuidade na aplicação dos benefícios fiscais, de que no exercício em que ocorra a criação líquida de emprego para jovens se configura necessário efetuar a devida correspondência entre o número de meses decorridos desde o início do mês do contrato até ao final do exercício, em virtude do limite de majoração ser anual e da majoração em causa ter lugar num período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho.
XIX-Afigura-se assim que o supra entendimento perfilhado pela AT se configura adequado para atingir o objetivo prosseguido com a criação do benefício fiscal da criação líquida de postos de trabalho, ou seja, a Impugnante continua a ter a vantagem social decorrente do benefício fiscal, e por outro lado, o ajustamento do benefício fiscal é também proporcional ao objetivo visado, dado que o benefício está associado ao n.º de meses em que os contratos de trabalho reúnem as condições elegíveis pelo art.º 17 do EBF, caso contrário teríamos um benefício fiscal superior ao que consta da lei.
XX-Assim sendo, a aplicação proporcional do limite máximo de majoração por referência ao período de vigência do contrato que está subjacente à concessão do benefício fiscal, justifica-se, inequívoca e inevitavelmente, por razões relativas à salvaguarda da coerência do regime fiscal.
XXI-O mesmo entendimento é seguido na informação vinculativa relativa ao processo n.º 1498/2006, com despacho de 26.09.2006 do Diretor Geral, onde refere que “o prazo de 5 anos a que se refere o n.º 3 do artigo 17.º do EBF pode refletir-se em 6 exercícios económicos, sempre que o início do contrato de trabalho não coincida com o início do exercício económico.”
XXII-A jurisprudência admite a necessidade da restrição proporcional do benefício fiscal referente à majoração com a criação de emprego para jovens nas situações em que no primeiro ano do início do benefício e no último ano do benefício o trabalhador não trabalhe o ano completo ou nos casos em que se completam os cinco anos de vigência do contrato antes do final do exercício fiscal.
XXIII-Neste sentido o acórdão do TCA Sul, proferida no processo n.º 07437/14, de 12/06/2014.
XXIV-Pelo que se impõe concluir que os SIT procederam em conformidade com as normas legais ao efetuar a correção referente aos benefícios fiscais respeitante à criação líquida de emprego, resultantes de ação inspetiva ao exercício de 2005 de que foi alvo a Impugnante, pelo que a liquidação controvertida se deve manter na ordem jurídica, porquanto não enferma da ilegalidade que lhe assacou a douta sentença recorrida.
XXV-Face ao supra exposto, a douta Sentença não poderá manter-se na Ordem Jurídica, por revelar uma inadequada interpretação e aplicação dos normativos legais aplicáveis, devendo ser revogada e substituída por outra que declare a impugnação totalmente improcedente.
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Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.
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O TCA Sul, através de acórdão (cfr.fls.333 a 343-verso do processo físico), julgou procedente a excepção de incompetência absoluta do Tribunal, em razão da hierarquia, para conhecer do presente recurso, sendo competente para o efeito, a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso (cfr.fls.351 a 353 do processo físico).
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Com dispensa de vistos legais (cfr.artº.657, nº.4, do C.P.Civil, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário), vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.298-verso a 302-verso do processo físico):
1-Em cumprimento da ordem de serviço n.º OI200800065, a Impugnante foi alvo de uma ação de inspeção externa, de âmbito geral, que incidiu sobre o exercício de 2005 – (cf. RIT a fls. 406 e seg. do PAT).
2-Em 10.02.2009, foi elaborado o Relatório de Inspeção Tributária (RIT), do qual constam, designadamente, as seguintes conclusões:
“(…)
[Imagem]
3-Na sequência das correções efetuadas e indicadas no RIT, foram emitidas pela AT, em nome da Impugnante a liquidação adicional de IRC n.º 2009 8510011385, referente ao exercício de 2005, bem como respetivos juros compensatórios e demonstração de acerto de contas n.º 2009 0000178381, da qual consta liquidação de juros compensatórios n.º 2009 0000055783, no valor de € 1.393,98, resultante de estorno de reembolso, que foi paga em 29.04.2009 – (cf. doc. 2 junto com a PI.).
4-Em 14.08.2009, a Impugnante apresentou, junto do Serviço de Finanças de Lisboa 10, reclamação graciosa das liquidações identificadas na alínea antecedente, contestando as correções relativas à criação líquida de postos de trabalho e a liquidação dos juros compensatórios por falta de entrega do PEC, cujo processo foi autuado com o n.º 3255200904003870 – (cf. fls. 1 e seg. do processo de RG anexo ao PAT.).
5-Em 24.08.2010, por despacho do Chefe de Divisão da Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, foi indeferida a Reclamação Graciosa, tendo por base a informação elaborada pela Direção de Serviços da Inspeção Tributaria – (cf. fls. 106 processo de RG anexo ao PAT).
6-Em 29.09.2010, a Impugnante deu entrada na Direção de Finanças de Lisboa do Recurso Hierárquico da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa – (cf. fls. 2 e seg. do processo de Recurso Hierárquico (RHQ) em anexo ao PAT).
7-Em 22.09.2011 foi elaborada Informação pela Divisão de Administração da Direção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (DSIRSC), da consta o seguinte teor:
[Imagem]
(…)»
(cf.fls.176 a 190 do processo de RHQ anexo ao PAT);
8-Em 12.11.2011, com base na informação referida no ponto antecedente, foi proferido despacho pela Diretora de Serviços DSIRC, que indeferiu o recurso hierárquico - (cf.fls.175 do processo de RHQ anexo ao PAT).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: "…Não se provaram outros factos relevantes para a boa decisão da causa…".
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…A decisão da matéria de facto teve por base o exame dos elementos documentais e informações oficiais constantes dos autos, a que foi sendo feita referência em cada uma das alíneas do probatório…".
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, além do mais:
1-Julgar procedente a presente impugnação judicial e, em consequência, anular a liquidação de I.R.C., na parte em que desconsiderou o benefício da criação líquida de emprego jovem, bem como a liquidação de juros compensatórios n.º 2009.00000055783, referentes ao exercício de 2005 (cfr.nº.3 do probatório supra);
2-Condenar a Fazenda Pública na restituição à sociedade impugnante do montante dos juros compensatórios pagos indevidamente.
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Relembre-se que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese, que do artº.17, do E.B.F., na redacção em vigor em 2005, o período de abrangência do benefício é de 5 anos, desde o início da vigência do contrato e não anual. Que o benefício fiscal previsto nessa norma deve ser ajustado proporcionalmente na fixação do limite máximo da majoração, nas situações em que os contratos de trabalho, elegíveis à luz do referido preceito, cessem ou iniciem efeitos durante o período de tributação. Que a tese adoptada pelo Tribunal "a quo", de que o benefício tem carácter anual, ao invés da interpretação efectuada pelos serviços da A. Fiscal, não tem correspondência na norma. Que deve a sentença recorrida ser revogada por erro de interpretação da lei (cfr.conclusões I a XXV do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar mais um erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
A questão a decidir, no âmbito do presente recurso, consiste em aferir do invocado erro de julgamento de direito da decisão do Tribunal "a quo", traduzido na errada interpretação e aplicação do que dispõe o artº.17, do E.B.F., na redacção resultante da Lei 32-B/2002, de 30/12 (actual artº.19), a aplicável no ano fiscal de 2005, referente ao benefício fiscal da criação líquida de postos de trabalho, enquanto fundamento da majoração de 50% dos custos em sede de I.R.C. que a identificada norma consagrava.
De acordo com a lei, os benefícios fiscais devem considerar-se medidas de carácter excepcional, instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da tributação que impedem (cfr.artº.2, nº.1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo dec.lei 215/89, de 1/7 - E.B.F.).
Do ponto de vista jurídico, e na óptica da relação jurídica de imposto, os benefícios fiscais consubstanciam, antes de mais, factos que estando sujeitos a tributação, são impeditivos do nascimento da obrigação tributária ou, pelo menos, de que a mesma surja em plenitude. Na verdade, enquanto facto impeditivo, o benefício fiscal traduz-se sempre em situações que estão sujeitas a tributação, isto é, que são subsumíveis às regras jurídicas que definem a incidência objectiva e subjectiva do imposto. E, precisamente porque o benefício fiscal constitui um facto impeditivo da tributação-regra, a sua extinção ou falta de pressupostos de aplicação tem por efeito imediato a reposição automática dessa mesma tributação, como estabelece o artº.14, nº.1, do E.B.F. (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 17/12/2019, rec.1247/08.7BEVIS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 7/09/2022, rec. 1845/09.1BELRS; Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, C.T.F. 359, pág.75 e seg.; Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, 1996, Editora Rei dos Livros, pág.323 e seg.).
Especificamente, as normas que consagram benefícios fiscais não são susceptíveis de integração analógica, embora admitam a interpretação extensiva (cfr.artº.10, do E.B.F.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 17/12/2019, rec.1247/08.7BEVIS; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 7/09/2022, rec.1845/09.1BELRS; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª.Edição, Coimbra Editora, 2007, pág.463 e seg.; Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, Cadernos C.T.F., nº.165, 1991, pág.253 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, do probatório se retira que a sociedade impugnante e ora recorrida deduziu, relativamente ao exercício de 2005 e para efeitos do apuramento do lucro tributável, o valor de € 168.948,33, referente a benefícios fiscais, relativos à majoração com a criação de emprego para jovens, correspondente à aplicação do art.17, do E.B.F. (nº.2 da matéria de facto supra exarada).
O identificado artº.17, do E.B.F., na redacção resultante da Lei 32-B/2002, de 30/12, a aplicável durante o ano de 2005, dispunha o seguinte:
Artigo 17.º
(Criação de empregos para jovens)

1 - Para efeitos do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC), os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para trabalhadores admitidos por contrato sem termo com idade não superior a 30 anos são levados a custo em valor correspondente a 150%.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, o montante máximo da majoração anual, por posto de trabalho, é de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado.
3 - A majoração referida no n.º 1 tem lugar durante um período de cinco anos a contar do início da vigência do contrato de trabalho.

Nos termos da norma sob exegese (artº.17, nº.1, do E.B.F.) os requisitos da concessão do benefício fiscal em causa consistiam em terem sido admitidos, por contrato sem termo, trabalhadores com idade não superior a 30 anos e que essa admissão tenha operado a criação líquida de postos de trabalho.
Nesta sede, defende a apelante que o período de abrangência do benefício é de 5 anos, desde o início de vigência do contrato e não anual. Que a tese adoptada pelo Tribunal "a quo", de que o benefício tem carácter anual, ao invés da interpretação efectuada pelos serviços da A. Fiscal, de que a mesma deve ser proporcional ao tempo trabalhado em cada ano de contrato (por outras palavras, seja proporcional ao número de dias efectivos de trabalho em cada ano), e consoante a data escolhida para o início da vigência do mesmo contrato, não tem correspondência na norma.
Com a redacção da norma sob exegese o legislador estabeleceu um montante máximo da majoração anual, que não um montante máximo de encargos mensais como anteriormente, sendo que a quantia máxima a deduzir como custo fiscal tem como limite o montante equivalente a 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado.
Decidiu o Tribunal "a quo" que não resulta do nº.3, do artº.17, do E.B.F., na redacção em causa, a apontada regra de proporcionalidade, devendo entender-se que o limite máximo da majoração anual é sempre de 14 salários mínimos nacionais por exercício, mesmo nos casos em que o trabalhador elegível não trabalhe o ano completo, tal como nas situações em que o contrato perfaça cinco anos de vigência antes do final do exercício.
E com razão, desde logo, levando em consideração o princípio de hermenêutica jurídica "ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus" (quando a lei não distingue, não devemos distinguir nós).
Com efeito, da norma em questão retira-se que o prazo de 5 anos se pode reflectir em 6 exercícios económicos, sempre que o início do contrato de trabalho não coincida com o inicio do exercício fiscal, mas nada nos permite inferir que a vontade do legislador fosse a de restringir, proporcionalmente, o limite máximo da majoração nos casos em que o trabalhador não trabalhe o ano fiscal completo quando celebra o contrato de trabalho, tal como nos casos em que se completam os cinco anos de vigência do contrato antes do final do exercício fiscal respectivo.
De resto, tal visão hermenêutica da norma, tal como de outras versões posteriores, foi expressa em jurisprudência recente do Pleno deste Tribunal e Secção, a qual sufragamos: "As regras da hermenêutica das normas legais tributárias (que são as do art. 9.º do CC, ex vi do n.º 1 do art. 11.º da LGT) não consentem que do art. 19.º do EBF se extraia o sentido de que, nos casos em que os contratos de trabalho elegíveis à luz do referido artigo cessem ou se iniciem durante o período de tributação, o limite máximo da majoração prevista no n.º 1 deva ser restringido proporcionalmente ao tempo de vigência dos contratos" (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 8/05/2019, rec.1054/17.6BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 8/07/2020, rec.568/17.2BALSB; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 7/09/2022, rec.1845/09.1BELRS).
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, embora com a presente fundamentação, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A SENTENÇA RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
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Condena-se a recorrente em custas (cfr.artº.527, do C.P.Civil) na presente instância de recurso.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 9 de Novembro de 2022. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Anabela Ferreira Alves e Russo.